"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

domingo, junho 09, 2013

Budapest en alerte face à la crue du Danube

franceinter.fr - monde du dimanche 09 Juin à 12H11

budapest en alerte face à la crue du danube © reuters - 2013

BUDAPEST (Reuters) - Le Danube devait atteindre un pic de crue ce dimanche soir à Budapest, où des digues ont été renforcées pour éviter des inondations.

Des dizaines de milliers de personnes ont dû être évacuées dans le bassin du Danube, mais aussi du Rhin, où les inondations ont fait une dizaine de morts la semaine passée.

Avant la Hongrie, l'Allemagne, l'Autriche, la Slovaquie, la Pologne et la République tchèque ont également été frappées par la montée des eaux.

En Hongrie, les autorités sont en alerte depuis vendredi. L'armée et des milliers de volontaires se sont mobilisés le long des berges du Danube, où une trentaine de localités ont été désertées par leurs 1.200 habitants.

"Les inondations approchent du coeur de notre pays, nous pouvons dire que les deux prochains jours seront décisifs", a déclaré le Premier ministre Viktor Orban dimanche lors d'une conférence de presse à Esztergom, au nord de Budapest.

Dans la capitale, le risque de voir des quartiers submergés sous les eaux du Danube se double de menaces sur les égouts. Le système d'évacuation pourrait être saturé, et les eaux usées pourraient refluer à la surface.

On s'attend à ce que la cote du Danube atteigne 8m95 dimanche dans la soirée, une trentaine de centimètres au-dessus du record atteint lors de la crue de 2006.

Krisztina Than; Henri-Pierre André pour le service français

Syrie: l'armée s'apprête à lancer une offensive sur Alep après avoir reconquis Qousseir

RFI - Article publié le : dimanche 09 juin 2013 à 18:55 - Dernière modification le : dimanche 09 juin 2013 à 18:55

 

Un combattant de l’Armée syrienne libre, opposant à Bachar el-Assad, le 7 août dernier à Alep.

Un combattant de l’Armée syrienne libre, opposant à Bachar el-Assad, le 7 août dernier à Alep.

REUTERS/Goran Tomasevic

Par RFI

La bataille d'Alep, est-ce pour bientôt ? Le régime syrien a annoncé ce dimanche 9 juin l'assaut de la grande ville du nord, tenue en grande partie par les rebelles. La semaine dernière, l'armée de Bachar el-Assad, appuyée par le Hezbollah chiite libanais, a repris la région de Qousseir, qui se trouve dans le centre-ouest du pays. Selon les médias officiels, des troupes loyales au pouvoir ont déjà commencé à se déployer dans la province d'Alep.

L'objectif est de reprendre les villes et villages occupés par les rebelles, explique une source gouvernementale. La bataille d'Alep serait alors une question de jours, voire d'heures. Pour l'instant, le régime ne donne pas plus précisions. Mais selon une ONG proche des rebelles, des milliers de soldats sont déjà déployés autour d'Alep, prêts à lancer l'assaut sur l'ancienne capitale économique.

Depuis un an, les combats font rage dans la deuxième ville du pays. Pas un jour sans bombardements... Mais les avions et les hélicoptères de Bachar el-Assad n'ont pas réussi à chasser les rebelles qui occupent toujours trois quarts d'Alep. La victoire de Qousseir a visiblement donné un nouvel élan à l'armée syrienne.

Epaulée par le Hezbollah libanais, elle veut non seulement reprendre les positions rebelles mais aussi couper leurs ravitaillements, notamment en armes à partir de la Turquie. D'après des médias proches du régime, les forces gouvernementales se préparent à attaquer d'autres villes tenues en partie par les insurgés, notamment Homs dans le centre du pays.

O que os media corporativos não contam acerca da explosão social na Turquia

resistir info – 09 jun 2013

por LibreRed [*]

O novo sultão, cartoon de Latuff.Um dos argumentos mais utilizados pelos grandes media de comunicação ocidentais quando se trata de interpretar a origem da explosão social nas ruas da Turquia é a deriva islâmica e autoritária do governo de Recep Tayip Erdogan.
Deste modo, os mass media centram toda a atenção na disjuntiva islamismo-laicismo e autoritarismo-democracia, fazendo uma análise simplista e parcial da realidade que vive estes dias o país euro-asiático.
Mas para analisar com maior profundidade a recente revolta popular nas ruas de cidades como Istambul ou Ancara seria preciso adoptar outra perspectiva e por a lupa nas políticas sócio-económicas que o executivo tem desenvolvido nestes últimos anos.
O governo de Erdogan, integrado pelo Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), chega ao poder no ano de 2002 num contexto de crise económica (crise financeira de 2001) onde acorda um programa de medidas de feitio claramente neoliberal com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que passam pela privatização do sector público, reformas laborais e drásticos cortes sociais.
Um ano depois de chegar ao governo, em 2003, é aberto o caminho à privatização da empresa pública de telecomunicações Turk Telekom
[1] . No ano seguinte, 2004, põem-se à venda companhias de bebida, fábricas de aço e a as Linhas Aéreas Turcas [2] .
Desde então, inicia-se um processo que não tem marcha-atrás. Em 2007, dá-se sinal verde à privatização da empresa pública de tabacos da Turquia, Tekel
[3] . Em 2008, é a vez da rede eléctrica, com a venda de duas companhias de distribuição em Ancara e Sakarya-Kocaeli [4] . Além disso, nesse mesmo ano anuncia-se a venda de banco de propriedade estatal Halkbank e a privatização de 15 por cento das acções da Turk Telekom.
Em 2009, o governo aprova legislação para conceder a água dos rios, dos lagos e das albufeiras às corporações privadas. Isto significa que os recursos hídricos podem ser transferidos a corporações, que até então controlavam só os serviços de distribuição
[5] .
Diante disto, a Confederação dos sindicatos camponeses turcos, Çiftçi-Sen, juntamente com mais de 100 outras forças de oposição social que defendem o reconhecimento do direito à água, constituem uma plataforma chamada "Não à comercialização da água" e manifestam-se maciçamente em 15 de Março de 2009 em Istambul no âmbito do Fórum Mundial da Água
[6] .
Em 2011, o governo de Erdogan inicia as negociações para a privatização
[7] de 2.000 quilómetros de auto-estradas e pontes do país. Desta maneira o executivo turco pretende ceder ao capital privado até nove rodovias com portagem e duas pontes sobre o Bósforo, vias de comunicação muito importantes na área de Istambul.
Através da chamada "Administração de Privatizações" (OIB na sua sigla em turco), Erdogan procurar fazer avançar um pacote de privatizações no país que inclui o têxtil, a mineração, o petróleo, a alimentação e o transporte marítimo, dentre outros sectores
[8] .
Em Fevereiro desse mesmo ano, 10 mil pessoas manifestam-se no centro de Ancara em repúdio à reforma laboral do governo que, entre outras medidas, inclui a redução do salário mínimo para os jovens, a possibilidade de transferência dos funcionários e permite a contratação de empregados sem seguro social
[9] .
Muitos dos presentes à manifestação gritam em coro: "Isto é Ancara, não o Cairo", "Tayyip, chegou a sua vez" e "Tayyip, te desejamos um final [tão] feliz como o de Mubarak".
As directrizes neoliberais aplicadas durante estes últimos anos geraram um aumento da desigualdade social no país. Segundo a revista Forbes, em Istambul, capital financeira da Turquia, havia um total de 35 multi-milionários em Março de 2008 (em comparação com 25 em 2007), situando-se em 4º lugar no mundo. Um relatório para empresários interessados em investir na Turquia elaborado pelo banco espanhol Banesto assegura que "o país está marcado pela existência de fortes desigualdades de rendimento"
[10] . Muitos empregados na Turquia não ganham mais que o salário mínimo de 570 dólares e o rendimento per capita é quase a metade dos rendimentos médios europeus.
Talvez este conjunto de factores ajude a explicar o mal-estar social que deu origem aos distúrbios hoje vividos na Turquia, para além do enfoque liberal que a imprensa do Ocidente pretende dar dos mesmos.

Referências:
[1]
elpais.com/diario/2003/11/12/economia/1068591610_850215.html
[2] spanish.peopledaily.com.cn/spanish/200402/12/sp20040212_72471.html
[3] www.icex.es/...
[4] www.hispanatolia.com/...
[5] www.tni.org/
[6] www.eurovia.org/spip.php?article67&lang=fr
[7] www.cincodias.com/... as/turquia-inicia-privatizacion-2000-kilometros-autopistas/20110830cdscdiemp_16/
[8]
www.oib.gov.tr/index_eng.htm
[9] http://www.abc.es/agencias/noticia.asp?noticia=677519
[10] comercioexterior.banesto.es/...
Ver também:

  • La policía turca ataca sedes del Partido Comunista
  • Masivas marchas en distintas ciudades turcas exigen la dimisión del Gobierno
  • http://occupygezipics.tumblr.com/
  • Esbozos sobre la Condición de la Clase Obrera en Turquía
  • Líder da oposição clama por eleiçõs antecipadas
    O original encontra-se em http://www.librered.net/?p=27218
  • A rede de controle das corporações transnacionais

    luisnassif, dom, 09/06/2013 - 15:43

    Por ramalhino

    Do site ControVérsia

    O Poder corporativo dos intermediários financeiros

    Pesquisa divulgada recentemente revelou dados assombrosos: corporações formam uma gigantesca estrutura em rede, em que grande parte do controle flui para um núcleo pequeno e fortemente articulado de instituições financeiras, que, por sua vez, exerce um poder muito maior do que se poderia supor com base em sua riqueza
    Ladislau Dowbor

    Controlar de forma organizada uma cadeia produtiva gera naturalmente grande poder econômico, político e cultural. Econômico, em razão do imenso fluxo de recursos – em alguns casos, maior do que o PIB de numerosos países –; político, com a apropriação de grande parte dos aparelhos de Estado; e cultural, por meio da mídia de massa, que cria, através de pesadíssimas campanhas publicitárias, uma cultura de consumo e dinâmicas comportamentais que interessam a esse poder.

    É natural e saudável que tenhamos uma grande preocupação em não inventar conspirações diabólicas e maquinações maldosas. Mas ao vermos que no topo dos principais setores econômicos as atividades se reduziram a poucas empresas extremamente poderosas começamos a entender que se trata, sim, de poder político. Agindo no espaço planetário, na ausência de governo mundial, e diante da fragilidade do sistema multilateral, os controladores desses setores manejam grande poder sem contrapeso significativo algum.

    Pesquisa do ETH (Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica),1 pela primeira vez nessa escala, ilumina essa realidade com dados concretos. A metodologia é muito clara. Foram selecionadas 43 mil corporações do banco de dados Orbis 2007 e estudou-se como se relacionam: peso econômico de cada entidade, rede de conexões, fluxos financeiros e em quais empresas cada uma tem participação acionária que permite o controle indireto. O caráter inovador da pesquisa reside no fato de ter estudado as principais corporações do planeta e expandido a metodologia de forma a traçar um mapa de controles do conjunto dessas empresas, incluindo a escala de poder que às vezes corporações menores detêm ao controlar um pequeno grupo de empresas, que, por sua vez, controla uma série de outras empresas, e assim por diante. Temos então exatamente o que o título da pesquisa apresenta: “a rede do controle corporativo global”.

    Em termos ideológicos, o estudo está acima de qualquer suspeita. Antes de tudo, é importante mencionar que o ETH de Zurique faz parte da nata da pesquisa tecnológica, ocupando geralmente o segundo lugar depois do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos. Pesquisadores do ETH já receberam 31 prêmios Nobel, a começar por Albert Einstein. A equipe que trabalhou no artigo entende tudo de mapeamento de redes e da arquitetura que delas resulta. E em nenhum momento tira conclusões políticas apressadas: limita-se a expor de maneira muito sistemática o mapa do poder e a apontar suas implicações.

    Impactos no mercado

    O resultado da pesquisa é claro: “A estrutura da rede de controle das corporações transnacionais impacta a competição de mercado mundial e a estabilidade financeira. Até agora, apenas pequenas amostras nacionais foram estudadas e não havia metodologia apropriada para avaliar globalmente o controle. Apresentamos a primeira pesquisa da arquitetura da rede internacional de propriedade, junto com a computação do controle de cada ator global. Descobrimos que as corporações transnacionais formam uma gigantesca estrutura em forma de gravata borboleta (bow-tie) e que uma grande parte do controle flui para um núcleo (core) pequeno e fortemente articulado de instituições financeiras. Esse núcleo pode ser visto como uma ‘superentidade’ (super-entity), o que levanta questões importantes tanto para pesquisadores como para os que traçam políticas”.

    O controle é definido como participação dos atores econômicos nas ações, correspondendo “às oportunidades de ver seus interesses predominarem na estratégia de negócios da empresa”. Quando se desenha o conjunto da teia de participações, chega-se à noção de controle em rede, que, por sua vez, define o montante total de valor econômico sobre o qual um agente tem influência.

    O modelo analisa o rendimento operacional e o valor econômico das corporações e detalha as tomadas mútuas de participação em ações (mutual cross-shareholdings), identificando as unidades mais fortemente conectadas dentro da rede. “Esse tipo de estrutura, até hoje observado apenas em pequenas amostras, tem explicações como: estratégias de proteção contra tomadas de controle (anti-takeover strategies), redução de custos de transação, compartilhamento de riscos, aumento de confiança e de grupos de interesse. Qualquer que seja sua origem, no entanto, fragiliza a competição de mercado... Como resultado, cerca de três quartos da propriedade das firmas no núcleo ficam nas mãos de firmas do próprio núcleo. Em outras palavras, trata-se de um grupo fortemente estruturado (tightly-nit) de corporações que cumulativamente detêm a maior parte das participações umas nas outras.”

    Esse mapeamento leva por sua vez à análise da concentração do controle. À primeira vista, sendo firmas abertas com ações no mercado, imagina-se um grau relativamente distribuído também do poder de controle. O estudo buscou saber “o quão concentrado é esse controle e quem são os que detêm maior controle no topo”. Isso é uma inovação se comparado aos numerosos estudos anteriores que mediram a concentração de riqueza e renda. Segundo os autores, não há estimativas quantitativas anteriores sobre o controle. O cálculo consistiu em identificar a fração de atores no topo que detém mais de 80% do controle de toda a rede. Os resultados são fortes: “Apenas 737 dos principais atores (top-holders) acumulam 80% do controle sobre o valor de todas as empresas transnacionais (ETN). Isso significa que o controle em rede (network control) é distribuído de maneira muito mais desigual do que a riqueza. Em particular, os atores no topo detêm um controle dez vezes maior do que o que poderia se esperar com base em sua riqueza”.

    Controle quase total

    Combinando o poder de controle dos atores no topo (top ranked actors) com suas interconexões, “concluímos que, apesar de sua pequena dimensão, o núcleo detém coletivamente uma ampla fração do controle total da rede. No detalhe, quase dois quintos do controle sobre o valor econômico das ETNs do mundo, por meio de uma teia complicada de relações de propriedade, estão nas mãos de um grupo de 147 ETNs do núcleo, que detém quase pleno controle sobre si mesmo. Os atores do topo dentro do núcleo podem, assim, ser considerados uma “superentidade” na rede global das corporações. Um fato adicional relevante nesse ponto é que três quartos do núcleo são intermediários financeiros”.

    Os números em si são muito impressionantes e estão causando impacto no mundo científico – e inevitavelmente vão repercutir no mundo político. Os dados não só confirmam como agravam as afirmações dos movimentos de protesto que se referem ao 1% que se apropria dos recursos dos outros 99%. Andy Haldane, diretor executivo de estabilidade financeira do Bank of England, em Londres, comenta que o estudo do ETH “nos deu uma visão instigante do melhor dos mundos para as finanças. Uma análise como a da ‘rede que conduz o mundo’ é bem-vinda porque representa um salto para frente. Os ingredientes-chave para o sucesso em outras áreas têm sido uma linguagem comum e o acesso compartilhado de dados. No presente momento, as finanças não dispõem de nenhum dos dois”. Haldane comenta também a enorme escala do problema: “O crescimento em certos mercados e instrumentos financeiros tem ultrapassado de longe a lei de Moore, que previu que o poder dos computadores dobraria a cada oito meses. O estoque de contratos financeiros emitidos (outstanding financial contracts) atinge agora cerca de catorze vezes o PIB anual global”.2

    Algumas implicações são bastante evidentes. Assim, ainda que na avaliação de alguns analistas citados pela revista New Scientistas empresas se compram umas às outras por razões financeiras e não para dominar o mundo, não ver a conexão entre a concentração de poder econômico e o poder político constitui evidente falta de realismo. Quando numerosos países, a partir dos anos Reagan e Thatcher, reduziram os impostos sobre os ricos, lançando as bases do agravamento recente da desigualdade planetária, não havia dúvidas quanto ao poder político por trás das iniciativas. A lei recentemente aprovada nos Estados Unidos liberando o financiamento de campanhas eleitorais por corporações tem implicações igualmente evidentes. O desmantelamento da legislação que obrigava as instituições financeiras a fornecer informações e regulava suas atividades passa a ter origens claras. A substituição dos impostos sobre os ricos e em particular sobre ganhos financeiros especulativos pelo endividamento público como fonte de recursos governamentais tornou-se o eixo da relação público/privado e está na raiz da crise financeira mundial.

    Fragilidade sistêmica

    Outra conclusão importante diz respeito à fragilidade sistêmica que geramos na economia mundial. Quando há milhões de empresas, há concorrência real – ninguém consegue “fazer” o mercado, ditar os preços e muito menos o uso dos recursos públicos. Esses desequilíbrios se ajustam com inúmeras alterações pontuais, assegurando certa resiliência sistêmica. Com a escalada atual do poder corporativo, as oscilações adquirem outra dimensão. Por exemplo, com os derivativos em crise, boa parte dos capitais especulativos se reorientou para as commodities, levando a fortes aumentos de preços, frequentemente atribuídos de maneira simplista ao aumento da demanda da China por matérias-primas. A volatilidade dos preços do petróleo e dos grãos, em particular, está diretamente conectada a essas estruturas de poder.

    Os autores mostram também as implicações para o controle dos trustes, já que essas políticas operam apenas no plano nacional: “Instituições antitruste ao redor do mundo acompanham de perto estruturas complexas de propriedade dentro de suas fronteiras nacionais. O fato de séries de dados internacionais e métodos de estudo de redes amplas terem se tornado acessíveis apenas recentemente pode explicar como essa descoberta não foi notada durante tanto tempo”. Em termos claros, as corporações atuam no mundo, enquanto as instâncias reguladoras estão fragmentadas em 194 países, sem contar a colaboração dos paraísos fiscais. Gera-se um imenso espaço desgovernado.

    Ponto-chave: os autores chamam a atenção para o efeito do poder do sistema financeiro sobre as outras áreas corporativas. “De acordo com alguns argumentos teóricos, geralmente as instituições financeiras não investem em participações acionárias para exercer controle. No entanto, há também evidência empírica do oposto. Nossos resultados mostram que, globalmente, os atores do topo estão no mínimo em posição de exercer considerável controle, seja formalmente (por exemplo, votando em reuniões de acionistas ou de conselhos de administração) ou por meio de negociações informais.” É o poder dos intermediários, não dos produtores.

    Finalmente, os autores abordam a questão óbvia do clube dos super-ricos: trata-se de “tipos de redes em que mecanismos como ‘ricos ficam mais ricos’ (rich-get-richer) funcionam. O fato de o núcleo estar tão densamente conectado poderia ser visto como uma generalização do fenômeno do clube dos ricos (rich-club phenomenon)”. A presença esmagadora dos grupos europeus e norte-americanos nesse universo reforça também, sem dúvida, as articulações no espírito do “Ocidente desenvolvido”, além de acentuar os desequilíbrios.

    Especulação vs. produção

    O gigantismo é um problema. Trata-se de grupos que controlam recursos em volume muito maior do que sua capacidade de gestão e aplicação racional. Um efeito mais amplo é a tendência de dominação geral dos sistemas especulativos sobre os sistemas produtivos. As empresas efetivamente produtoras de bens e serviços úteis à sociedade teriam todo interesse em contribuir para um sistema mais inteligente de alocação de recursos financeiros, pois são em boa parte vítimas do processo. Nesse sentido, a pesquisa do ETH aponta para uma deformação estrutural do sistema, que em algum momento terá de ser enfrentada.3

    E quanto ao que tanto preocupa as pessoas: a conspiração? A grande realidade que sobressai da pesquisa é que nenhuma conspiração é necessária. Em razão do fato de existir uma articulação em rede e um número tão diminuto de pessoas no topo, não há nada que não se resolva no campo de golfe no fim de semana. Essa rede de contatos pessoais é de enorme relevância. Mas, sobretudo, sempre que os interesses convergem não é necessária nenhuma conspiração para que sejam defendidos solidariamente, como na batalha já mencionada para reduzir os impostos que pagam os muito ricos, para evitar a taxação sobre transações financeiras ou ainda para evitar o controle dos paraísos fiscais. O resultado é essa dupla dinâmica de intervenção organizada para a proteção dos interesses sistêmicos, resultando em corporativismo poderoso e no caos competitivo que trava qualquer organização sistêmica racional. Demasiado fechado e articulado para ser regulado por mecanismos de mercado, poderoso demais para ser regulado por governos eleitos, incapaz de administrar os gigantescos volumes de recursos que controla, o sistema financeiro mundial gira solto, jogando com valores que representam cerca de catorze vezes o PIB mundial.

    O caos financeiro planetário, em última instância, tem uma origem bastante clara, de poucos atores. No pânico mundial gerado pela crise, debatem-se as políticas de austeridade, as dívidas públicas, a irresponsabilidade dos governos, deixando na sombra os atores principais: as instituições de intermediação financeira. No início do pânico da crise financeira, em 2008, a publicação Finance & Development, do FMI, estampou na capa, em letras garrafais, a pergunta “Who’s in charge?” [Quem está no comando?], insinuando que ninguém está coordenando nada. Para o bem ou para o mal, a pergunta está respondida.

    Ladislau Dowbor é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia, e professor titular da PUC-SP. É autor de A reprodução social e Democracia economômica - um passeio pelas teorias (contato http://dowbor.org).

    1   S. Vitali, J. B. Glattfelder e S. Battiston, “The Network of Global Corporate Control” [A rede do controle corporativo global], ETH Zurique. Disponível em: <www.plosone.org/article/related/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0025995
    ;jsessionid=31396C5427EB79733EE5C27DAFBFCD97.ambra02>.

    2   Andy Haldane, “The Money Forecast” [A previsão do dinheiro], New Scientist, 10 dez. 2012. O fato de esse “mercado de papel” que gira no sistema caóticoe sem regulação atingir esse volume é simplesmente assustador.

    3   Krugman e Wells resumem bem a questão central: o desvio de recursos necessários ao fomento da economia para atividades especulativas. No caso dos Estados Unidos, “a produtividade do país diminuiu após deixar o capital à mercê da falácia financeira, dos pacotes de compensação absurdos e das cotações das Bolsas infectadas pela bolha”. Paul Krugman e Robin Wells, “Por qué las caídas son cada vez mayores” [Por que as quedas são cada vez maiores], Nueva Sociedad, n.236, nov.-dez. 2011.

    Demorou, quem sabe se começa a descobrir essas relações. Se esse tipo de estudo chega-se a encontrar uma relação do setor financeiro com o Banco de Compensações Internacionais (Banco Central dos Bancos Centrais) eu não me assustaria.

    J. Carlos de Assis: Na política econômica de Dilma, nem uma coisa, nem outra

    viomundo - publicado em 9 de junho de 2013 às 12:07

    Manchete da Folha a respeito da política econômica do governo Dilma

    03/06/2013

    A única coisa que salva a política econômica é a ameaça de uma pior

    Ao lado da incapacidade de implementar uma política de investimento público que arrastasse o privado, a política econômica não se livrou da burrice do tripé juros altos, superávit primário elevado e câmbio solto herdada de FHC.

    J. Carlos de Assis, na Carta Maior

    Os ciclos de alta e baixa das economias dependem muitas vezes menos dos homens que das circunstâncias internacionais. Contudo, a crise na qual começa a mergulhar a economia brasileira é uma crise que se explica pela péssima condução da política econômica.

    Mais do que isso, é uma crise de ausência de política econômica em aspectos críticos centrais para o desempenho da economia brasileira num contexto internacional mal aproveitado, no início, e não adequadamente enfrentado agora.

    Não sabemos para onde o mundo vai. E não sabemos para onde o Governo nos quer levar.

    Vivemos nos anos 2002 a 2008, como se fosse eterno, o miniciclo fabuloso das commodities que elevou para níveis inéditos os preços e as quantidades por nós exportadas de matérias primas minerais e agrícolas, puxados pela China.

    Entregamo-nos ao conforto de acumular reservas sem nenhum esforço, pois, obviamente, isso não dependia de genialidade dos condutores da política econômica.

    Mantivemos, com Meirelles, taxas de juros basicas escorchantes, a despeito da confortável situação externa em reservas. 

Quando veio a crise de 2008, fizemos, sim, alguma coisa realmente inteligente: o Tesouro repassou em dois anos ao BNDES algo como 180 bilhões de reais para financiar investimentos em 2009 e 2010.

    Junto veio a desoneração fiscal de produtos duráveis de consumo. Foi apresentada como política anticíclica, e realmente funcionou no caso dos automóveis.

    Acontece que a indústria automobilística se tornou “dependente” da desoneração, e o Governo acabou como refém dela. Como conseqüência, estamos com nossas vias públicas, nas grandes metrópoles, entupidas de carros, sem escoamento e sem alternativa de adequados serviços públicos de transportes.

    O lado do investimento público propriamente dito ficou totalmente relegado a segundo plano, ou bloqueado por razões burocáticas e judiciais. Ao mesmo tempo, insistiu-se na política de geração de superávit primário.

    Numa situação em que o setor privado parou de investir, mesmo com os estímulos da desoneração, a acumulação de superávits primários tem efeito necessariamente contracionista, já que o Governo está retirando da sociedade, via impostos, mais do que lhe está devolvendo em forma de investimentos e compras.

    Por isso, sobretudo por isso, temos um Pibinho.

    Com a desoneração fiscal e a auto-imposta geração de superávit primário, os ortodoxos presentes no Governo – já que nossa política econômica continua sendo dominada pelo conflito entre ortodoxia e heterodoxia, sendo o ministro Mantega nem uma coisa nem outra – começaram a advertir que o Estado estava quebrado e não podia, ele mesmo, liderar o processo de desenvolvimento com investimentos públicos.

    Decorreu disso a prevalência no espírito de nossa Presidenta da ilusão de que fará desenvolvimento de infraestrutura no Brasil com PPP (Parcerias Público-Privadas).

    Essa ilusão vai passar logo, diante da frustração revelada pelos fatos: o setor privado não quer PPP, que gera obrigações (mesmo a partir de empréstimos a baixo custo); quer simplesmente fazer grandes obras públicas a fundo perdido, receber pelos contratos e pular fora. Foi assim que se fez infraestrutura no Brasil e no mundo, e não será agora que isso vai mudar.

    Como conseqüência, temos 7,5 mil quilômetros de rodovias e ferrovias licitadas na foram de PPP e para as quais não apareceu ganhador. 
O resultado disso tudo é que não temos investimentos adequados em infraestrutura. Certamente que temos uma política de assistência social efetiva e que merece todo o apoio da sociedade.

    Contudo, é uma ilusão pensar que uma política assistencialista, por mais justa que seja, vá sobreviver indefinidamente se a base da estrutura da economia afunda, e com ela as classes médias. Veja a Europa Ocidental: o “consenso” imposto pela Alemanha em torno de políticas de “austeridade” nada mais é que a destruição do Estado de bem estar social nos paises vítimas.

    Ao lado da incapacidade de implementar uma política de investimento público que arrastasse o privado, a política econômica não se livrou da burrice do tripé juros altos, superávit primário elevado e câmbio solto herdada de FHC. Não entendeu que isso só deu certo por conta dos chineses, como observado acima.

    Em conseqüência, deixamos o câmbio valorizar na hora errada, prejudicando a médio e longo prazo nossa indústria de manufaturados e, em especial, a de bens de capital. Agora tudo conspira contra nós: a queda da balança comercial, a inflação que a mídia exagera, o câmbio e até o juro, que voltou a ser o expediente “sujo” para o equilíbrio externo e interno.

    Do ponto de vista ideológico, capitulamos à essência da agenda neoliberal: a Fazenda assumiu o discurso e a prática da desoneração tributária, sem se dar conta de que o Estado mínimo é justamente isso, um meio de os ricos pagarem menos impostos; assumiu também, em conseqüência, a retórica de que é o setor privado, não o Governo, que irá liderar o investimento; confia nos juros para controlar a inflação, com “vergonha” de atacar heterodoxamente pontos essenciais da inflação como a indexação de preços de serviços públicos que ainda contamina a economia, bem como a questão de estoques de produtos agrícolas de largo consumo.

    Da presidenta Dilma, que tem formação econômica, espera-se que intervenha na política econômica para o bem do Brasil e a salvação de nossa juventude. A ideia, posta em circulação por “O Globo”, de que o Governo já deu 2013 como perdido e vai se concentrar no ano eleitoral de 2014 é uma intriga, um insulto à opinião pública.

    Acho que a Presidenta será reeleita mesmo com zero por cento de crescimento do PIB, algo bastante provável, com Mantega na Fazenda e com Tombini no BC.

    É que no momento em que escrevo ouço, de meu escritório, um pronunciamento eleitoral de Aécio Neves pela TV da sala: ele diz que o Governo gasta mais do que arrecada, e que o destino do Brasil, além de cortar gastos públicos, depende de gestão!

    A mesa está pronta. Façam suas apostas!

    J. Carlos de Assis é economista, professor de economia internacional da UEPB e autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus” (ed. Civilização Brasileira).

    PS do Viomundo: Ao trazer a direita para dentro do governo, Dilma Rousseff aprofundou a ambiguidade que paralisa. Nem com os indígenas, nem com os ruralistas. Nem com os gays, nem com os evangélicos. Nem uma coisa, nem outra.

    Mauro Santayana: De igual para igual, sem canto de sereias

    viomundo - publicado em 8 de junho de 2013 às 10:40

    Dilma e Joe Biden, na visita do vice-presidente americano ao Brasil. Foto: Wilson Dias/ABr

    por Mauro Santayana, em seu blog

    A vinda do vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ao Brasil, e a confirmação da visita de Estado da Presidente Dilma Rousseff aos EUA, apontam para uma mudança de patamar nas relações entre os dois países.

    Tradicionalmente avessos a uma aproximação maior com a América do Sul, os Estados Unidos parecem ter subitamente despertado para a importância do Brasil na região e no mundo. Entre outros fatos, essa presença internacional explica a recente vitória do Brasil na OMC, contra o voto contrário de 26 países da União Européia e dos próprios EUA.

    O Brasil, hoje, por qualquer ângulo que se veja, é o parceiro necessário na região.

    O maior projeto petroquímico do México está sendo executado por uma empresa brasileira. Pouco ao leste, no mar das Antilhas, a obra mais importante de Cuba, o novo Porto de Mariel, é financiada pelo Brasil e está sendo realizado por outra empresa brasileira, assim como novas usinas da Azcuba, estatal de produção de açúcar, e de vários projetos de modernização agrícola. Na Bolívia, a venda de gás ao Brasil é de importância vital para aquele país, que nos envia, todos os dias, 30 milhões de metros cúbicos.

    Também na Bolívia e no Peru, o Brasil projeta e constrói a rodovia e a ferrovia transoceânicas, que irão nos levar aos portos do Pacífico e facilitar o incremento das relações comerciais entre os dois lados do continente. Ainda no Peru, empresas brasileiras abrem túneis nas montanhas dos Andes, para levar águas para a irrigação de áreas áridas. No Paraguai, o Brasil financia e constrói uma linha de transmissão de energia de Itaipu ao oeste do país. Na Argentina, o maior projeto em discussão hoje, é o da exploração das reservas de potássio de Rio Colorado, a ser executada por uma empresa brasileira.

    Apoiado por pela Espanha e pelo México, os EUA tentam contrabalançar o papel do Brasil na América Latina, com iniciativas como a Aliança do Pacífico. Trata-se de esforço inútil, já que o Brasil é o maior parceiro latino-americano comercial de todos os países envolvidos. Além disso, a Aliança não pode concorrer com a UNASUL ou o com Conselho de Defesa da América do Sul, instituições das quais Peru, Colômbia e Chile são membros plenos, e compartilham com o Brasil importantes projetos, como o do novo avião militar de transporte da EMBRAER, o KC-390 ou o desenvolvimento de lanchas de patrulha fluviais para a Amazônia.

    Biden fez questão de ressaltar alguns aspectos que valorizam o papel do Brasil no mundo, como o fato de ser a sétima maior economia e de ter um PIB maior que o da Rússia, ou o da Índia e omitiu outros, como a posição do Brasil como terceiro maior credor externo dos EUA.

    Devemos estreitar, de igual para igual, o diálogo com os EUA, sem nos deixarmos seduzir pelo canto de suas sereias. Eles têm seus interesses e nós temos os nossos. Eles têm o Nafta – e nós temos o Mercosul e os Brics.

    A Nostalgia das Ossadas

    recebido por e-mail, 06 jun 2013
    "Uma revolução não é o mesmo que convidar alguém para jantar, escrever um ensaio, ou pintar um quadro... Uma revolução é uma insurreição, um ato de violência pelo qual uma classe derruba a outra"(Mao Tse Tung)

    Por Roberto Campos

    Dizia-me um amigo argentino, nos anos 60, que seu país, rico antes da Segunda Guerra, optara no pós-guerra pelo subdesenvolvimento e pelo terceiromundismo. E não se livraria dessa neurose enquanto não se livrasse de três complexos: o complexo da madona, o fascínio das ossadas e a hipóstase da personalidade. Duas madonas se tinham convertido em líderes políticos - Evita e Isabelita. As ossadas de Evita foram alternativamente sequestradas e adoradas, exercendo absurdo magnetismo sobre a população. E a identidade nacional era prejudicada pelo fato de o argentino ser um italiano que fala espanhol e gostaria de ser inglês...

    A Argentina parece ter hoje superado esses complexos. Agora, é o Brasil que importa (sem direitos aduaneiros como convêm ao Mercosul) um desses complexos.

    Os estrangeiros que abrem nossos jornais não podem deixar de se impressionar com o espaço ocupado pelas ossadas: as ossadas sexuais de PC Farias, as ossadas ideológicas dos guerrilheiros do Araguaia e as perfurações do esqueleto do capitão Lamarca! Em vez de importarmos da Argentina a tecnologia de laticínios, estamos importando peritos em "arqueologia moderna", para cavoucar as ossadas do cemitério da Xambioá. Há ainda quem queira exumar cadáveres e ressuscitar frangalhos do desastre automobilístico que matou Juscelino, à procura de um assassino secreto. Em suma, estamos caminhando com olhos fixos no retrovisor. E o retrovisor exibe cemitérios.

    Na olimpíada mundial de violência, os militares brasileiros da revolução de 1964 não passariam na mais rudimentar das eliminatórias. Perderiam feio para os campeões socialistas, como Lênin, Stálin e Mao Tsé-Tung. Seriam insignificantes mesmo face a atletas menores, como Fidel Castro, Pol Pot, do Camboja, ou Mengistu, da Etiópia.

    Os 136 mortos ou desaparecidos em poder do Estado, ao longo das duas décadas de militarismo brasileiro, pareceriam inexpressivos a Fidel, que só na primeira noite pós-revolucionária fuzilou 50 pessoas num estádio. Nas semanas seguintes, na Fortaleza La Cabaña, em Havana, despachou mais 700 (dos quais 400 membros do anterior governo). E ao longo de seus 37 anos de ditadura, estima-se ter fuzilado 10 mil pessoas. Isso em termos da população brasileira equivaleria a 150 mil vítimas. Tiveram de fugir da ilha, perecendo muitos afogados no Caribe, 10% da população, o que, nas dimensões brasileiras, seria equivalente à população da Grande São Paulo.

    Definitivamente, na ginástica do extermínio, os militares brasileiros se revelaram singularmente incompetentes. Também em matéria de tortura nossa tecnologia é primitiva, se comparada aos experimentos fidelistas no Combinado del Este, na Fortaleza La Cabaña e nos campos de Aguica e Holguín. Em La Cabaña havia uma forma de tortura que escapou à imaginação dos alcaguetes da ditadura Vargas ou dos "gorilas" do período militar: prisioneiros políticos no andar de baixo recebiam a descarga das latrinas das celas do andar superior.

    O debate na mídia sobre os guerrilheiros do Araguaia precisa ser devidamente "contextualizado" (como dizem nossos sociólogos de esquerda). Sobretudo em benefício dos jovens que não viveram aquela época conturbada. A década dos 60 e o começo dos 70 foram marcados mundialmente por duas características: uma guinada mundial para o autoritarismo e o apogeu da Guerra Fria. Basta notar que um terço das democracias que funcionavam em 1956 foram suplantadas por regimes autoritários nos principais países da América Latina, estendendo-se o fenômeno à Grécia, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e à própria Índia, onde Indira Ghandi criou um período de exceção.

    Na América Latina, alastrou-se o que o sociólogo O'Donnell chamou de "autoritarismo burocrático". O refluxo da onda democrática só viria nos anos 80, que assistiria também à implosão das ditaduras socialistas.

    Uma segunda característica daqueles anos foi a agudização do conflito ideológico. Na era Kennedy (1961-63), que eu vivenciei como embaixador em Washington, houve nada menos que duas ameaças de conflito nuclear. Uma, em virtude do ultimato de Kruschov sobre Berlim, e outra, a crise dos mísseis em Cuba. Em meados da década, viria a tragédia do Vietnã.

    É nesse contexto que deve ser analisado o episódio dos guerrilheiros do Araguaia e da morte de Lamarca. Não se tratavam de escoteiros, fazendo piqueniques na selva com canivetes suíços. Eram ideólogos enraivecidos, cuja doutrina era o "foquismo" de Che Guevara: criar focos de insurreição, visando a implantar um regime radical de esquerda. Felizmente fracassaram, e isso nos preservou do enorme potencial de violência acima descrito.

    Durante nossos "anos de chumbo", não só os guerrilheiros sofreram; 104 militares, policiais e civis, obedecendo a ordens de combate ou executados por terroristas, perderam a vida. Sobre esses, há uma conspiração de silêncio e, obviamente, nenhuma proposta de indenização. Qualquer balanço objetivo do decênio 1965-75 revelará que no Brasil houve repressão e desenvolvimento econômico (foi a era do "milagre brasileiro"), enquanto nos socialismos terceiromundistas e no leste europeu houve repressão e estagnação.

    É também coisa de politólogos românticos pensar que a revolução de 1964 nada fez senão interromper um processo normal de sucessão democrática. A opção, na época, não era entre duas formas de democracia: a social e a liberal. Era entre dois autoritarismos: o de esquerda, ideológico e raivoso, e o de direita, encabulado e biodegradável.

    Hoje se sabe, à luz da abertura de arquivos, que a CIA e o KGB (que em tudo discordam) tinham surpreendente concordância na análise do fenômeno brasileiro: o Brasil experimentaria uma interrupção no processo democrático de substituição de lideranças. Reproduzindo o paradigma varguista, Jango Goulart, pressionado por Brizola, queria também seu "Estado Novo". Apenas com sinais trocados: uma república sindicalista.

    As embaixadas estrangeiras em Washington, com as quais eu mantinha relações como embaixador brasileiro, admitiam, nos informes aos respectivos governos, três cenários para a conjuntura brasileira: autoritarismo de esquerda, prosseguimento da anarquia peleguista com subsequente radicalização, ou guerra civil de motivação ideológica. Ninguém apostava num desenlace democrático...

    Parece-me também surrealista a atual romantização pela mídia (com repercussões no Judiciário) da figura do capitão Lamarca, que as Forças Armadas consideram um desertor e terrorista. Ele faz muito melhor o perfil de executor do que de executado. Versátil nos instrumentos, ele matou a coronhadas o tenente Paulo Alberto, aprisionado no vale da Ribeira, fuzilou o capitão americano Charles Chandler, matou com uma bomba o sargento Mário Kozell Filho, abateu com um tiro na nuca o guarda-civil Mário Orlando Pinto, com um tiro nas costas o segurança Delmo de Carvalho Araujo e procedeu ao "justiçamento" de Márcio Leite Toledo, militante do Partido Comunista que resolvera arrepender-se.

    Aliás, foram dez os "justiçados" pelos seus próprios companheiros de esquerda. Se o executor acabou executado nos sertões da Bahia, é matéria controvertida. Os laudos periciais revelam vários ferimentos, mas nenhum deles oriundo de técnicas eficientes de execução que o próprio Lamarca usara no passado: tiro na nuca (metodologia chinesa), tiro na cabeça (opção stalinista) ou fuzilamento no coração (método cubano). As Forças Armadas têm razão em considerar uma profanação incluir-se Lamarca na galeria de heróis.

    As décadas de 60 e 70, no auge da Guerra Fria, foram épocas de imensa brutalidade. Merecem ser esquecidas, e esse foi o objeto da Lei de Anistia, que permitiu nossa transição civilizada do autoritarismo para a democracia. Deixemos em paz as ossadas. Nada tenho contra a monetização da saudade, representada pela indenização às famílias das vítimas. Essa indenização é economicamente factível no nosso caso. Os democratas cubanos, quando cair a ditadura de Fidel Castro, é que enfrentariam um problema insolúvel se quisessem criar uma "comissão especial" para arbitrar indenizações aos desaparecidos. Isso consumiria uma boa parte do minguado PIB cubano!

    Nosso problema é saber se a monetização da saudade deve ser unilateral, beneficiando apenas as famílias dos que se opunham à revolução de 1964. Há saudades, famílias e ossadas de ambos os lados.

    Roberto Campos, economista e diplomata já falecido, foi, entre outros cargos, embaixador nos Estados Unidos, deputado federal, senador e ministro do Planejamento. É autor de diversas obras sobre política e economia, destacando-se suas memórias com o título "A Lanterna na Popa" (Ed. Topbooks, 1994). Texto publicado  os jornais  O Globo e Folha de São Paulo , em 04.08.1996.

    DESLUMBRANDO O LITORAL DE GOVERNADOR CELSO RAMOS A IMBITUBA

    Hélio Riche Bandeira, Porto Alegre, RS, 09 de junho de 2013

    A maioria das pessoas busca fama e fortuna. Mas pense no quanto há na natureza que você já possui - estrelas, lua, montanhas, mares, rios e árvores.

    (Ensinamento zen budista)

    Na sociedade atual passamos grande parte de nosso tempo com a preocupação da conquista de posições e bens materiais e nessa frenética corrida muitas vezes deixamos de reconhecer os verdadeiros valores que a vida nos proporciona. Refletindo sobre isso e incentivado pelos meus amigos Jair Romagnoli e Alvares Fernando da Silva, resolvemos empreender uma viagem de caiaque da Praia de Calheiros em Governador Celso Ramos até a Praia da Ribanceira em Imbituba, onde poderíamos conviver e aprender um pouco mais com a natureza.

    O caiaque oceânico foi escolhido por nossa equipe como esporte e meio de transporte pela sua versatilidade, autonomia e, principalmente, por possibilitar uma integração harmônica com o ambiente percorrido.

    Há algo de sublime em enfiar um remo na água e sair deslizando rio abaixo em silêncio, impelido por seus próprios braços. Ou em cruzar a arrebentação ao amanhecer, saindo para um dia de alto mar. Talvez seja o fato de que um barco a remo lhe dá acesso a lugares inéditos. Ou talvez seja a sensação de independência, de autoconfiança, que lhe dá descobrir este novo mundo. (BECK, 2006, p. 82)

    Esta jornada seria minha primeira viagem marítima, pois até então só havia feito travessias longas de caiaque em água doce, principalmente na Laguna dos Patos. Diferente de minha inexperiência meus companheiros já haviam se aventurado de Porto Belo a Tijucas. Porém a ansiedade para o começo da viagem era comum aos três.

    No começo da manhã do dia 15 de dezembro me desloquei de Viamão para a casa do Alvares em Alvorada. Após minha chegada acomodamos os três caiaques na camionete do Jair e com tudo pronto partimos em direção a Santa Catarina por volta das 08h00min.

    A viagem transcorreu tranquila, deslocamo-nos até o Camping e Pousada Padang na Praia da Ribanceira em Imbituba, local do fim de nossa remada. Seus proprietários, Marcelo e Bruno Celaro, gentilmente permitiram deixar meu carro no camping até o dia de nossa chegada. Passei então para a camionete do Jair e rumamos para o local do início de nossa remada.

    Ao chegar à Praia de Calheiros em Governador Celso Ramos, descarregamos nossos caiaques e tralhas na praia e o Jair foi deixar seu carro estacionado no Hotel Maranata. O Sr. Egídio, proprietário do hotel, só estranhou em hospedar um carro sem seus ocupantes e por nunca ter feito isto deixou para nós estipularmos a diária.

    Da Praia de Calheiros a Praia do Sissial

    1ª ETAPA: PRAIA DE CALHEIROS – PRAIA DO SISSIAL

    15/12/2012

    Local                                                                     Distância (Km)

    Praia de Calheiros (27°18’58’’S 48°33’40’’W)                     0,00

    Ilha Grande (27°18’20’’S 48°31’57’’W)                              4,51

    Ilha na Praia de Palmas (27°19’47’’S 48°31’34’’W)              7,33

    Praia dos Ilhéus (27°20’29’’S 48°31’32’’W)                        9,00

    Praia do Sissial (27°21’00’’S 48°32’06’’W)                         10,65

    Iniciamos nossa jornada por volta das 16h00min, tínhamos tempo suficiente para fazer um pequeno percurso e montar acampamento, pois ainda restavam algumas horas de sol. No primeiro trecho passamos pelas praias de Ganchos do Meio, Ganchos de Fora e outras menores, todas estas com características de águas calmas, belas formações rochosas, criações de mariscos e diversos barcos coloridos de pesca.

    Ao contornar a ponta norte pegamos mar aberto, porém o vento estava fraco e a remada continuou tranquila. Rumamos em direção a Ilha Grande, passamos pela Praia de Palmas, a maior e mais badalada de Governador Celso Ramos, e paramos sem descer dos caiaques na Ilha de Palmas para admirar e fotografar sua beleza nativa com uma vegetação na qual se destacavam diversas palmeiras em meio de seus rochedos.

    Energizados pela beleza da ilha seguimos pelos costões ainda inalterados por construções humanas, pela nativa Praia dos Ilhéus e chegamos à Praia do Sissial, local de nosso acampamento selvagem.

    A Praia do Sissial tem em torno de 100 metros de extensão e é uma belíssima praia deserta com acesso por trilhas através dos costões das praias Grande e Ilhéus. Possui apenas uma cabana rústica de pescador com uma mangueira de água doce vinda de um riacho.

    Montei minha barraca e meus amigos suas redes abrigadas sob uma cobertura de lona, após jantamos e fomos descansar para a longa jornada do dia seguinte.

    Da Praia do Sissial a Ribeirão da Ilha

    2ª ETAPA: PRAIA DO SISSIAL – RIBEIRÃO DA ILHA

    16/12/2012

    Praia do Sissial (27°21’00’’S 48°32’06’’W)                                              0,00     

    Praia das Bananeiras (27°22’21’’S 48°31’46’’W)                                      2,68

    Praia da Armação da Piedade (27°22’43’’S 48°32’07’’W)                          5,51

    Ilha do Maximiliano (início Baia dos Golfinhos) (27°24’21’’S 48°33’30’’W)   9,30

    Ilha de Anhatomirim (27°25’37’’S 48°33’54’’W)                                     12,14

    Ilha de Ratones Grande (27°28’20’’S 48°33’43’’W)                                17,52

    Praia de Cacupe (27°32’26’’S 48°31’40’’W)                                           26,81

    Forte de Santana (27°35’35’’S 48°33’50’’W)                                         33,88

    Praia da Base Aérea (27°40’27’’S 48°34’17’’W)                                     43,49

    Ilha das Laranjeiras (27°41’30’’S 48°34’13’’W)                                      45,45

    Ilha Maria Francisca (27°41’51’’S 48°33’53’’W)                                      46,38

    Ribeirão da Ilha (27°42’43’’S 48°33’38’’W)                                           49,17

    O dia 16 de dezembro amanheceu nublado e com pouco vento, o ideal para uma longa remada. Desmontamos acampamento, tomamos café, tiramos algumas fotos da bela e agreste Praia do Sissial e seguimos viagem. Passamos pelas praias Grande, do Rancho, das Bananeiras, do Defunto e das Cordas, todas separadas por pequenos avanços rochosos, e após cruzamos a Ponta da Armação, que apesar de possuir diversos casarões extremamente luxuosos perdeu um pouco da magia da beleza natural dos morros selvagens.

    Seguindo esta ponta passamos pela pequena Praia da Figueira e contornamos a bem preservada Ponta do Mata Mata para então desembarcarmos nas águas calmas e protegidas da Praia da Armação da Piedade, junto da antiga igreja.

    A Igreja Nossa Senhora da Piedade, localizada no bairro de Armação da Piedade, começou a ser construída em 1738 e concluída em 1745. Em estilo colonial português, mantém as características das igrejas setencentistas, com frontão triangular. Tombada pelo IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - é tida como a primeira igreja edificada em Santa Catarina, no século XVIII, ainda utilizando óleo de baleia na argamassa, e localizada ao lado das ruínas da antiga Armação da Piedade. Em 1839, a Armação da Piedade foi incorporada à Marinha. Atualmente é núcleo de pescadores que conservam principalmente aspectos tradicionais da pesca artesanal. (PREFEITURA DE GOVERNADOR CELSO RAMOS)

    Fotografamos este monumento histórico e seu entorno e seguimos nossa jornada agora numa travessia de aproximadamente 4 km até a Ilha do Maximiliano, localizada no início da Baía dos Golfinhos. Já dentro da baía remamos com cuidado e olhares atentos para encontrar seus ilustres habitantes, mas infelizmente não tivemos êxito neste nosso intento. Seguimos então para a ilha de Anhatomirim, local da antiga e bem preservada Fortaleza de Santa Cruz.

    No século XVIII, os portugueses construíram quatro fortalezas: três na Baía Norte, na Ilha de Santa Catarina, e a maior delas na Ilha de Anhatomirim, próxima à porção continental da Baía Norte e já em águas do município de Governador Celso Ramos. Denominada Fortaleza de Santa Cruz, é uma edificação imponente, de arquitetura lusitana e influência renascentista. Entre os importantes episódios históricos ocorridos na Ilha constam o desfecho da Revolução Federalista, em 1894, que culminou com a execução de centenas de revoltosos. Atualmente, a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim está completamente restaurada e dispõe de boa infraestrutura turística: restaurante, lanchonete, loja de souvenires.

    (PREFEITURA DE GOVERNADOR CELSO RAMOS)

    Chegando a ilha desembarcamos junto do trapiche e entrada principal do forte. Ainda era cedo e ele não havia sido aberto para o público, mas o rapaz que cuidava do local cordialmente nos deixou entrar e fotografar este magnífico patrimônio cultural. Após esta volta ao passado seguimos na direção de Florianópolis, na Ilha de Ratones Grande, local de outra fortificação da mesma época.

    Remamos pouco mais de 5 km até a ilha, na qual chegamos quase junto com uma escuna repleta de turistas. Ao descermos nos dirigimos ao gentil zelador do local, que além de nos franquear a entrada também nos relatou uma história de um velejador que fazendo uma travessia em uma pequena embarcação pediu ajuda e abrigo na ilha e por lá permaneceu por três dias até o vento trocar de direção.

    Entramos na fortaleza para apreciar e fotografar suas belezas históricas e seu entorno magnífico. Das suas muralhas podia-se ver a Ilha de Anhatomirim e o Pontal da Daniela demonstrando sua importância tática. De lá também presenciamos uma linda fragata que mergulhou e saiu com um belo peixe em seu bico.

    A Fortaleza de Santo Antônio de Ratones começou a ser construída em 1740, segundo projeto original do Brigadeiro José da Silva Paes, funcionando como um dos vértices do sistema triangular de defesa da Barra Norte da Ilha de Santa Catarina. No Século XVIII contava com duas baterias de canhões, armadas com 14 peças de artilharia. Entre meados do Século XIX, até o início do Século XX, já em ruínas, algumas construções dessa Fortaleza foram utilizadas para a instalação de um Lazareto, que abrigou doentes contaminados por moléstias contagiosas. Posteriormente, funcionou ainda como depósito de carvão da Marinha do Brasil. Durante a década de 1980, em completo estado de abandono e de ruínas, foi palco de uma grande campanha pública pela sua preservação. Pertencente ao Ministério da Marinha e tombada como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde 1938, a Fortaleza foi restaurada entre os anos de 1990 e 1991, quando passou a ser gerenciada pela Universidade Federal de Santa Catarina.

    (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA)

    O local era magnífico, mas ainda tínhamos muitos quilômetros pela frente, então novamente seguimos viagem agora numa grande travessia de quase 10 km até a Praia de Cacupe pelas calmas e abrigadas águas da baía norte de Florianópolis. Neste trecho passamos pela agreste Ilha de Ratones Pequeno a oeste e o histórico povoado de Santo Antonio de Lisboa a leste.

    Esta grande travessia nos deu fome e ao chegar a Cacupe fui pegar informações de restaurantes ou barzinhos em uma pequena casa na beira da praia. O senhor que residia nela me contou que trabalhava para um professor da universidade que havia ido para Santos comprar um caiaque igual ao meu para executar suas pesquisas, me orientou que tinha um restaurante após a curva e me convidou para almoçar junto com sua família, ao que eu agradeci, mas não pude aceitar, pois meus amigos já estavam remando bem adiante.

    Ao chegar à praia o Jair foi até o restaurante, mas este era muito chique e optamos por fazer um lanche com nossos mantimentos. Neste ponto eu estava com um pouco de dor de cabeça e após a refeição e um breve descanso seguimos viagem noutra travessia agora de 7 km na direção da Ponte Hercílio Luz que se avistava ao longe.

    Neste trecho de remada passaram por nós diversas lanchas e jet skis em alta velocidade e a paisagem bucólica até então começava a dar passagem para o predomínio dos grandes prédios de Florianópolis.

    Chegando à ponte desembarquei junto do pequeno e simpático Forte Santana, construído entre 1761 e 1765 para cruzar fogos com o não mais existente Forte São João que se encontrava na outra margem. Sentei-me à sombra para ver se diminuía a dor de cabeça e enquanto descansava meus amigos Alvares e Jair ficaram admirando e fotografando a bela e antiga ponte pênsil.

    Idealizada pelo vice-governador do Estado da época, Hercílio Pedro da Luz, e projetada por dois engenheiros norte-americanos, a ponte foi inaugurada em 13 de maio de 1926, quase dois anos depois da morte do político, principalmente para facilitar a travessia entre a ilha e o continente, trajeto feito até então por balsas e pequenas embarcações. Com uma extensão de mais de 821 metros, a altura de suas torres principais é de mais de 74 metros. (BOLDORINI)

    Novamente tínhamos uma grande travessia de aproximadamente 10 km até a Praia da Base Aérea agora navegando na baía sul de Florianópolis. Nesta etapa passamos por baixo das duas novas pontes que ligam a ilha ao continente, pelo Iate Clube Veleiros da Ilha, pela pequena Ilha Tick e por uma grande área de mangue que ia até perto da base aérea.

    Chegando a bem organizada e privativa Praia da Base desembarcamos junto da vila militar e eu fui me identificar. Fui gentilmente atendido pelo Ten. Peterson, que além de autorizar nossa parada me conseguiu um remédio para dor de cabeça e água gelada.

    Faltavam agora pouco menos de 6 km para o trecho final deste dia. Saímos remando em direção da graciosa Ilha das Laranjeiras e depois da Ilha Maria Francisca, para finalmente chegar, cruzando uma grande criação de ostras, a Ribeirão da Ilha.

    Situada na Baía Sul da Ilha, distante 27 km do centro, o distrito de Ribeirão da Ilha foi a primeira comunidade europeia de Florianópolis. Historiadores datam em 1506 a chegada dos primeiros navegadores europeus ao local, e no século XVIII sua povoação efetiva. As várias e pequenas praias do distrito possuem águas muito calmas e areia grossa. O casario típico açoriano preservado é uma das mais fortes características do Ribeirão da Ilha, sendo um dos mais importantes conjuntos arquitetônicos históricos da Ilha de Santa Catarina. As ruas estreitas e a vida tranquila dos moradores dão um charme todo especial a Ribeirão da Ilha. (HERTZOG)

    Desembarcamos perto de um restaurante e enquanto o Avares procurava um amigo seu residente neste local para ver se podíamos pernoitar em sua casa, eu e o Jair ficamos observando as dezenas de gaivotas, garças e biguás que vinham se alimentar com os restos de peixes dos restaurantes jogados para eles. Algum tempo depois, enquanto ainda admirávamos a fauna local, o Alvares retornou acompanhado de seu amigo Álvaro e sua esposa Eliane. Este simpático casal além de nos acolher em sua casa conseguiu uma garagem para deixarmos nossos caiaques em segurança.

    De Ribeirão da Ilha a Garopaba

    3ª ETAPA: RIBEIRÃO DA ILHA – GAROPABA

    17/12/2012

    Ribeirão da Ilha (27°42’43’’S 48°33’38’’W)                                   0,00

    Ponta da Caiacanga-açu (27°45’49’’S 48°34’46’’W)                       6,79

    Ilha com farolete (27°48’53’’S 48°34’43’’W)                               12,54

    Ilha de Araçatuba (27°50’28’’S 48°34’29’’W)                              15,46

    Piscina natural na Ponta do Papagaio (27°51’09’’S 48°34’44’’W)   17,07

    Ponta da Pinheira (27°52’36’’S 48°34’27’’W)                               20,02

    Guarda do Embaú (27°54’14’’S 48°35’06’’W)                              24,36

    Praia de Gamboa (27°57’36’’S 48°37’06’’W)                                31,45

    Ilha de Siriu (27°59’14’’S 48°37’04’’W)                                       34,58

    Garopaba (28°01’23’’S 48°37’00’’W)                                          39,13

    O terceiro dia de nossa jornada amanheceu com o céu completamente limpo e um leve vento vindo do sul. Nós, recuperados após uma noite bem dormida, tomamos café e fomos conhecer uma pequena cachoeira que abastecia a casa do Álvaro, localizada um pouco mais acima do morro. Terminado este breve passeio terrestre, fomos arrumar nossas embarcações, quando por sorte presenciamos um pescador pegar em sua tarrafa um raro peixe lua que depois de fotografado foi devolvido ao mar.

    Com nossos caiaques prontos partimos em direção a uma praia próxima a Ponta de Caiacanga-açu onde novamente nos encontraríamos com o Álvaro acompanhado de sua filha Julia. Neste trajeto de pouco menos de 7 km podemos observar o antigo casario açoriano e as bem organizadas criações de ostras, que mais pareciam grandes raias de uma piscina olímpica.

    Chegando à Praia de Caiaganga-açu nossos anfitriões aproveitaram para experimentar os caiaques e eu para tomar um delicioso banho. Depois nos despedimos deles agradecendo sua excelente hospitalidade e seguimos em direção a Ilha de Araçatuba, distante 9 km e localizada no final da Ilha de Santa Catarina.

    Conforme nos deslocávamos o vento contra começou a aumentar tornando nossa remada um pouco mais lenta. Mais ou menos na metade do caminho passamos por uma pequena ilha com um farolete situada próxima da Praia do Sonho. Neste trecho diversos peixes saltavam e conforme o canal estreitava o vento aumentava. Só fomos conseguir descanso bem junto da Ilha de Araçatuba próximo das ruínas da antiga Fortaleza Nossa Senhora da Conceição, local que só não descemos porque já havíamos aportado nele em outra oportunidade.

    A Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba foi construída na Ilhota de Araçatuba, entre os anos 1742 e 1744. A Fortaleza foi a única destinada a proteger a entrada da Baía Sul da Ilha de Santa Catarina. Serviu também de prisão em várias oportunidades, inclusive no período republicano. Em seu projeto original, destaca-se a bateria principal de canhões de formato circular, situada na posição mais elevada do conjunto. A Fortaleza de Araçatuba, pertencente ao Ministério do Exército, foi tombada como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1980, recebeu escoramentos e consolidações emergenciais em 1991 e encontra-se atualmente aguardando recursos para sua restauração. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA)

    Após admirar esse patrimônio histórico, onde sobrevoavam diversos atobás, seguimos até o canal entre a Ilha e a Ponta do Papagaio, onde paramos numa belíssima piscina natural abrigada do vento para lanchar, descansar, fotografar e tomar um banho nas suas águas transparentes.

    O vento tinha diminuído, então aproveitamos para seguir numa remada tranquila de pouco mais de 7 km até a Guarda do Embaú. Cruzamos a Ponta da Pinheira, o costão e a Prainha para chegar à Guarda, que neste dia estava com suas águas tão transparentes que mais parecia uma praia do Caribe. Descemos de nossos caiaques, fotografamos esta indescritível beleza natural e fomos comer uns pastéis em um barzinho junto da praia. Lá também conhecemos um argentino que residia nesta praia e tinha um caiaque oceânico da mesma marca do caiaque do Jair.

    Faltavam agora apenas 15 km até Garopaba, local do nosso pernoite. O vento sul aumentara bastante. Próximo da Praia de Gamboa paramos de remar para o Jair arrumar seus equipamentos e em pouco tempo retornamos quase 300 metros. Continuamos remando numa baixa velocidade até conseguir abrigo junto das pedras da Ilha de Siriu.

    Nesta ilha, verdadeiro santuário ecológico, havia centenas de aves marinhas de diversas espécies, com predomínio de gaivotas, garças e trinta réis. Descansamos um pouco sem sair dos caiaques, fotografamos o local com sua variada fauna e seguimos para o último, mas cansativo trecho, até nossa meta do dia.

    Chegando a Garopaba fui procurar um camping, pousada ou hotel enquanto meus amigos descansavam e cuidavam dos barcos na praia. Por sorte encontrei o Lobo Hotel que ainda estava com as diárias de baixa temporada e ficava apenas 80 metros da praia. Sua administradora a senhora Maria Aparecida nos recepcionou muito bem e comentou que nunca tinha recebido hospedes estacionando seus caiaques na garagem do hotel.

    Já alojados no hotel, tomamos um bom banho e fomos jantar num restaurante em frente, onde saboreamos um delicioso filé a parmegiana e depois fomos dormir.

    De Garopaba a Praia da Ribanceira

    4ª ETAPA: GAROPABA – PRAIA DA RIBANCEIRA

    18/12/2012

    Garopaba (28°01’23’’S 48°37’00’’W)                                      0,00

    Praia do Silveira (28°02’24’’S 48°36’16’’W)                             4,75

    Praia da Ferrugem (28°04’27’’S 48°37’27’’W)                          9,92

    Praia do Ouvidor (28°06’22’’S 48°37’43’’W)                           13,51

    Praia do Rosa (28°07’50’’S 48°38’07’’W)                               16,73

    Ilha do Batuta (28°09’07’’S 48°38’37’’W)                              19,35

    Praia da Ribanceira (28°11’20’’S 48°39’45’’W)                        24,22

    Amanheceu uma bela manhã no último dia de nossa jornada marítima. Acordamos e descemos para tomar o excelente café da manhã do hotel que mais parecia um café colonial. Já bem alimentados fomos caminhar pela parte histórica da cidade com sua igreja e casas centenárias.

    No ano de 1795 foi fundada a Armação de São Joaquim de Garopaba, onde era caçada a Baleia Franca até 1830. No ano de 1846 foi fundada a Freguesia de Garopaba, quando a Assembleia Provincial autorizou a instalação da Igreja Matriz, o Cemitério e a Casa Paroquial. O local foi colonizado por imigrantes açorianos que se dedicavam à pesca. O nome GAROPABA, tem origem na língua guarani e significa “lugar seguro para ancoradouro de barcos”. (VALENTIM)

    Após esta rápida excursão histórica levamos nossos caiaques para a praia e partimos rumo a Praia da Ribanceira em Imbituba. O vento estava bem fraco, totalmente diferente do dia anterior, o que permitiu nos aproximarmos bastante dos enormes e magníficos rochedos dos costões entre Garopaba e a Praia da Ferrugem. Esses paredões vistos do mar são de indescritível beleza, com suas formações variadas e colossais mais parecendo esculturas moldadas por um artista divino e nos fazendo ver como somos insignificantes diante da natureza.

    Remamos admirando e fotografando estas belezas, passamos pela Praia do Silveira localizada entre esses costões e desembarcarmos na Praia da Ferrugem, para um rápido descanso e banho nas suas águas límpidas. Faltavam agora aproximadamente 15 km para o término de nossa aventura.

    Seguimos passando pelas praias da Barra, do Ouvidor e Vermelha, a partir da qual tinha outro belo paredão rochoso até atingir a Praia do Rosa. Neste trecho uma enorme tartaruga marinha passou bem perto de nossos caiaques. Continuamos cruzando pela Praia da Luz, Ilha do Batuta, Praia de Ibiraquera para finalmente chegar à Praia da Ribanceira, destino final da jornada marítima.

    Porém antes da chegada ainda tivemos que surfar umas ondas para finalmente desembarcar, aproximadamente as 15h00min, na praia em frente ao Camping e Pousada Padang, local de nosso pernoite e onde estava meu carro.

    Descarregamos os barcos e levamos nossas coisas para a pousada e como era cedo eu e o Alvares ainda fomos surfar um pouco com os caiaques nas fortes ondas da Ribanceira. Após essa brincadeira eu e o Jair saímos no meu carro para buscar a sua camionete em Celso Ramos completando assim o nosso plano de logística.

    Terminávamos a nossa viagem marítima, percorremos mais de 120 quilômetros, conhecemos várias cidades, admiramos e analisamos a bela fauna, flora e relevo da região percorrida, vivenciamos uma aventura inesquecível com alegrias e algumas dificuldades, e enfim, estávamos satisfeitos pela missão cumprida e gratificados pelo convívio com os amigos e com a sábia mãe natureza.

    Referências Bibliográficas

    BECK, Sérgio Ferreira. O Livro de Canoismo do Excursionista Aquático. São Paulo: Edição do autor, 2006.

    BOLDORINI, Marília. Ponte Hercílio Luz. Disponível em <www.sctur.com.br/florianopolis/ponte_hercilio_luz.asp>. Acesso em: 21 dez 2012.

    HERTZOG, Graziella. Ribeirão da Ilha. Disponível em <www.belasantacatarina.com.br/ribeirao-da-ilha-florianopolis/>. Acesso em: 22 dez 2012.

    PREFEITURA DE GOVERNADOR CELSO RAMOS. Igreja Nossa Senhora da Piedade.Disponível em <www.governadorcelsoramos.sc.gov.br/turismo/item/detalhe/500>. Acesso em: 21 dez 2012.

    _____. Fortaleza de Santa Cruz do Anhatomirim. Disponível em <www.governadorcelsoramos.sc.gov.br/turismo/item/detalhe/561>. Acesso em: 21 dez 2012.

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Fortaleza de Santo Antônio de Ratones. Disponível em <www.fortalezasmultimidia.com.br/santa_catarina/index.php?data=ratones>. Acesso em: 21 dez 2012.

    _____. Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição de Araçatuba. Disponível em <www.fortalezasmultimidia.com.br/santa_catarina/index.php?data=aracatuba>. Acesso em: 22 dez 2012.

    VALENTIM, Manoel. História. Disponível em <www.guiagaropaba.com.br/historia.php>. Acesso em: 22 dez 2012.

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    Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

    Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

    Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

    Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

    Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);

    Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

    E-mail: hiramrsilva@gmail.com