"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, julho 12, 2013

Bob Fernandes: FHC diz não saber de espionagem da CIA; fatos desmentem

viomundo - publicado em 12 de julho de 2013 às 11:57

por Bob Fernandes, no Jornal da Gazeta, sugestão Julio Cesar Macedo Amorim

SANTAYANA E O MÉDICO: DAR UM POUCO DE SI AO OUTRO

conversa afiada - Publicado em 12/07/2013

 

Os dois anos de SUS e o depoimento de Jatene, um exemplo.

Tolentino: "aos pobres não cobramos nada"

O Conversa Afiada reproduz artigo de Mauro Santayana no JB online:

O MÉDICO E SUA ÉTICA


por Mauro Santayana
Em 1956, conheci, na cidade do Serro, em Minas, o médico Antonio Tolentino, que era o profissional mais idoso ainda em atividade no Brasil. Ele chamava a atenção por dois motivos: coubera-lhe assistir ao parto de Juscelino, em 1902, e não alterara o valor da consulta, que equivalia,  então, a cinco cruzeiros. Entrevistei-o, então, para a Revista Alterosa, editada em Minas e já desaparecida.
Em razão da matéria, o deputado federal Vasconcelos Costa obteve, da Câmara, uma pensão vitalícia da União para o médico, que morreu logo depois. Ele tinha, na época, 94 anos – e setenta de atividade. Seus descendentes criaram um museu, em sua casa e consultório. Uma das peças é o anúncio que fez, logo no início da carreira: “aos pobres, não cobramos a consulta”.
Confesso o meu constrangimento. Estou em  idade em que dependo, e a cada dia mais, de médicos, e de bons médicos, é claro. Tenho, entre eles, bons e velhos amigos. O que me consola é que os meus amigos estão mais próximos da filosofia de vida do médico Antonio Tolentino, do que dos que saíram em passeata, em nome de seus direitos, digamos, humanos.
Mais do que outros profissionais, os médicos lidam com o único e absoluto bem dos seres, que é a vida. Os enfermos a eles levam as suas dores e a sua esperança. É da razão comum que eles estejam onde se encontram os pacientes – e não que eles tenham que viver onde os  médicos prefiram estar.
De todos os que trataram do assunto, a opinião que me pareceu mais justa foi a de Adib Jatene. Um dos profissionais mais respeitados do Brasil, Jatene acresce à sua autoridade o fato de ter sido, por duas vezes, Ministro da Saúde. Ele está preocupado, acima de tudo, com a qualidade do ensino médico no Brasil. Se houvesse para os médicos exames de avaliação, como o dos bacharéis em direito, exigido pela OAB para o exercício profissional, o resultado seria catastrófico.
Jatene recomenda a formação de bons clínicos e, só a partir disso, a especialização médica. Os médicos de hoje estão dependentes, e a cada dia mais, dos instrumentos tecnológicos sofisticados de diagnóstico, e  cada vez menos de seu próprio saber. O vínculo humano entre médico e paciente – salvo onde a medicina é estatizada – é a cada dia menor. Assim, Jatene defende o sistema do médico de família. Esse sistema permite o acompanhamento dos mesmos pacientes ao longo do tempo, e a prática de medidas preventivas, o que traz mais benefícios para todos.
Entre outras distorções da visão humanística do Ocidente, provocadas pela avassaladora influência do capitalismo norte-americano, está a de certo exercício da medicina e da terapêutica. A indústria farmacêutica passou a ditar a ciência médica, a escolher as patologias em que concentrar as pesquisas e a produção de medicamentos. A orientação do capitalismo, baseada no maior lucro, é a de que se deve investir em produtos de grande procura, ou, seja, para o tratamento de doenças que atinjam o maior número de compradores. Dentro desse espírito, a medicina, em grande parte,  passou a ser especulação estatística e probabilística.
Os médicos protestam contra a contratação de profissionais estrangeiros, pelo prazo de três anos, para servir em cidades do interior, onde há carência absoluta de profissionais. Não seriam necessários, se os médicos brasileiros fossem bem distribuídos no território nacional, mesmo considerando a má preparação dos formados em escolas privadas de péssima qualidade, que funcionam em todo o país.
Ora, o governo oferece condições excepcionais para os que queiram trabalhar no interior. O salário é elevado, de dez mil reais, mais moradia para a família, e alimentação. É muitíssimo mais elevado do que o salário oferecido aos engenheiros e outros profissionais no início de carreira. Ainda assim, não os atraem. E quando o governo acrescenta ao currículo dois anos de prática no SUS, no interior e na periferia das grandes cidades, vem a grita geral.
Formar-se em uma universidade é, ainda hoje, um privilégio de poucos. Os ricos são privilegiados pelo nascimento; os pais podem oferecer-lhe os melhores colégios e os cursos privados de excelência, mas quase sempre vão para as melhores universidades públicas,  bem preparados que se encontram para vencer a seleção dos vestibulares. Os pobres, com a ilusão do crescimento pessoal, sacrificam os pais e pagam caro a fim de obter um diploma universitário que pouco lhes serve na dura competição do mercado de trabalho.
Um médico sugeriu que a profissão se tornasse uma “carreira de estado”, como o Ministério Público e o Poder Judiciário. Não é má a idéia, mas só exeqüível com a total estatização da medicina. Estariam todos os seus colegas de acordo? Nesse caso não poderiam recusar-se a servir onde fossem necessários.
Temos, no Brasil, o serviço civil alternativo que substitui o serviço militar obrigatório, e é prestado pelos que se negam a portar armas. Embora a objeção possa ser respeitada em tempos de paz, ela não deve ser aceita na eventualidade da guerra: a defesa da nação deve prevalecer. Mas seria justo que não só os pacifistas fossem obrigados, pela lei,depois de formados pelos esforços da sociedade como um todo, a dar um ou dois anos de seu trabalho à comunidade nacional, ali e onde sejam necessários. Nós tivemos uma boa experiência, com o Projeto Rondon, que deveria ser mais extenso e permanente como instituição no Brasil.
As manifestações recentes mostram que todos, em seus conjuntos de interesses, querem mais do Estado em seu favor. Não seria o caso de oferecerem alguma coisa de si mesmos à sociedade nacional? Dois anos dos jovens médicos trabalhando no SUS – remunerados modestamente e com os gastos pagos pelo Erário – seriam um bom começo para esse costume. E a oportunidade de aprenderem, com os desafios de cada hora, a arte e o humanismo que as más escolas de medicina lhes negaram.

LEANDRO: GLOBO VIVE DIAS DE VIDRAÇA

conversa afiada - publicado em 12/07/2013

 

E o Bernardo se ajoelha na Veja …

O Conversa Afiada reproduz artigo de Leandro Fortes, do Blog do Miro:

GLOBO VIVE DIAS DE VIDRAÇA

Por Leandro Fortes, na revista CartaCapital:

O POVO NÃO É BOBO


Acuadas pela blogosfera, embora protegidas pelas empresas de comunicação coirmãs, as Organizações Globo, quem diria, vivem dias de vidraça
Enquanto ainda alimenta a fantasia das “manifestações pacíficas” que cobriu, covardemente, do alto dos prédios das cidades, com repórteres postados como atiradores de(a) elite, a Rede Globo se vê, finalmente, diante de uma circunstância que não consegue dominar, manipular e, ao que parece, nem mesmo entender. Aliás, que jamais irá entender, porque se tornou uma instituição não apenas descolada da realidade, mas também do tempo em que vive. Ela e a maior parte dos profissionais que nela trabalham, estes que acreditam ter chegado ao topo da profissão de jornalista quando, na verdade, estão, desde muito tempo, vinculados ao que há de mais obsoleto, atrasado e cafona dentro do jornalismo nacional.
O poder da blogosfera progressista e de esquerda, que tanto incomoda, portanto, a conservadores e direitistas (partindo do pressuposto otimista de que há eventual separação entre eles), lançou-se numa organizada empreitada de apuração jornalística que fez a gigante platinada do Jardim Botânico tremer nas bases e, mais de uma vez, colocar pelo menos um dos joelhos no chão.
A partir de um superfuro do jornalista Miguel do Rosário, do site O Cafezinho, estabeleceu-se na blogosfera uma correia de transmissão informal, mas visceralmente interconectada, sobre o megaesquema de sonegação fiscal montado pelas Organizações Globo que resultou, em 2006, numa cobrança superior a 600 milhões de reais — 183 milhões de imposto devido, 157 milhões de juros e 274 milhões de multa. Foi resultado do Processo Administrativo Fiscal de número 18471.000858/2006-97, sob responsabilidade do auditor Alberto Sodré Zile. Como o auditor constatou crime contra a ordem tributária, abriu a Representação Fiscal para Fins Penais sob o número 18471.001126/2006-14.
Na sequência, outros três dos mais ativos blogueiros do País, os jornalistas Luiz Carlos Azenha, Rodrigo Vianna e Fernando Brito, respectivamente, do Viomundo, O Escrevinhador e do Tijolaço, estabeleceram uma sequência formidável de fatos que deram um corpo sólido à história levantada por O Cafezinho:
1) A multa da Receita, de mais de 600 milhões de reais (1 bilhão de reais, em valores atualizados), de 2006, é referente a sonegação fiscal praticada na compra, pela TV Globo, dos direitos de transmissão da Copa de 2002. Envolve, ainda, ligações com dois criminosos internacionalmente conhecidos: João Havelange, ex-presidente da FIFA, e Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF.
2) Em 2007, uma funcionária da Receita Federal, Cristina Maris Meinick Ribeiro, foi denunciada pelo Ministério Público Federal por ter dado sumiço no processo contra a Globopar, controladora das Organizações Globo, por sonegação fiscal.
3) Como não poderia deixar de ser nesses casos, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, deu sua contribuição às trevas: foi ele que relatou o habeas corpus que soltou a funcionária da Receita, depois da ação de CINCO advogados junto ao STF.
Sempre tão poderosa e segura de seus privilégios, as Organizações Globo entraram nessa briga mais ou menos como Anderson Silva diante de Chris Weidman, no octógono de Las Vegas. Acharam que estavam diante de adversários menores e insignificantes, mas, como se sabe, a soberba é o sentimento imediatamente anterior à queda.
Em apenas três semanas de contínua e criteriosa apuração da blogosfera, a Globo se perdeu em versões sem sentido e recuos de informação, admitiu a culpa da sonegação e justificou-se com um pagamento alegado, mas nunca provado. Teve, pela primeira vez desde que foi criada no ventre da ditadura militar, que se pronunciar publicamente sobre uma denúncia contra si, desgostosa de que isso tenha acontecido fora de seu espectro de dominação, a velha e reacionária mídia nacional, da qual é líder e paradigma. A poderosa vênus platinada teve que responder, primeiro, ao O Cafezinho, de Miguel do Rosário, e depois às redes sociais, ao País, enfim.
Soubemos, assim, que as Organizações Globo, que vivem de concessões públicas e verbas oficiais, ao serem confrontadas com a informação sobre o roubo do processo pela funcionária da Receita Federal, divulgaram uma nota dizendo terem tido uma “grande surpresa” ao saberem da ação criminosa perpetrada por Cristina Maris Meinick Ribeiro.
Então, está combinado assim:
1) Cristina, funcionária de carreira da Receita, enlouqueceu em uma manhã de 2006 e, do nada, apenas movida pela índole de anjo e pela vontade de ajudar a pobre Rede Globo, decidiu por conta própria roubar e desaparecer com o processo de sonegação fiscal de 600 milhões de reais da família Marinho. Depois, conseguiu pagar, sozinha, cinco advogados para arranjar um habeas corpus com o inefável Gilmar Mendes;
2) Em seguida, o Ministério Público Federal, então comandado pelo procurador-geral da República Antonio Fernando Souza, denunciou Cristina Ribeiro pelo sumiço da papelada, que resultou na condenação da referida servidora a 4 anos e 11 meses de cadeia, segundo sentença da Justiça Federal do Rio de Janeiro. Isso em 2007, tudo na surdina, sem que um único procurador da República tenha se preocupado a vazar um fato grave desse para a imprensa ou, no limite, para jornalistas com atuação independente na blogosfera. Nada comparável à fúria e à disposição do mesmo Antonio Fernando ao dar publicidade à denúncia do “mensalão”, notícia, desde então, incorporada à grade de programação da Globo como um coringa usado tanto em época de eleição como nos espasmos de epilepsia antipetista, aliás, recorrentes na emissora.
Talvez, de tanto viver na dimensão onírica de suas telenovelas, ou na falsa percepção que alguns dos seus sorridentes jornalistas têm do mundo real, a Rede Globo ache, de fato, que é possível fazer o contribuinte acreditar de que ela nada tem a ver com o roubo do processo da Receita Federal. Afinal, somos todos uma nação de idiotas plugados no Caldeirão do Huck, certos de que, ao morrermos, teremos nossas almas levadas ao céu pela nave espacial da Xuxa.
Ou seja, os de lá não aprenderam nada com o debate Lula x Collor, em 1989, nem com a bolinha de papel de José Serra, em 2010, duas farsas desmascaradas, cada qual a seu tempo, pela História. Não perceberam que a internet acabou com a era das fraudes de comunicação no Brasil e no mundo.
Apostam as últimas fichas na manada que reuniram em cinco décadas de monopólio de um império movido a entretenimento e alienação. Mas esse gado que foi alegremente tangido por vinhetas e macacas de auditório ganhou, com o fenômeno da rede mundial de computadores, novas porteiras e, com elas, uma perspectiva real de liberdade.
O silêncio envergonhado e vergonhoso dos tristonhos oligopólios de mídia brasileiros sobre uma notícia tão grave é, antes de tudo, revelador das nossas necessidades.
Fico imaginando qual seria a capa dos jornalões e das revistas coirmãs se fosse Lula a dever mil réis de mel coado à Receita Federal. E se descobrissem, no curso da apuração, que um militante aloprado havia lhe feito o favor de roubar o processo judicial a respeito. As massas seriam, no mínimo, conclamadas a linchar o ex-presidente e pedir as Forças Armadas nas ruas.
Por essa razão, enquanto o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, se dispõe a ir às páginas amarelas da Veja se colocar – e ao governo do PT – de joelhos perante quadrilhas ligadas a bicheiros e a esquemas de sonegação fiscal, a ação periférica da blogosfera rouba o protagonismo que antes era dessa autointitulada “grande imprensa”.
E, para tal, faz apenas o que tem que ser feito: jornalismo.

quinta-feira, julho 11, 2013

Um apelo às armas da codificação (introdução)

resistir info - 11 jul 2013

– Um livro que precisa ser editado também em português

por Julian Assange
Este livro não é um manifesto. Não há tempo para isso. Este livro é uma advertência.

O mundo não está a deslizar, mas sim a galopar para uma nova distopia transnacional. Esta evolução não foi adequadamente reconhecida fora de círculos da segurança nacional. Ela tem sido escondida pelo segredo, complexidade e escala. A Internet, nossa maior ferramenta de emancipação, foi transformada no mais perigoso facilitador de totalitarismo que alguma vez já vimos. A Internet é uma ameaça à civilização humana.

Estas transformações ocorreram silenciosamente, porque aqueles que sabem o que está em curso na indústria da vigilância global não têm incentivos para falar abertamente. Abandonada na sua própria trajectória, dentro poucos anos a civilização global será uma distopia de vigilância pós-moderna, da qual, excepto para indivíduos mais hábeis, será impossível escapar. De facto, já podemos aí estar.

Se bem que muitos escritores tenham considerado o que significa a Internet para a civilização global, eles estão errados. Estão errados porque não têm o senso de perspectiva que traz a experiência directa. Estão errados porque nunca se depararam com o inimigo.

Nenhuma descrição do mundo sobrevive ao primeiro contacto com o inimigo.

Nós nos deparámos com o inimigo.

Ao longo dos últimos seis anos a WikiLeaks teve conflitos com quase todos os estados poderosos. Conhecemos o novo estado de vigilância a partir de uma perspectiva de dentro, porque medimos os seus segredos. Conhecemo-lo a partir de uma perspectiva combatente, porque dele tivemos de proteger as nossas pessoas, nossas finanças e nossas fontes. Nós o conhecemos a partir de uma perspectiva global, porque temos pessoas, activos e informação em quase todo país. Nós o conhecemos da perspectiva do tempo, porque temos estado a combater este fenómeno durante anos e o vimos duplicar e propagar-se, cada vez mais. É um parasita invasivo, a engordar junto a sociedades que se fundem com a Internet. Ele movimenta-se através do planeta, infectando todos os estados e pessoas diante de si.

O que se pode fazer?

Era uma vez, num lugar que não era nem aqui nem ali, nós, os construtores e cidadãos da jovem Internet, discutíamos o futuro do nosso novo mundo.

Vimos que os relacionamentos entre toda a gente seriam mediados pelo nosso novo mundo e que a natureza dos estados – os quais são definidos pelo modo como as pessoas intercambiam informação, valor económico e força – também mudaria.

Vimos que a fusão entre estruturas de estado existentes e a Internet criava uma abertura para mudar a natureza dos estados.

Em primeiro lugar, é de recordar que estados são sistemas através dos quais fluem forças coercivas. Facções dentro de um estado podem competir por apoio, conduzindo a fenómenos democráticos superficiais, mas os fundamentos dos estados são a aplicação sistemática, e a evitação, da violência. A propriedade da terra, a propriedade, as rendas, dividendos, tributação, multas dos tribunais, censura, direitos autorais e marcas comerciais são todos impostos pela ameaça de aplicação da violência do estado.

A maior parte do tempo nós nem mesmo estamos conscientes de quão próximos estamos da violência, porque dispomos de concessões privilegiadas para evitá-la. Tal como marinheiros a cheirarem a brisa, raramente contemplamos como a superfície do nosso mundo é apoiada de baixo pela escuridão.

No novo espaço da Internet o que seria o mediador da força coerciva?

Faz sentido apresentar esta questão? Neste espaço do outro mundo, este fluxo aparentemente platónico de ideias e informação, poderia ali caber uma noção de força coerciva? Uma força que poderia modificar registos históricos, escutar telefones, separar pessoas, transformar complexidade em entulho e erguer muralhas, como um exército de ocupação? A natureza platónica da Internet, dos fluxos de ideias e informação, é degradada pelas suas origens físicas. Seus fundamentos são cabos de fibra óptica estendidos através dos fundos dos oceanos, satélites a girarem acima das nossas cabeças, computadores servidores abrigados em edifícios em cidades desde Nova York até Nairobi. Tal como o soldado que matou Arquimedes com uma simples espada, do mesmo modo uma milícia armada poderia ganhar o controle do desenvolvimento do auge da civilização ocidental, nosso reino platónico.

O novo mundo da Internet, abstraído do velho mundo de átomos brutos, sente saudades da independência. Mas estados e seus amigos movimentaram-se para controlar o nosso novo mundo – através do controle das suas fundações físicas. O estado, tal como um exército em torno de um furo petrolífero, ou um agente alfandegário a extrair subornos na fronteira, em breve aprenderia a alavancar o seu controle do espaço físico para ganhar o controle sobre o nosso reino platónico. Isto impediria a independência que sonhámos e, então, intrometendo-se nas linhas de fibras ópticas e junto às estações terrestres de satélites, avançaria na intercepção em massa do fluxo de informação do nosso novo mundo – a sua própria essência – apesar de toda a comunidade humana, económica e política o ter abraçado. O estado agarrar-se-ia como sanguessuga às veias e artérias das nossas novas sociedades, a devorar todos os relacionamentos expressos ou comunicados, toda página web lida, toda mensagem enviada e toda ideia pesquisa no Google, e a seguir armazena este conhecimento, milhares de milhões de intercepções por dia, um poder nunca sonhado, em vastos armazéns ultra secretos, para sempre. Ele avançaria para minar e minar este tesouro, a produção intelectual colectiva e privada da humanidade, enriquecendo o tesouro e maximizando o desequilíbrio de poder entre interceptores e o mundo dos interceptados. E então o estado reflectiria o que havia aprendido de volta no mundo físico, para começar guerras, visar drones, manipular comités da ONU e acordos comerciais e fazer favores para a sua vasta rede de indústrias conectadas, iniciados e cúmplices.

Mas nós descobrimos algo. A nossa única esperança contra a dominação total. Uma esperança que com coragem, discernimento e solidariedade podíamos utilizar para resistir. Uma estranha propriedade do universo físico em que vivemos.

O universo acredita em codificação (encryption).

É mais fácil codificar informação do que descodificá-la.

Vimos que podíamos utilizar esta estranha propriedade para criar as leis de um novo mundo. Para abstrair o nosso novo reino platónico da sua base fundamental de satélites, cabos submarinos e seus controladores. Para fortalecer nosso espaço por trás de um véu criptográfico. Para criar novas terras proibidas àqueles que controlam a realidade física, porque para nos seguirem eles precisariam de recursos infinitos.

E, desta maneira, declarar independência.

Cientistas do Projecto Manhattan descobriram que o universo permitia a construção de uma bomba nuclear. Isto não era uma conclusão óbvia. Talvez as armas nucleares não estivessem dentro das leis da física. Entretanto, o universo acredita em bombas atómicas e reactores nucleares. Eles são um fenómeno que o universo abençoa, como o sal, o mar ou as estrelas.

Analogamente, o universo, nosso universo físico, tem aquela propriedade que torna possível para um indivíduo ou um grupo de indivíduos codificar alguma coisa de maneira confiável e automática, mesmo sem saber, de modo a que todos os recursos e toda a vontade política das mais fortes super-potências da terra não a possam descodificar. E os caminhos de codificação entre pessoas podem unir-se em rede para criar regiões livres da força coerciva do estado externo. Livres da intercepção em massa. Livres do controle do estado.

Deste modo, o povo pode opor a sua vontade àquela de super-potência plenamente mobilizada e vencer. A codificação é uma encarnação das leis da física e atende à arrogância dos estados, nem mesmo às distopias da vigilância transnacional.

Não é óbvio que o mundo tenha de funcionar deste modo. Mas de certo modo o universo sorri à codificação.

A codificação é a forma final de acção directa não violenta.

Se bem que estados com armas nucleares possam exercer violência ilimitada até sobre milhões de indivíduos, a codificação forte significa que um estado, mesmo exercendo violência ilimitada, não pode violar a intenção de indivíduos manterem segredos em relação a eles.

A codificação forte pode resistir a uma aplicação ilimitada de violência. Nenhuma quantidade de força coerciva alguma vez resolverá um problema de matemática.

Mas poderíamos nós tomar este estranho facto acerca do mundo e sobre ele construir o que virá a ser um elemento emancipatório fundamental para a independência da espécie humana no reino platónico da Internet? E quando sociedades fundidas com a Internet tivessem essa liberdade ela então seria reflectida na realidade física para redefinir o estado?

Recordar que estados são sistemas, os quais determinam onde e como a força coerciva é aplicada sistematicamente.

A questão de quanta força coerciva pode penetrar no reino platónico da Internet a partir do mundo físico é respondida pela codificação e pelos ideais cypherpunks.

Quando estados fundem-se com a Internet e o futuro da nossa civilização se torna o futuro da Internet, devemos redefinir relações de força.

Se não o fizermos, a universalidade da Internet fundirá a humanidade global numa grelha gigante de vigilância em massa e controle de massa. Devemos tocar o alarme. Este livro é o grito de uma sentinela na noite.

Em 20 de Março de 2012, enquanto sob prisão domiciliar no Reino Unido a aguardar extradição, acordei com três amigos e companheiros no princípio de que talvez em uníssono as nossas vozes pudessem despertar a cidade. Devemos comunicar o que aprendemos enquanto ainda há uma possibilidade para si, o leitor, de entender e actuar sobre o que está a acontecer.

É tempo de empunhar as armas do nosso novo mundo, para combater por nós próprios e por aqueles que amamos.

A nossa tarefa é assegurar auto-determinação onde pudermos, conter a vinda da distopia onde não pudermos e, se tudo o mais falhar, acelerar a sua auto-destruição.

Julian Assange, Londres, Outubro de 2012
Conteúdo do livro
  • Introdução: Um apelo às armas da codificação
  • Participantes da discussão
  • Nota do editor
  • Nota sobre as variadas tentativas de perseguir a WikiLeaks e pessoas a ela associadas
  • Comunicação acrescida versus vigilância acrescida
  • A militarização do ciberespaço
  • Combater a vigilância total com as leis humanas
  • Espionagem do sector privado
  • Combater a vigilância total com as leis da física
  • A Internet e a política
  • A Internet e a teoria económica
  • Censura
  • Privacidade para o fraco, transparência para o poderoso
  • Ratos no edifício da opera
  • Notas finais

Ver também:

  • A NSA e os seus prestativos ajudantes

    O original em inglês, com 197 pgs. e 3,34 MB, pode ser descarregado aqui (clique com o botão direito do rato e faça "Guardar como...")        
  • O uso do sorteio na política

    Enviado por luisnassif, qui, 11/07/2013 - 14:30

    Por IV Avatar da Bacia do Parnaíba
    Da Revista Fórum
    A ideia da volta do sorteio na política vem ganhando fôlego e surpreendendo muitos daqueles que num primeiro momento desconfiam desse saber profano
    Por André Rubião
    As recentes manifestações deixaram claro que os cidadãos não confiam mais no modelo político atual. Reivindica-se uma democracia radical, com uma política de baixo para cima e novos espaços institucionais. Nesse contexto, é interessante retomar uma afirmação de Aristóteles que identifica o uso do sorteio na política com a democracia e a eleição com a oligarquia. Essa frase nos parece estranha: primeiro porque a modernidade transformou os políticos, indicados pelo voto, no paroxismo do regime democrático; segundo porque poucas sabem o que significou o uso do sorteio na antiguidade e o que essa ideia traz de novo no mundo contemporâneo. Seria uma alternativa para a crise de confiança no modelo político atual?
    Na Grécia Antiga, havia três formas de se ingressar no poder: por eleição, por indicação e por sorteio. Isso mesmo, os cidadãos podiam ser escolhidos, de forma aleatória, para exercer cargos transversais ao que hoje chamamos de Legislativo, Executivo e Judiciário. Para Aristóteles, o sorteio era a forma mais democrática, já que qualquer cidadão podia exercer um cargo no poder. Mais tarde, os fundadores das repúblicas modernas rejeitaram esse mecanismo. A tese mais famosa é de que eles não queriam a volta da “verdadeira democracia” grega e sim uma nova aristocracia eletiva.
    Mas eis que o sorteio está de volta. A partir da segunda metade do século XX, alguns intelectuais, descrentes com os rumos da democracia, criaram novos mecanismos, reintroduzindo o método aleatório. De forma resumida, a ideia é constituir uma amostra representativa da sociedade – ou seja, como é feito nas pesquisas de opinião, sendo a amostra mais reduzida – e fazer com que esses cidadãos selecionados possam se reunir e deliberar sobre determinado assunto. Esse é o principio básico dos júris de cidadãos, das pesquisas deliberativas e das conferências de consenso, que já foram feitas sobre temas como planejamento urbano (Alemanha), saúde (Inglaterra), ciência (Dinamarca), identidade nacional (na Austrália) etc.
    O grande mérito dessas iniciativas, que não pretendem substituir as instituições tradicionais, é trazer para os espaços de decisão o cidadão comum, não contaminado pelas redes de interesse. Além disso, o método da amostra representativa – respeitando critérios de gênero, idade, raça, classe social – traz um fundamento de legitimidade suplementar. Num júri de cidadãos clássico, cerca de cinquenta pessoas são sorteadas (nada impede que se exija um grau de escolaridade mínima para questões mais complexas) e, após analisarem diferentes propostas e interrogarem os especialistas, esse grupo decide a respeito de determinada questão. Apesar de esses mecanismos ainda serem experimentais, a ideia da volta do sorteio na política vem ganhando fôlego e surpreendendo muitos daqueles que num primeiro momento desconfiam desse saber profano. Na crise islandesa de 2008, duas assembleias cidadãs de cerca de mil pessoas sorteadas foram convocadas para decidir os valores sobre os quais o país deveria ser reformulado. O documento extraído dessas experiências serviu de base para um Conselho constituinte, eleito pela população, responsável por redigir um novo texto constitucional, que depois foi referendado à população.
    Já o Canadá teve uma experiência com a reforma política da província da Colúmbia Britânica em 2004.  Uma Assembleia cidadã de cerca de duzentos e cinquenta pessoas sorteadas debateu com especialistas no assunto (acadêmicos, políticos, membros da sociedade civil organizada etc.), durante nove fins de semana, em sessões abertas, com ampla cobertura televisiva, e depois deliberou a respeito de uma proposta de lei. Essa ainda precisava ser referendada, mas acabou obtendo 57% e não 60%, percentual exigido para a aprovação. De toda forma, a experiência canadense foi muito elogiada, surpreendendo até mesmo os analistas mais céticos que acompanharam o processo. Ela revelou o potencial do uso do sorteio, sobretudo no caso de uma reforma política, para evitar que os parlamentares legislem em causa própria. Pensando no caso do Brasil, não seria uma alternativa muito mais ousada e com efetiva participação popular do que as hipóteses de referendo ou o plebiscito que vêm sendo discutidas? Além disso, diante de um statu quo insatisfatório, alguém pode negar que a experimentação democrática seja necessária?
    Num dos livros mais completos sobre o uso do sorteio, o teórico Yves Sintomer faz alusão ao “método de Morelli”. No século XIX, depois de seguir carreira médica, Giovanni Morelli aventurou-se na scienza dell’arte. Com base nos seus conhecimentos fisiológicos, ele propôs uma técnica original, chamada de indiciária, para identificar falsificações ou quadros de atribuição incerta. Para Morelli, ao avaliar uma obra de arte, era preciso observar os detalhes, os fatos marginais, os traços imperceptíveis. Não se tratava de encontrar a solução no sorriso de um Da Vinci, mas na forma da orelha de um Botticelli. Seria o sorteio, nos pergunta Sintomer, o lóbulo da orelha da aventura democrática?
    André Rubião, Doutor em Ciência Política (Universidade Paris 8), é membro do Centro de Estudos Sociais da América Latina (CES-AL/UFMG) e professor da Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC). Traduziu para o português O poder ao povo: júris de cidadãos, sorteio e democracia participativa, de Yves Sintomer, Editora UFMG, 2010. 

    Ideia bem interessante essa do sorteio. Se não ficar limitada a temas específicos como citado no artigo, e sim em questões mais amplas como no caso da Islândia. É um avanço em relação ao que temos hoje e se gosta de chamar de democracia.

    Heloisa Villela: E você achou que era teoria de conspiração…

    viomundo - publicado em 11 de julho de 2013 às 9:20


    por Heloisa Villela, de Nova York
    A variedade de programas de espionagem e a real dimensão dessa indústria, nos Estados Unidos, escapam ao poder de análise dos melhores especialistas. PRISM é o programa secreto de monitoramento de chamadas telefônicas e trânsito na internet denunciado pelo ex-funcionário terceirizado da Agência Nacional de Segurança (NSA), Edward Snowden. BLARNEY foi o projeto no qual Mark Kein, ex-funcionário da empresa de telefonia ATT tropeçou e também trouxe a público. Já o ECHELON preocupa a Europa há mais de uma década. Também administrado pela NSA, ele se encarrega de interceptar as conversas de indivíduos e representantes de empresas há anos. Funciona sob segredo absoluto.
    Em 1999 o Parlamento Europeu encomendou um estudo e em julho de 2001 publicou todo o levantamento e as conclusões em um documento de 194 páginas.
    Primeiro, confirmou que o ECHELON não era uma teoria de conspiração. Deixou claro, também, o relatório, que o programa não tem apenas interesses militares ou de segurança: “a prioridade é interceptar comunicações particulares e comerciais e não militares”.
    Gestado durante a guerra fria, para espionar a União Soviética e os países do Leste Europeu, o ECHELON é uma acordo para coleta e análise de informações fechado, em 1948, por cinco países: Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Por que a inclusão destes aliados na arapongagem? Para cobrir toda a área do globo terrestre. O ECHELON usa satélites espiões e estações terrestres de captação para interceptar “qualquer mensagem enviada por telefone, fax, internet ou e-mail, por qualquer indivíduo, e inspecionar seu conteúdo”, segundo o relatório do Parlamento Europeu.
    Com o passar dos anos, o propósito inicial ficou para trás. No lugar de escutar as conversas dos ex-inimigos comunistas, o programa se dedicou mais e mais à espionagem industrial.
    O estudo cita o caso da concorrência para a compra de um sistema de satélite para monitorar a Amazônia. Em 94, o Brasil se decidiu por uma empresa francesa, a Thomson-Alcatel.
    Na época o então Presidente Bill Clinton reclamou. Disse que a empresa havia dado propina para conseguir o negócio e conseguiu reverter a situação.
    O contrato acabou nas mãos da americana Raytheon, a mesma que fornece equipamentos para Sugar Grove, na Virgínia Ocidental,  a principal estação do programa ECHELON nos Estados Unidos. É o aparato de segurança cada vez mais a serviço dos interesses econômicos do país, uma simbiose que só se aprofunda.
    O Parlamento Europeu ouviu testemunhas, como o ex-funcionário da NSA, Wayne Madsen. Ele confirmou a existência do ECHELON e disse acreditar que a prioridade do programa passou a ser levantar informações relevantes para a economia dos Estados Unidos, para favorecer as empresas do país. Ele também afirmou que a NSA tinha um arquivo com mais de 1.000 páginas sobre a Princesa Diana, porque ela fazia campanha contra as minas terrestres, o que contrariava os interesses dos Estados Unidos.
    Fred Stock também deu depoimento. Ele trabalhou para o Serviço Secreto Canadense de onde disse ter sido expulso, em 1993, porque criticou a ênfase do trabalho na chamada inteligência econômica e no fato de muitos alvos da espionagem serem civis. Ele disse que na época eram interceptadas muitas informações a respeito de trocas comerciais, inclusive das negociações do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), além das compras chinesas de grãos e a venda de armas da França.
    Mas como um programa só não dá conta de tanta sede de informação, vamos a outros.
    Mark Klein foi funcionário da ATT por mais de 20 anos. Depois do onze de setembro de 2001, reparou uma movimentação estranha na sede da empresa em São Francisco. Uma sala secreta à  qual apenas um funcionário tinha acesso. Notou a visita surpreendente de um representante da Agência Nacional de Segurança. Tudo muito estranho…
    Ele acabou descobrindo do que se tratava: com a conivência da ATT, a NSA instalou um “spliter” na fibra ótica da empresa em São Francisco para reproduzir toda a informação transportada por ela para uma segunda fibra, que desemboca nos computadores da NSA instalados na tal sala secreta.
    Traduzindo em português claro, o governo duplicou a fibra para copiar o fluxo de informação e jogar tudo em computadores para armazenar e analisar. O que a fibra carrega? Toda a movimentação dos usuários da ATT na internet, na região de São Francisco. Mais adiante, Klein descobriu que o mesmo já acontecia em sedes da empresa em outras cidades do país.
    Klein ficou calado alguns anos. Mas, eventualmente, e com muito esforço, trouxe o programa chamado BLARNEY à tona. Não foi fácil porque políticos e jornalistas queriam distância do assunto.
    Nos bastidores, o governo Bush pressionava os diretores dos meios de comunicação e Klein quase foi parar na cadeia. O processo contra ele terminou em 2009 e ele não foi preso porque nunca divulgou documentos secretos. Apenas relatou o que viu pessoalmente. À PBS, rede pública de televisão, ele explicou porque se recusou a ser mero espectador dos acontecimentos.
    “Eu me lembro da última vez em que isso aconteceu… Eu participei das passeatas contra a guerra (do Vietnã) quando elas eram ativas nos anos 60, e me lembro das violações e transgressões que o governo cometeu em nome de uma guerra que depois ficou provado que era errada, e muitos inocentes morreram. Estou vendo isso tudo acontecer novamente. Quando a NSA foi flagrada, nos anos 70, fazendo espionagem doméstica, foi um grande escândalo e por isso o Congresso passou a FISA (Ato de Monitoramento de Inteligência Internacional), lei que supostamente cuida disso”.
    O FISA foi consequência dos desmandos do governo Richard Nixon, que usou o serviço de inteligência do país para espionar grupos políticos e ativistas de direitos civis, como o reverendo Martin Luther King, violando a emenda 14 da Constituição dos Estados Unidos. O FISA dá ao Congresso e ao Judiciário o poder de supervisionar as atividades de espionagem de líderes mundiais e de cidadãos norte-americanos. Por isso, o aparato de segurança é obrigado a informar os comitês de inteligência do Congresso, em sessões privadas, a respeito dos programas em andamento.
    O avanço e a sofisticação da tecnologia, a promoção da paranoia pós-onze de setembro e o crescimento desenfreado do complexo serviço de espionagem desembocaram nos programas denunciados por Klein e Snowden. A revista Wired revelou que a NSA está construindo um grande centro de processamento de dados em Bluffdale, estado de Utah, para armazenar as informações coletadas pelo programa secreto BLARNEY.
    Outro que não conseguiu se calar? William Binney. Ex-agente da NSA, onde trabalhou durante quatro décadas, ele pediu demissão em 2001 quando testemunhou, de perto, o que estava acontecendo. A desculpa de que era preciso usar todo e qualquer meio para combater o terrorismo justificou, segundo Binney, a construção de um sistema massivo para monitorar e gravar as comunicações via telefone e internet, dos cidadãos norte-americanos e de pessoas em todo o mundo. Ele diz que o serviço de inteligência justifica esse desrespeito às leis argumentando, junto ao governo e ao Congresso, que esta espionagem ampla é a única maneira viável de enfrentar e desbaratar grupos terroristas.
    Em entrevista ao programa DemocracyNow, em 2012, ele foi bem claro. “É um argumento falso. Existe uma maneira simples de fazer isso, protegendo a privacidade das pessoas. Se você sabe de um terrorista e ele liga para alguém nos Estados Unidos, aí você tem um alvo e colhe informações e também investiga a pessoa nos Estados Unidos e as pessoas com quem ela se comunica”. A proposta dele é de uma investigação com um mínimo de inteligência e não uma coleta generalizada de dados.
    O presidente Barack Obama defendeu o programa PRISM, denunciado por Edward Snowden, com a justificativa de sempre: é preciso abrir mão de parte da privacidade em nome da segurança. Garantiu que o governo não está ouvindo as conversas de ninguém. Pode ser. Mas está gravando e guardando. Pode ouvir a qualquer momento, por qualquer motivo.

    Un service spécial russe revient à la machine à écrire pour garder ses secrets

    La Libre.be - Publié le - Mis à jour le

    Insolite Selon d'autres sources citées par le journal, les services spéciaux ainsi que le ministère de la Défense utilisent toujours des machines à écrire. 

    Après les révélations de l'informaticien américain Edward Snowden, l'un des services spéciaux russes a décidé d'acheter des machines à écrire pour taper des documents secrets, écrit jeudi le quotidien russe Izvestia. Le FSO, Service fédéral de protection, issu de l'ancien KGB, a lancé un appel d'offre pour l'achat de 20 machines à écrire. Cette décision a été prise "après les scandales de WikiLeaks, les révélations de Snowden ainsi que les informations selon lesquelles le Premier ministre Dmitri Medvedev avait été écouté lors d'un sommet du G20 à Londres", explique au journal une source au sein du service. "Il a été décidé d'utiliser davantage de documents papier", selon la même source.
    Interrogé par l'AFP, le service de presse du FSO s'est refusé à tout commentaire.
    Selon d'autres sources citées par le journal, les services spéciaux ainsi que le ministère de la Défense utilisent toujours des machines à écrire. "De point de vue de la sécurité, toute sorte de télécommunication électronique est vulnérable. On peut capter n'importe quelle information depuis un ordinateur", selon le député et ex-directeur du FSB (ex-KGB) Nikolaï Kovalev. "Le moyen le plus primitif est à privilégier: la main humaine ou la machine à écrire", a-t-il ajouté, interrogé par Izvestia.
    L'ex-consultant du renseignement américain Edward Snowden, bloqué dans la zone de transit d'un aéroport moscovite depuis près de trois semaines, a fait des révélations fracassantes sur un programme américain de surveillance des communications mondiales. 

    segunda-feira, julho 08, 2013

    Rodrigo Vianna: Processo da Globo pode ter “bomba atômica”

    viomundo - publicado em 7 de julho de 2013 às 23:08

    Sonegação milionária
    O processo contra a Globo sumiu? E os bastidores da negociação que poderia ter levado à “estatização” da emissora
    publicada domingo, 07/07/2013 às 18:33 e atualizada domingo, 07/07/2013 às 18:58
    Conversei com duas fontes importantes, que trouxeram esclarecimentos sobre o episódio da sonegação de impostos da Globo, denunciada pelo blog “O Cafezinho”, de Miguel do Rosário.
    Uma das fontes é um ex-funcionário público (que conhece bem instituições como a Receita Federal e o Ministério Público no estado do Rio). Esse homem é o mesmo que Miguel do Rosário tem chamado de “garganta profunda”. Por isso, também o chamaremos assim nesse texto. A segunda fonte (será chamada aqui de “fonte 2″) é uma pessoa que esteve no governo federal (funcionário de carreira), nunca exerceu cargos eletivos, mas sabe muito sobre os bastidores do poder – e suas intercessões com o mundo das finanças e da mídia. Seguem abaixo as informações que recebi dos dois. O texto é longo, mas peço atenção porque trata de assunto gravíssimo.
    1 - O blog “O Cafezinho” publicou apenas 12 páginas de uma imensa investigação contra a Globo. Onde está o processo original? Onde estão as centenas de páginas até agora não reveladas? Um mistério. O “garganta profunda” garante que funcionários da Receita Federal no Rio estariam “em pânico” (são palavras dele) porque o processo contra a Globo simplesmente sumiu! Sim. O processo não foi digitalizado, só existe em papel. O deputado Protógenes Queiroz  (que pretende abrir uma CPI para investigar a Globo) também considera “estranho” que não haja “back-up” da investigação.
    “Mas como um processo some desse jeito?” pergunto incrédulo. E o “garganta profunda” responde com um sorriso: “há advogados especializados nisso, e às vezes o sumiço físico de um processo é a única forma de evitar danos maiores quando se enfrenta uma investigação como essa contra a Globo”. Insisto: “mas quem teria pago pro processo desaparecer?”. E o “garganta profunda” responde com um sorriso apenas.
    2 – Importante compreender que, na verdade, há uma investigação contra a Globo que se desdobra em dois processos. Tudo começa com o ”Processo Administrativo Fiscal” de número 18471.000858/2006-97 , conduzido pelo auditor fiscal Alberto Sodré Zile; era a investigação propriamente tributária, no decorrer da qual descobriu-se a (suposta) conta da Globo em paraíso fiscal e a sonegação milionária. Ao terminar a investigação, no segundo semestre de 2006, Zile constatou “Crime contra a Ordem Tributária” e por isso pediu a abertura de uma“Representação Fiscal para Fins Penais” (ou seja: investigação criminal contra os donos da Globo) que recebeu o número 18471.001126/2006-14.
    3 - Um dos indícios de que há algo errado com os dois processos contra a Globo surge quando realizamos a consulta ao site ”COMPROT” (qualquer cidadão pode entrar no site“COMPROT” do Ministério da Fazenda e fazer a consulta – digitando os números que reproduzi no item acima). Ao fazê-lo, aparecem na tela as seguintes informações:
    “MOVIMENTADO EM: 29/12/2006″
    “SITUAÇÃO: EM TRÂNSITO”.
    4 – Um processo (ou dois!!!) pode ficar ”em trânsito” durante seis anos e meio? Isso não existe.  Onde foi parar o processo? Entrou em licença médica? Repousa em algum escaninho? Viajou para as Ilhas Virgens Britânicas? Ou desapareceu no buraco negro que parece unir o Jardim Botânico ao Planalto Central?
    A “fonte 2″ esclarece que a investigação deveria ter seguido dois caminhos:
    – a Globo poderia continuar discutindo o imposto devido nas instâncias administrativas da Receita (para isso, teria que pagar o valor original e discutir a multa);
    – o Ministério Público Federal no Rio deveria ter iniciado uma investigação dos aspectos criminais (esse era o caminho depois da “Representação Fiscal para Fins Penais” apresentada pelo auditor Zile).
    5 – Se a Globo tivesse feito recursos administrativos na Receita, isso deveria constar no site “COMPROT”. Mas a última movimentação é de 29/12/2006 – como qualquer cidadão pode confirmar realizando a consulta. O que se passou? Onde está o processo? O “garganta profunda” garante: “o processo teria sido sido retirado do escritório da Receita do Rio, desviado de forma subterrânea”. Essa informação, evidentemente, ainda precisa ser confirmada.
    6 – Se  o processo original sumiu, como se explica que Miguel do Rosário tenha obtido as 12 páginas já publicadas em “O Cafezinho”? Aí está outra parte do segredo e que vamos esclarecer agora: um homem – não identificado - teria conseguido preservar o processo original (e feito pelo menos mais uma cópia, na íntegra, para se proteger). As 12 páginas seriam, portanto, “só um aperitivo do que pode vir por aí”, garante o “garganta profunda”.
    7 – O que mais há no processo? Detalhes sobre contas em paraísos fiscais,  e os nomes dos donos da Globo associados a essas contas, além de muitos outros detalhes – diz o “garganta profunda”, único a manter contato permanente com o homem que hoje possuiria o processo na íntegra. Seriam provas avassaladoras, “com nome, endereço e tudo o mais”. Em suma: umabomba atômica contra a Globo.
    8 – Abrimos aqui um parêntesis. A “fonte 2″ garante-me que em 2003 a família Marinho procurou o governo Lula para pedir ajuda. A Globo estava a ponto de quebrar (graças às barbeiragens com a GloboCabo, que contraiu dívidas em dólar e viu essa dívida se multiplicar por quatro depois da desvalorização do Real em 98/99, no governo FHC). Algumas pessoas no entorno de Lula chegaram a sugerir que o governo emitisse “debêntures” para salvar a Globo. Na prática, isso poderia dar ao governo o controle da Globo. “Seria uma forma suave de, na prática, estatizar a Globo”, garante-me a “fonte 2″.
    Por que não foi feito? “Eram todos marinheiros de primeira viagem no governo, faltou confiança e convicção para adotar essa medida, que teria sido a mais adequada para o país“, diz a “fonte 2″ – que acompanhou toda a negociação de perto. Ele conta que a família Marinho ficou contrariada com essa idéia, que chegou a ser levada à mesa por integrantes do governo Lula, mas a Globo estava tão desesperada que cogitou até aceitar essa saída pra não quebrar. Lula, no entanto, optou pela saída convencional: a Globo conseguiu empréstimos (inclusive no BNDES), e alongou a dívida. A família Marinho manteve seu império intacto.
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    9 – Ainda pressionada por essa dívida principal, a família Marinho recebeu notícia da investigação fiscal, promovida pelo auditor Zile. A Globo pediu socorro ao governo. Isso deve ter ocorrido entre 2003 e 2004, diz a “fonte 2″. A ordem de Lula teria sido: “não vamos intervir, os auditores têm autonomia funcional e devem fazer o trabalho deles”.
    10 – A partir de então (e apesar da “ajuda” do governo para equacionar a dívida principal originada pelas barbeiragens na Globocabo), a família Marinho teria declarado guerra. Isso explicaria a cobertura global na CPI do Mensalão, sob a batuta de Ali Kamel, em 2005. Essa é a tese da “fonte 2″, embasada nesses fatos só agora revelados.
    11 – O processo por sonegação (conduzido pelo auditor Alberto Sodré Zile) foi concluído às vésperas da eleição de 2006, quando a Globo de novo apontou as baterias contra Lula. Acompanhei tudo isso de perto, eu estava na Globo na época.
    Claramente, a temperatura contra o governo subiu no último mês antes do primeiro turno (ocorrido em outubro de 2006).  O auditor Zile concluiu a investigação em setembro de 2006. A família Marinho queria que a investigação sobre sonegação fosse interrompida de qualquer forma. Não tanto pelos valores, mas porque a revelação de contas em paraísos fiscais seria devastadora.
    12 – Entre o primeiro e o segundo turnos da eleição de 2006, houve algum acordo entre a Globo e o governo Lula? A cobertura global da eleição mudou completamente no segundo turno, tornando-se mais “suave”. Em novembro de 2006, um colega que também era repórter da Globo e que mantinha bons contatos com Marcio Thomaz Bastos (então Ministro da Justiça de Lula) disse-me: “Rodrigo, agora eles sentaram pra conversar, o governo e os Marinho“.  Não se sabe ao certo o que foi colocado na mesa para a tal conversa. O que se sabe é que, coincidentemente, desde dezembro de 2006 a investigação por sonegação segue “em trânsito.”
    13 – A divulgação das doze páginas pelo “O Cafezinho” pegou a Globo de surpresa. Reparem como a nota oficial da emissora é confusa e contraditória. A Globo fala que não há imposto a pagar, mas reconhece que discute algumas cobranças, sim. E não faz qualquer menção à conta nas Ilhas Virgens. É um ziguezague. Procedimento típico de quem não sabe o que o “outro lado” possui de munição. A Globo torce para que o resto do processo não apareça. Sobram várias perguntas…
    14 – O homem que está com o processo na mão estaria disposto a revelar todo o conteúdo? Por que não o fez até agora?
    15 – O MPF (Ministério Público Federal) vai esclarecer por que não seguiu a investigar a Globo, conforme sugeriu o auditor Alberto Sodré Zile em sua “Representação Fiscal para Fins Penais”? Cabe aos blogueiros e ao Centro Barão de Itararé fazer essa pergunta diretamente ao MPF. Aliás, nessa quarta-feira, dia 10, às 11h, o Barão e outras entidades irão para a porta do MPF no Rio (rua Nilo Peçanha, 31 – centro), levando a singela pergunta: “MPF, por que você não investiga a fraude da Rede Globo?”. Gurgel pode dar a resposta…
    16 – A Receita Federal alega que não pode dar mais detalhes sobre a investigação, já que esta estaria protegida por sigilo fiscal. Ok. Mas a Receita pode – e deve – esclarecer o que foi feito dos processos. E por que eles constam como “em trânsito” na página “COMPROT” do Ministério da Fazenda.
    17 – Por último, seria bom esclarecer se houve, de fato, algum acordo entre Lula e Globo em 2006. E por que ele teria sido rompido depois – com a evidente tomada de posição da emissora carioca em favor de Serra na eleição de 2010?

    Ramonet: Serviços de espionagem já controlam a internet

    viomundo - publicado em 7 de julho de 2013 às 15:08

    Internacional| 07/07/2013 | Copyleft
    Ignacio Ramonet*: ‘Somos todos vigiados’
    Snowden, Manning e Assange são defensores da liberdade de expressão, lutam em favor da democracia e dos interesses de todos os cidadãos do planeta. Hoje são assediados e perseguidos pelo “Grande Irmão” norte-americano. Por que os três heróis do nosso tempo assumiram correr semelhante riscos, que podem custar a sua própria vida?
    Nós já temíamos [1].
    Tanto a literatura (1984, de George Orwell), como o cinema (Minority Report, de Steven Spielberg) haviam avisado: com o progresso da tecnologia da comunicação, todos acabaríamos por ser vigiados. Presumimos que essa violação de nossa privacidade seria exercida por um Estado neototalitário.
    Aí nos equivocamos. Porque as revelações inéditas do ex-agente Edward Snowden sobre a vigilância orwelliana acusam diretamente os Estados Unidos, país considerado como “pátria da liberdade”. Aparentemente, desde a promulgação, em 2001, da lei Patriot Act [2], isso ficou no passado.
    O próprio presidente Barack Obama acaba de admitir: “Não se pode ter 100% de segurança e 100% de privacidade”. Bem-vindos, portanto à era do “Grande Irmão”…
    O que revelou Snowden? Este antigo assistente técnico da CIA, de 29 anos, que trabalhava para uma empresa privada – a Booz Allen Hamilton [3] – subcontratada pela Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, sua sigla em inglês), revelou aos jornais The Guardian e Washington Post a existência de programas secretos que tornam o governo dos Estados Unidos capaz de vigiar a comunicação de milhões de cidadãos.
    Um primeiro programa entrou em operação em 2006. Consiste em espiar todas as chamadas telefônicas feitas pela companhia Verizon, dentro dos Estados Unidos, e as que se fazem de lá para o exterior.
    Outro programa, chamado PRISM, foi posto em marcha em 2008. Coleta todos os dados enviados pela internet (e-mails, fotos, vídeos, chats, redes sociais, cartões de crédito), por (em princípio…) estrangeiros que moram fora do território norte-americano.
    Ambos os programas foram aprovados em segredo pelo Congresso norte-americano, que teria sido, segundo Barack Obama, “constantemente informado” sobre o seu desenvolvimento.
    Sobre a dimensão da incrível violação dos nossos direitos civis e das nossas comunicações, a imprensa deu detalhes escabrosos. Em 5 de junho, por exemplo, o Guardian publicou a ordem emitida pela Tribunal de Supervisão de Inteligência Externa que exigia à companhia telefônica Verizon entregar à NSA os registos de milhões de chamada dos seus clientes.
    O mandado não autoriza, aparentemente, saber o conteúdo das comunicações, nem os titulares dos números de telefone, mas permite o controle da duração e o destino dessas chamadas.
    No dia seguinte, o Guardian e o Washington Post revelaram a realidade do programa secreto de vigilância PRISM, que autoriza a NSA e o FBI acesso aos servidores das nove principais empresas da internet (com a notável exceção do Twitter): Microsoft, Yahoo, Google, Facebook [4], PalTalk, AOL, Skype, YouTube e Apple.
    Por meio dessa violação, o governo dos EUA pode aceder a arquivos, áudios, vídeos, e-mails e fotografias de usuários dessas plataformas.
    O PRISM converteu-se, desse modo, na ferramenta mais útil da NSA para fornecer relatórios diários ao presidente Obama.
    Em 7 de junho, os mesmo jornais publicaram uma diretiva da Casa Branca que ordenava às suas agências (NSA, CIA, FBI) estabelecer uma lista de possíveis países suscetíveis de serem “ciberatacados” por Washington.
    E em 8 de junho, o Guardian revelou a existência de outro programa, que permite à NSA classificar os dados recolhidos na rede. Esta prática, orientada à ciberespionagem no exterior, permitiu compilar – só em março – cerca de 3 bilhões de dados de computador nos Estados Unidos…
    Nas últimas semanas, ambos os jornais conseguiram revelar, sempre graças a Edward Snowden, novos programas de ciberespionagem e vigilância da comunicação em países no resto do mundo. Edward Snowden explica que “a NSA construiu uma infraestrutura que lhe permite interceptar praticamente qualquer tipo de comunicação. Com esta técnica, a maioria das comunicações humanas são armazenadas para servir em algum momento a um objetivo determinado”.
    A NSA, cujo quartel-general fica em Fort Meade (Maryland), é a mais importante e mais desconhecida agência de informações norte-americana. É tão secreta que a maioria dos norte-americanos ignora a sua existência. Controla a maior parte do orçamento destinado aos serviços de informações e produz mais de cinquenta toneladas de material por dia.
    É ela – e não a CIA – a proprietária e operadora da maior parte do sistema de coleta de dados dos serviços secretos dos EUA.
    Desde uma rede mundial de satélites até as dezenas de postos de escuta, milhares de computadores e as florestas de antenas localizadas nas colinas de West Virginia.
    Uma das suas especialidades é espiar os espiões — ou seja, os serviços secretos de todas as potências, amigas e inimigas.
    Durante a guerra das Malvinas (1982), por exemplo, a NSA decifrou o código secreto dos serviços de espionagem argentinos, o que lhe permitiu transmitir aos britânicos informações cruciais sobre as forças argentinas.
    O vasto sistema da NSA pode captar discretamente qualquer e-mail, qualquer consulta de internet ou telefonema internacional. O conjunto total da comunicação interceptada e decifrada pela NSA constitui a principal fonte de informação clandestina do governo dos EUA.
    A NSA colabora estreitamente com o misterioso sistema Echelon. Criado em segredo, depois da Segunda Guerra Mundial, por cinco potências anglo-saxônicas — Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia (os “cinco olhos”), o Echelon é um sistema orwelliano de vigilância global que se estende por todo o mundo, monitoriza os satélites usados para transmitir a maioria dos telefonemas, comunicação na internet, e-mails, redes sociais etc.
    O Echelon é capaz de capturar até dois milhões de conversas por minuto. A sua missão clandestina é a espionagem de governos, partidos políticos, organizações e empresas. Seis bases espalhadas pelo mundo recolhem informações e desviam de forma indiscriminada enormes quantidades de comunicação.
    Em seguida, os super-computadores da NSA classificam este material, por meio da introdução de palavras-chaves em vários idiomas.
    Em torno do Echelon, os serviços de espionagem dos EUA e do Reino Unido estabeleceram uma larga colaboração secreta. E agora sabemos, graças às novas revelações de Edward Snowden, que a espionagem britânica também intercepta clandestinamente cabos de fibra ótica, o que lhe permitiu espionar as comunicações das delegações presentes na reunião de cúpula do G-20, em Londres, em abril de 2009. Sem distinguir entre amigos e inimigos [5].
    Por meio do programa Tempora, os serviços britânicos não hesitam em armazenar enormes quantidades de informação obtidas ilegalmente. Por exemplo, em 2012, manejaram cerca de 600 milhões de “conexões telefônicas” por dia e puseram sob escuta, em perfeita ilegalidade, mais de 200 cabos…
    Cada cabo transporta 10 gigabites [6] por segundo. Em teoria, poderia processar 21 petabytes [7] por dia; equivalente a toda a informação da Biblioteca Britânica, enviada 192 vezes ao dia.
    O serviços de espionagem constatam que a internet já tem mais de 2 bilhões de utilizadores no mundo e que quase um bilhão utiliza o Facebook de forma habitual. Por isso, fixaram como objetivo, transgredindo leis e princípios éticos, controlar tudo o que circula na internet. E estão a conseguir: “Estamos a começar a dominar a internet”, confessou um espião inglês, “e a nossa capacidade atual é bastante impressionante”.
    Para melhorar ainda mais esse conhecimento sobre a internet, o Quartel-Geral de Comunicações do Governo [Government Communications Headquarters, ou GCHQ, a agência de espionagem britânica] lançou recentemente novos programas: Mastering The Internet (MTI) sobre como dominar a Internet, e Programa de Modernização da Intercetação [Interception Modernisation Programme] para uma exploração orwelliana das telecomunicações globais.
    Segundo Edward Snowden, Londres e Washington já acumulam, diariamente, uma quantidade astronômica de dados, interceptados clandestinamente através das redes mundiais de fibra ótica. Ambos países dispõem de um total de 550 especialistas para analisar essa titânica informação.
    Com a ajuda da NSA, a GCHQ aproveita-se de que grande parte dos cabos de fibra ótica por onde trafegam as telecomunicações planetárias passam pelo Reino Unido. Este fluxo é interceptado com programas sofisticados de informática. Em síntese, milhões de telefonemas, mensagens eletrônicas e dados sobre visitas na internet são armazenados sem que os cidadãos saibam, a pretexto de reforçar a segurança e combater o terrorismo e o crime organizado.
    Washington e Londres colocaram em marcha o plano orwelliano do “Grande Irmão”, com capacidade de saber tudo que fazemos e dizemos nas nossas comunicações. E quando o presidente Obama menciona a suposta “legitimidade” de tais práticas de violação de privacidade, está a defender o injustificável.
    Além disso, há de se lembrar que, por interceptarem informação sobre perigosos grupos terroristas com base na Flórida – ou seja, uma missão que, segundo a lógica do presidente Obama seria “perfeitamente legitima” — cinco cubanos foram detidos em 1998 e condenados [8] pela Justiça dos EUA a largas e imerecidas penas de prisão [9].
    O presidente Barack Obama está a abusar do seu poder e a diminuir a liberdade de todos os cidadãos do mundo. “Eu não quero viver numa sociedade que permite este tipo de ação”, protestou Edward Snowden, quando decidiu fazer as suas revelações.
    Divulgou os fatos e, não por acaso, exatamente quando começou o julgamento do soldado Bradley Manning, acusado de promover a fuga de segredos da Wikileaks, organização internacional que divulga informações secretas de fontes anônimas.
    Enquanto isso, o ciberativista Julian Assange está refugiado há um ano na Embaixada do Equador em Londres…
    Snowden, Manning e Assange são defensores da liberdade de expressão, lutam em favor da democracia e dos interesses de todos os cidadãos do planeta. Hoje são assediados e perseguidos pelo “Grande Irmão” norte-americano [10].
    Por que os três heróis do nosso tempo assumiram correr semelhante riscos, que podem custar a sua própria vida? Edward Snowden, obrigado a pedir asilo político no Equador e em vinte países, responde: “Quando se dá conta de que o mundo que ajudou a criar será pior para as próximas gerações, e que os poderes desta arquitetura de opressão se estendem, você entende que é preciso aceitar qualquer risco. Sem se preocupar com as consequências”.
    Notas
    1 Ver, de Ignacio Ramonet, “Vigilância absoluta”, na Biblioteca Diplô, agosto de 2003.
    

2 Proposta pelo presidente George W. Bush e adotada no contexto emocional que se seguiu aos ataques de 11 de setembro de 2001, a lei “Patriot Act” autoriza controles que interferem com a vida privada, suprimem o sigilo da correspondência e liberdade de informação. Não requer a permissão para escutas telefónicas. E os investigadores podem aceder a informações pessoais dos cidadãos sem mandado judicial.
    3 Em 2012, a empresa faturou 1,3 bilhão para “missões de assistência de informação.”
    

4 Recentemente, soube-se que Max Kelly, chefe de segurança no Facebook, encarregado de proteger as informações pessoais dos usuários da rede social contra ataques externos, deixou a empresa em 2010 e foi contratado… pela NSA.
    5 Espiar diplomatas estrangeiros é legal no Reino Unido: protegido por uma lei aprovada pelos conservadores britânicos, em 1994, que coloca o interesse econômico nacional acima da diplomacia.
    6 O byte é uma unidade de informação em computação. Um gigabyte é uma unidade de armazenamento cujo símbolo é GB, igual a um bilhão de de bytes, equivalentes a uma van repleta de páginas de texto.
    

7 Um petabyte (PT) é igual a um quatrilhão de bytes — ou um milhão de gigabytes.
    8 A missão dos cinco Antonio Guerrero, Fernando González, Gerardo Hernández, Ramón Labañino e René González, era infiltrar-se e observar o processo de grupos de exilados cubanos para evitar atos de terrorismo contra Cuba. Porém o juiz os condenou à prisão perpétua. Disse a Anistia Internacional num comunicado que “durante o julgamento não mostrou qualquer prova de que os acusados tinham informações classificadas realmente coletadas ou transmitidas.”
    

9 Ler de Fernando Morais, Os últimos soldados da guerra fria, Companhia das Letras.
    10 Edward Snowden corre o risco de ser condenado a trinta anos de prisão após ter sido formalmente acusado pelo governo dos EUA de “espionagem”, “roubo” e “uso ilegal de propriedade do governo.”
    

*Ignacio Ramonet é jornalista. Foi diretor do Le Monde Diplomatique entre 1990 e 2008.
    Tradução de Cauê Ameni para o Outras Palavras

    Como já disse Zygmunt Bauman: para se atingir a "felicidade" se faz necessário a liberdade e a segurança, e ninguém ou nenhum Estado conseguiu dosar essas duas condições. Se o objetivo é maior segurança, abre-se mão da liberdade, se é a liberdade a ser privilegiada, abre-se mão da segurança. As palavras ditas por Obama refletem exatamente isso, com um detalhe cruel. A segurança é dos EUA, mas a liberdade roubada é nossa.