"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, abril 13, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 13/04/07

Intepretações do Brasil: Impacto da escravidão. Entrevista especial com Mário Maestri

A escravidão entrou em pauta no Instituto Humanitas Unisinos nesta segunda-feira com o debate com o historiador gaúcho Mario Maestri, no evento Interpretações do Brasil, que discute clássicos da história brasileira através de debates. O professor discutiu o pensamento de Alexandre Merchant e Robert Conrad sobre os anos de escravidão brasileira, além das relações econômicas da época.

Mário Maestri é doutor em Ciências Históricas pela Université Catholique de Louvain, na Bélgica, onde defendeu dissertação de mestrado sobre a África Negra pré-colonial, e tese de doutoramento no Centre de Histoire de l'Afrique daquela instituição, sobre a escravidão no Rio Grande do Sul. Atualmente, é professor do programa de pós-graduação da Universidade de Passo Fundo.

Maestri já concedeu entrevista na edição 204 da IHU On-Line sobre a obra Capitania d’el-Rei, onde aborda aspectos da formação histórida do Rio Grande do Sul. O historiador também já publicou o As sete mulheres e as negras sem rosto: ficção, história e trivialidade, publicado nos Cadernos IHU Idéias no. 17, Gilberto Freyre: da Casa-Grande ao Sobrado - Gênese e dissolução do patriarcalismo escravista no Brasil. Algumas considerações, Cadernos IHU no. 6, e O Escravismo Colonial: A revolução copernicana de Jacob Gorender, Cadernos IHU no. 13. Todas as publicações estão disponíveis nesta página. Confira a entrevista a seguir.


IHU On-Line- Como o liberalismo se ajustou estruturalmente ao escravismo?

Mario Maestri- Em sua luta pela destruição da ordem feudal, a produção capitalista necessitava de organização social que sancionasse a maior liberdade possível de circulação dos capitais, das mercadorias e da mão-de-obra. Levantava-se, portanto, contra os privilégios e hierarquizações do Ancién Regime, que emperrava o dinamismo da organização capitalista da sociedade. Na esfera político-ideológica, a nova ordem capitalista nascente gerou o liberalismo, doutrina político-ideológica que defendia a autonomia de ação e democratização do poder para as classes proprietárias. Ou seja, a gestão sem privilégios do Estado pelos homens bons da nova ordem, pelos membros das classes proprietárias, com destaque para as novas classes capitalistas. Ainda que o liberalismo propusesse a liberdade civil dos indivíduos, necessária a sua transformação plena em trabalhadores assalariados incapazes de produzirem seus meios de subsistência, sua proposta de liberdade de ação e de igualdade dizia respeito essencialmente ao capital e às classes proprietárias, vistas como a verdadeira e única classe civil. As classes sociais encontravam-se à margem dessas propostas. O liberalismo jamais propôs a gestão pública democrática da sociedade, através do voto universal, por seus membros, não importando a classe social e o gênero. A luta pela democratização, mesmo relativa, da ordem liberal,deveu-se e deve-se essencialmente à mobilização das classes sociais.

A ordem liberal-capitalista não apenas adaptou-se como apoiou-sena escravização do trabalhador. Como Marx lembrava, em "O capital", a "acumulação primitiva" muito deveu ao tráfico negreiro e a própria Revolução Industrial, na Europa, ensejou a retomada da escravidão colonial, nas América, onde o braço feitorizado produzia, por baixo custo, as matérias primas que necessitava, com destaque para o café e o algodão. Liberais ingleses apoiaram o sul-escravista estadunidense, contra o norte abolicionista, preocupado na manutenção do algodão produzido pelo braço escravizado.

Nas Américas, o pensamento e o regime liberal constituiu elemento para a construção de superestrutura político-ideológica de organização social da produção escravista colonial e, nesse sentido, não capitalista, através da redução teórica do trabalhador à situação da mercadoria e restrição estrita dos direitos civis, aos homens livres, e políticos, aos grandes proprietários. Uma situação que emperrou, por um longuíssimo tempo, o próprio desenvolvimento capitalista na América escravista. Realidade que contribuiu fortemente para a fragilidade das classes sociais que conhecemos, ainda hoje, no Brasil.

IHU On-Line- Alguns estudiosos acreditavam que havia uma certa propensão para a modernidade nos "novos senhores" do Oeste Paulista, como os chama Sérgio Buarque de Holanda.

Mario Maestri- Como assinala Robert Conrad, em seu clássico "Os últimos anos da escravatura no Brasil", a destruição da ordem escravista deveu-se, de forma geral, à concentração da mão-de-obra escravizada no sudeste cafeicultor, devido à interrupção do tráfico transatlântico de trabalhadores escravizado, em 1850, e à conseqüente explosão do preço do cativo, motivada pelas necessidades de trabalhadores da cafeicultura, galvanizada pelo mercado mundial. A disponibilidade, sobretudo no Nordeste, de populações pobres livres, obrigadas a vender a força de trabalho por preço vil; a incapacidade de escravistas de aplicarem produtivamente seus cativos e muitas regiões do Brasil e outros fenômenos ainda não suficientemente elucidados, ensejaram uma enorme venda e concentração de cativos na cafeicultura, com a conseqüente desescravização de importantes regiões do Brasil. Esse fenômeno pôs fim ao consenso escravista nacional. Em um sentido, conjuntural, a escravidão foi destruída devido à convergência da ação do movimento abolicionista radicalizado com os próprios trabalhadores escravizados, que destruíram literalmente a ordem escravista, através do abandono maciço das fazendas, sobretudo paulistas, a partir de 1887. Um movimento que estremeceu a própria produção charqueadora pelotense, dependente ainda do braço do cativo e do liberto sob condições de prestação de serviços sem pagamento.

O abolicionismo dos fazendeiros do Oeste paulista é uma legenda historiográfica que apresenta o fazendeiro e o escravista paulista como o demiurgo da própria superação da escravidão, roubando a cena ao trabalhador escravizado, que desorganizou em forma irremediável a produção, devido à verdadeira insurreição geral incruenta dos últimos meses da instituição. Essa legenda constrói lugar de destaque na história regional e nacional para setor social que lutou, como registra Robert Conrad, na obra assinalada, assim como alguns outros autores, apoiados em documentação primária irrefutável, até os últimos momentos, em defesa da escravidão, e não por sua destruição.

IHU On-Line- Necessariamente, os cafeicultores não deveriam considerar o trabalho escravo como menos rentável do que o trabalho livre? Por que não o fizeram?

Mario Maestri- Até os últimos momentos da escravidão, o trabalhador escravizado não era apenas mais rentável como a única solução disponível, nas condições históricas da época e no contexto da produção latifundiária-exportadora. O trabalhador livre disponível na região era insuficiente para as necessidades dos cafeicultores e simplesmente não se empregaria nas fazendas cafeicultoras pela remuneração miserável entregue aos cativos, sob a forma de alimentação, vestuário, moradia etc., mesmo acrescida a ela a inversão inicial realizada pelo negreiro ao comprar o trabalhador. O homem livre pobre conhecia condições de existência melhores na malandragem ou vivendo como caboclos, nos interstícios da sociedade de então. A dissolução revolucionária da escravidão, pela luta abolicionista radicalizada associada à ação dos trabalhadores escravizados, criou momento de difícil transição, para os cafeicultores, que os obrigou a contratar, como colonos, em condições que favorecia, ainda que relativamente, o trabalhador imigrado recém-chegado.

IHU On-Line- A Abolição acompanhada do subsídio estatal dado à vinda dos imigrantes não teria sido uma espécie de indenização que o governo imperial, e depois o republicano, concedeu aos senhores?

Mario Maestri- Sobretudo os escravistas proprietários de terras cansadas exigiam histéricos a indenização de suas propriedades humanas, consagradas pela Constituição, quando da abolição da escravidão. A administração imperial chegou a discutir essa indenização, que hoje nos parece paradoxal, mesmo quando concordamos na justiça da indenização dos imensos latifúndios, por motivo de reforma agrária. Porém, os setores proprietários mais dinâmicos, que dominavam o poder central, preferiram investir os recursos da Estado monárquico e a seguir republicano na importação de trabalhadores livres, necessários para, inicialmente, suprir as necessidades dos cafeicultores e, a seguir, contribuir à conformação do exército rural e industrial de reserva que passou a deprimir, como deprime ainda hoje, vilmente, o valor da força de trabalho no Brasil, e a própria capacidade social de mobilização.

Jornalista gaúcho defende as grandes empresas florestais denunciando ‘uma conspiração anti-florestal’ no RS

Políbio Braga, jornalista gaúcho que sistematicamente ataca o MST e defende com ardor as grandes empresas multinacionais diretamente interessadas na transformação da Metade Sul do Rio Grande do Sul numa imensa floresta de eucaliptos, denuncia, em artigo distribuído por sua página eletrônica Polibio Braga on-line, 13-04-2007,uma conspiração anti-florestal no RS liderada pela Fepam. O Jornal do Comércio, 13-04-2007, notícia que a Fepam liberará os plantios. Veja a notícia nesta página.

Políbio Braga escreve:

"Vai ser um espetáculo selvagem, mas que demonstrará cruamente o grau de insensatez a que chegou o RS, por não reagir como deve aos movimentos das legiões do atraso, que teimam mergulhar o Estado na escuridão da mais torpe pobreza: 3 milhões de mudas de eucaliptos vão arder num incêndio de enormes proporções no maior viveiro gaúcho, instalado em Barra do Ribeiro, simplesmente porque a Fepam não autoriza as empresas a plantarem as florestas programadas dentro dos seus planos de investimentos de US$ 4,5 bilhões (três Fords).

As mudas valem R$ 1,23 milhão, calculando-se R$ 0,40 cada pé. Vão arder, porque passou o tempo de “validade” e os viveiros terão que abrir espaço para as mudas que vêm atrás.

Pelo menos 400 das 900 famílias que vivem da renda proporcionada pelo trabalho dos viveiros de Barra do Ribeiro, serão demitidos.

É só o começo.

Gente que o simples início dos serviços de plantio de florestas já empregou e melhorou de vida, perderá tudo. Só para dar uma idéia: em Rosário do Sul, a Unimed tinha 70 associados e agora tem 500. Não é só. Por toda a Metade Sul, milhares de pequenos empreendedores e trabalhadores conseguiram emprego, trabalho e renda.

Por trás da decisão da Tecnoplanta, estão a VCP (Votorantim Celulose e Papel), Aracruz, StoraEnso e mais 170 clientes, impedidas de ir adiante com seus mega-investimentos de US$ 4,5 bilhões no RS.

A VCP já avisou a esta página que não botará mais a tempo os US$ 1,2 bilhão (uma Ford) programada para a Metade Sul, a região mais pobre do RS. Ela decidiu redirecionar seus melhores técnicos e recursos para o Mato Grosso, onde encontrou pela frente um tapete vermelho de boas vindas.

Apenas a mega-fábrica de celulose que a VCP poderá cancelar (já adiou por um ano o projeto) deixará de injetar US$ 500 milhões na economia estadual num único ano.

Para quem precisa gerar postos de trabalho, renda e impostos, trata-se de um desastre três vezes maior do que o da perda da Ford.

Stora Enso (Finlândia) e Aracruz, como a VCP, não entendem o que ocorre. “Nos chamaram e agora nos dão o pé na bunda !”, queixou-se para o editor desta página um executivo da Stora Enso.

Instituto Humanitas Unisinos - 13/04/07

O clima, a energia, a discussão que falta. Artigo de Washington Novaes

"A discussão da matriz energética brasileira, que é urgente por muitas razões, inclusive mudanças climáticas" é o tema do artigo de Washington Novaes publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 13-04-2007. Citando o relatório inquietante do Grupo de Trabalho II do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas , estudos de especialistas como José Goldemberg, Ignacy Sachs, Carlos B. Vainer, Célio Bermann o jornalista mostra que a discussão de uma matriz energética brasileira, além de urgente, é possível no Brasil.

Eis o artigo.

Pois é. Está aí mais um relatório inquietante do Grupo de Trabalho II do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas a respeito dos “impactos, adaptação e vulnerabilidade” (Estado, 7/3) em cada região, com os cenários dramáticos previsíveis para todo o mundo ao longo deste século. E com uma certeza absoluta: os pobres sofrerão mais no mundo todo e em cada país.

Se já não há mais razões para duvidar dos cientistas, também não é o caso de caminhar para o extremo oposto e achar que o “fim do mundo” é inevitável e não há nada a fazer, atitude que está aterrorizando crianças e adolescentes, principalmente. Até porque o nível de gravidade dos problemas estará relacionado com a capacidade humana de “mitigação” (redução das emissões de poluentes e outros fatores que agravam o quadro) e “adaptação” (construção de soluções) em cada lugar.

Estamos atrasados, certamente. Quinze anos depois da Rio-92, quando o Brasil liderou a assinatura da Convenção do Clima, anuncia o Ministério do Meio Ambiente que o País ainda “prepara um plano nacional de combate” aos efeitos das mudanças climáticas, que abrangerá, além desse Ministério, as Relações Exteriores e a Ciência e Tecnologia (Folha de S.Paulo, 29/3). Ao mesmo jornal (9/4) disse a ministra do Meio Ambiente que “o Brasil não foi pego desprotegido; tivemos o empenho que o fato exige”. Fora do seu Ministério, não é o que parece haver ocorrido; ao contrário, por ação ou omissão, vários deles até contribuíram para o aumento das emissões de poluentes ou para bloquear a adesão do País a compromissos de redução desses poluentes.

Como tem sido comentado neste espaço, o Brasil já é o quarto maior emissor, com mais de 1 bilhão de toneladas anuais de dióxido de carbono (nível aferido em 1994), das quais cerca de 75% por desmatamentos, queimadas e mudanças no uso do solo, principalmente na Amazônia. Embora o desmatamento tenha caído nos dois últimos anos, está no mesmo nível de 1994 e grande parte dos especialistas atribui a redução recente à queda no avanço da soja na região, por causa de baixos preços. Como eles estão se recuperando, ao mesmo tempo em que crescem as exportações de carnes (e a implantação de pastagens é o motivo principal do avanço do desmatamento), ver-se-á este ano e nos próximos o que acontecerá. As previsões da OCDE são de que as emissões brasileiras cresçam 70,5% até 2030 (Estado, 3/4) .

Na área da mitigação, não há dúvida de que, na matriz energética nacional, fora o Proálcool (criado por motivos econômicos na década de 70), quase nada tem sido feito para enfrentar o problema. Basta lembrar que o programa de controle de emissões por veículos, criado há uns 20 anos, até hoje não saiu do papel porque Estados e prefeituras disputam quem ficará com a receita das taxas de inspeção de cada veículo.

Sem falar que, na área governamental, a discussão sobre a matriz energética brasileira é praticamente nenhuma, limitada a um círculo fechado de formuladores governamentais e de setores interessados - sem nenhuma participação da sociedade. Por isso é tão importante a publicação, nos próximos dias, do Dossiê Energia, na edição número 59 da revista Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo, com artigos de vários especialistas.

O professor José Goldemberg, ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, por exemplo, acha que o Brasil “está na contramão da história” ao recorrer cada vez mais à energia de fontes poluidoras como as usinas termoelétricas e a carvão mineral. Lembra estimativas da Universidade de Campinas de que “na área da eletricidade seria viável obter uma redução de 38% no consumo de eletricidade a ser atingido em 2020”. Pelo mesmo caminho vai o estudo do WWF Brasil, que ainda lembra a possibilidade de, por meio de programas de eficiência energética, criar 8 milhões de postos de trabalho. Ou o ensaio do professor Célio Bermann, da USP, segundo o qual só a repotenciação de hidrelétricas com mais de 20 anos de operação pode aumentar a oferta de energia em 12% - e certamente a um custo muito menor que o de construir novas usinas.

O professor Carlos B. Vainer, da UFRJ, lembra que “o primeiro passo” (para chegar a políticas adequadas no setor) “parece ser a restauração do debate público, retirando tais políticas e decisões da esfera restrita dos pacotes e planos emergenciais, onde raramente ultrapassam o círculo estreito dos técnicos e dos interesses setoriais”. Nada poderia ser mais descritivo deste momento nas discussões do chamado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em que eventuais questionamentos sobre a necessidade de ampliar a oferta de energia ou sobre problemas socioambientais com mega-hidrelétricas na Amazônia são apontados como “obstáculos ao crescimento” (“esquecidos”, inclusive, de que os investimentos ali podem ser redirecionados para outros setores necessitados).

Também importante para o debate é o artigo do professor Ignacy Sachs, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, sobre “a revolução energética do século XXI”, no qual afirma que “o desenvolvimento sustentável não é compatível com o paradigma energético atual”. E alinha uma série de possibilidades, entre elas as energias das biomassas - mas lembrando que “o Brasil poderá perder rapidamente a enorme vantagem competitiva de que desfruta hoje o seu etanol da cana-de-açúcar”, seja pela oferta de alternativas mais vantajosas (como o etanol celulósico), seja pela ausência ou por erros das políticas públicas nessa área.

Não é possível mencionar aqui todos os ensaios - são muitos. Mas é certamente uma base muito rica para a discussão da matriz energética brasileira - que é urgente por muitas razões, inclusive mudanças climáticas."

quinta-feira, abril 12, 2007

Le Monde Diplomatique - Diplô

PODERES IMAGINÁRIOS

A "conspiração" das Torres Gêmeas

Há um contrabando ideológico notável nas teorias que responsabilizam a CIA pelos atentados de 11 de Setembro. Aceitá-las seria atribuir aos EUA poder e capacidade de articulação muito superiores às demonstradas por eles na vida real

Alexander Cockburn

Onde se encontrava a esquerda americana durante a campanha que, em 7 de novembro, acabou com a vitória dos democratas nas duas câmaras do Congresso? Estava na rua para mobilizar contra a guerra do Iraque? Não, o movimento anti-guerra é inerte há meses. Numa das raras manifestações pacifistas organizadas na minha cidade – Eureka, na Califórnia – três dos cinco oradores não evocaram o conflito em curso. Preferiram chatear o público – e reduzir consideravelmente seu tamanho – com argumentações intermináveis sobre os atentados de 11 de setembro de 2001. Seu objetivo? Provar que se tratava de uma conspiração interna fomentada por George W. Bush e Richard Cheney ou (variação do mesmo tema) por poderosos obscuros, cujos inquilinos da Casa Branca eram apenas meninos de recados.

Cinco anos após os atentados, a teoria de conspiração sobre o 11 de setembro penetrou na esquerda americana. Atinge também a direita "populista" ou "liberal", o que não tem nada de surpreendente dado que essas duas correntes de pensamento desconfiam instintivamente do Estado; procurando freqüentemente desalojar o conspirador melhor ajustado à sua animosidade do momento, seja o fisco, a Agência Federal de Gestão de Emergências (Federal Emergency Management Agency, FEMA), as Nações Unidas [1] ou os judeus.

Nesses dias, raros são os militantes de esquerda que aprendem economia política lendo Karl Marx. Tal vazio teórico e estratégico beneficiou as "teorias da conspiração" que vêem nos prejuízos da classe dirigente não a crise de acumulação do capital, a busca de uma taxa de lucro mais elevada ou disputas interimperialistas, mas operações secretas tramadas em lugares como Bohemian Grove [2], Bilderberg, Davos etc. Sem esquecer as instituições e agências do mal, encabeçadas pela CIA. A "conspiração" do 11 de setembro empurrou todos essas bobagens ao seu limite.

Tropeça-se sobre o absurdo central dessa tese já no primeiro parágrafo do livro de um dos seus grandes pais, David Ray Griffin. No Novo Pearl Harbour [3] ele escreve: "O melhor desmentido da versão oficial está no desenrolar dos acontecimentos do 11 de setembro (...) Considerando os procedimentos habituais no caso do desvio do avião (...) nenhum dos aparelhos poderia atingir o seu alvo, menos ainda os três ao mesmo tempo".

Fé absoluta na eficácia norte-americana

A palavra-chave é "dever". Um dos traços que caracterizam os adeptos da conspiração é que têm uma fé absoluta na eficácia americana. Vários deles partem mesmo de um postulado racista, encontrado em alguns dos seus escritos, considerando que os árabes nunca poderiam levar a cabo esse tipo de atentado. Em contrapartida, crêem que os dispositivos militares americanos operam como prometem os assessores de imprensa do Pentágono e os representantes de comércio das indústrias de armamento. Não duvidam, por conseguinte, que quando o vôo 11 de American Airlines parou de transmitir às 8h14, o controlador aéreo da Federal Aviation Administration (FAA) "devia" imediatamente recorrer ao centro de comando militar nacional e ao comando de defesa do espaço norte-americano (Norad). E eles estão certos, dado que leram no site da US Air Force que um F-15 deveria ter interceptado o vôo "por volta de 8h24 e não atrasado, às 8h30".

Essas pessoas nunca leram um livro de história militar? Se lessem aprenderiam que as operações planificadas com mais cuidado – sobretudo quando se trata de uma antecipação de resposta a um perigo sem precedentes – falham normalmente por razões ligadas à estupidez, à covardia, à corrupção ou a outro defeito da natureza humana. Sem falar dos imponderáveis climáticos. De acordo com planos detalhados do Strategic Air Command (SAC), um ataque lançado pela antiga União Soviética deveria provocar a abertura dos silos de mísseis da Dakota do Norte, a qual liberaria projéteis intercontinentais ICBM sobre Moscou e outros alvos escolhidos. No entanto, cada um dos quatro testes desse tipo falharam a ponto de o SAC desistir. Foi devido a um equipamento defeituoso, incompetência humana, fraude do responsável pelos equipamentos militares. Ou de uma conspiração?

A tentativa do presidente democrata James Carter de libertar os reféns da embaixada dos Estados Unidos em Teerã, em 24 de abril de 1980, terminou num fiasco porque uma tempestade de areia incapacitou três dos oito helicópteros. Isso ocorreu por que esses engenhos eram mal construídos ou por que agentes de Ronald Reagan e do comitê nacional republicano (a eleição presidencial americana atrasou sete meses) teriam colocado açúcar nos tanques? Quando Cohen aumenta os preços do seu pequeno comércio é porque quer ganhar um dólar além disso ou porque o seu aluguel aumentou ou porque os judeus querem dominar o mundo?

Algumas fotografias do impacto do "objeto" – ou seja, do Boeing 757, vôo 77 – assemelham-se ao buraco que provocaria um míssil. Veja, dizem os advogados da tese de um golpe de estado interno, não é um Boeing 757, mas um míssil que atingiu o Pentágono. A idéia de que a fumaça mostrada em algumas fotos poderia ocultar a dimensão da perfuração é rejeitada imediatamente. Pouco importa que Charles Spinney, que deixou o Pentágono após durante anos ter compactuado com as extravagâncias orçamentárias do ministério da defesa, tenha dito: "As fotografias do avião que golpearam o Pentágono existem. Foram feitas pelas câmaras de vigilância do heliporto situado exatamente ao lado do ponto de impacto. Eu as vi. Paradas e em movimento. Não assisti a batida do avião, mas o motorista do veículo que estou usando atualmente a viu com tanta precisão que distinguiu até os rostos aterrorizados dos passageiros nas janelas. E conheço duas pessoas que se encontravam no aparelho. Uma delas foi identificada graças aos seus dentes encontrados no Pentágono".

Os adeptos da conspiração vão contrapor que Spinney já serviu o Estado, que as identificações dos dentes foram falsificadas, que o Boeing 757 foi desviado para o Nebraska para um encontro com o presidente Bush, o qual em seguida matou os passageiros, queimado os corpos no pátio do aeroporto e ofereceu os dentes do amigo de Spinney a Dick Cheney, para que ele deixasse cair de sua calça furada quando houvesse uma inspeção dos escombros do Pentágono...

Os fatos que a teoria conspiratória não explica

Ironia à parte, centenas de pessoas que viram o avião sabem diferenciar uma aeronave comercial de um míssil. Além disso, por que os que foram feridos naquele dia, os que perderam amigos ou colegas participariam hoje de tal encenação? Aliás, por que usar um míssil quando se dispõe de um avião – seguindo a tese dos adeptos da conspiração –, sabendo-se que já se teve êxito em espatifar (graças a um comando à distância...) dois aparelhos contra alvos muito mais difíceis de atingir: as duas torres de Nova Iorque?

Osama Bin Laden reivindicou os atentados? É que, nos foi dito, ele seria pago pela CIA. E assim em conseqüência... Basicamente, qual é o objetivo de tudo isso? Provar que Bush e Cheney são capazes de qualquer coisa? Considerando que eles nunca provaram competência necessária para ter êxito em uma operação tão sofisticada. No dia seguinte da vitória das tropas americanas no Iraque, não tiveram êxito sequer em mostrar algumas caixas escritas "ADM" para "armas de destruição em massa". Para eles, bastaria apresentar isso à uma imprensa encantada que as fotos correriam o mundo como "prova" definitiva da justiça da guerra.

A vitória eleitoral dos democratas logo nos lembrará que Bush e Cheney não são tão diferentes dos responsáveis pela política estrangeira americana que os precederam, ou dos que os seguirão. Um consenso bipartidário existe nas questões sobre Israel, Iraque etc. Procurando nos convencer da periculosidade inédita da administração no poder, os adeptos da "conspiração" contribuem para alimentar o fantasma de que uma nova administração – Clinton, Gore ou outra – se empenharia em prosseguir políticas muito mais humanas do que a atual.

Eles nos dizem ainda que as torres não desabaram à uma velocidade inesperada porque foram mal construídas (por razões às vezes ligadas à corrupção, à incompetência das empresas de obras públicas, ao laxismo regulamentar das autoridades) e porque foram golpeadas por gordos aviões cheios de combustível. Teriam caído porque agentes de Cheney – e foram necessários muitos! – encheram os andares de cargas explosivas no dia que precedeu o 11 de setembro. Foi uma conspiração que implica milhares de pessoas, todos cúmplices de um assassinato em massa e muito silenciosas a partir desse momento...

Maquiavel, no entanto, instruiu-nos que uma maquinação aumenta o risco de ser revelada sempre que se recorre a um novo cúmplice. No caso dos terroristas do 11 de setembro, vários deles tinham evocado seu projeto. É verossímel a idéia de que árabes armados de estiletes não realizariam nunca tal atentado, o que explica que ninguém os tenha levado a sério, protegendo o segredo.

Um lógico britânico e um frei franciscano do século 14 nos ensina que quando um fato pode ser explicado de várias maneiras, a explicação mais provável é a que pede o número menor de hipóteses sucessivas (princípio da Navalha de Ockham). No caso do 11 de setembro, a hipótese das cargas explosivas não é absolutamente necessária para explicar a queda acelerada das torres, incluindo a torre sete, não atingida por um avião. Um engenheiro dissecou as razões práticas que tornam a teoria dos explosivos, até este ponto improvável, em absurda [4].

Por que inventar maldades, se há tantas reais?

Há nos Estados Unidos numerosas conspirações reais. Por que fabricar falsas? Cada ano, os grandes proprietários e as autoridades de Nova Iorque "conspiram" para reduzir o número de quartéis de bombeiros, de modo que bairros queimem mais facilmente e que os pobres que lá residem, saiam, para que promotores possam construir mais facilmente residências. Observa-se tal fenômeno no Brooklyn, mas também em São Francisco, onde a população negra habita um bairro que comporta 900 hectares de terreno com uma vista irresistível sobre a baía. Por que não se interessar antes por esse tipo de "conspiração"?

Os russos, dizia-se, nunca teriam construído uma bomba atômica sem os traidores comunistas a seu serviço. Hitler já tinha sido vítima de uma traição da mesma ordem, erro sem o qual suas tropas jamais teriam sido vencidas pelo Exército Vermelho. John Kennedy não podia ser morto por Lee Harvey Oswald: lá era um golpe da CIA. E existem mais explicações desse tipo que "provam" que nem russos, árabes, vietnamitas ou japoneses poderiam realizar com êxito nada além das intrigas de conspiradores cristãos brancos. Esse tipo de análise economiza muitas leituras e alivia a carga da reflexão. Nos anos 1950, o medo de uma guerra atômica não tinha gerado alucinações de discos voadores?

Certos militantes da esquerda americana imaginam que qualquer chuva é o prelúdio de um arco-íris. Um deles, embora ridicularize da tese de uma "conspiração interna" do 11 de setembro, afirma: "O que me interessa nesse negócio é descobrir o número considerável de pessoas dispostas a crer que Bush fomentou os atentados, sabia deles e o teria deixado acontecer. Isso sugere que uma massa de americanos não atribui mais nenhuma confiança nos seus eleitos. E é isso que conta". "Não estou certo da vantagem desse cinismo", respondi a ele, "ele desmobiliza e afasta a população de batalhas políticas que poderiam ser produtivas." A "teoria da conspiração" nasce do desespero e do infantilismo político. Custa a acreditar que ela possa desembocar em uma energia progressista.

Em seu livro sobre os serviços secretos britânicos, Richard Aldrich descreve a forma como um relatório do Pentágono recomendou que documentos relativos ao assassinato de Kennedy, justamente os desclassificados, fossem postos na Internet. O objetivo disso? "Aliviar o desejo incessante do público de conhecer ’segredos’, procurando diversão". Aldrich acrescenta: "Se os jornalistas investigativos e os historiadores do contemporâneo consagram todo seu tempo às questões ao mesmo tempo inexplicáveis e usadas até o extremo, saberão menos sobre os terrenos onde não são bem-vindos" [5]. Da mesma maneira não se pode imaginar que a Casa Branca se divirta atrás das obsessões relativas à "conspiração" do 11 de setembro, as quais desviam a atenção das mil e uma intrigas do sistema de dominação atual. Mais fundamentalmente, Theodor Adorno considerou em Minima Moralia [6] que a inclinação para o ocultismo é um sintoma de regressão da consciência".

Tradução: Marcelo De Valécio

[1] Em 1987, uma série de ficção da televisão anunciou que em menos de dez anos os russos, disfarçados de "capacetes azuis" das Nações Unidas, ocupariam o território americano, propagando um fantasma, ao mesmo tempo em que este foi alimentado. Leia Serge Halimi, "Effrayantes invasion", Le Monde diplomatique, outubro de 1995.

[2] Clube seleto situado perto de São Francisco, cujas reuniões participaram os antigos presidentes Richard Nixon, Ronald Reagan, George H. W. Bush, William Clinton, bem como o primeiro ministro britânico Anthony Blair.

[3] David Ray Griffin, Le Nouveau Pearl Harbor, 11 septembre: questions gênantes à l’administration Bush, Demi-Lune, coll. "Résistances", Paris, 2006.

[4] Para a refutação "técnica" dos principais elementos da teoria do complô, conferir a página na Internet.

[5] Richard J. Aldrich, The Hidden Hand, Overlook Press, Nova Iorque, 2002.

[6] Theodor Wiesengrund Adorno, Minima Moralia. Réflexions sur la vie mutilée, Payot, coll. "Petite bibliothèque", Paris, 2003.

Le Monde Diplomatique - Diplô

O PÓS-GUERRA IMPERIAL

A ordem mundial segundo Keynes

A resistência do então assessor da Coroa britânica à dominação econômica norte-americana, então emergente e hoje ameaçada, e suas receitas para países como o Brasil, poderiam ser uma fonte de inspiração para os dias de hoje

James Kenneth Galbraith

Keynes imaginava um sistema em que as grandes nações não fossem obrigadas a colocar o cumprimento de acordos comerciais acima dos objetivos do progresso social

Em 1944, no final da II Guerra Mundial, a Conferência de Bretton Woods criou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. O renome conquistado por John Maynard Keynes com suas retumbantes críticas ao Tratado de Versalhes de 19191 e, em seguida, sua revolução teórica, em meados da década de 30, e suas inovadoras propostas para enfrentar a Grande Depressão, valeu-lhe a liderança da delegação britânica. Como relata Robert Skidelsky em sua trilogia2, Keynes enfrentou a vontade do Tesouro norte-americano de impor à Grã-Bretanha, à beira da bancarrota, uma rigorosa dependência financeira. O presidente Franklin D. Roosevelt terminaria por resolver o problema por meio de um empréstimo prévio referente ao período de duração da guerra. Mas o assessor da Coroa britânica iria ter que enfrentar questões muito mais sérias para a ordem mundial daquela época. Sua resistência à dominação econômica norte-americana, então emergente, poderia ser uma fonte de inspiração até os dias de hoje.

Para o pós-guerra, Keynes imaginava um sistema em que as grandes nações não fossem obrigadas a colocar o cumprimento de acordos comerciais acima dos objetivos do progresso social, particularmente o do pleno emprego. Previa a coexistência do livre comércio com um generoso sistema de proteção, garantido por instituições financeiras internacionais. Este teria como principal mecanismo um creditor adjustment (ajuste de créditos) que iria impor sanções aos países com excedentes comerciais, e não àqueles em situação deficitária. Isso obrigaria os primeiros a optarem entre aceitar uma discriminação em relação a suas vendas comerciais ou ampliar a demanda de seus mercados internos para absorver mais importações. Paralelamente, os devedores teriam direito a uma linha de crédito num sistema de pagamentos internacional baseado num mecanismo de compensação e numa moeda de reserva mundial – o bancor.

Ordem inaceitável para norte-americanos

Ele previa a coexistência do livre comércio com um generoso sistema de proteção, garantido por instituições financeiras internacionais

Uma ordem dessa natureza era inaceitável para os norte-americanos. Num mundo então dominado pela esmagadora superioridade de sua indústria manufatureira, seu ideal era o laissez-faire econômico e o padrão-ouro. Um meio de pagamento internacional que levasse em consideração os interesses dos devedores era uma teoria tão repugnante ao pensamento de Wall Street quanto seria, para o comum dos mortais, a idéia de confiar a direção de um presídio aos detentos ou a de um zoológico a chimpanzés. A dívida contraída hoje é para ser paga amanhã, custe o que custar. As finanças do pós-guerra deveriam ser conduzidas pelos ricos. Ao final, os norte-americanos acabaram aceitando a criação de um FMI e de um Banco Mundial, mas, apesar de algumas concessões, em moldes muito mais tradicionais do que aqueles por que esperava Keynes.

Keynes considerava intoleráveis as condições pelas quais os Estados Unidos haviam concordado, em 1945, conceder um empréstimo à Grã-Bretanha. Porém, dois fatores contribuíram para aliviar a situação britânica. O primeiro, vinculado à guerra fria, foi a implantação do Plano Marshall, acompanhado de uma considerável ajuda material e financeira. Talvez a ameaça militar que a União Soviética representava para a Europa Ocidental tenha sido (e foi) superestimada, mas, na época, os modelos econômico e político soviéticos não estavam desacreditados. Longe disso. O desafio que constituíam acelerou a reconstrução do pós-guerra e, no plano social, a adoção de reformas democráticas indispensáveis3.

Locomotiva keynesiana

Um meio de pagamento internacional que levasse em consideração os interesses dos devedores era uma teoria repugnante ao pensamento de Wall Street

Nos Estados Unidos, operou-se um remanejamento estrutural apoiado, em parte, nos aspectos militares, mas muito mais nos florescentes programas do New Deal e, mais tarde, nas reformas sociais da “Grande Sociedade4" (seguridade social, sistema de assistência médica Medicare, subsídios à habitação, à educação e à compra a crédito). Esse remanejamento modificou os hábitos de consumo das famílias norte-americanas e transformou o país na locomotiva keynesiana do resto do mundo. Por algum tempo, a convergência foi uma realidade: os países pobres tiveram um índice de crescimento superior ao dos países ricos.

Essa situação, no entanto, só durou até a década de 70, quando a tarefa de financiar o desenvolvimento passou para os bancos comerciais. Mas bastaram uns poucos anos para provar que Keynes tinha razão. A “contra-revolução bárbara”, como dizia o finado Walt Rostow, já ia de vento em popa na década de 80. A partir de então, os chamados países em desenvolvimento já sofriam o colapso de seu financiamento, os sucessivos contra-golpes da instabilidade especulativa e a crise da dívida.

O emblemático caso brasileiro

O Brasil constitui um interessante estudo de caso. Trata-se de um país com uma dívida de cerca de 250 bilhões de dólares, mergulhado numa recessão profunda, com superávit na balança comercial. A abordagem keynesiana teria sido clara: para que o país se desenvolva, deveria adotar a via do pleno emprego, esforçando-se para reduzir seus excedentes comerciais graças a financiamentos adaptados às suas necessidades, conseguidos junto ao sistema de reservas internacionais. Em vez disso, o atual FMI oferece um empréstimo de 30 bilhões de dólares na condição, inegociável, de que a demanda do mercado interno brasileiro continue sendo reprimida. Não se trata de um empréstimo, pois em nada contribui para as expectativas econômicas do país num prazo longo. Trata-se, simplesmente, de manter abertas as portas dos credores até que se apresentem ocasiões que lhes permitam investir em outros lugares.

De acordo com a abordagem keynesiana, para que o Brasil se desenvolva, ele deveria adotar a via do pleno emprego, esforçando-se para reduzir seus excedentes comerciais

Aliás, o Brasil só teve direito a esse tratamento porque se trata de um grande país, enfraquecido de maneira preocupante por uma dívida enorme e onde existe uma esquerda em ascensão e potencialmente ameaçadora. A Argentina, onde as diversas correntes políticas continuam indefinidas, conseguiu muito menos, embora, durante a década de 90, fosse apresentada como um modelo de liberalização econômica, ao contrário do Brasil5. Basta substituir pela Turquia os países citados e a história é a mesma: um país que se entregou de corpo e alma ao modelo liberal, esmagado pelo peso da dívida e que só é “ajudado” na medida em que representa uma importância estratégica e aceita cooperar na guerra contra o Iraque. Quanto à tragédia da liberalização financeira da Rússia, ela é por demais conhecida para que seja necessário tecer novos comentários6.

A visão pré-keynesiana da Europa

É triste constatar, mas são poucos os países em desenvolvimento que conseguiram, como a China, por meio de políticas mercantis e estratégias de planejamento, afastar-se desse jogo de cartas marcadas. Resta saber se a prosperidade chinesa resistirá às regras que a Organização Mundial do Comércio quer lhe impor (e, além disso, se a China cumprirá os compromissos assumidos). A Índia, que manteve sob controle os índices monetários e de capital, passa por uma situação intermediária desde o início da década de 80, com um crescimento lento, mas constante.

E a Europa? Começa a emergir uma espécie de super-Estado econômico, em harmonia com uma visão pré-keynesiana de seus meios e responsabilidades. O pacto de crescimento e estabilidade obriga os países europeus a manterem seus déficits orçamentários num limiar baixo, que é igual para todos, a quase qualquer preço – e sem levar em consideração, por exemplo, seus respectivos índices de desemprego (salvo no caso de uma autêntica e profunda recessão) ou suas necessidades de investimento. O Banco Central Europeu fixa, de forma inquestionável, as taxas de juros visando a objetivos de que ele próprio é o único juiz (a estabilidade de preços tem prioridade sobre qualquer outro objetivo).

Aumento das disparidades européias

Hoje, como nos tempos da Aliança Atlântica, em 1945, o poder dos credores reina absoluto e, como Keynes previra, já provou ser economicamente desastroso

Os governos das regiões mais pobres da Europa não podem se isolar desse contexto para se industrializar, como fez a China. Também não podem fazer empréstimos para financiar sua contribuição para com o desenvolvimento europeu, contrariamente ao que ocorre com as cidades e Estados norte-americanos, que dispõem de um orçamento específico para as despesas com equipamentos de longo prazo. Também não lhes é permitido recorrer aos mecanismos keynesianos de estabilização macroeconômica7, exceto em caso de necessidade absoluta, assim como não podem promover a desvalorização da moeda para proteger a competitividade de suas empresas.

Conseqüentemente, são inteiramente dependentes das transferências do orçamento da Comunidade. Transferências que são significativas para as regiões mais pobres, é claro, mas insuficientes para garantir a estabilização macroeconômica de amplos territórios nacionais que disponham de uma receita baixa – como a Espanha ou a Grécia, por exemplo –, sem falar dos novos candidatos à adesão à União Européia. Essas disparidades irão provavelmente se aprofundar com a recessão que já começa a surgir na Europa. Hoje, como nos tempos da Aliança Atlântica, em 1945, o poder dos credores reina absoluto. E esse poder, como Keynes previra em 1945-1948, já provou ser economicamente desastroso.

Conforto financiado pela moeda-padrão

No entanto, se os Estados Unidos, até o momento, foram poupados de alguns desses aspectos, isso se deve a três fatores. O status de moeda-padrão do dólar permitiu-lhes continuar vivendo confortavelmente apesar dos elevados déficits orçamentários. Em segundo lugar, os Estados Unidos gozam da reputação de ser um porto seguro financeiro para investidores desejosos de escapar do nepotismo, da corrupção e da instabilidade que proliferam em outros cantos do mundo (é desnecessário dizer que a culpa, em alguns desses casos, é da política financeira e da política externa norte-americanas...).

O status de moeda-padrão do dólar permitiu aos norte-americanos continuar vivendo confortavelmente apesar dos elevados déficits orçamentários

Finalmente, deve-se salientar que os princípios básicos do kleynesianismo orientaram, de facto, a política interna norte-americana em caráter permanente. Sua influência se exerce de três formas: a atitude pragmática do governo e do Congresso em períodos de crescimento negativo (diminuição de impostos); a atitude, igualmente pragmática, do Banco Central norte-americano (Federal Reserve) em relação a esse mesmo contexto (baixar as taxas de juros sem se preocupar demais com as conseqüências que tal medida possa exercer sobre os preços); e um amplo sistema de apoio estatal que normalmente se manifesta na forma de garantias de empréstimos e de subsídios fiscais destinados a incentivar o consumo familiar (mais especificamente nos setores de habitação, assistência médica, educação e aposentadorias).

Vantagens ameaçadas

Atualmente, no entanto, essas vantagens estão ameaçadas. É pouco provável, logicamente, que o status privilegiado do dólar desapareça de uma hora para a outra. Mas pode ser afetado devido à emergência do euro, ao aumento da crise no Japão e ao descrédito em que atualmente se atolou a política externa norte-americana. Os mercados de capitais norte-americanos já não estão acima de qualquer suspeita, basicamente devido à ação criminosa de algumas empresas, às fraudes contábeis, à perda de eficiência das medidas de controle e ao colapso que evidencia a bolha que paira sobre a Bolsa das empresas de tecnologia e informática (Nasdaq). Além do mais, uma excessiva descentralização delegou um amplo setor de despesas sociais às autoridades locais (Estados e municípios), já sobrecarregadas com sérios cortes em seus orçamentos e com suas receitas fiscais drasticamente reduzidas devido ao avanço da recessão.

Caso a riqueza internacional comece a se afastar do continente americano, virá à luz a incapacidade dos Estados Unidos de atenderem a suas próprias necessidades. Isso poderia afetar profundamente a demanda interna, cujo colapso logo iria repercutir nas exportações dos países dependentes do mercado norte-americano e, por conseqüência, afetaria sua capacidade de pagar as dívidas. Essa insuficiência também atingiria negativamente o crédito e a reputação das instituições financeiras norte-americanas, baluartes das finanças internacionais, assim como o dólar. O risco de que surja uma crise a partir dessa seqüência de fatores pode não ser iminente, mas não é insignificante. Acrescentem-se a isso a guerra contra o Iraque e as tensões e incertezas nucleares – e não será difícil concluir que os Estados Unidos já não parecem um porto tão seguro.

Império assentado em areias movediças

Caso a riqueza internacional comece a se afastar do continente americano, virá à luz a incapacidade dos Estados Unidos de atenderem a suas próprias necessidades

Seria a atual situação dos Estados Unidos tão diferente daquela por que passou a Grã-Bretanha em 1944-1945? Não seria perceptível uma semelhança no desmedido compromisso militar, na erosão da capacidade de exportação, na longa – e agora ameaçada – hegemonia monetária e na ilusão sobre a necessidade indispensável de intervenção no cenário internacional?

É evidente que, para quem participa dos conselhos de guerra de Washington, não passa pela cabeça que seu império esteja financeiramente assentado num terreno de areias movediças. No entanto, ainda é possível uma mudança política, inclusive nos Estados Unidos. Se a política bélica de Bush não der certo no Iraque, ou se dali partir para agredir outros países, poderia ocorrer uma desilusão generalizada com a política de guerra norte-americana – não só no mundo inteiro, mas dentro dos próprios Estados Unidos. O povo norte-americano não é particularmente marcial e sua paciência para com operações de natureza militar é, de forma estrita, vinculada a seus custos. Preferiria, com certeza, ver seu exército cumprindo um papel essencialmente defensivo e que permitisse a reconstrução da economia dos Estados Unidos em bases mais pacíficas, num novo contexto de acordos de segurança coletivos. O que também exigiria que a capacidade para mobilizar recursos nesse sentido não fosse – ou, pelo menos, não fosse em excesso – obstruída pelos meios financeiros internacionais.

Neste momento, refletir sobre uma eventualidade tão remota pode parecer fútil. Mas caso venha a se tornar realidade, os norte-americanos – bem como os representantes do resto do mundo – deverão compreender a abordagem esclarecida dos cidadãos do novo centro da atividade financeira. É quase certo que este se situará no continente europeu. Se, e quando isto ocorrer, os europeus não deverão repetir o erro cometido em 1945 pelos norte-americanos. Não deverão confiar as decisões-chave e as principais instituições a pessoas com mentalidade de banqueiros.

(Trad.: Jô Amado)

1 - Representante do Ministério das Finanças britânico junto à Conferência da Paz, em Paris, ele renunciou três dias antes da assinatura do Tratado, manifestando sua discordância em relação ao valor das indenizações exigidas para a reconstrução da Aleanha, que considerou exorbitante, principalmente em seu livro Les conséquences économiques de la paix.
2 - Ler, de Robert Skidelsky, John Maynard Keynes, ed. Macmillan, três volumes (1983, 1992 e 2000), Londres.
3 - Ler, sobre este assunto fundamental, de Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos. O breve século XX 1914-1991, Companhia das Letras, São Paulo, 1995.
4 - “Grande Sociedade” foi o nome do programa de política interna adotado em 1964 pelo presidente Lyndon Johnson, que acabava de suceder a John Kennedy.
5 - Ler, por exemplo, de Carlos Gabetta, “O naufrágio do “modelo FMI” janeiro de 2002, e, de Luis Bilbao, “Um passo à frente, dois atrás”, Le Monde diplomatique, julho de 2001.
6 - Ler, de Carine Clément, “As origens do “fenômeno Putin”, Le Monde diplomatique, fevereiro de 2003.
7 - Trata-se especialmente dos déficits orçamentários que permitem com investimentos públicos retomar o crescimento em fase de recessão, estreitamente limitados na União Européia pelos critérios de Maastricht e pelo Pacto de estabilidade e crescimento.

quarta-feira, abril 11, 2007

Ciência Hoje das Crianças

Caramujo africano: problema gigante
Ele anda devagar, mas se reproduz depressa. Conheça essa praga e mantenha distância!


Observe bem a foto abaixo e responda à pergunta: você já viu esse animal pelas redondezas da sua casa? No pátio da escola? Grudado nos brinquedos da pracinha ou do clube?

Aí está o caramujo-gigante africano, a maior praga do Brasil. (Fotos: Fábio Faraco).


Esse é o Achatina fulica , também conhecido como caramujo-gigante africano. Um bicho que acabou ficando famoso por um motivo nada bom: é a espécie vinda de outro país que mais causa danos ao meio ambiente e à agricultura do Brasil, além de ser um possível transmissor de doenças aos seres humanos. “O animal está presente em pelo menos 25 dos 27 estados brasileiros”, conta Fábio Faraco, biólogo especialista em moluscos e analista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).

O Achatina fulica pode ser encontrado não só nas cidades, mas também em florestas, caatingas e brejos.

Tudo começou com o escargot , um molusco muito consumido em restaurantes caros. Há cerca de 20 anos, o Achatina fulica – espécie nativa africana – foi trazido, provavelmente da Indonésia, ao Brasil para servir como opção mais barata ao escargot , e muitos produtores começaram a criá-lo. Porém, quem consumia o escargot não passou a optar pelo outro molusco. Sem conseguir vender sua produção, as pessoas que criavam caramujo-gigante africano simplesmente começaram a jogá-lo no lixo, em terrenos baldios ou nos rios. Resultado: os depósitos de lixo ficaram infestados com o molusco, que também apareceu nas encostas dos rios e em locais próximos às cidades.

A partir daí, veja só, o caramujo-gigante africano espalhou-se rapidamente por todo o país. Não à toa: esse animal possui uma velocidade de reprodução incrível. Ele é capaz de colocar cerca de 600 ovos por ano, e, o pior, é assexuado. Ou seja: já que não tem sexo, todos os animais colocam ovos. Além disso, sua alimentação é muito variada, o que facilita ainda mais sua proliferação. Ele se alimenta de quase tudo: flores, folhas, frutos, hortaliças e até de papelão. “Já vi alguns roendo as camadas de tintas com cal em prédios e casas antigas. Isso acontece porque a concha desse molusco é formada por carbonato de cálcio, uma substância química presente nesse tipo de tinta, e que estimula seu crescimento”, conta Fábio.

Além de comer o que aparece pela frente, outra característica que possibilitou ao caramujo-gigante africano ocupar diferentes locais do Brasil é a sua resistência à seca e ao frio. Ele também não precisa de um ambiente específico para viver. Pode ser encontrado em locais de vegetação nativa, como florestas, caatingas e brejos, mas também em áreas cultivadas pelo ser humano, como hortas, pomares, quintais, jardins e até mesmo em terrenos baldios dentro das cidades.

Se ligue nas listras marrons na concha do caramujo. Essa é a dica de que o molusco que você está vendo é mesmo um Achatina fulica , e não uma outra espécie qualquer.

Mas por que será que ninguém parece gostar muito do caramujo-gigante africano? Um dos motivos é o fato de ele se alimentar dos vegetais nas plantações, destruindo-as e causando prejuízos aos produtores. Outro problema é que a introdução de um animal num ecossistema ao qual ele não pertence sempre traz algumas conseqüências. A maior delas é a competição, nas cidades, desse caramujo com as espécies nativas. Nas áreas urbanas, há pouca oferta de alimentos e abrigo, o que torna a disputa mais intensa. “Com o Achatina fulica predominando, as populações de espécies nativas diminuem, correndo o risco até de serem extintas”, conta Fábio. “E a extinção de uma espécie é a pior coisa que pode acontecer ao ambiente”.

Além disso, o caramujo-gigante africano pode ser portador de diversos parasitas. Embora aqui no Brasil nenhum caso ainda tenha sido relatado, dois vermes já foram encontrados no Achatina fulica : o Angiostrongylus costaricensis e o Angiostrongylus cantonensis . O primeiro causa a doença conhecida como angiostrongilíase abdominal, que provoca fortes dores no abdome, febre, perda do apetite, vômitos, entre outros sintomas, podendo até mesmo levar à morte. Já o outro verme causa a meningite eosinofílica, ao instalar-se no sistema nervoso central do paciente, inflamando as meninges – membrana que envolve o cérebro e a espinha –, o que pode levar à morte.

Por tudo isso, cabe o aviso: mantenha distância do caramujo-gigante africano. Não pegue o molusco ou sequer chute-o para longe. Mas faça bastante fofoca, falando para todos os seus amigos e familiares sobre os perigos desse invasor e o que fazer ao encontrá-lo (leia o boxe abaixo). Quem sabe assim não conseguimos livrar o Brasil desse indesejável caramujo?

O que fazer ao encontrar um Achatina fulica ?
Depois de conhecer melhor o Achatina fulica , com certeza você não irá querer tê-lo como vizinho. Caso você tenha visto alguns desses moluscos espalhados pelo seu bairro, algumas medidas podem ser valiosas no seu combate. Anote aí:
1) Tenha certeza de que o animal que você está vendo é realmente o Achatina fulica e não uma outra espécie de caramujo nativo. Olhe bem a foto acima e repare nos detalhes. As listras marrons são uma boa pista.
2) Peça para os seus pais avisarem a agência de vigilância sanitária de sua cidade ou, então, a prefeitura. Essas instituições são as mais indicadas para o controle dessa praga. Depois de identificar a contaminação, a agência de controle sanitário providenciará um depósito especial onde a população poderá jogar os caramujos fora com segurança.
3) Alerte seus pais: NUNCA se deve jogar o Achatina fulica no lixo. Afinal, se eles fizerem isso, a situação só tende a piorar, já que os lixões são cheios de alimento e abrigo para esse molusco se multiplicar ainda mais.
4) Somente em caso de emergência, segundo Fábio Faraco, é indicado que os ADULTOS tentem resolver a situação de infestação sem o apoio do poder público. Nesse caso é indispensável o uso de luva na manipulação dos animais. Caso se trate de um sítio ou fazenda, pode-se abrir um buraco fundo e jogar os moluscos lá dentro, para depois enterrá-los. Outra solução pode ser colocar os animais em sacos plásticos e jogar sal. Uma terceira opção é jogá-los em água fervente.
5) Mas ATENÇÃO: o mais importante é prevenir. Não deixe entulhos no seu quintal. Pedaços de madeira, lixo, pneus, móveis abandonados e ferro-velho servem de abrigo e alimento para os moluscos. E de nada adianta você limpar o seu jardim se o seu vizinho não fizer o mesmo. Mobilize a vizinhança para que todos se protejam dessa praga.



Rosa Maria Mattos
Ciência Hoje das Crianças
15/03/2007
Migração invertida. Ceará recebeu 22 mil pessoas entre 1999 e 2004

O Ceará está atraindo novos moradores. O movimento de êxodo, característico da região nordestina até os anos 90, se inverteu. Enquanto 23,8 mil pessoas deixaram o Ceará entre os anos de 1995 e 2000, um total de 22,8 mil pessoas vieram para o Estado entre os anos de 1999 e 2004. As informações são do jornal de Fortaleza O Povo, 10-03-2007.

Em setembro de 2005, a jornalista Sandra Nagano, 26 anos, largou o emprego em São Paulo e veio, junto com o namorado, tentar a vida em Fortaleza. "Quando gente ainda estava em São Paulo, entrou em contato com veículos daqui, mas a princípio a gente veio sem nada certo. Se não desse certo, a gente voltava. Chamaram meu namorado para trabalhar uma semana depois e eu corri atrás durante um mês em empresas de assessoria e veículos de comunicação", afirma. O motivo para trocar o certo pelo duvidoso: qualidade de vida. "Os fins de semana eram infernais. O custo de vida é muito alto, há muito trânsito. Em Fortaleza é diferente e até superou as expectativas", completa.

O fotógrafo João Henrique, 32 anos, também optou pelo Ceará depois de morar no Havaí, na Itália e em Brasília. A esposa, assessora parlamentar no Senado, continua na capital federal e vem ao Ceará todo fim de semana. "Eu vinha muito para Fortaleza e minha esposa tem parentes aqui. A gente já conhecia a cidade, já conhecia as pessoas. Isso facilita bastante. Então decidimos vir pela qualidade de vida. Quero poder viajar no fim de semana pelo litoral. A praia mais próxima de Brasília fica a mil quilômetros de distância", afirma. Henrique mora em Fortaleza desde janeiro e faz fotos de esportes radicais para revistas, mas os planos são de montar uma publicação própria.

Assim como Sandra e João Henrique, um total de 22,8 mil pessoas de outros estados vieram para o Ceará entre 1999 e 2004. Esse foi o saldo entre a entrada e a saída de migrantes internos nas estados brasileiros, segundo o estudo "Nova geoeconomia do emprego no Brasil", da Universidade de Campinas (Unicamp-SP). Entre 1995 e 2000, foi o Ceará que mandou 23,8 mil pessoas para outros estados.

O Ceará foi o terceiro estado nordestino que mais recebeu migrantes internos, segundo o estudo. Somente a Paraíba, que passou de um saldo de -61,5 mil para um de 45,6 mil, e o Rio Grande do Norte, que passou de 6,6 mil para 37,6 mil, receberam mais pessoas. A busca por mais qualidade de vida é apontada como principal motivo. A queixa, segundo esses migrantes, é a remuneração paga no Ceará. Normalmente, um profissional ganha bem menos aqui do que em outras metrópoles.

Instituto Humanitas Unisinos - 11/04/07

Brasil não tem informações sobre impactos locais do aquecimento

País não tem informações sobre impactos locais do aquecimento

O Brasil vive hoje um “vazio de monitoramento” sobre os impactos do aquecimento global nos sistemas físicos e biológicos do País. Sem essas informações é impossível adotar políticas de mitigação e adaptação aos danos das mudanças climáticas. A conclusão, do climatologista Carlos Nobre, foi o tema que norteou ontem o debate promovido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP).

O evento, que visava a discussão com a sociedade dos aspectos regionais e setoriais da segunda parte do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, divulgado na sexta-feira, contou com a participação de cinco cientistas brasileiros que colaboraram na elaboração do texto.

Nobre e José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), juntamente com os pesquisadores Philip Fearnside (do Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas), Ulisses Confalonieri (Fiocruz) e Antonio Rocha Magalhães (do Banco Mundial), foram categóricos: o Brasil precisa desenvolver o quanto antes um mapa que aponte exatamente onde está a nossa vulnerabilidade, tanto dos ecossistemas como dos sistemas sociais e econômicos. A notícia é dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, 11-04-2007.

“Faltam informações básicas, como projetos de monitoramento de longo prazo por meio dos quais seja possível apontar efetivamente quais mudanças são atribuídas ao aquecimento global”, explica Nobre. “Só com esse tipo de informação é possível convencer a sociedade a pagar os custos de adaptação e mitigação.”

POLÍTICA PÚBLICA SEM CIÊNCIA

Marengo, que lançou em fevereiro o primeiro modelo matemático que prevê os impactos futuros para o País, como aquecimento de até 8°C na Amazônia até 2100, alerta que o governo tem de considerar a ocorrência de eventos extremos para projetar suas ações.

“O Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, tem o mau hábito de criar políticas públicas sem levar em conta o conhecimento científico. O que temos medo é que muito tem se falado em dois pilares: mitigação e adaptação, mas nenhuma mesa se segura só com duas pernas. E a terceira é a vulnerabilidade. Essa só é obtida com a base científica.”

O pesquisador usou como exemplo o projeto de transposição do Rio São Francisco, que tem como objetivo combater a seca. “O problema é que ele foi feito em cima de um clima estável, de uma realidade atual de seca, mas as projeções para o Nordeste apontam para uma maior aridez do semi-árido. Sem a inclusão dessa variável, ele provavelmente não será efetivo”, diz.

Para Marengo, o mesmo vale para a construção de piscinões e galerias fluviais. Muitos já foram e ainda estão sendo projetados de acordo com a quantidade atual de chuvas, mas cidades como São Paulo e Rio devem sofrer cada vez mais com tempestades e inundações.

Os pesquisadores, no entanto, estão confiantes em que agora o País está mais alerta à necessidade de mais pesquisa. Nobre prevê que o mapa de vulnerabilidade esteja pronto em cinco anos.

Para Pedro Dias, da USP, é importante que os trabalhos de monitoramento sejam feitos por um intervalo grande de tempo. "Precisamos de acompanhamentos na escala de décadas. Caso contrário não dá para relacionar a mudança com o aquecimento global", disse.

Somatória trágica

O pesquisador Ulisses Confalonieri, da Fundação Oswaldo Cruz, também lembrou da falta de trabalhos mais aprofundados na área de saúde. O clima mais quente terá uma série de implicações sobre as doenças que existem no Brasil.

Em cidades poluídas como São Paulo, explica o cientista, a grande quantidade de ozônio que já existe na atmosfera, somada com as temperaturas mais quentes, deverá aumentar os casos de doenças cardiovasculares, por exemplo.

Diante de tantas evidências maléficas do novo clima mundial, os debatedores disseram esperar que as novas políticas públicas desencadeadas no Brasil e na América Latina levem em consideração o componente científico, o que não vem ocorrendo historicamente.

Mas, segundo Antonio Magalhães, do Banco Mundial, o problema é que, até agora, as mudanças climáticas sozinhas não foram motivo para a formulação de nenhuma nova política pública. Não apenas no Brasil, mas em vários países.

Instituto Humanitas Unisinos - 11/04/07

Impacto do câmbio sobre emprego

O economista José Roberto Mendonça de Barros está especialmente preocupado com os efeitos do câmbio sobre o emprego. Para ele, os maiores prejudicados pelo dólar barato são os setores intensivos em mão-de-obra, como calçados e têxteis, ao passo que os segmentos que mais se destacam são aqueles que não empregam muito - principalmente os grandes exportadores de commodities. A reportagem é do jornal Valor, 11-04-2007.

Mendonça de Barros não acredita, porém, que esteja em curso um processo de desindustrialização da economia. "É um termo bombástico demais. Eu prefiro classificar como uma mudança na estrutura industrial brasileira", afirma o sócio da MB Associados e ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex).

Para Mendonça de Barros, há um conjunto claro de ganhadores, formados pelos setores de petróleo e gás, minério e metais, papel e celulose e açúcar e álcool. Eles se beneficiam há anos do bom desempenho da economia global, que jogou às alturas os preços de seus produtos de exportação. Mas não são grandes empregadores.

No extremo oposto estão segmentos como os de têxteis e calçados, que têm dificuldades para exportar com o dólar a R$ 2 e sofrem ao mesmo com a concorrência do produto importado no mercado doméstico. Intensivos em mão-de-obra, vêem o custo de sua folha salarial em dólar disparar com a valorização do câmbio.

Um dos resultados de todo esse cenário é que a criação de empregos se concentra nas faixas de menor qualificação, com salários de até três salários mínimos, diz Mendonça de Barros. "O câmbio valorizada obriga as empresas a aumentar a produtividade, mas há um efeito grande sobre o emprego."

Entre esses dois extremos, há uma série de outros segmentos em que o impacto do real apreciado ainda não é claro. Mendonça de Barros cita o caso da indústria automobilística. O mercado interno vai bem, com demanda muito forte, mas as exportações caem e as importações disparam. Na média móvel de 12 meses encerrada em março, as vendas externas de veículos mostram queda de 9,8%. No mesmo período, as importações cresceram 89%. Ainda é uma incógnita qual será o comportamento das montadoras, diz ele. Não está claro se vão continuar ou não a investir no país.

Observador atento do que se passa na economia real, ele aponta três momentos distintos na atuação das empresas depois que o câmbio começou a se valorizar com mais força, a partir da virada de 2003 para 2004. No primeiro momento, o tombo do dólar era percebido como temporário, porque o país ficou muito tempo acostumado à falta de moeda estrangeira, e não à sobra. Esse período durou até o terceiro trimestre de 2005, quando as empresas passaram a trocar mão-de-obra antiga e cara por mão-de-obra nova e barata e a internacionalizar sua cadeia de suprimentos. Isso aumenta o coeficiente importado nos produtos feitos aqui.

A indústria de eletroeletrônicos, que montava muita coisa com componentes importados, em diversos casos passou a comprar os produtos acabados da China. "Nós estamos no meio desse processo, que está longe de terminar."

O terceiro capítulo da novela começou no ano passado, com o aumento significativo dos investimentos das companhias brasileiras no exterior. É um movimento marcado não apenas pela abertura de escritórios no exterior, mas pela compra ou montagem de fábricas em outros países. Mendonça de Barros diz que essa internacionalização ocorreria naturalmente em muitos casos, mas foi antecipada pela valorização do câmbio.

Mendonça de Barros diz que não vê muito o que pode ser feito para deter a queda do dólar. Reduzir os juros um pouco mais rápido ajudaria. O melhor seria cortar gastos públicos, o que diminuiria a demanda por bens não comercializáveis - em que se concentram as despesas do governo -, ajudando a desvalorizar a taxa real de câmbio. Além disso, isso abriria espaço para a redução da carga tributária, o que aumentaria a competitividade das empresas. O problema é que isso não está na agenda do governo, lamenta Mendonça de Barros. Em breve, a moeda deve cair abaixo de R$ 2, acredita ele.

segunda-feira, abril 09, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 09/04/07

'Portugal está longe. A relação com a Austrália é vital'. Entrevista com José Ramos-Horta
José Ramos Horta, 57, Nobel da Paz em 1996, e Francisco Guterres, 53, conhecido como Lu-Olo, candidato da Fretilin (Frente Revolucionária de Timor Leste Independente) - movimento que liderou a luta pela independência e do qual Xanana Gusmão se afastou no final dos anos 1990 - são os principais candidatos na disputa para ganhar as eleições no Timor. Candidato favorito da imprensa internacional, José Ramos-Horta concedeu a entrevista que segue para o jornal português O Público, 8-04-2007.
Filho de mãe timorense e pai português, deportado por Salazar devido à sua participação na Revolta dos Marinheiros, em 1936. Membro da delegação externa da Fretilin, partido que abandonou em 1988, desenvolveu, em paralelo, uma carreira acadêmica. Primeiro-ministro de Timor-Leste desde 8 de Julho de 2006, após a demissão de Mari Alkatiri. Antes, fora ministro de Estado, dos Negócios Estrangeiros e da Defesa.
Eis a entrevista
Alguma vez previu, quando trabalhava para a Resistência, que o Timor independente teria tantos problemas?
Em 2000 várias pessoas me perguntaram se iríamos ter problemas no futuro. Eu respondi que dentro de três a cinco anos teríamos problemas graves. Porque a geração que pegou nas rédeas do país, em 2002, é uma elite muito desfasada da realidade timorense. Vinda de Maputo, principalmente, mas também da Austrália ou Portugal, provocaram, desde o início, clivagens no plano cultural. A nova geração de estudantes sentiu-se desde logo alienada do poder político. Uma segunda razão é que Mari Alkatiri nunca foi um homem de diálogo. Em quatro anos de chefe do Governo, nunca se sentou à mesa com a oposição.
Poder-se-ia ter feito de outra forma?
Sim, se a elite política timorense fosse menos apressada e tivesse apostado em cinco anos de transição para a independência, em vez de dois. É impensável que em dois anos a ONU pudesse entregar um Estado totalmente operacional. Foi por isso que surgiram os problemas.
Esses problemas mostraram que Timor é inviável?
Não. Apesar de tudo, não entramos em uma guerra civil. Por duas razões: primeiro, porque o povo não queria. Em segundo lugar, porque o Presidente Xanana Gusmão neutralizou a polícia, dando-lhe ordens para sair de Díli.
Não foi ele que ativou a crise, com o famoso discurso divisionista?
Não. Se lermos bem o discurso, o que ele diz é que se só os de Lorosae combateram, o que seria dele, Xanana? De Loromono? Ele não combateu? As razões de fundo da crise estão na politização da polícia e na intervenção grosseira do ministro do Interior. Ele não confiava nos comandantes e não havia cadeia de comando. A culpa disso é do Governo e não do Presidente.
A questão este-oeste não é real?
É completamente artificial. Nunca houve, na história deste país, nenhuma guerra leste-oeste. Nem se consegue definir, geográfica e etnicamente, o que é este e oeste.
Então quais foram as raízes da crise do ano passado?
A excessiva partidarização do Estado. Basta ver que no dia 20 de Maio, o dia da restauração da independência, é o dia da fundação da Fretilin. As pessoas não sabem se em 20 de Maio celebram a independência ou o aniversário da Fretilin. Há secretários de Estado que são apenas secretários do partido. Eu tenho secretários de Estado que nunca compareceram numa reunião do Conselho de Ministros. Nunca me apresentaram um relatório, e eu não faço a mínima idéia do que fazem
O Presidente Xanana evitou a guerra civil, mas não evitou a crise. Poderia ter assumido maior protagonismo?
Xanana não foi muito ativo enquanto Presidente. Eu, pelo contrário, vejo a possibilidade de um aumento de poderes do Presidente.
Segundo a Constituição, não tem quaisquer poderes executivos.
Não, mas como chefe de Estado, em toda e qualquer questão de natureza estratégica ou moral, como é a luta contra a pobreza, ninguém me vai impedir de exigir ao Parlamento e ao Governo um determinado orçamento. Posso mesmo apresentar um orçamento alternativo.
O Presidente poderá apresentar o seu próprio orçamento?
Não unilateralmente, mas sob a forma de uma recomendação ao Governo.
Mas apareceu na campanha ao lado de Xanana Gusmão, dizendo que o quer para primeiro--ministro. Foi apenas para usar o seu nome como forma de propaganda?
Quando digo que tenho um programa para a Presidência, que implica liderar, como chefe do Estado, a luta contra a pobreza, acudir aos jovens e estudantes, criar emprego, preciso de um parceiro estratégico no Governo. E quero Xanana como parceiro porque o conheço bem, porque temos a mesma maneira de pensar. Já conversamos sobre esta minha visão, que ele subscreve inteiramente. O novo partido, o NNRT, que ele vai liderar, absorverá tudo o que eu tenho dito na minha campanha eleitoral.
E em que consiste esse programa comum?
Pedi ao FMI que me apresentasse um projeto de reforma fiscal audaciosa, que quero pôr em prática e que fará de Timor uma espécie de país sem impostos. Com a ajuda de uma equipa internacional que me aconselha na área econômica, vamos atrair investimentos da Austrália e outros países vizinhos.
A cooperação com a Austrália é importante?
É vital. A Fretilin não se pode esquecer que estamos nesta região do mundo com dois poderosos vizinhos: a Austrália e a Indonésia. E a liderança da Fretilin não tem quaisquer relações com estes países.
As relações privilegiadas com Portugal devem ceder lugar à Austrália?
Temos com Portugal relações históricas, de séculos, e excelentes relações atuais. Mas Portugal está longe. Gradualmente, a ajuda portuguesa deverá ser mais orientada para a educação, a formação humana. E também no plano da segurança, na formação do nosso Exército e polícia. Mas o papel central deve ser da Austrália, Nova Zelândia e outros países da região. Sempre que pedimos, Portugal diz que sim. Mas não podemos sobrecarregar Portugal. Por isso vamos diversificar, sem medos nem falsos nacionalismos. A Austrália é um país amigo. A população australiana tem tanta simpatia por Timor como tem a portuguesa. E o Governo tem sido genuíno no seu apoio a Timor Leste, que eles querem estável e próspero. Não lhes interessa vizinhos pobres e instáveis, que lhes enviem milhões de refugiados. Por isso, é de uma lamentável estupidez pensar que a Austrália seja nossa inimiga, ou esteja por trás da nossa crise.
Refere-se a quem pensa isso em Timor?
Também em Portugal há muitos líderes de opinião que dizem isso, sem dúvida influenciados por certos líderes timorenses.
Líderes da Fretilin?
Sim. Não têm coragem de reconhecer os seus próprios erros e procuram sempre causas externas e inimigos externos. Não. Fomos nós que gerimos mal a questão da polícia nacional. Politizamo-la. E quisemos que a ONU saísse de Timor demasiado rapidamente.
As eleições presidenciais estão correndo de forma que os resultados sejam certificados pelos candidatos e pela comunidade internacional?
Acho que sim. Não houve incidentes muito graves na campanha. O que me preocupa é que muitos milhares de cidadãos, iletrados e sem acesso aos meios de comunicação, e numa campanha tão curta, não tenham podido conhecer os candidatos.