"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 22/02/07

"Tempo da reforma agrária acabou". Entrevista com Zander Navarro

Ex-aliado de movimentos agrários e hoje ácido crítico deles, o sociólogo Zander Navarro afirma que o governo Lula "fez o possível" em política agrária, e que os números de assentamentos dos últimos quatro anos são "bastante satisfatórios" -apesar de enxergar "maquiagem" na divulgação.

Voz dissidente entre especialistas desde o governo anterior, quando elogiou os resultados da política tucana, Navarro diz que o tempo da reforma ampla no país "já passou" e é por isso que até a gestão petista, historicamente ligada ao tema, retirou-o da agenda principal.

O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul defende, em entrevista publicada no jornal Folha de S. Paulo, 22-020-2007, que o programa massivo de reforma seja circunscrito ao polígono da Seca (do norte de Minas Gerais ao Maranhão).

Eis a entrevista.

O sr. defende a performance da política de reforma agrária do governo FHC. Como avalia a do primeiro mandato de Lula?

São governos muito parecidos, se comparados os procedimentos e os resultados. O principal mérito do governo FHC foi ter conseguido quebrar as barreiras que existiam, desde sempre, para implementar um programa de acesso à terra que estivesse próximo da idéia de reforma. Entre 1995 e 2002, esta foi uma estratégia beneficiada por uma conjuntura favorável (preços de terras em queda e conjuntura de preços agrícolas desfavorável etc.). Foi a primeira vez que observamos uma ação mais conseqüente neste campo. Neste sentido, não há porque criticar o governo Lula, que apenas seguiu a estratégia. A promessa de uma política centrada na melhoria da "qualidade da reforma agrária" foi, quando muito, alcançada muito debilmente. Desta forma, os números de Lula são também bastante satisfatórios, no âmbito dos recursos existentes e da operacionalidade possível. Em suma, fez o que era possível. Mas o governo, de fato, não trouxe a reforma agrária para sua agenda principal.

Por que o sr. acha que o tema saiu da agenda principal?

Sejamos francos: se fosse apenas por uma decisão exclusivamente presidencial, nem mesmo teríamos mais ações em reforma agrária. Lula não interrompe tal programa em face das inevitáveis conseqüências políticas que adviriam e do poder da inércia que tem tal bandeira na visão de alguns setores sociais, incapazes de perceber que o mundo rural brasileiro mudou radicalmente nos últimos 30 anos. Este relativo distanciamento da parte principal do governo em relação à reforma agrária reflete o que todos sabemos, mas ninguém parece ter coragem de dizer claramente: o tempo histórico da reforma agrária passou.

Por que o sr. diz que o tempo da reforma agrária passou?

O Brasil não tem mais razões, de nenhuma ordem, para mobilizar consideráveis recursos para promover uma ampla redistribuição de terras. Passamos a ser um país predominantemente urbano e insistir na existência de uma "questão agrária brasileira" é uma miopia de quem tem os pés no passado remoto. As demandas sociais apropriadas para a população rural mais pobre são outras, pois a atividade agrícola não garantiria a sobrevivência daqueles que recebessem sua parcela de terra. Sequer existe uma demanda social digna do nome que justifique tal esforço e uma boa parte do que o MST organiza como formas de pressão, é constituído por membros de famílias de assentados mobilizados para tanto. Só se justifica uma ação mais abrangente de redistribuição de terras na ampla região que se estende da metade norte de Minas Gerais e até o Maranhão ocidental. Nela, encontramos a vasta maioria da população pobre ainda residente em áreas rurais e as atividades agrícolas não são significativas para o conjunto da agropecuária. Ou seja, se realizada massivamente nesta região, reduziríamos de forma importante os níveis de pobreza no Brasil e eliminaríamos da vida política os remanescentes das oligarquias.

O sr. acha que a soma de categorias distintas como assentados é maquiagem estatística, como dizem alguns especialistas?

É óbvio que se trata de maquiagem. É uma ironia que Rolf Hackbart, à frente do Incra, como ortodoxo militante petista e diligente "soldado do MST", tendo criticado no passado a mesma maquiagem, viesse a adotar praticamente os mesmos procedimentos.

Conceitualmente, reforma agrária se refere a uma decisão irrecorrível de redistribuição de direitos de propriedade. Outras ações podem garantir acesso à terra ou aperfeiçoar o bem-estar dos mais pobres, mas não representam facetas de um processo de reforma, sendo meramente complementares.

Instituto Humanitas Unisinos - 22/02/07

Operação gaúcha da SAP corre risco. Unidade de Inovação e Tecnologia da Unisinos - Unitec - preocupada

Em abril, a alta direção da gigante alemã de software de gestão empresarial SAP deve definir se irá ou não continuar investindo no Centro Global de Serviços de São Leopoldo, que iniciou as suas operações no segundo semestre do ano passado. A unidade, que é a única na América do Sul, funciona como parte de uma rede mundial de nove Centros Globais de Serviços SAP, como os da China, Alemanha, Hungria, Índia e Japão. A notícia é do Jornal do Comércio, 22-02-2007.

Por hora, o que se sabe é que a operação não cresceu como o esperado pela companhia. Uma das maiores dificuldades - que já é crônica no Estado - é a falta de mão-de-obra qualificada e, principalmente, oferta de pessoas com fluência em inglês. De acordo com o consultor da SAP, Orestes Hypolito, juntam-se a este motivo, problemas conjunturais enfrentados no Brasil. "Além da falta de pessoas, o nosso crescimento está condicionado a questões relacionadas ao custo-Brasil", diz, taxativo.

Caso em abril os executivos da SAP definam que os investimentos para essa ampliação não serão feitos, o risco passa a ser o encerramento das atividades da unidade. Hypolito admite que, se a operação se mantiver pequena, corre o risco de ser atropelada por algum investimento em um país próximo.

Um novo agravante pode ser a isenção da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre as licenças de software, medida aprovada recentemente e que em breve deverá ser assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso porque, alguns especialistas defendem que haverá um incentivo para a compra de softwares importados, prejudicando o desenvolvimento local, como no caso da SAP.

Atualmente, a empresa está utilizando um prédio provisório dentro do campus da Unisinos, onde também estão empresas como Softek e para onde está finalizando a sua mudança a Stefanini. São 50 funcionários, quando a meta era ter fechado o ano de 2006 com 80 e neste ano chegar a 200. Para isso, a empresa passaria a ocupar um novo prédio, já no Pólo de Informática da universidade. A expectativa da SAP era de que o novo Centro Global de Serviços pudesse apoiar os planos de crescimento da companhia no longo prazo no Brasil.

Atualmente, de cada dez candidatos gaúchos que com condições técnicas de fazer parte do time da SAP, oito não dominam o inglês, o que acaba inviabilizando a contratação. Para Hypolito, esse é um problema sério no Brasil e que precisa ser superado com investimentos em formação.

A operação de São Leopoldo desenvolve softwares que são comercializados para as demais unidades da SAP no mundo e, sendo assim, também sofre concorrência de países mais preparados para a globalização, como China e Índia.

O gerente da Unidade de Inovação e Tecnologia da Unisinos (Unitec), Aliomar Silva de Oliveira, diz que a universidade não recebeu nenhum comunicado oficial da SAP sobre essa possível ausência de novos investimentos. "Ficamos preocupados com essas notícias, mas vamos aguardar a empresa", diz. Oliveira concorda que as universidades precisam conseguir intensificar o processo de colocar no mercado pessoas com qualificação para atender demanda das empresas locais e multinacionais que vem para o Estado.

Instituto Humanitas Unisinos - 22/02/07

Biodiesel atrai US$ 190 milhões

O grupo franco-brasileiro Agrenco fez uma parceria com o grupo japonês Marubeni Corporation para investir US$ 190 milhões em energia, por meio da companhia Agrenco Bioenergia. As empresas construirão três complexos de bioenergia no Brasil, sendo três usinas de biodiesel, duas usinas de energia elétrica e duas indústrias de esmagamento de soja. Os locais escolhidos são as cidades de Alto Araguaia (MT), Caarapó (MS) e Céu Azul (PR), devido a parcerias com produtores locais e com a rede de ferrovias ALL, que também utilizará o biodiesel produzido. A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo, 22-02-2007.

“Escolhemos o Brasil não só por ser o país dos fundadores da Agrenco, mas por ser o único local no mundo que poderá ter sua produção ampliada duas ou três vezes em pouco tempo e sem danos à natureza”, diz o CEO da Agrenco, Antonio Iafelice. A intenção é que os três complexos comecem a produzir em janeiro de 2008, cerca de 380 mil de toneladas de biodiesel por ano, seguindo a regulamentação da União Européia.

Além de atender aos parceiros internos, a produção será voltada para a exportação. Já estão em andamento as negociações com a prefeitura de Tóquio para que o biodiesel brasileiro (do tipo B-100) seja utilizado no transporte público da cidade. “Também vemos um grande mercado na Europa, que estabeleceu metas de consumo”, diz Iafelice. Em janeiro, a União Européia se comprometeu a utilizar 10% de biocombustíveis (biodiesel ou etanol) misturados aos combustíveis tradicionais até 2010.

A energia elétrica dos três complexos da Agrenco Bioenergia será gerada por meio da queima de biomassa - o produto utilizado será o capim napier, gramínea também conhecida como capim-elefante. As empresas plantarão 10.000 hectares de napier para este fim. Muito utilizado na Europa, o capim-elefante produz mais energia do que o eucalipto, quando queimado.

A Marubeni investirá US$ 40 milhões na Agrenco Bioenergia, um ramo do Grupo Agrenco voltado à produção de bioenergia. As sementes oleaginosas serão compradas de produtores e cooperativas locais.

A Marubeni vai controlar 33% da companhia. Os demais 67% ficam com a Agrenco. É o primeiro investimento das empresas no setor. A Agrenco, cujo faturamento no ano passado ficou em torno de US$ 1,4 bilhão, é uma empresa de serviços para agronegócio (logística, exportação e distribuição, entre outros) que atua principalmente na área de soja. No Brasil foram originadas cerca de 95% das 1,6 milhão de toneladas de soja comercializadas pelo grupo em 2005.

Já a Marubeni Corporation é um colosso japonês com faturamento de US$ 67 bilhões em 2006 e atuação em 72 países nas áreas química, siderúrgica, logística, comunicação, finanças e energia. No Brasil, é dono da Cia. Iguaçu de Café Solúvel e opera terminais de soja em São Francisco do Sul (SC). Procurado pelo Estado, o grupo não quis se pronunciar.

Iafelice, da Agrenco, estava ontem na Coréia. Ele diz que existem planos também para o início de quatro projetos de produção de etanol em terras brasileiras. As negociações estariam em andamento com parceiros coreanos.

Instituto Humanitas Unisinos - 22/02/07

Bush monta "Estado-Maior" do etanol para visita ao Brasil

Nas últimas semanas, o presidente George W. Bush e equipe vêm montando um verdadeiro "Estado-Maior" do etanol em preparação à visita do norte-americano ao Brasil, em 8 e 9 de março, e à ida do presidente Lula aos EUA no final do mesmo mês. No comando da parte não-governamental da operação está seu irmão mais novo, Jeb, que não participará da viagem oficial, mas deve ir a São Paulo após a ida de Bush. A notícia é do jornal Folha de S. Paulo, 22-02-2007.

Jeb Bush foi governador da Flórida por dois mandatos, até dezembro. Uma vez considerado candidato natural à sucessão do irmão, o republicano adiou seus planos e só deve pensar em concorrer à presidência a partir de 2012. Enquanto isso, fará do etanol sua bandeira e se dedicará a fazer sair do papel os acordos bioenergéticos entre Brasil e EUA que os dois países devem anunciar no final de março.

A idéia é que Jeb e sua Interamerican Ethanol Comission façam a ponte entre empresários do setor dos dois países. A comissão interamericana do etanol foi criada em dezembro e é comandada pelo republicano, pelo ex-ministro da Agricultura de Lula, Roberto Rodrigues, e pelo colombiano Luís Alberto Moreno, presidente do BID.

George W. Bush não deve anunciar acordos em sua visita a São Paulo, parte de uma viagem maior à América Latina que inclui Uruguai, Colômbia, Guatemala e México. As ações concretas ficarão mesmo para a vinda de Lula aos EUA, prevista para acontecer em 31 de março em Camp David, casa presidencial no Estado de Maryland, vizinho a Washington.

Diplomacia

Entre governos, a Casa Branca deve ter como interlocutora a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. A parte diplomática dos acordos ficará a cargo do recém-empossado embaixador brasileiro em Washington, Antonio Patriota, que apresenta suas credenciais no dia 27, e Nicholas Burns, número 3 do Departamento de Estado norte-americano; ambos são bons amigos e se encontraram diversas vezes para falar do assunto nos últimos meses.

Bush chega a São Paulo com a primeira-dama, Laura, e a secretária de Estado, Condoleezza Rice. Traz ainda Thomas Shannon, responsável da chancelaria norte-americana pela América Latina, e Gregory Manuel, coordenador internacional de energia e conselheiro especial de Rice para o assunto. Recém-contratado pelo departamento, Manuel é uma das figuras-chave na área governamental do "Estado-Maior" do etanol do governo Bush.

Foi ele quem disse que a queda da tarifa de exportação de US$ 0,54 por galão do combustível cobrada ao Brasil pelos EUA está fora de cogitação. "O tema das tarifas não está na mesa de negociações", disse anteontem, em palestra no evento "Etanol, Biodiesel e a Revolução dos Biocombustíveis", no Brazil Institute do Wilson Center, em Washington.

No Brasil, Bush e comitiva se encontram com Lula, Marisa, o chanceler Celso Amorim, a ministra Dilma Rousseff e o governador de São Paulo, José Serra, de quem o presidente americano ouviu elogios saídos da boca de Nicholas Burns. Também estão previstos encontros da comitiva com a direção da Fiesp e da Única, que reúne representantes da indústria da cana-de-açúcar.

A agenda final do republicano está sendo fechada e deve ser limitada por questões de segurança e de locomoção da comitiva, mas é quase certo que ele faça um gesto simbólico que demonstre a boa vontade com o etanol brasileiro. Entre as possibilidades, estão visita a uma usina, uma montadora ou uma estação de biocombustível.

Entre as usinas, a equipe de Bush ouviu boas referências sobre São Martinho. O fato de estar na região de Ribeiro Preto, a mais de 300 quilômetros de São Paulo, pode inviabilizar a visita. Outra hipótese seria ir a uma montadora americana que fabrique veículos bicombustíveis, como a GM em São José dos Campos ou a Ford do ABC.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 21/02/07

Globalização: Sai o conceito do ‘made in’ e entra o do ‘made by’

Dentre as sutis transformações causadas pela transferência das linhas de produção da Europa para a África e para a Ásia está a provável substituição de um conceito que marcou o capitalismo no século 20: o “made in”, que embutia o conceito de “fabricado em”, como qualificação de produção, pode ceder espaço para outra classificação, o “made by”, uma etiqueta que define a assinatura do criador, isso, pelo menos, entre as grifes de luxo. A notícia é d’O Estado de S.Paulo, 21-2-2007.
A alteração tem relação direta com a percepção do consumidor sobre a nova estratégia das empresas, ensina Maxime Koromyslov. A idéia é esquecer o conceito de local de fabricação e enfatizar a origem da criação dos produtos. O método já é assumido pela Longchamp Paris: “O que importa para o consumidor é o ‘feito por Longchamp’, e não o ‘Made in France’, já que nós garantimos a qualidade idêntica dos produtos”, entende Jean Cassegrain, diretor-geral da grife que leva “Paris” no nome.
Gilles Lipovetisky, filósofo francês e autor de O Império do Efêmero, entre outras obras sobre a importância do luxo para a sociedade contemporânea, disse não concordar que a transferência seja digna das grandes grifes da riqueza mundial. “Marcas que não têm imagem de tradição podem se transferir para o mundo em desenvolvimento, porque não têm uma origem histórica”, diz o teórico.
“Elas são muito diferentes das que vão permanecer'. Lipovetisky vê uma contradição entre a estratégia de construir fábricas em países subdesenvolvidos para baixar custos de produção, mas, ao mesmo tempo, manter o preço final de seus artigos. “Acredito que a globalização terá limites, sob pena de ameaçar a sobrevivência das próprias marcas.”

Instituto Humanitas Unisinos - 21/02/07

Priorização do carro no espaço urbano é insustentável, afirma Ladislau Dowbor

Entre o final de 2000 e 2006, a frota de veículos automotores da capital paulista subiu de 5,1 milhões para 5,6 milhões, sendo que a quantidade de motos cresceu 50,7%. Uma das vítimas do crescente caos urbanos é o transporte coletivo, mais precisamente o ônibus, que no caso de São Paulo roda cada vez mais devagar.
Para especialista, crescimento constante da frota de veículos e priorização do carro no espaço urbano é insustentável. A reportagem é de Antonio Biondi para a Agência Carta Maior, 19-02-2007.
Os dados que apontam crescimento constante da frota de veículos na cidade – em especial motocicletas e carros – é visto de forma distinta pelos especialistas ouvidos pela Carta Maior e pela administração municipal. Ambos apresentam aparentemente o mesmo ponto de vista de que é necessário priorizar o transporte coletivo. Contudo, as divergências ficam claras quando se coloca em xeque o espaço ocupado na cidade atualmente pelos carros, cuja frota cresceu à média de 1% nos últimos seis anos.
Em entrevista à Carta Maior, o secretário municipal de Transportes, Frederico Bussinger, defende que “nossa obrigação é com a mobilidade das pessoas. Nossa obrigação é garantir isso”. O secretário avalia que “as pessoas vão de carro muitas vezes porque elas optam por isso, não é porque não tem transporte público. E temos que garantir o direito a quem quiser andar de carro”. Questionado se não existe um conflito – até em termos de espaço –, que leva à necessidade de se priorizar o carro ou os ônibus nas vias da cidade, Bussinger afirma ser “necessário priorizar o transporte coletivo, e é o que estamos fazendo”.
Para Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) na pós-graduação em Economia, certamente “quanto mais o transporte coletivo anda devagar, mais gente opta pelo transporte individual, é um ciclo vicioso que paralisa a cidade”.
Dowbor, que é consultor de vários organismos internacionais, boa parte deles ligados a Organização das Nações Unidas (ONU), avalia que “nossas políticas são adotadas não por previsões e planejamentos, mas muitas vezes por pressões das empresas”. O professor registra que a retirada de circulação dos bondes no século XX no Brasil, deu-se nessa lógica, “para criar demanda e mercado de transportes individuais”. O professor ressalta que um carro transporta na cidade, em média, pouco mais de uma pessoa, de modo que uma faixa de avenida por onde circulam carros leva três mil pessoas em uma hora. Já uma faixa de ônibus, segundo Dowbor, leva de 20 a 25 mil pessoas nesse mesmo período.
Em muitas situações, lembra o professor, “fazemos uma média de 14km/h em automóveis projetados para andar a 160 km/h. É a mesma velocidade das carroças do início do século passado – mais devagar que as bicicletas”. A solução, então é recorrer aos ‘motoboys’, que se utilizam dos espaços entre os carros. “Já temos filas de motos paradas. Quando ocuparmos esses espaços também, talvez comecemos a pensar se essas opções são realmente racionais”.

Instituto Humanitas Unisinos - 21/02/07

Brasil recupera registro da marca 'açaí'

O açaí é, de novo, brasileiro. A frutinha típica da Amazônia estava desde 2003 registrada no Japão como marca de propriedade da empresa K.K. Eyela Corporation. No início do mês, o Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente informou que o registro da marca “açaí” foi cancelado por ordem do Japan Patent Office, o escritório de registro de marcas do Japão. A notícia é do jornal O Estado de S.Paulo, 21-02-2007.
A decisão não é definitiva - cabe ainda um recurso da empresa, dentro de um prazo de 30 dias. Caso a empresa não reivindique a marca, o caso estará encerrado. “Isso criou um problema moral e econômico para o País. Se algum produtor quisesse exportar açaí para o Japão, teria de inventar outro nome ou pagar royalties para a dona da marca”, explica Eduardo Veléz, diretor de patrimônio genético do Ministério do Meio Ambiente. Segundo Veléz, isso estava sendo usado “de forma perversa” como barreira não tarifária.
O Ministério do Meio Ambiente credita a vitória aos esforços da embaixada brasileira no Japão, que vem desenvolvendo um trabalho envolvendo também outros dois ministérios - Relações Exteriores e Indústria e Comércio - para alertar os escritórios de registros de marca ao redor do mundo sobre o registro indevido de componentes da biodiversidade nacional.
Entre as ações, o governo formulou uma extensa lista com 3 mil nomes científicos de plantas da biodiversidade brasileira, que, com as denominações populares, chega a 5 mil nomes, e distribui para escritórios de registro de marcas no mundo inteiro. “É uma ação preventiva, que vai facilitar nossa defesa, caso apareça outro caso como este”, diz Otávio Brandelli, chefe da divisão de Propriedade Intelectual do Ministério das Relações Exteriores.
Para os produtores de açaí, a decisão abre a possibilidade de se explorar um novo mercado, o Japão. O açaí brasileiro é bem aceito em mercados como os Estados Unidos e a Europa, mas ainda pouco conhecido dos japoneses. “É nosso interesse fornecer para o mercado japonês”, diz Jamyl Atroch, sócio da Andirá, empresa de Manaus que produz açaí e guaraná em pó. Exporta 60% da produção de açaí em pó para EUA, Irlanda, Inglaterra e Alemanha. Atroch vai aproveitar a oportunidade de participar da Foodex, feira internacional de produtos alimentícios que será realizada em março no Japão, para divulgar seus produtos e fazer contatos no País. “O cancelamento do registro da marca açaí no Japão vai nos beneficiar.”
Thomas Mitschein, presidente do Poema, ONG que coordena o trabalho de produtores de açaí na Amazônia, acredita no potencial desse novo mercado. “Estamos incentivando os produtores para manejarem bem seus açaizeiros, pois esperamos um aumento da produção.”
A ONG trabalha com a cooperativa de produtores de açaí de Igarapé-Miri, no Pará, considerada a capital nacional do açaí. A cooperativa reúne 253 famílias e produz 10 toneladas/dia de açaí. Também faz o beneficiamento do produto, que segue para Austrália, Suíça, Inglaterra e EUA, além de abastecer o mercado interno. “Era inaceitável essa apropriação ilegítima do açaí.”
O caso do açaí não é único. Vários produtos tipicamente brasileiros, como cupuaçu, rapadura e até escapulário - pequeno cordão com imagens de santos, usado no pescoço - já foram registrados indevidamente como marcas fora do País. O cupuaçu, por exemplo, estava registrado como marca em três países - Alemanha, EUA e Japão. Após intensas negociações, o Brasil obteve ganhos nos três países e conseguiu cancelar o registro em 2004.
Segundo Otávio Brandelli, do Ministério das Relações Exteriores, atualmente existem 20 processos de apropriação de nomes como marcas em negociação pelo Itamaraty.