O Tuiuti nº 105/2014
Fabricio Gustavo Dillenburg
L’année stérile – “o ano estéril”; assim foi batizado 1915. Palco de ofensivas infrutíferas e nenhuma vitória decisiva, aqueles meses foram uma decepção para os que acreditavam num fim próximo para a guerra.
A situação era difícil: a Bélgica estava tomada, a França norte sulcada por quilômetros e quilômetros de infames trincheiras. Os franceses desejavam expulsar os alemães do seu território, mas mesmo as mais ferozes ofensivas, desfechadas na região do Artois e da Champagne, não surtiram os resultados esperados: boas posições defensivas, com poder de fogo maciço (em grande parte, provido pelo nutrido fogo das novas – e mortais – metralhadoras), impediram seu sucesso. Com sérias dificuldades de comunicação no campo de batalha, comandada por oficiais ineptos e pouco imaginativos, mas mergulhada em tradições de obediência cega e propaganda maciça, a tropa estava, frequentemente, sujeita à carnificina. Foi exatamente o que aconteceu em Artois e Champagne, onde 248 mil perdas francesas derivaram na inócua retomada de algumas enlameadas aldeias. Combates posteriores resultariam em desvantagens para os alemães, mas sempre a um altíssimo custo humano, para ambos os lados. O impasse persistia, e tornou-se consenso que uma ofensiva eficiente – e ainda mais brutal – deveria ser tentada, para expulsar, definitivamente, os alemães.
Em vista disso, a planificação aliada para 1916 – idealizada em 1915, em Chantilly –, e cujo núcleo derivou do General Joseph Jacques Joffre, desenvolveu-se com base em um ataque franco-britânico na área do rio Somme, numa frente de, aproximadamente, 100 km. Sua intenção era provocar o desmonte da capacidade ofensiva germânica, possibilitando a reorganização aliada para um impulso posterior, maior, capaz de romper com a ameaça alemã.
Joffre havia evitado que os alemães tomassem Paris, em 1914, e sua convocação aos comandantes aliados propunha discutir, objetivamente, uma solução ao impasse derivado da guerra estática. A conclusão foi de que Grã-Bretanha, França, Rússia e Itália deveriam atuar em um ataque conjunto, a ser realizado em fevereiro de 1916, numa ofensiva generalizada que, esperavam, empurraria vigorosamente os alemães de volta às suas fronteiras, liberando a França e exaurindo os recursos de guerra do inimigo. Apesar do General inglês Douglas Haig, comandante das forças britânicas, preferir a região de Flandres, foi a proposta de Joffre que obteve maior apoio. De fato, a influência da liderança francesa, entre as forças ocidentais era, sem sombra de dúvidas, superior naquele momento, e decidiu a questão. Mas, mesmo entre os compatriotas, não houve consenso: Ferdinand Foch, adjunto de Joffre, foi um dos que discordaram veementemente da decisão do local para a ofensiva, colocando a região do Somme como um beco sem saída estratégico. Pensava que a área de Vimy era o ponto crucial para um ataque capaz de abalar os alemães, mas não obteve sucesso em suas reivindicações, exceto por conseguir que uma força francesa pudesse atacar, simultaneamente, pelo norte do Somme (o que se provou bastante problemático, posteriormente, em termos de coordenação e comando). De uma ou de outra forma, os argumentos franceses foram vitoriosos.
O respeito ao comando francês, contudo, não resolvia todas as questões: numa carta ao comando inglês, por exemplo, Joffre deixava claro que considerava “indispensável que (...) o exército britânico” procurasse “desgastar as forças alemãs por meio de ofensivas amplas e poderosas, como os franceses fizeram em 1915”, o que não foi bem aceito.
A discordância adveio, sobretudo, porque os ingleses não admitiam que as forças francesas não fossem disponibilizadas nesses temerosos ataques preliminares, que certamente receberiam todo o impacto das defesas alemãs. Os franceses argumentavam que não dispunham de reservas humanas suficientes para sustentar os ataques preliminares e, ainda, promover o ataque principal, mas a explicação não foi suficiente para convencer os ingleses.
Por outro lado, forte razão para a discussão dava-se pela certeza, difundida inclusive entre os próprios soldados aliados, do despreparo das tropas britânicas (os alemães discordavam, e consideravam os ingleses combatentes superiores, quando comparados aos franceses). Os oficiais ingleses acreditavam precisar de, pelo menos, mais um semestre de treinamento para colocar suas forças de prontidão para o combate, o que se fazia absolutamente impensável, diante da situação crítica.
Por fim, depois de inúmeras reuniões e trocas de correspondência, foi proposto um atraso nas datas do ataque, um meio-termo. Resolvida esta questão, uma série de outros problemas restava, antes que a ofensiva tomasse forma.
Um deles, fundamental, era o fato de que havia uma absurda e generalizada escassez de projéteis, principalmente de artilharia. Isso, tanto do lado alemão quando do francês e britânico, o que resultou em uma mobilização maciça da população para o trabalho fabril, além de progressiva intervenção estatal na sociedade, a fim de controlar a produção de forma mais estreita. Interessante, sob esse aspecto, é o fato de que, para as mulheres, em especial, o momento foi de grande importância, abrindo espaço para que pudessem trabalhar nas fábricas (enquanto seus maridos, noivos e filhos eram deslocados para as frentes de combate), abrindo caminho à sua emancipação futura, como cidadãs de primeiro nível.
Para a Alemanha, por sua vez, além os problemas em comum, estabelecia-se um impasse estratégico: o Plano Schlieffen previa uma postura defensiva no leste, ao passo que buscava uma vitória no oeste. Entretanto, a mobilização russa provocou preocupação, e levou a questionamentos sobre a necessidade de reforços nas posições orientais, o que enfraqueceria a capacidade de combate contra as potências ocidentais. Simultaneamente, a Áustria e a Hungria eram relativamente fracas, enquanto nações alinhadas aos interesses germânicos. Comumente, suas tropas eram vistas com desprezo pelos oficiais do Império alemão, tratadas como combatentes de segunda linha. Sua capacidade em combate era, de fato, inferior, sob vários aspectos, e sua localização era vista com cuidado pelos aliados, como ponto provável de rompimento nas ações ofensivas.
De qualquer forma, era consenso, entre todos os contendores, e não somente entre os alemães, de que seria na frente ocidental que a guerra seria decidida, e que o teatro
oriental representava apenas um papel secundário. Para os germânicos, no espaço relativamente restrito, no qual aconteciam os combates na frente ocidental, o objetivo primário era obter posições que não fossem passíveis de flanqueamento. Fortificações,
trincheiras infindáveis e postos de vigilância foram, por isso, construídos, dispersando-
se longamente pelo terreno, protegidos, na “terra de ninguém”, por quilômetros de arame farpado.
Erich von Falkenhayn, comandante do Estado-Maior alemão, como seu adversário francês, também almejava um rompimento com a guerra de posições, livrando-se da maldição da guerra estática que impedia manobras, fundamentais para garantir, novamente, a iniciativa. De fato, o início de 1916 dava claros indícios, para os alemães, de que o inimigo agiria com mais vigor, principalmente porque, como tudo levava a crer, os britânicos seriam incorporados às ações com maior amplitude de coordenação. Por conseguinte, embora otimistas com seus avanços até então, os alemães – sob as ordens de Ludendorff e Hindenburg – viam as perspectivas, para o
ano que adentrava, um tanto sombrias. Suas preocupações foram traduzidas por um memorando de Falkenhayn ao Kaiser Guilherme II, no qual os militares expressavam seu receio em relação ao perigo britânico, e deixavam claro que a destruição – física e moral – do exército francês deveria ser feita com urgência, objetivando minar as possibilidades de união de esforços entre os comandos aliados.
Segundo suas memórias, Falkenhayn estudou laboriosamente o terreno, buscando um objetivo no qual fosse possível colocar os franceses em uma armadilha mortal. Desejava encontrar um ponto no qual os franceses se vissem obrigados a alocar todos os recursos disponíveis, forçando uma luta desesperada que consumisse a sua capacidade de resistência. Seu conceito de guerra, segundo suas próprias palavras, era esvair a nação inimiga, sangrando suas melhores tropas.
Aliás, a propósito disso, cabe salientar que muitos historiadores recusam a ideia de que o memorando ao imperador, com essas propostas expostas, seja verdadeiro, devido à falta de contraprovas e testemunhos confiáveis. Pode ser, inclusive, que Falkenhayn tenha desenvolvido a ideia a posteriori, buscando justificar os motivos e as escolhas que levaram à catástrofe na qual se transformou a batalha. Talvez essa questão jamais seja esclarecida, mas é algo a ser levado em conta, com muito cuidado, na análise do processo histórico que envolve a Batalha.
O fato é que, independente das discussões históricas sobre a veracidade da documentação, uma decisão, entre os comandantes alemães, foi tomada: a fortaleza de Verdun seria o alvo e, o instrumento, o V Exército – orgulhoso representante das mais duras tradições prussianas – sob o comando do príncipe herdeiro Guilherme e do General Schmidt von Knobelsdorf. Partindo do pressuposto de que as intenções de Falkenhayn eram verdadeiras, o propósito não seria, necessariamente, tomar o local, mas prover uma área de extermínio, na qual a artilharia e a infantaria alemãs pudessem agir com maciço poder de destruição.
As Balcãs, a frente italiana, e mesmo a frente russa – na qual os sucessos da Alemanha se davam com certa facilidade –, deram lugar à decisão de eliminar as ameaças maiores, com especial atenção à Grã-Bretanha. Certo receio rondava o Alto Comando, de que a incapacitação do império britânico, pela ação ilimitada dos submarinos, poderia levar ao acirramento das tensões e à adesão dos Estados Unidos
contra a Alemanha, e esse era um risco que a os germânicos não desejavam correr. Seria melhor, portanto, derrotar os ingleses nos campos europeus, incapacitando, definitivamente, seu poder de reação. Neste caso, se os alemães lograssem varrer os franceses do mapa, os ingleses ficariam sem apoio no continente, passíveis de serem, por sua vez, engolfados pelo ímpeto bélico alemão.
A tensão sobre a França, entrementes, se fazia sentir, quase ao ponto da ruptura, e não havia um aliado próximo – com exceção dos próprios ingleses – para lhe socorrer. A pressão pontual poderia fazer com que o exército francês, já debilitado, se esvaísse em recursos, sem chance de retraimento, sob pena de perder o próprio país. Para Falkenhayn, que queria evitar, num primeiro momento, “a melhor espada inglesa”, não restava dúvidas: o sul do Somme (Belfort ou Verdun) – setor que manteria a Grã-Bretanha fora do combate imediato – deveria ser o túmulo das forças francesas.
Embora as duas áreas (por serem antigas fortalezas de grande significado histórico) fossem capazes de despertar emoções francesas, Belfort era um osso duro de roer, como os combates de 1914-15 haviam violentamente demonstrado. Por conseguinte, foi Verdun a escolha para tornar insustentável a situação de resistência aos alemães.
Verdun era um antigo ponto forte, dividido ao meio pelo rio Meuse (Mosa), considerado a porta de entrada para o centro
do país. No centro da área havia uma cidadela, erguida no século XVII e reforçada no século XIX, que contava com instalações subterrâneas para
as tropas. Além de seus muros, distante, aproximadamente, oito quilômetros, construiu-se um anel reforçado por cerca de trinta pontos-fortes, sendo quase dois terços protegidos
sob a terra. Torres móveis, com canhões de 75 a 155mm, serviam como defesa ativa. Mas, infelizmente para os franceses, não havia coesão entre os fortes, construídos em dureza, armamento e posicionamento variáveis.
Em 1914, essas fortificações haviam se mostrado fundamentais para a recuperação de Joffre frente ao poderoso ataque alemão, servindo de eixo para as forças francesas que impediram a marcha direta para sua capital. Contudo, passado o perigo imediato, e
em vista da queda das fortalezas belgas frente ao avanço alemão, foi o próprio General
quem convenceu o governo a desmantelar as torres, retirando seus canhões para que
pudessem ser empregados como artilharia em Champagne. Obteve, com isso, 43 canhões pesados e 11 baterias de campo, que seriam utilizadas em futuras ofensivas. Dessa forma, com seus grandes espaços arborizados e suas bucólicas colinas, sem artilharia, Verdun foi recheada com trincheiras, solução paliativa às suas torres desnudadas. No momento crucial, quando o ataque alemão foi iniciado, menos de trezentas armas, carentes de munição, estavam disponíveis.
O inimigo estava ciente das dificuldades da França em socorrer Verdun com tropas oriundas da retaguarda, devido ao precário sistema de transporte na área, algo que os alemães poderiam compensar muito bem, pois administravam uma estrada de ferro a menos de vinte quilômetros da cidadela. Além disso, era evidente a importância de Verdun para os franceses, sobretudo por seu caráter psicológico, e Falkenhayn imaginou – ainda, se acreditarmos em suas palavras – que isso levaria o inimigo a deslocar suas tropas com toda a força para a região, na tentativa de burlar os planos alemães. Se o número de baixas fosse suficiente, o combate no saliente representaria o fim da guerra para a França.
Comandava as desfalcadas fortalezas o General Herr, oriundo da artilharia. Tendo em vista a pouca movimentação no ano anterior, um clima de letargia havia se instalado entre as tropas, a disciplina era frouxa e os preparos na defesa, desleixados. Linhas telefônicas não haviam sido completamente instaladas, a comunicação entre as trincheiras era medonha e abrigos contra ataques de artilharia eram raros e esparsos. Quando o General Philippe Pétain foi designado para substituir Herr, poucos dias antes do ataque alemão, mostrou-se indignado com o estado das coisas. Mesmo as trincheiras, habitat da maioria dos soldados, estavam repletas de lixo, cobertas pelo barro e com suportes quebrados e enferrujados. No que diz respeito à soldadesca, boa parte pertencia ao XXX Corpo, composto por tropas territoriais de segunda linha.
Os relatórios de Pétain sobre a
situação, que sobreviveram à
guerra, são deprimentes, para
não dizer catastróficos2. Um
“prato cheio”, para auxiliar o
esforço de guerra alemão. Por fim, enquanto os franceses, ingleses, russos e italianos deliberavam sobre quem atacaria, discutiam datas e decidiam por onde se dariam as primeiras movimentações no front, os germânicos agiram. Em 12 de fevereiro de 1916, as forças alemãs já haviam deslocado 1.400 peças de artilharia e pelo menos nove divisões, dispostas em uma frente estabelecida a leste do Meuse, contra duas divisões francesas e, comparativamente, apenas um quarto do número de canhões. Faziam parte das forças germânicas, inclusive, omonstruoso morteiro Grosse Bertha, de 420 mm, apoiado por morteiros austríacos de 305 mm e canhões navais e 380 mm, além dos novíssimos lança-chamas. Uma repentina queda de neve, contudo, seguida de forte neblina, impediu que o ataque iniciasse na data marcada, favorecendo um pouco a defesa, que corria contra o tempo para melhorar suas posições.
A situação, bastante desfavorável à França, era reforçada pela total segurança logística
germânica, cujas tropas estavam servidas por nada menos do que uma dúzia de linhas
ferroviárias, a maioria de bitola larga, além de disporem de três pontes e considerável apoio aéreo. Comparativamente, os franceses possuíam apenas uma ferrovia de bitola estreita e uma estrada. Outras duas vias de acesso estavam inacessíveis: uma havia sido capturada, a outra podia ser bloqueada pelo fogo da artilharia alemã.
A ofensiva, que teve início sob a palavra-chave Gericht (tribunal), deu-se em 21 de fevereiro. Embora tenha enfurecido o comando alemão, a semana e meia de atraso, devido ao tempo ruim, representou para os franceses um auxílio impagável para reforçar Verdun com tropas, alimentos, munição e equipamento (insuficientes, apesar da percepção geral de que haveria, ali, um ataque). Às 7h15min da manhã, afinal, esgotou-se o seu tempo e o inferno se abriu
às margens do Meuse. O primeiro tiro foi dado por um canhão Krupp de 380 mm, que atingiu a catedral de Verdun, distante 32 Km. Nas horas que se seguiram, mais de dois milhões de obuses caíram sobre a cidadela, matando 20 mil franceses, literalmente engolidos pela terra em convulsão. Povoados, bosques, aldeias foram aplainados pelo fogo da artilharia.
A ideia do príncipe herdeiro Guilherme era, simplesmente, usar os canhões para abrir um rombo nas defesas e lançar, por ele, sua infantaria em carga. O plano foi aceito por
Falkenhayn mas, com receio de que Verdun fosse tomada muito rapidamente – eliminando a possibilidade de uma batalha prolongada capaz de destruir as forças francesas – as reservas que deveriam estar disponíveis para o V Exército, no caso de sucesso no rompimento, foram seguras pelo Comando. Aplicando seu planejamento à risca, com um ótimo sistema de observação – e, apesar do bombardeio sistemático – os alemães verificaram que muitas posições francesas permaneciam guarnecidas. Renovou- se, portanto, a carga de artilharia, desta vez com o auxílio de morteiros, buscando os pontos que permaneciam como ameaça. Cautelosas, patrulhas de combate varreram, então, à frente, em busca de lacunas nas defesas, e encontraram o inimigo aturdido e desorganizado. Comunicado, o Comando agiu.
A investida foi devastadora, embora não definitiva. Um impressionante bombardeio de área prenunciou o deslocamento de 140 mil alemães, contra-atacados por incursões francesas audaciosas, mas pouco efetivas. No frenesi dos combates, atos de extrema
coragem e desespero marcaram, como não poderia deixar de ser, os dois lados. Uma dessas condutas notórias coube ao Coronel Émile Driant – crítico de Joffre pela retirada dos canhões de Verdun e que se destacou pela intrepidez na defesa de Bois de Caures, com dois batalhões (cerca de 1.200 homens) – caído em combate, em uma retirada desesperada após suas forças terem sido flanqueadas. Sua resistência heroica permitiu que os comandantes franceses ganhassem um tempo precioso para deslocar mais tropas ao setor e tentar fechar a brecha. Prova da valentia de suas ações é o fato de que os alemães enterraram seu corpo e escreveram à viúva, através de um mensageiro especial, para assegurar que ele tivesse um funeral com todas as honras que merecia.
A fortaleza de Douaumont foi uma das primeiras cair, tomada em total surpresa: a grande maioria dos 63 homens da guarnição, num daqueles momentos surreais da guerra, assistia a uma palestra quando chegou uma patrulha de dez alemães. A plateia foi trancada na sala por um sargento do 24º Regimento de Brandenburgo que penetrara no forte, aparentemente sem ser incomodado. Somente um dos canhões chegou a dar combate, mas logo silenciou.
Foi um desastre humilhante para os franceses, já que abriu um importante espaço de penetração para o exército inimigo.
Pétain – conhecido por sua habilidade em organizar defesas –, em vista do caos que se instalava, foi imediatamente contatado por Joffre, que lhe ordenou impor resistência
obstinada, sob pena de se descerrarem, por completo, as portas para Paris. Em apoio, a chegada do General Balfourier, com seu 20º Corpo (conhecido como “Corpo de Ferro”), foi capaz de garantir alguma sustentabilidade às linhas, dinamizadas por um sistema de rotação dos combatentes e recursos (estabelecido por Pétain), através da única estrada livre que restava, entre a frente e Bar-le-Duc (e que passou a ser chamada de Voie Sácré, a “via sagrada”, mas também de “transportador de baldes”, pelos soldados). Sistematicamente, um volume considerável de viaturas foi empregado para o transporte, num fluxo virtualmente ininterrupto para o front. A partir de 29 de fevereiro, 50 mil toneladas de munição e 90 mil homens fluíram por essa artéria.
O início da primavera trouxe lama, muita lama, transformando a região em um colossal
atoleiro, enquanto os franceses lançavam tudo que tinham contra os alemães, tentando segurá-los. A situação continuava desesperadora, mas pelo menos uma relativa equivalência numérica foi obtida em artilharia e aviação, enquanto os fortes que ainda restavam eram rearmados, às pressas, com o que havia disponível. Por praticamente dois meses, a situação foi de grande aflição.
Em março e abril, Falkenhayn deu ímpeto a duas outras ofensivas, dando vazão a avanços e recuos visando os flancos, entre colinas bombardeadas incessantemente por
ambas as artilharias. As trincheiras foram soterradas e os buracos dos obuses passaram a servir de abrigo aos combatentes. Faziam-lhes companhia, nesses espaços, restos de corpos semienterrados na lama. Em maio, a resistência francesa não foi mais suficiente, cedendo aos alemães importantes áreas elevadas no campo de batalha, entre elas, a Le Mort Homme e a colina 304. Em seguida, os atacantes concentraram seus ataques no leste da cidade. Porém, se o suposto objetivo germânico, de sangrar as tropas francesas até seu limite, estava sendo um sucesso, os alemães também mergulhavam no mesmo destino. Não havia dúvidas de que, se o ritmo da carnificina continuasse, logo não haveria mais quaisquer reservas, e a operação toda se tornaria um desastre total. Tanto Pétain quanto o Príncipe Guilherme expressaram suas preocupações a propósito da matança, mas não conseguiram convencer os que defendiam a causa da luta até o último homem.
Com o número de homens disponíveis caindo rapidamente, Falkenhayn tratou de providenciar reforços e, supostamente alterando o objetivo primário de destruição das tropas francesas, buscou promover um assalto decisivo às defesas e tomar, de uma vez por todas, Verdun. No início de junho, avançou sobre Thiaumont, Vaux e Souville,
sob o fogo de sua artilharia, equipada com obuses carregados com gás fosgênio (dicloreto de carbonila). À já indescritível dureza da luta dos infantes somou-se a tragédia dos gases venenosos.
Nos sanguinários embates que se seguiram, Fort Vaux destacou-se pela resistência. A
fortaleza foi martelada incessantemente, até que o avanço conquistou a área superior.
Nos túneis que ocupavam os subterrâneos, a luta se estendeu até o início de junho, num mortal jogo de gato e rato no qual os combates aconteciam, frequentemente, corpo-a-corpo. Enfraquecidos, os franceses foram, mais uma vez, derrotados. A tragédia parecia estar se delineando com grande velocidade.
Pétain solicitou a Joffre para abandonar o setor, o que lhe foi negado. Para os franceses, Verdun se tornara o que Ypres fora para os britânicos, e a retirada estava fora de questão. Restava-lhe resistir, o que foi feito usando todos os meios disponíveis e, em desespero, a artilharia, principalmente nos arredores de Souville. A paisagem tornou-se lunar, a neve derreteu e os feridos se afogavam nas trincheiras e nas crateras.
Mas Falkenhayn também se via em apuros. Começou a se dar conta da armadilha em que se metera, e metera seus homens. Não havia mais como retroceder, e não possuía forças suficientes para um golpe final.
Em 1º de Julho, com a abertura da planejada Batalha do Somme, as coisas começaram
a complicar para os alemães. Tropas tiveram que ser deslocadas para cobrir contra-ataques, e o ímpeto alemão arrefeceu, salvando Verdun da derrota.
Na frente oriental, o General Alexei Brusilov comandou um ataque aos austríacos, desestruturando suas defesas e obrigando os alemães a voltarem seus esforços para impedir o desmantelamento da frente. Falkenhayn viu-se obrigado a deslocar três divisões, interrompendo o processo já penoso de manter terreno e enterrando, definitivamente, os planos de conquista da área. Pela falha em concluir a tomada do objetivo, ele foi substituído pelo Marechal Paul von Hindenburg.
Fracionada em duas frentes, as forças alemãs perderam a força concentrada necessária
para decidir a batalha. Em outubro, pregando a teoria de Foch, sobre o poder da artilharia, os franceses iniciaram uma série de contra-ataques no perímetro de Verdun. Com intenso uso de bombardeio, a infantaria francesa conseguiu fincar pé no terreno. Os Fortes de Douaumont e Vaux foram retomados em outubro e novembro; em dezembro, os germânicos estavam sendo empurrados às suas linhas originais. Logo, estavam na defensiva, lutando para sustentar suas posições. Sua moral nunca mais voltou a ser a mesma.
Batalha de atrito sem igual, Verdun passou a representar a vontade de defesa do solo
pátrio, acima de quaisquer sacrifícios. Do ponto de vista humano, foi a mais longa e sangrenta batalha da História. Comparada com outras grandes batalhas do período, foi única: o Marne foi uma vitória de comando; o Somme, de 1918, da artilharia e dos recém-chegados carros de combate. Verdun representou o sacrifício maior, sobretudo
para os franceses, que pagaram a autonomia da nação com generoso sangue.
A batalha foi cruel ao extremo,
de certa forma despropositada
em seus objetivos, uma mostra do que comandos inflexíveis podem provocar a um exército, e sem verdadeiros vencedores. Contudo, não foi somente uma chacina. Como
parte de um todo bastante complexo, Verdun serviu para que as táticas de combate fossem exploradas e melhoradas, principalmente no que diz respeito ao uso da artilharia como apoio imprescindível ao avanço da infantaria, o que seria, posteriormente, estendido ao uso primitivo da aviação. A flexibilidade tática tornar-se-ia uma necessidade, com as percepções derivadas dos sangrentos (e muitas vezes inúteis) combates, e ficou absolutamente claro que a principal qualidade desejável ao soldado era a resistência, sob condições que seriam, sob outras circunstâncias, intoleráveis ao ser humano.
Por outro lado, em essência, a Batalha de Verdun exerceu importante papel nos protestos futuros, que ajudariam no encerramento do conflito. A luta, mais do que de generais, foi de soldados. E foram eles que, mergulhados na carnificina das trincheiras, emergiram entre o desgosto e a indignação, levando as tropas a se amotinarem na fase final da guerra. Os homens haviam visto – e vivido – o terror da morte vagando por suas linhas, arrancando vidas, arruinando membros, destruindo uma geração, em troca de um punhado de quilômetros quadrados que, no final das contas, serviram para absolutamente nada.
A matança sem sentido da I
Guerra Mundial pesaria muito à Europa. Somente na Alemanha, as baixas chegaram a 6.250.000, sendo dois milhões de mortos. A guerra destruiu
os impérios russo, otomano, austríaco e alemão. Fronteiras foram refeitas. Novos países surgiram. O Tratado de Versalhes, derivado mais do desejo de vingança do que da visão de uma paz necessária, resultaria diretamente, em última análise, num conflito ainda
mais devastador: a Segunda
Guerra Mundial. Verdun e o
Somme coroaram com sangue toda essa estupidez.
Referências:
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HART, Peter. The darkest hour on the western front. Berkeley: Pegasus Books, 1962.
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