O SUS (Sistema Único de Saúde), orgulhosamente descrito pelo governo brasileiro como a maior rede pública de saúde do mundo, está ano a ano perdendo participação no total de dinheiro que se aplica em saúde no país. O setor privado, no qual estão os planos de saúde, já superou o poder público em volume de recursos. A reportagem é de Ricardo Westin e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 28-04-2008.
Em 1995, 61,6% dos gastos com saúde vinham do SUS e 38,4% eram oriundos do setor privado. No ano passado, a balança pendeu para o outro lado: o SUS respondeu por 49% e o setor privado, por 51%. A participação pública caiu 20,45%.
A constatação faz parte de uma pesquisa feita pelo médico Gilson Carvalho, secretário nacional de Atenção à Saúde no governo Itamar Franco e consultor do Conasems (entidade que reúne os secretários municipais de Saúde). Ele fez suas próprias contas usando dados do Ministério da Saúde, da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), do IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e da Organização Mundial da Saúde.
A Escola Nacional de Saúde Pública, ligada ao Ministério da Saúde, tem números parecidos. Essa menor participação do SUS confirma aquilo que especialistas dizem e repetem: a saúde pública vai mal porque simplesmente falta dinheiro.
"O que mostra que os recursos são insuficientes são, de um lado, a falta de ações e serviços e, de outro, a baixa qualidade de alguns deles. Insuficiência e ineficiência", diz Carvalho.
O SUS foi criado pela Constituição de 1988. Cada um dos mais de 180 milhões de brasileiros, ao menos na teoria, deve ser atendido por um médico quando estiver doente, obter os remédios e receber todos os tratamentos. Sem pagar nada.
Em número de beneficiados, a saúde privada é muito menor. Nela estão contabilizadas, por exemplo, a compra de remédios e a consulta com médicos particulares. Os planos médicos têm pouco mais de 39 milhões de clientes. Em 2000, tinham 30,7 milhões.
"Os planos de saúde crescem porque o SUS está cada vez pior. Um sistema público ruim é a melhor propaganda da medicina privada", diz o médico e deputado federal José Aristodemo Pinotti (DEM-SP).
Uma pesquisa nacional feita pelo Datafolha no mês passado mostrou que, para 29% dos brasileiros, o principal problema do país é a saúde, à frente do desemprego e da violência.
Inflação da saúde
Em 2007, segundo o estudo de Carvalho, o sistema público de saúde custou R$ 94,4 bilhões. Cerca de metade dos gastos veio do governo federal. A outra metade foi dividida entre Estados e prefeituras.
Em termos absolutos, as verbas têm aumentado. Comparando os anos de 1995 e 2004, o valor que o SUS gastou por brasileiro passou de 293 para 590 dólares internacionais (moeda de comparação entre países).
O problema é que o aumento foi insuficiente. A inflação da saúde cresce com mais velocidade que a inflação geral. Diariamente, surgem equipamentos e remédios mais avançados, que, em vez de substituir, passam a conviver com os antigos. O sistema fica mais caro.
O Brasil está se tornando um país de idosos, que demandam mais tratamentos. É outro peso para os cofres públicos. O setor privado acompanha melhor essa inflação.
A saúde convive ainda com freqüentes ameaças de perda de verbas, muitas delas concretizadas. Em dezembro, o Congresso Nacional extinguiu a CPMF, tributo que no ano passado respondeu por 35% das verbas do Ministério da Saúde.
Na semana passada, o presidente Lula assinou um decreto determinando cortes em todo o governo federal. O Ministério da Saúde perdeu R$ 2,59 bilhões de seu Orçamento.
Outro problema é a falta de regulamentação de um artigo da Constituição que fixa os valores mínimos que o governo federal, os Estados e as prefeituras devem aplicar em saúde. Muitos governantes ignoram o piso. Outros atingem o valor, mas valendo-se de subterfúgios como incluir restaurante popular, despoluição de águas e pagamento de aposentados nas contas da saúde. Por causa da brecha, a saúde deixou de receber R$ 9 bilhões em 2005.
Para o ex-ministro da Saúde Adib Jatene, as verbas insuficientes mostram que o governo só prioriza a saúde no discurso. "Na prática, a saúde não é prioridade. Prioridade é pagar o juro da dívida [pública]."