"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, agosto 01, 2008

"SE OBAMA FOR PRESIDENTE, A CASA AINDA SERÁ BRANCA?"

Site do Azenha - Atualizado e Publicado em 01 de agosto de 2008 às 12:16

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Começou mais cedo do que eu imaginava. A título de responder a um discurso de Barack Obama a campanha de John McCain injetou a questão racial na disputa pela Casa Branca.

Fez isso de maneira cínica e eficaz, como sempre fazem os republicanos, que operam uma verdadeira "máquina de moer carne" apelando aos instintos mais selvagens dos eleitores.

Na campanha de 1988 ficou famoso o caso de Willie Horton. Era um condenado que participava de um programa que dava liberdade aos presos em alguns fins de semana, programa que tinha o apoio do então governador de Massachussets, Mike Dukakis, que se tornou candidato democrata à Casa Branca. Os republicanos trouxeram Horton para a campanha eleitoral, sugerindo que Dukakis era mole contra o crime, muito liberal e, portanto, incapaz de ser presidente dos Estados Unidos.

Isso era o que dizia o texto. Mas as imagens foram usadas de forma a sugerir aos eleitores brancos: se Dukakis for eleito ele vai soltar todos os assassinos negros que estão na cadeia.

É óbvio que contra Obama os republicanos não poderão fazer o mesmo. Eles estavam apenas esperando uma oportunidade para trazer a questão racial de volta. Num discurso recente o democrata disse que a campanha republicana tentaria pintá-lo como uma aberração, alguém que "não se parece com os presidentes que figuram nas notas do dólar". Foi o suficiente para que assessores de McCain - e o próprio candidato - atacassem Obama por supostamente ter trazido a questão racial para a campanha.

Aos republicanos o assunto interessa por um motivo muito simples: os eleitores de classe média baixa são os mais suscetíveis à insegurança gerada pela crise econômica. E a tendência deles seria votar por mudança. É aí que entra a questão da identidade. O que a campanha de McCain quer fazer é dizer a esse eleitor: mudança, sim, mas com alguém que seja como você, com o qual você tenha identidade. Esse é um bloco suficientemente grande de eleitores para decidir a eleição.

É óbvio que os republicanos não vão abraçar o texto que foi visto no Texas - um dos lugares mais racistas dos Estados Unidos: "Se Obama for presidente... ainda chamaremos a Casa de Branca?". Dirão a mesma coisa de forma subliminar.

O rescaldo do Farctasma

Blog do Luis Nassif - 01/08/08

Vamos a um balanço do Farctasma de Canterville.

Quando saí de casa ainda não tinha chegado o Globo impresso. Li o Globo Digital. Não consegui encontrar nenhuma matéria sobre os tais e-mails da revista "Cambio".

A Folha deu matéria, mas sequer uma chamada de primeira página. Diz a reportagem de Cláudio Dantas Sequeira:



(...) O teor das mensagens -que o governo colombiano afirma ter encontrado nos computadores pertencentes ao número dois da guerrilha, Raúl Reyes, morto em março- já havia sido revelado pela Folha há um mês.

Ontem, um assessor próximo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse à Folha que o governo da Colômbia quer "pôr a mão" no ex-padre guerrilheiro Olivério Medina. A idéia seria usar os e-mails do computador de Reyes para conseguir a anulação do status de refugiado político obtido por Medina na Justiça e conseguir sua extradição.


Medina, cujo nome verdadeiro é Francisco Antonio Cadena Collazos, vive em Brasília sob proteção jurídica desde abril de 2006. Para conseguir esse benefício, ele se comprometeu a abandonar as atividades políticas, especialmente aquelas relacionadas às Farc. Mas as informações coletadas pelos serviços de inteligência da Colômbia sugerem que Medina manteve sua militância.

Num e-mail de 19 de janeiro de 2007, Medina comenta com Reyes a importância do novo emprego da mulher, Ângela Slongo, na Secretaria de Pesca. "Para evitar que a direita em algum momento a importune, a deixaram na Secretaria de Pesca, trabalhando no que chamam um cargo de confiança ligado à Presidência da República", disse.

Tratada carinhosamente por Medina de La Mona, Slongo atua num programa de alfabetização de pescadores. Para o embaixador das Farc, uma posição útil. "É possível que dada sua preparação e conhecimentos sobre o marxismo, seu aporte seja de utilidade", disse. Há outras correspondências ao longo de 2007. O último e-mail data de 2 de fevereiro de 2008, no qual Medina trata de preparativos para uma visita da senadora colombiana Piedad Córdoba ao Brasil.

(...) Com base nos e-mails, a revista "Cambio" escreveu que as presença das Farc no Brasil "chegou até as mais altas esferas" do governo Lula. Nas reportagens publicadas no final de junho e início de julho, a Folha mostrou que a troca de mensagens entre dirigentes das Farc não revelava tal acesso privilegiado ao governo.

Em alguns casos, os e-mails sugerem simpatia de certos assessores, mas não demonstram uma relação institucional do Palácio do Planalto com o grupo colombiano.

O Estadão deu manchete principal:



(...) A reportagem usa tons duros em sua denúncia (como "vínculos que chegaram a níveis escandalosos"), apesar de reconhecer que nenhum dos funcionários do governo brasileiro citados passou e-mails diretamente para membros das Farc.

(...) O deputado distrital Paulo Tadeu (PT) e o sindicato dos servidores da Companhia Energética de Brasília (CEB) aparecem em uma lista das pessoas e entidades que contribuíram com dinheiro para a guerrilha: US$ 833,33 e US$ 666,66, respectivamente.

(...) Vereador em Guarulhos, Edson Albertão (PSOL) é mencionado numa mensagem como emissário das Farc para o contato com o chanceler Celso Amorim. "Por intermédio do líder do PT Plínio de Arruda Sampaio, chegamos ao Celso Amorim. Plínio mandou dizer ao Albertão que o ministro está disposto a nos receber, assim que tiver espaço em sua agenda", diz o e-mail de 22 de fevereiro de 2004. "Nunca neguei minhas ligações com as Farc", disse Albertão ao Estado. O ex-deputado Plínio de Arruda Sampaio, atualmente no PSOL, disse ontem não saber se a reunião entre Medina e o ministro ocorreu. Arruda diz ainda desconhecer ligações do PT com as Farc.

(...) O Ministério das Relações Exteriores afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "nunca houve qualquer forma de contato direta ou indireta", do ministro Celso Amorim "com qualquer membro ou representante das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)". Outros funcionários do governo também negaram qualquer ligação com o grupo guerrilheiro.

(...) Marco Aurélio Garcia disse ontem que "não há nenhuma cooperação do governo brasileiro com as Farc". O assessor, que está no Paraguai, disse à imprensa local que "houve uma certa tentativa de aproximação" das Farc com o governo do Brasil, mas insistiu que ela foi rejeitada.

Garcia destacou que, como ele mesmo revelou dois meses atrás, as informações no computador de Raúl Reyes - líder das Farc morto no Equador - o citam de forma irônica, pois ele foi um dos primeiros a rejeitar todo o contato com o grupo guerrilheiro. O assessor lembrou que foi o Partido dos Trabalhadores (PT) que impediu a participação de membros das Farc no Foro de São Paulo, que agrupa várias organizações de esquerda latino-americanas.

(...) Gilberto Carvalho assegurou que ele e o governo têm uma "relação zero" com as Farc e reiterou que "a posição brasileira é claramente contra os seqüestros e os métodos" do grupo guerrilheiro. Segundo Carvalho, seu nome é mencionado por causa de um pedido feito ao subsecretário de Direitos Humanos, Perly Cipriano - também citado pela revista -, em favor do ex-padre Antonio Cadena Collazos, conhecido como Oliverio Medina e considerado "embaixador" das Farc no Brasil.

A deputada petista Erika Kokay (...) admitiu que colaborou com o processo que permitiu a concessão do status de refugiado a Oliverio Medina, dois anos atrás. "Nunca tive qualquer tipo de relação com as Farc e só conheço o padre Oliverio e apoiei seu status de refugiado, pois ele corria risco de morte se fosse repatriado", disse Erika.

A divulgação da reportagem em uma revista tida como ligada ao presidente Álvaro Uribe e cuja linha editorial é definida pelo irmão do ministro da Defesa colombiano, Juan Manuel Santos, causou "estranheza" entre assessores do Planalto. (...) Eles também indagavam por que foi divulgada apenas parte dos e-mails sugerindo o envolvimento de brasileiros e não a totalidade, deixando de lado os que mostravam que o governo não apóia as ações da guerrilha.

Já o secretário especial de Direitos Humanos da Presidência, Paulo Vanucchi, afirmou ontem que a única atuação de sua pasta, em relação a Oliverio Medina, restringiu-se ao atendimento de uma solicitação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Vanucchi disse, por meio de sua assessoria, que o conselho pediu em 2006 à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência o acompanhamento da situação carcerária de Medina, detido no Presídio da Papuda. A queixa era a de que Medina, com problemas de saúde, não tinha direito a banho de sol e estava detido com presos comuns. O subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Perly Cipriano, foi visitar Medina na Papuda. COM EFE.

DANTAS: PRESIDENTE DA CVM AINDA NÃO PODE DORMIR SOSSEGADO

Conversa Afiada - 01/08/08

Reportagem de Fernando Paiva na Teletime mostra que o ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários, Luiz Cantidiano, ainda não pode dormir o sono dos justos.

. O Ministério Público Federal-RJ resolveu reabrir uma investigação que tinha sido sepultada.

. Por falar nisso: para que serve a CVM (além de servir a Dantas )?

. Leia a íntegra da reportagem da Teletime:



CASO OPPORTUNITY

PF volta a investigar atuação de Dantas na CVM na gestão de Cantidiano

quinta-feira, 31 de julho de 2008, 20h30
A pedido do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF/RJ), a Polícia Federal está investigando eventual corrupção e tráfico de influência na relação entre o banqueiro Daniel Dantas e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) durante a gestão de seu ex-presidente Luiz Leonardo Cantidiano, encerrada em março de 2004. Antes de assumir a presidência da CVM, Cantidiano trabalhara como advogado do grupo Opportunity. Segundo o procurador Marcelo Freire, autor do pedido, o inquérito já reúne mais de três grandes caixas de documentos e dificilmente será concluído este ano.
O inquérito atual não tem relação com a operação Satiagraha, que no começo do mês gerou a prisão do dono do banco Opportunity duas vezes. Mas Freire reconhece que os dados colhidos nessa operação podem vir a ser úteis na investigação sobre a relação entre Opportunity e CVM. "Em algum momento talvez seja necessário um intercâmbio de informação", disse o procurador. Na operação Satiagraha, a Polícia Federal encontrou vários indícios da presença de cotistas brasileiros no fundo Opportunity Fund, o que violava as regras do anexo IV. O Opportunity Fund era o principal veículo utilizado por Daniel Dantas para investir nas empresas de telecomunicações. O fundo participou do controle da Brasil Telecom, Telemig e Amazônia Celular e tinha participação relevante na Telemar. Estas participações estão todas sendo negociadas no processo de venda do controle da BrT para a Oi e na reestruturação societária da própria Oi.
O Opportunity Fund chegou a ser investigado pela CVM entre 2001 e 2004, mas a autarquia não conseguiu averiguar a presença de nenhum cotista brasileiro além do próprio denunciante, Luiz Roberto Demarco, ex-sócio de Dantas. O julgamento do processo administrativo na CVM aconteceu somente na gestão de Marcelo Trindade, sucessor de Cantidiano. A CVM encontrou algumas irregularidades quanto à divulgação do fundo e condenou administradores e empresas ligadas ao Opportunity a pagarem multas que somavam R$ 480 mil. Entretanto, posteriormente, os réus foram absolvidos no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, com voto favorável inclusive do próprio representante da CVM.

Histórico

É a segunda vez que o MPF/RJ solicita apuração da relação entre Dantas e a CVM na gestão de Cantidiano. Na primeira, investigou-se a suspeita de advocacia administrativa em favor do Opportunity. O inquérito fora aberto a partir de notícia-crime feita pelo jornalista Paulo Henrique Amorim com base em reportagens de TELETIME. Após o depoimento de Dantas, o delegado responsável pelo caso pediu o arquivamento do processo. O novo inquérito agora está sob os cuidados de outro delegado da Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários.
Em função das notícias que apontavam o conflito de interesse pelo fato de ter sido advogado do Opportunity, Cantidiano entrou com ação contra TELETIME buscando reparação por danos morais. Teve sua queixa acolhida, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em primeira e segunda instâncias. TELETIME recorreu e o caso segue no STJ, em Brasília.

Fernando Paiva

Em tempo: é bom lembrar que quem conviveu numa boa com Luis Cantidiano na CVM foi o Ministro da Fazenda Antonio Palocci. Depois, foi Palocci quem nomeou Trindade para o lugar de Cantidiano. Repeitou a máxima do Governo Lula: melhor que um amigo de Dantas, só outro amigo de Dantas...

MINISTÉRIO PÚBLICO PEGA DANTAS DE NOVO

Conversa Afiada - 01/08/08

Dantas tenta obstruir a Justiça e “incruar” (*) o processo da Kroll, em que ele aparece como membro de uma “quadrilha”.

. Há 90 dias, pouco antes da Operação Satiagraha, os advogados de Dantas – os mais bem pagos do mundo; clique aqui para ler sobre o que o Conversa Afiada já publicou sobre a remuneração dos advogados de Dantas – jogaram um CD de pára-quedas no processo da Kroll.

. Um CD que estava escondido sob uma das colunas do Fórum, em Roma, e aparece, de repente, na Justiça Federal de São Paulo.

. Este novo CD, que só Dantas, aparentemente, sabia onde estava, se fosse, de fato, “incruado” no processo invalidaria todas as provas contra Dantas obtidas em qualquer outro CD – dizem os advogados do quadrilheiro.

. A investigação da Polícia Federal sobre as atividades da quadrilha na Kroll não utilizou nada que pudesse constar desse novo CD de Dantas.

. Mas, ainda assim, os advogados do quadrilheiro queriam “incruar” o processo.

. O Ministério Público de São Paulo pediu explicações ao delegado da Polícia Federal: o senhor viu esse CD, que CD novo é esse ? Onde estava ?

. Antes da Operação Satiagraha, é bom frisar, o delegado da PF deu uma resposta evasiva.

. Nem lá nem cá.

. E o processo de “incruamento” rolava.

. Aí, o Ministério Público Federal resolveu interpelar judicialmente a Polícia Federal para saber: que CD é esse ?

. Não sem antes observar que o CD da Itália não tem nada a ver com a investigação no Brasil.

. (Quem mistura as bolas – por que será ? – e põe o Dantas da Itália no Dantas do Brasil é o Diogo Mainardi ...)

. Além do mais, as Procuradoras Anamara Osório e Ana Carolina avisaram à Justiça: não queremos saber deste novo CD, não o consideramos prova de nada, nosso trabalho não o utiliza para nada.

. Quer dizer, não fosse o MP-SP, Dantas teria conseguido “incruar” o processo com um CD.

. Leia abaixo a nota oficial que o MP-SP expediu sobre a tentativa de “incruamento”:


(*) “Incruar” é um neologismo que os advogados de Dantas usam – segundo o relatório do Dr. Protógenes – para usar artifícios que ajudem a melar um processo judicial. Uma chicana. “Obstruir a Justiça”, em bom português.

Multis destinaram às matrizes US$ 18,99 bilhões no 1º semestre

Instituto Humanitas Unisinos - 01/08/08

Os lucros enviados pelas multinacionais às suas matrizes somaram US$ 18 bilhões e 993 milhões no primeiro semestre, quase que o dobro do mesmo período do ano passado (US$ 9 bilhões e 807 milhões), constituindo-se no principal fator para o déficit de US$ 17 bilhões e 402 milhões nas contas externas (transações correntes) nos seis primeiros meses deste ano. Segue a reportagem do jornalista Valdo Albuquerque, publicada no jornal Hora do Povo, na edição de 30-07-2008.

Ao apresentar os números do setor externo na segunda-feira (28), o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, disse que o aumento da remessa de lucros reflete uma "mudança estrutural" no balanço de pagamentos. No melhor estilo acaciano, o arguto diretor do BC garantiu: "Lucro só se remete quando tem lucro".

Não esperaríamos de um alto funcionário do BC que ele dissesse que essa remessa de lucros é uma sangria que está se tornando desatada para o país - e que é isso o que está chamando de "mudança estrutural". Mas assim é, e de forma crescente nos últimos cinco anos foram enviados ao exterior:

2003 - US$ 5,7 bilhões
2004 - US$ 7,3 bilhões
2005 - US$ 12,7 bilhões
2006 - US$ 16,4 bilhões
2007 - US$ 22,4 bilhões

Agora, somente em seis meses de 2008, as remessas de lucros já se aproximam do que foi enviado durante todo o ano passado. O BC estima, conservadoramente, como sempre, que até o final do ano as remessas de lucros atinjam US$ 29 bilhões.

Em suma, usando a estimativa do BC, as remessas de lucro quintuplicaram entre 2003 e 2008. Essas são as faturas pagas pelo ingresso dos festejados investimentos estrangeiros diretos (IED), ou seja, pela compra de empresas pelo capital estrangeiro ou, em menor grau, pela instalação aqui de empresas estrangeiras. No mesmo período em que as remessas de lucro quintuplicaram, os investimentos diretos estrangeiros apenas triplicaram, ou um pouco mais:

2003 - US$ 10,1 bilhões
2004 - US$ 18,1 bilhões
2005 - US$ 15,1 bilhões
2006 - US$ 18,8 bilhões
2007 - US$ 34,6 bilhões

Em 2008, o BC estima essa entrada em US$ 35 bilhões.

Somente para frisar: enquanto as remessas de lucro quintuplicaram, as entradas de investimento direito estrangeiro foram apenas um pouco mais do que o triplo.

Algumas figuras alucinadas do tipo Gustavo Franco pretenderam, no passado, que o rombo nas finanças do país que provocavam com juros altos e valorização artificial do real fosse eternamente coberto com o dinheiro que vinha de fora. Como sabemos, não deu certo - o último apologista de Gustavo Franco é, no momento, o sr. Salvatore Cacciola, recolhido às celas da PF.

Porém, há ainda quem argumente que o país está tendo alguma vantagem, pois entrou mais em investimento direto do que saiu em remessas de lucros. Ainda que mantendo a questão apenas nesse primário nível aritmético - sem mencionar os demais problemas causados por uma economia comandada a partir de fora ou que uma empresa desnacionalizada deixa de ser um ativo do país e passa a fazer parte do seu passivo externo - o problema, como mencionamos, é que o aumento das remessas de lucros, mesmo nesse período de enxurrada de capital estrangeiro, foi maior do que o aumento das entradas de investimento direto: esta é, naturalmente, a tendência, pela simples razão de que o interesse do capital estrangeiro é lucrar aqui para enviar esses lucros às suas matrizes. Não existe outra razão econômica para que o dinheiro de fora entre no país para comprar empresas brasileiras ou instalar novas empresas. Aliás, o principal motivo para que uma empresa instale uma filial em outro país ou compre empresas de outro país, é porque pode lucrar mais nesse país do que no seu - devido à mão-de-obra barata ou porque pode colocar nesse outro país as máquinas que já estão obsoletas ou porque recebe favorecimentos do governo desse outro país, ou por todos esses e outros motivos ao mesmo tempo.

O importante é que cada um desses atrativos para a empresa é uma drenagem de recursos do país onde está a filial para o país onde está a sua sede. Por isso, nunca houve nação alguma do mundo em que o desenvolvimento se fizesse com base no capital estrangeiro. Ele pode dar alguma contribuição - desde que esteja submetido a limites, que, inclusive, disciplinem a remessa de lucros para o exterior, ou seja, desde que esteja legalmente subordinado ao interesse nacional de desenvolvimento. Mas jamais pode ser a base desse desenvolvimento. Até porque, se fosse a base da economia, acabaria fazendo as leis, dominando o parlamento e o governo - para não falar da mídia - em interesse próprio, que não é desenvolver o país no qual se instala, mas enviar lucros para a sede - em suma, remeter recursos da filial para a matriz. Para isso servem as filiais - e por isso têm esse nome.

O resultado da entrada de capital estrangeiro nos últimos cinco anos é que o próprio BC projeta para 2008 um déficit de US$ 21 bilhões nas transações correntes, o qual espera que seja financiado através de IED, estimado em US$ 35 bilhões. Se realizada esta profecia, isso significaria mais remessas de lucros, sempre aumentando em grau maior do que a entrada de capital estrangeiro, sobretudo quando a matriz está em crise. Aliás, essa invasão de capital estrangeiro faz com que o país fique pendurado na crise alheia. A manutenção disso eternamente é tão impossível quanto os delírios do citado Gustavo Franco no primeiro mandato de Fernando Henrique - iria até à debacle.

Porém, apesar das profecias do BC, já neste primeiro semestre os investimentos estrangeiros diretos (US$ 16,703 bilhões) não foram suficientes para cobrir o rombo de US$ 17,402 bilhões nas contas externas, causado principalmente pela remessa de lucros.

Bancos

Os bancos estrangeiros foram os principais remetedores de lucros no semestre que se encerrou, com US$ 2,866 bilhões (17,1%), seguido das indústrias do ramo da metalurgia, com US$ 2,717 bilhões (16,2%).

Desde 2003, este foi o primeiro semestre a apresentar um resultado negativo nas transações correntes - que incluem a balança comercial, os serviços, a renda (juros, lucros e dividendos, turismo etc.) e transferências unilaterais. Além da remessa de lucros, a adversidade do câmbio - resultante dos juros estratosféricos do BC -, também contribuiu para o déficit. O saldo nos seis primeiros meses de 2008 da balança comercial foi de US$ 11,349 bilhões, ante US$ 20,577 bilhões registrados no semestre anterior.

Segundo a OMC, Brasil e China perdem mais com fim de Doha. Unctad discorda

Instituto Humanitas Unisinos - 01/08/08

Brasil e China são os países que mais perdem com o colapso da Rodada Doha, na comparação com outras nações em desenvolvimento, de acordo com estimativas feitas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). A reportagem é de Assis Moreira e publicada pelo jornal Valor, 01-08-2008.

Pascal Lamy, diretor-geral da OMC, tem lamentado que os países-membros deixaram escapar pelos dedos um pacote valendo mais de US$ 130 bilhões em redução de tarifas agrícolas e industriais ao final de dez anos, se o acordo tivesse sido concluído. Desse total, US$ 35 bilhões seriam ganhos com a redução tarifária no comércio agrícola. Os outros US$ 95 bilhões viriam com o corte de tarifas de importação de produtos industriais. Pelas contas de Lamy, as nações em desenvolvimento contribuiriam com um terço da redução total e teriam como ganho os outros dois terços.

As estimativas indicam que, nesse cenário, o Brasil teria um beneficio proporcionalmente muito maior no comércio agrícola do que as outras nações, enquanto perderia pouco com a abertura de seu mercado às importações industriais.

O país poderia ter exportações adicionais de cerca de US$ 4 bilhões por ano, pelo que se conclui da metodologia usada pela entidade. O número não fica muito distante da projeção do Icone, instituto ligado ao agronegócio brasileiro, publicada pelo Valor no começo da semana.

O ganho líquido do país teria sido numa proporção mais elevada também na comparação com sua fatia de 1,2% nas exportações e 0,8% nas importações mundiais. Essa conclusão sustenta a postura brasileira de brigar pelo acordo e se distanciar de aliados como Índia e China, que queriam uma margem para frear importações agrícolas maior do que a permitida pelo acordo da Rodada Uruguai.

Está claro que a China, espécie de fábrica do mundo, embolsaria os principais benefícios na área industrial. Mas Pequim alega que também iria contribuir com 50% do total dos países em desenvolvimento em termos de corte nas tarifas industriais aplicadas.

As cifras utilizadas por Lamy levam em conta a "reciprocidade menos que total" dos países em desenvolvimento na área industrial. Pelos cálculos da OMC, os países ricos fariam cortes médios de 53% nas alíquotas de importação agrícola e de 60% em produtos industriais. Os países em desenvolvimento, corte médio de 20% nas tarifas agrícolas e pouco mais de 50% nas alíquotas industriais.

Nas tarifas realmente aplicadas, os países ricos fariam corte de 48% na agricultura e 46% em produtos industriais, enquanto as nações em desenvolvimento aplicariam redução de 11% na agricultura e de 18% sobre produtos manufaturados. Segundo a OMC, o pacote recusado em Doha proporcionava cerca do dobro das reduções tarifárias acertadas na Rodada Uruguai (1987-1994) e que vigoram atualmente no comércio global.

As interpretações sobre as cifras, em todo caso, continuarão a provocar polêmica. A Argentina, que recusava o acordo industrial, usou números que indicavam um esforço maior por parte dos países em desenvolvimento. Além disso, a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) fez outro tipo de análise, concluindo que o custo da redução da receita tarifária, com a liberalização, seria de US$ 60 bilhões em perdas para os países em desenvolvimento.

A OMC não calcula, porém, o impacto mais imediato do fracasso da negociação sobre a expansão do comércio mundial. Economistas argumentam que isso também depende de fatores como confiança do consumidor e do investidor etc., que dificilmente são levados em conta em estimativas desse tipo.

No primeiro semestre, os preços aumentaram e os volumes caíram. Em dólar, o comércio mundial teve alta de 18% -no ano passado, o aumento foi de 15%. Em termos reais, porém, a entidade, mantém a projeção de crescimento de 4,5% nas trocas globais este ano, alta que chegou a 5,5% no ano passado.

Certo mesmo é que, depois do colapso de quarta-feira, nenhum país comemorou. A Índia, no centro da quebra da rodada, já sugeriu retomada das discussões dentro de seis meses, mesmo sabendo que isso é irrealista, pois é quando a nova administração dos EUA estará se iniciando.

Organizações não-governamentais também sabem que países pobres perderam, a começar no livre acesso em mercados ricos e na redução acelerada de subsídios para algodão, que afetam produtores americanos, ou ainda na redução da tarifa sobre a banana importada da América Latina.

América Latina traz 32% do lucro do Santander

Instituto Humanitas Unisinos - 01/07/08

Um dos bancos que mais apostou nos últimos anos na América Latina, o Santander planejou investimentos de cerca de US$ 30 bilhões na região até 2010. O maior deles foi com a compra no Brasil do Banco Real, em 2007, pelo qual pagou um valor estimado de US$ 17 bilhões. A reportagem é de Toni Sciarretta e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 01-08-2008.

Fundado há 150 anos em Santander (norte da Espanha), o banco pegou uma carona no desenvolvimento espanhol das últimas duas décadas e se converteu hoje em um dos maiores grupos financeiros do mundo.
Conservador nos investimentos financeiros, mas agressivo na disputa por mercados, o Santander passou praticamente ileso pela crise das hipotecas subprime (segunda linha) dos EUA.

Em julho, o Santander atingiu um valor de mercado de US$ 110 bilhões -o maior da zona euro e o sexto maior do mundo. A América Latina contribuiu no primeiro semestre com 32% do lucro mundial. As maiores operações estão no Brasil, México e Chile. A Venezuela representou 2,3% dos ganhos mundiais deste ano e o Brasil, outros 11%.

Para concorrer nos mercados em que atua, o Santander tem como meta estar entre os cinco maiores competidores locais. Na Venezuela, tem a terceira melhor posição de mercado e uma operação de alto retorno. Mas, com uma inflação estimada pelos economistas do banco em mais de 30%, o futuro era visto como preocupante. Nos últimos meses, o Santander já negociava sua saída da Venezuela.

quinta-feira, julho 31, 2008

MST: 509 MIL HECTARES DE TERRAS DE DANTAS SERÃO OCUPADOS SE NÃO HOUVER REFORMA AGRÁRIA

Conversa Afiada - 30/07/08


Numa conversa por telefone, Ulisses Manaças, integrante da coordenação do MST que mora no Pará, explicou que todas as terras do complexo agro-industrial “Santa Bárbara” de Daniel Dantas devem ser destinadas à Reforma Agrária, segundo o pleito do MST junto ao Governo do Estado do Pará.

. Este seria o caminho oficial, diz Manaças.

. Se não for assim, o MST usará o seu método de luta, que é a ocupação da terra.

. Segundo Manaças, os 509 mil hectares de terra foram vendidos de forma ilegal.

. O ex-governador do Pará Simão Jatene deu um título de propriedade ao empresário Mutran, que não podia ter dado, porque são terras para aforamento – ou seja, para uso em assentamento ou aplicação num programa de Reforma Agrária.

. Mutran, de acordo com Manaças, vendeu a Dantas, de forma definitiva, o que não poderia ter vendido.

. A ocupação da fazenda Maria Bonita, a primeira de Dantas a ser ocupada, começou com 324 famílias, no dia 25 deste mês.

. Hoje, segundo Manaças, há quase 500 famílias cadastradas na ocupação.

. Manaças reafirma que Dantas plantava cana na fazenda, embora isso seja proibido.

. Manaças também diz que não existe a fazenda “Maria Bonita”.

. Isso é uma marca fantasia, que faz parte do “Complexo Castanhal”, de que fazem parte as fazendas Espírito Santo e Cedro.

. O que Dantas chama de “Maria Bonita” são terras deste complexo, que soma 509 mil hectares (o que corresponde à área do Distrito Federal).

. (“Banco Opportunity” também é uma marca fantasia. Dantas não é dono de banco nenhum. É outro estratagema do quadrilheiro.)

. Na segunda-feira dessa semana, segundo Manaças, tropas federais foram à área ocupada e depois saíram.

. Ontem, a Polícia Militar também foi lá e depois saiu.

. Manaças diz não ter condições de prever quando ocupará outras terras de Dantas, uma vez que espera a resposta oficial à reivindicação de transformar aquelas terras em área de Reforma Agrária.

. Para o líder do MST no Pará, a operação de Dantas ali não passa de “lavagem de dinheiro”.

Clique aqui para ler "MST ocupa fazenda de Dantas para protestar contra corrupção".

Uma equação que não fecha

Instituto Humanitas Unisinos - 31/07/08

“Na questão ambiental, guardamos uma esperança messiânica de que algo ou alguém vai nos salvar. É reconfortante pensar que, pessoalmente, nada podemos fazer. Se o desenvolvimento sustentável embute a idéia de legar aos filhos um mundo igual ao que temos, talvez estejamos transferindo para eles o comprometimento no nível individual. Eles terão de fazer o que não fizemos”, diz o professor Wilson de Figueiredo Jardim, em depoimento para a reportagem do jornalista Luiz Sugimoto publicada na edição do dia 14-07-2008 do Jornal da Unicamp. No texto, Jardim analisa a questão da sustentabilidade ambiental e o atual modelo de desenvolvimento que prevalece no mundo.

Eis a reportagem.

Apresentando-se como um químico preocupado em dar a devida atenção a questões tidas como secundárias na discussão das “novas tendências mundiais”, o professor Wilson de Figueiredo Jardim vê a questão da sustentabilidade ambiental como um grande mito. “Todas as leis da termodinâmica apontam para a insustentabilidade do planeta. Nenhum processo é totalmente reversível, em todos existe uma perda. A própria manutenção da vida é uma atividade insustentável, pois todo ser vivo, enquanto estrutura muito organizada, fere o princípio da entropia”, afirma o docente do Instituto de Química (IQ) da Unicamp.

Wilson Jardim vai proferiu no dia 18 de julho conferência sobre os “Combustíveis alternativos e o mito da sustentabilidade” na 60ª Reunião da SBPC. Ele lembra que o planeta é finito em suas características e que, tratado dentro de um modelo de desenvolvimento insustentável, ilimitado, caminha para o caos. “Acho que a capacidade de sustentação do planeta já está esgotada por causa do próprio tamanho da população. Para que a humanidade sobreviva, é preciso que um bilhão de pessoas passem fome. Temos de conviver com este lado perverso”.

Na opinião do docente, hoje predomina um modelo de desenvolvimento suicida, que levaria o mundo ao colapso em 15 anos, caso existissem dez países com o padrão de consumo dos Estados Unidos. Por outro lado, o mundo suportaria mil países como Cuba. “A dieta básica de um americano alimentaria vinte pessoas na China, que ainda tem 200 milhões de famintos. Mas o americano quer comer suas cinco mil calorias diárias e não se fala mais nisso. É por isso que a equação não fecha”.

O professor de química não poupa os economistas, atribuindo-lhes parcela da culpa pela manutenção do atual modelo econômico, em que países perdulários é que são classificados como desenvolvidos. “Se os economistas mudassem seu discurso em torno desta falsa sensação de riqueza, já teríamos menos aquecimento global. Não há riqueza no planeta que permita acumular a fortuna de um Bill Gates ou oferecer salários como os de Kaká e Ronaldinho Gaúcho. Alguém está pagando por isso”.

Jardim recorre sempre ao exemplo da criação de camarões em viveiros, incentivada pela crença de que a aqüicultura pode amenizar o impacto da pesca predatória nos oceanos. “Acontece que camarões também comem muitos peixes. E a comunidade local, que não tem condições de consumir camarões, abre mão de um estoque importante de peixes para a própria alimentação, a fim de atender a um requinte da parcela mais rica da população. Vista por este ângulo, a iniciativa da carcinocultura parece piada”.

Outro exemplo citado pelo pesquisador é do atum, muito apreciado pelos japoneses, que partiram então para a sua aqüicultura intensiva. “Cada atum, até atingir a idade madura, alimenta-se com o que mil japoneses consumiriam de peixe no mesmo período. Em pouco tempo, teremos de nos conformar de que o atum é muito saboroso, mas não podemos comê-lo; em sonhar com dois carros, mas não possuir nenhum; em viver no planeta que temos e não no que queremos”.

Biocombustíveis – Nos últimos 100 anos, informa Wilson Jardim, a população mundial aumentou quatro vezes, ao passo que a demanda por água cresceu nove e o consumo de energia, 16 vezes. “É outra equação que não fecha. Sabedor da atividade degradante que exerce, devido a este estilo de vida, o ser humano busca saídas para se sentir melhor. Leva o cachorro para passear em carro a álcool e faz turismo ecológico, voltando para casa com a consciência tranqüila depois de plantar uma árvore na trilha”.

A ironia serve como mote para o pesquisador passar às críticas contra a política de biocombustíveis no país, começando pelo etanol da cana. “Não há dúvida de que o álcool é excelente e será o combustível do futuro, mas não engulo a pílula dourada. Ele está muito longe de merecer o status de alternativa sustentável, pois o cenário de produção é altamente impactante social, econômica e ambientalmente”.

Jardim começa apontando o problema do uso e ocupação do solo, endossando que os canaviais invadem, sim, áreas destinadas ao cultivo de alimentos. “Arrendando a terra para a indústria sucroalcooleira, ao invés de continuar plantando sua horta, o proprietário tem muito mais lucro – e sem mover um dedo, a não ser para contar o dinheiro no fim do mês, já que todo o cultivo é feito pelo arrendatário. Obviamente, não foi isto que causou a alta no preço dos alimentos, mas devemos assegurar terras para as duas coisas”.

Igualmente preocupante, denuncia o professor da Unicamp, são as condições de trabalho para a produção de álcool no Brasil, que na sua visão segue o mesmo modelo dos senhores de engenho. “É imprescindível que se mude este modelo. Não podemos produzir energia como se produzia açúcar na época da escravidão, com as mesmas mazelas. Necessitamos de um modelo muito similar, por exemplo, ao de uma usina petroquímica”.

Wilson Jardim reitera que não é contrário ao programa do álcool, que nos últimos 40 anos trouxe muitos ganhos ao país em termos de tecnologia de produção, como por exemplo, na diminuição no tempo de fermentação e no aumento de produtividade média por hectare. “Promoveram-se maravilhas tecnológicas. A questão é que o cortador de cana ainda trabalha em regime próximo da escravidão, morrendo de exaustão, sendo que mesmo este meio de sobrevivência encontra-se ameaçado pela mecanização crescente”.

Outros impactos – O pesquisador observa que as discussões sobre combustíveis alternativos, geralmente, ocorrem sob o ponto de vista do ciclo de carbono, sem considerar que a cana envolve fortemente o ciclo do nitrogênio e também do enxofre. “Devemos considerar as outras emissões, como das queimadas, responsáveis pelo grande comprometimento da qualidade do ar nas cidades rodeadas por canaviais. Está clara a relação entre a época de queimas e as internações hospitalares. Seria de se perguntar: o álcool combustível, afinal, é sustentável para quem?”.

Ainda sobre a produção de álcool, Jardim enumera outros aspectos a serem resolvidos, como do aproveitamento da vinhaça para aliviar seu impacto na saúde ambiental; do aprimoramento do ciclo hídrico, devido à enorme quantidade de água exigida por metro cúbico de etanol produzido; e, inclusive, do consumo intensivo de diesel de petróleo no maquinário agrícola e no transporte, além de fertilizantes e agrotóxicos.

Em relação ao biodiesel, o professor lembra que prevalece a idéia de simplesmente trocar o carbono do petróleo enterrado há milhões de anos, por outro que se possa renovar através da biomassa. “Não se faz um cálculo fundamental, quando se troca um hectare de mata por outro de dendê, soja ou pinhão manso para produzir biodiesel: que para repor o carbono destruído naquela mata, precisaremos de 100 anos no caso do dendê e de 320 anos com a soja. O Brasil precisa, enfim, balizar melhor o modelo de produção de biocombustíveis e discutir abertamente os problemas sociais e ambientais dele decorrentes”.

Consciência individual – O professor Wilson Jardim considera que o atual modelo de desenvolvimento, que chama de “suicida”, leva os países a consumir os recursos naturais e finitos do planeta sem planejar adequadamente o futuro. “A Noruega deposita parte do lucro auferido com o petróleo em um fundo de pesquisas de longo prazo visando energias alternativas. O petróleo descoberto na bacia de Santos tem valor correspondente a 2% do nosso PIB. Como esta reserva pertence à nação, gostaria que os 150 reais por ano a que tenho direito fossem aplicados, por exemplo, em energia eólica, que o país usa pouquíssimo”.

A despreocupação em gerar um lastro para as futuras gerações deixa apreensivo o docente da Unicamp, que defende a mudança deste conceito de desenvolvimento a partir de programas que incentivem a colaboração individual. “Enfrentamos um paradigma: como o petróleo é finito, produzimos carros mais econômicos, mas que justamente por isso são mais vendidos e farão com que o petróleo acabe mais rapidamente. Não se trata de devaneio, pois o americano, que tinha dois carros grandes, comprou o terceiro por ser econômico, colocando três nas ruas. Ele deveria se perguntar por que sua família precisa de três carros”.

Dentro deste modelo, segundo Jardim, o mundo poderá produzir energia mais barata e eficiente, mas cuidará logo de gastá-la, sem se livrar da sina da insustentabilidade. “Na questão ambiental, guardamos uma esperança messiânica de que algo ou alguém vai nos salvar. É reconfortante pensar que, pessoalmente, nada podemos fazer. Se o desenvolvimento sustentável embute a idéia de legar aos filhos um mundo igual ao que temos, talvez estejamos transferindo para eles o comprometimento no nível individual. Eles terão de fazer o que não fizemos”.

Na 'era taylorista da informação', de boas intenções o inferno está cheio

Instituto Humanitas Unisinos - 31/07/08


"Talvez essa nova fase do processo produtiva da informação tenha sido mais efetiva em termos de controle de conteúdo", e sem dúvida proporcionou condições pouco propícias à reflexão. Mas a informação, em qualquer hipótese, é uma elaboração intelectual que chega ao público como mercadoria - e essa mercadoria é parte de um todo orgânico, o veículo de comunicação, que atua na mediação entre o Estado e a sociedade civil", escreve Maria Inês Nassif, jornalista, em artigo publicado no jornal Valor, 31-07-2008. Segundo a jornalista,"a informação hoje vale dinheiro e poder - e não necessariamente ela enche o bolso de quem fez jus ao dinheiro, ou dá poder a quem deveria ter acesso legítimo a ele. Talvez seja a hora de refletir seriamente sobre isso".

Eis o artigo.

Para quem opera diariamente na linha de produção dos meios de comunicação, é cada vez mais complicado entender o alcance da informação, isto é, a função que ela exerce num mundo globalizado, onde invade todas as áreas do conhecimento, é parte do processo de acumulação e, ao mesmo tempo e contraditoriamente, é cada vez mais compartimentada. De qualquer forma, no processo de produção de informação, o que é menos relevante é a intenção daquele que produz a notícia. O que importa é a função que ele exerce naquele momento. E aí, de boas intenções o inferno está cheio.

A profissão de jornalista sofreu significativa mudança na última década. Após o Plano Real, quando o país entrou definitivamente na órbita do capital globalizado, a produção informativa deixou de funcionar apenas como formuladora de consensos e passou a ser parte integrante do processo de acumulação financeira. A informação hoje é um dado de qualquer movimento especulativo - as mesas de operação precisam da informação assim como do dinheiro para especular. Simultaneamente, os meios de comunicação, enquanto investiam numa rápida transformação tecnológica, fizeram do jornalista um "apertador de parafusos". Em "Os jornais, a democracia e a ditadura do mercado", defini esse período como a "era taylorista da informação", onde os "operários da notícia são obrigados a ajustar a sua produção a uma esteira que adquire cada vez mais velocidade, impulsionada por investimentos em tecnologia - e, na outra ponta, por sucessivos processos de reestruturação de material humano".

"Talvez essa nova fase do processo produtiva da informação tenha sido mais efetiva em termos de controle de conteúdo", e sem dúvida proporcionou condições pouco propícias à reflexão. Mas a informação, em qualquer hipótese, é uma elaboração intelectual que chega ao público como mercadoria - e essa mercadoria é parte de um todo orgânico, o veículo de comunicação, que atua na mediação entre o Estado e a sociedade civil.

O ator envolvido na elaboração da notícia é parte de um processo de amoldamento da opinião pública. O pensador italiano Antonio Gramsci entendia que a "imprensa marrom" e o rádio (esse veículo era a mass media no entre-guerras) eram os principais instrumentos para a consolidação de sensos comuns que poderiam forjar verdades favoráveis a uma das partes de uma disputa pela hegemonia. Uma das formas de se obter isso, ainda segundo Gramsci, era forjando "explosões de pânico ou entusiasmo fictícios". Isto é, provocando uma "predominância emotiva" e, com base numa onda emocional, forjando entendimento que passa a ser um consenso, uma opinião pública dominante, sem, contudo, ser necessariamente verdade - ou ser necessariamente importante. Apesar de Gramsci ter elaborado as suas teorias na primeira metade do século passado, e na Itália, a conjuntura recente do Brasil está cheia de exemplos de como as "explosões" interferem nos movimentos de opinião pública. E a imprensa que mediou essas pressões não pode ser considerada "marrom".

Um exemplo quase caricato é o das eleições de 1989, quando a campanha do candidato do PRN à Presidência, Fernando Collor, fez crer, e os meios de comunicação trataram como uma verdade ao reproduzir essa afirmação acriticamente, que Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato do PT que disputava com ele o segundo turno das eleições, desapropriaria apartamentos grandes e neles abrigaria várias famílias; ou que o fato de ter um som "três em um" era um luxo que certamente era produto de corrupção (embora Lula jamais tivesse ocupado um cargo público); ou que o fato de ter tido uma filha fora do casamento o tornava como ameaça à família. Foi o caso também das eleições de 2002, quando os jornais reproduziram acriticamente "razões" de mercado para movimentos especulativos que quase quebraram o país e contribuíram para que o candidato petista, mesmo antes de ser eleito, jogar o seu programa econômico na lata do lixo - uma situação meio maluca onde o candidato que nunca tinha ocupado o governo federal foi responsabilizado sistematicamente por uma crise financeira que decorria de forte movimento especulativo, ampliado por uma fragilidade externa que era dada pelo endividamento do país.

Um leitor deixou recado em dois blogs, pedindo explicações sobre o fato de eu ter afirmado, na coluna da semana passada, que o governo, ao afastar o delegado Protógenes Queiroz, da PF, das investigações sobre o esquema Dantas, respondia a uma pressão mediada pela imprensa. Essa coluna imensa é uma tentativa de responder à sua pergunta. Existem sutilezas na veiculação de notícias que funcionam - têm a função, embora não necessariamente a intenção - como instrumentos de pressão. As "explosões de pânico ou entusiasmo" são instrumentos eficientíssimos de pressão. Essas "explosões" são a formulação teórica do que se aponta como "sensacionalização" da notícia, do fato. O sensacional não é sutil, mas há uma sutileza na forma como se procede à pressão dos agentes políticos pela sensacionalização da notícia - não necessariamente o noticiarista emite um juízo de valor, mas quando torna escandaloso o que não é necessariamente escandaloso, ou retrata como anormal um fato que não é necessariamente anormal, ele embute um juízo de valor numa notícia que é tecnicamente dada como neutra. Quando a essa forma de tratamento da notícia se adicionam páginas editoriais, a uma informação "neutra", que teoricamente é o retrato da realidade, somam-se opiniões definidas como a "racionalidade", visto que baseadas na "fotografia" do fato. A expressão da "verdade" e da "realidade", nesses termos, não é necessariamente verídico, nem real, nem destituído de intenção política.

Do ponto de vista do profissional da imprensa - aquele a quem se ensina, na escola de jornalismo, que a informação tem que ser neutra - existe uma confusão que tem sido a propulsora de "explosões" sucessivas: o conceito do "furo". A informação exclusiva é importante para diferenciar os veículos de comunicação, mas ela jamais pode ser a informação pela metade. Afinal, informação hoje vale dinheiro e poder - e não necessariamente ela enche o bolso de quem fez jus ao dinheiro, ou dá poder a quem deveria ter acesso legítimo a ele. Talvez seja a hora de refletir seriamente sobre isso.

quarta-feira, julho 30, 2008

Chomsky e o petróleo do Iraque

Site do Azenha -Atualizado em 30 de julho de 2008 às 01:16 | Publicado em 29 de julho de 2008 às 13:02

28/07/2008 - 10h07
"É o petróleo, estúpido!"

Por Noam Chomsky*

O acordo que se desenha entre o ministério iraquiano do Petróleo e quatro companhias petrolíferas ocidentais levanta questões delicadas quanto aos motivos da invasão e da ocupação do Iraque pelos Estados Unidos. Estas questões deviam ser levantadas pelos candidatos às eleições presidenciais e discutidas seriamente nos Estados Unidos, assim como no Iraque ocupado. A análise é de Noam Chomsky.

O acordo que se perfila entre o ministério iraquiano do petróleo e quatro companhias petrolíferas ocidentais levanta questões delicadas quanto aos motivos da invasão e da ocupação do Iraque pelos Estados Unidos. Estas questões deviam ser levantadas pelos candidatos às eleições presidenciais e discutidas seriamente nos Estados Unidos, assim como no Iraque ocupado, onde parece que a população desempenha apenas um papel menor - se é que desempenha - na definição do futuro do país.

As negociações relativas à renovação das concessões petrolíferas, perdidas quando das nacionalizações que permitiram aos países produtores recuperar o controle dos seus próprios recursos, estão bem encaminhadas para serem entregues à Exxon Mobil, Shell, Total e BP. Estes parceiros originais da Companhia Petrolífera Iraquiana são acompanhados agora pela Chevron e por outras companhias petrolíferas de menor dimensão. Estes contratos negociados sem concorrência, aparentemente redigidos pelas companhias petrolíferas com a ajuda dos oficiais americanos, foram preferidos às ofertas formuladas por mais de 40 outras companhias, especialmente chinesas, indianas e russas.

"O mundo árabe e parte da população americana suspeitavam que os Estados Unidos tinham entrado em guerra precisamente para proteger a riqueza petrolífera que estes contratos procuram garantir" escreveu Andrew E. Kramer no New York Times. A referência de Kramer a uma suspeita é um eufemismo. É além disso mais provável que a ocupação militar tenha ela própria impulsionado a restauração de uma odiada Companhia Petrolífera Iraquiana, instalada na época da dominação britânica a fim de "se alimentar com a riqueza do Iraque no quadro de um acordo notoriamente desequilibrado", como escreveu Seamus Milne no Guardian.

Os últimos relatórios evocam atrasos na apreciação das ofertas. O essencial desenrola-se sob o signo do segredo e não seria surpreendente que surgissem novos escândalos.

A necessidade dificilmente poderia ser mais premente. O Iraque possui provavelmente a segunda reserva mundial de petróleo, que se caracteriza além disso por baixos custos de extração: sem permafrost [1], nem areias betuminosas a transpor, nem perfuração em águas profundas para empreender. Para os planificadores americanos, é imperioso que o Iraque permaneça, na medida do possível, sob o controle dos Estados Unidos, como um Estado cliente dócil apropriado para acolher bases militares em pleno coração da primeira reserva energética mundial. Que esses eram os objetivos fundamentais da invasão foi sempre claro, apesar da cortina de fumaça de sucessivos pretextos: armas de destruição maciça, ligações de Saddam com a Al-Qaeda, promoção da democracia e da guerra contra o terrorismo - o qual se desenvolveu radicalmente com a própria invasão, como era previsível.

Em novembro último, estas preocupações tornaram-se explícitas quando o Presidente Bush e o Primeiro ministro iraquiano, Nouri Al-Maliki, assinaram uma "Declaração de princípio", com total desprezo pelas prerrogativas do Congresso americano e do Parlamento iraquiano, assim como da opinião das respectivas populações.

Esta Declaração permite uma presença militar indefinida no Iraque, em coerência com a edificação em curso de gigantescas bases aéreas em todo o país, e da "embaixada" em Bagdá, uma cidade na cidade, sem qualquer semelhança em todo o mundo. Tudo isto não é construído para ser em seguida abandonado.

A declaração encobre igualmente uma descarada afirmação quanto à exploração dos recursos do Iraque. Nela se afirma que a economia iraquiana, isto é os seus recursos petrolíferos, deve ser aberta aos investimentos estrangeiros, "especialmente americanos". Isto é quase como um anúncio de que vos invadimos para controlar o vosso país e dispor de um acesso privilegiado aos vossos recursos.

A seriedade destas intenções foi sublinhada pelo "signing statement"[2] do Presidente Bush declarando que rejeitará qualquer texto do Congresso suscetível de restringir o financiamento necessário para permitir "o estabelecimento de qualquer instalação ou base militar necessária para o abastecimento das Forças Americanas que estão permanentemente estacionadas no Iraque" ou o "controle dos recursos petrolíferos iraquianos pelos Estados Unidos".

O recurso extensivo aos "signing statements", que permitem ao poder executivo estender o seu poder, constitui outra das inovações práticas da administração Bush, condenada pela American Bar Association (associação de advogados americanos) como contrária ao Estado de direito e à separação constitucional dos poderes".

Sem surpresa, a declaração provocou imediatos protestos no Iraque, entre os quais dos sindicatos iraquianos, que sobrevivem apesar das duras leis anti-sindicais, instituídas por Saddam e mantidas pelo ocupante.

Segundo a propaganda de Washington, é o Irã que ameaça a dominação americana no Iraque. Os problemas americanos no Iraque são todos imputados ao Irã. A Secretária de Estado Condoleeza Rice sugere uma solução simples: "as forças estrangeiras" e os "exércitos estrangeiros" deveriam ser retirados do Iraque - os do Irã, não os nossos.

O confronto quanto ao programa nuclear iraniano reforça ainda as tensões. A política de "mudança do regime" conduzida pela administração Bush a respeito do Irã é acompanhada da ameaça do recurso à força (neste ponto Bush não é contraditado por qualquer dos dois candidatos à sua sucessão). Esta política igualmente legitima o terrorismo em território iraniano. A maioria dos americanos prefere a via diplomática e opõe-se ao uso da força, mas a opinião pública é em grande parte irrelevante, e não só neste caso.

Uma ironia é que o Iraque está se transformando pouco a pouco num condomínio americano-iraniano. O governo de Maliki é a componente da sociedade iraquiana sustentada ativamente pelo Irã. O chamado exército iraquiano - exatamente uma milícia entre outras - é largamente constituído pela brigada Badr, treinada no Irã e que foi constituída do lado iraniano durante a guerra Irã-Iraque.

Nir Rosen, um dos correspondentes mais astuciosos lá presentes e profundo conhecedor da região, salienta que o alvo principal das operações militares conduzidas conjuntamente pelos Estados Unidos e por Maliki, Moqtada Al-Sadr, já não recolhe os favores do Irã: independente e beneficiado por apoio popular, esta facção é perigosa para este país.

O Irã, segundo Rosen, "apoiou claramente o Primeiro ministro Maliki e o governo iraquiano, na altura do recente conflito em Basra, contra o que eles descrevem como 'os grupos armados ilegais' (do exército Mahdi de Moqtada)", "o que não é surpreendente tendo em conta que o seu principal testa de ferro no Iraque, o Conselho Supremo Islâmico Iraquiano, apoio essencial do governo Maliki, domina o Estado iraquiano."

"Não há guerra por procuração no Iraque", conclui Rosen, "porque os Estados Unidos e o Irã partilham o mesmo testa de ferro".

Podemos presumir que Teerã gosta de ver os Estados Unidos instalarem-se e apoiarem um governo iraquiano receptivo à sua influência. Para o povo iraquiano porém este governo constitui um verdadeiro desastre e vai provavelmente prejudicá-lo mais.

Em termos de relações externas, Steven Simon sublinha que a estratégia contra-insurrecional atual dos Estados Unidos "alimenta as três ameaças que pesam tradicionalmente na estabilidade dos Estados do Médio Oriente: o tribalismo, os senhores da guerra e o sectarismo." Isto poderia desembocar no surgimento de um "Estado forte e centralizado, dirigido por uma junta militar que poderia assemelhar-se" ao regime de Saddam. Se Washington conseguir os seus fins, então as suas ações estão justificadas. Os atos de Vladimir Putin, quando conseguiu pacificar a Tchechênia de uma maneira bem mais convincente que o general David Petraeus no Iraque, suscitam contudo comentários de outra natureza. Mas isto são eles, nós somos os Estados Unidos. Os critérios são, portanto, totalmente diferentes.

Nos Estados Unidos, os Democratas são reduzidos ao silêncio pelo pretenso sucesso da ofensiva militar americana no Iraque. Mas o seu silêncio trai a ausência de oposição de princípio à guerra. Segundo a sua forma de ver o mundo, o fato de se alcançarem os fins justifica a guerra e a ocupação. Os apetitosos contratos petrolíferos são obtidos com a conquista do território.

De fato, a invasão no seu conjunto constitui um crime de guerra - crime internacional supremo, que difere dos outros crimes de guerra porque gera, segundo os próprios termos do julgamento de Nuremberg, todo o mal causado em seguida. Isto está entre os assuntos impossíveis de abordar na campanha presidencial ou em qualquer outro quadro. Porque estamos no Iraque? Qual é a nossa dívida para com os iraquianos por ter destruído o seu país? A maioria do povo americano deseja a retirada das tropas americanas do Iraque. A sua voz tem importância?

* Publicado em Khaleej Times a 8 de Julho de 2008, disponível em chomsky.info. Tradução de Carlos Santos (esquerda.net)

[1] Permafrost - tipo de solo das regiões árticas, permanentemente congelado.

[2] Ato pelo qual o Presidente dos Estados Unidos modifica o significado de um texto de lei.

DOHA, O PiG, A MIRIAM, RICUPERO E BARBOSA

Conversa Afiada - 30/07/08

Como previsto, NENHUM grande jornal do mundo deu ao fracasso de Doha o destaque que o PiG deu. Como já demonstramos, o problema do PiG não é Doha, mas associar a palavra “fracasso” ao Brasil, ao Governo Lula, e ao Chanceler Celso Amorim. As manchetes da Folha (da Tarde*) e do Estadão são a melancólica comprovação do provincianismo do PiG paulistano. Quando eles acham que vão fazer como a Metrópole, a Metrópole não faz o que eles fazem ...

Em tempo 1: Jogue o PiG fora, de novo. A revista Economist – uma revistinha de quinta, que se edita na Inglaterra – lamentou o fracasso de Doha, mas não acredita (como o PiG) que o mundo vá se acabar. Leia o que diz a Economist, num post de hoje, sobre os efeitos – reduzidos – do fracasso:

The general trend in recent years has been towards more open trade. Big developing countries such as Brazil, India and China have cut tariffs and become more welcoming to foreign investors, even without a Doha agreement. The rate of growth of commerce has outstripped that of global GDP.

(A tendencia, nos ultimos anos, tem sido a abertura comercial. Grandes países em desenvolvimento, como o Brasil, a India e a China, cortaram tarifas e se tornaram mais receptivos ao investidor estrangeiro, mesmo sem o acordo de Doha. O ritmo do crescimento do comercio (internacional) ultrapassou o do crescimento da economia mundial.)

Em tempo 2: Se o Brasil fosse uma democracia e o Governo Lula não tivesse medo da Globo, o Chanceler Celso Amorim entrava na Justiça, hoje, com um mandado de segurança, para exigir reciprocidade da Globo e entrar, amanhã, no “Bom (?) Dia Brasil”, para refutar a Miriam Leitão. A Miriam Leitão aproveitou os 4 segundos de exibição que a Globo lhe ofereceu hoje de manhã para dizer que a diplomacia brasileira “fracassou”. Isso é um desrespeito à lei vigente, que impede que se emita opinião num canal de tevê aberto – de propriedade da Nação brasileira, portanto –, sem dar direito à resposta. Opinião é no cabo ou no jornal impresso. O que a Miriam e os colonistas da Globo fazem é ilegal. E mais do que isso, o espectador tem o direito de ouvir a outra parte: foi mesmo um fracasso ? Como a minha vida vai mudar com esse “fracasso” ? É que o Governo Lula tem mais medo da Miriam do que do Delegado Protógenes…

Em tempo 3: Que horror, o papel dos ex-embaixadores Rubens Ricúpero e Rubens Barbosa. O papel de, sistematicamente, no PiG, a torpedear a diplomacia brasileira. Embaixadores, um mínimo de pudor. Se quis o destino que, até agora, os senhores não tenham sido nomeados Ministros das Relações Exteriores, como desejam, não prestem um desserviço à carreira a que serviram. Os senhores já viram o Collin Powell falar mal da Condoleeza Rice ? O Warren Christopher falar mal da Condoleeza Rice, no meio de uma grave negociação internacional ? Embaixador Rubens Barbosa: quando o senhor serviu ao Presidente Lula na Embaixada em Washington – e lá pretendia ficar … – , o senhor achava tudo isso o que diz hoje da diplomacia brasileira ? E, se o senhor tivesse sido convidado a ficar – como ardentemente desejava –, o senhor seria capaz de dissentir em público, como fez o seu sucessor – por anda ele, mesmo ?, como é o nome dele, mesmo ? Por falar em ex-embaixadores: senhores Ricupero e Barbosa, quando a mão coçar e os senhores sentirem uma vontade incontrolável de ir ao PiG para falar mal da diplomacia brasileira, pensem um instante. Rumem à biblioteca e folheiem um livro singelo, que contém alguns ensinamentos sobre a sua profissão. Trata-se de “Lembranças de um empregado do Itamaraty” (clique aqui), de autoria de um empregado exemplar do Itamaraty, que os senhores, em muitos aspectos, deveriam emular, se, de fato, se preocupam com sua biografia de diplomatas: Ramiro Saraiva Guerreiro. Ou, se preferirem, fora da profissão, vejam a elegância com que Pedro Malan discute as políticas de seus sucessores no Ministério da Fazenda. O funcionalismo público pode ser uma carreira de homens elegantes.

Equador oficializa despejo dos EUA da base de Manta

Instituto Humanitas Unisinos - 30/07/08

O governo do Equador notificou ontem oficialmente os Estados Unidos de que devem se retirar da base militar que mantêm hoje em Manta, no litoral equatoriano, até novembro do próximo ano. A notícia é do jornal Folha de S. Paulo, 30-07-2008.

O acordo de concessão da base "para atividades antidrogas" foi firmado em 1999, durante o governo de Jamil Mahuad, que acabou afastado da Presidência no ano seguinte, em meio à crise econômica que o levou a adotar o dólar como moeda do país.

Ao ser eleito em 2006, o presidente de esquerda Rafael Correa já anunciara que não renovaria a concessão da base. O projeto de nova Carta aprovado na semana passada pela Assembléia Constituinte de maioria governista proíbe a presença de bases estrangeiras no país. O texto será submetido a referendo no final de setembro.

O comunicado divulgado ontem pela Chancelaria equatoriana detalha que, em negociações com o governo americano, ficou acertado que as operações dos EUA a partir de Manta serão suspensas já em agosto de 2009 e que a retirada do pessoal estrangeiro se dará até novembro.

A base de Manta é a única dos EUA na América do Sul. Há rumores, não confirmados, de que o governo americano já sondou os governos do Peru, do Paraguai e da Colômbia - este seu maior aliado na região- para a transferência da base.

Saída são os acordos bilaterais. O modelo da Alca não poderá ser repetido, segundo Amorim

Instituto Humanitas Unisinos - 30/07/08

Com o fracasso das negociações na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo brasileiro confirma que vai partir em busca de acordos comerciais bilaterais e não descarta a retomada do diálogo entre o Mercosul e os Estados Unidos. Outra prioridade será a União Européia (UE). Mas Bruxelas alerta que os problemas na Rodada não vão desaparecer e, portanto, também prevê um processo difícil. “Eu e muitas pessoas havíamos apostado todas as fichas em Doha”, disse o chanceler brasileiro Celso Amorim. Com o fracasso da Rodada, a própria política comercial brasileira deverá passar por uma revisão. A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 30-07-2008.

“A OMC era a prioridade, pois somente aqui é que poderíamos tratar de subsídios. Mas agora vamos ter de nos concentrar em coisas que dão resultados. Não posso ficar pendurado aqui por mais quatro anos”, disse Amorim. Perguntado como veria a OMC a partir de agora, o ministro foi direto: “De longe”.

Para muitos ontem em Genebra, o fracasso da Rodada põe em risco credibilidade da OMC como o centro das negociações internacionais. Países em diversos cantos do mundo vão buscar soluções bilaterais e os acordo regionais devem proliferar.

Amorim reconhece que as negociações com a UE terão de partir de uma nova base. Mas a comissária de Agricultura da Europa, Marianne Fischer Boel, alerta que os problemas continuarão. “O que foi problemático aqui também será entre o Mercosul e a UE.”

Sobre um acordo com os Estados Unidos, Amorim deixa claro que o modelo da Alca não poderá ser repetido. Mas admite conversar. “Vamos ver com o Mercosul”, disse Amorim. “Não excluo essa possibilidade, mas não como vinha sendo proposto, com leis de patentes e investimentos. Não será fácil, mas, se houver uma tentativa realista, por que não?”

No Brasil, a Fiesp já tem uma agenda de acordo que gostaria de ver negociado, enquanto sul-africanos, asiáticos e latino-americanos devem buscar o mesmo caminho. Já a França alerta que também bloqueará essas iniciativas se elas signifiquem a abertura de seus setores agrícolas.

INDÚSTRIA PEDE AÇÃO

“Não podemos mais apenas reagir ao cenário internacional. Precisamos ser ativos e buscar acordos”, disse Mario Marconini, diretor de Relações Internacionais da Fiesp. Em sua agenda está a retomada de um acordo com a Europa, além de mais acessos aos mercados vizinhos, entre eles Peru e Colômbia.

Na Confederação Nacional da Indústria (CNA), a pressão é para que o governo passe a buscar acordos e retomar as negociações entre o Mercosul e os europeus. O processo foi interrompido em 2004, depois que as duas regiões não conseguiram se entender sobre o preço que os sul-americanos precisariam pagar pelas concessões no setor agrícola da UE.

Desde então, a esperança era de que a Rodada Doha fosse concluída e, a partir daí, uma base fosse criada para o entendimento regional. Mas, com o fracasso de ontem, tanto o Mercosul como a UE terão de repensar sobre que bases negociarão.

“Vamos ter de recomeçar do zero todas nossas negociações, já que as bases são outras”, disse Nestor Stancanelli, negociador-chefe da Argentina. Para ele, nenhum acordo conseguirá ser concluído antes do fim de 2009. “Haverá um congelamento da situação internacional.”

O embaixador da França na OMC, Phillip Gros, também alertou que o fracasso de Doha não significa que os acordos bilaterais serão fáceis. “Nos países democráticos, os governos precisam levar em consideração a opinião pública. Hoje, essa opinião pública pressiona por certas medidas protecionistas e precisamos respeitá-las, se um governo pretende representar a população.” Os franceses estão entre os mais protecionistas da Europa e recebem metade dos subsídios da UE por ano.

O secretário de Comércio da África do Sul, Rob Davies, também informou que a busca por entendimentos comerciais bilaterais será o foco de sua agenda a partir de agora. “Vamos precisar consolidar nossas relações com outros países emergentes por meio de acordos. Isso será fundamental nos próximos anos”, afirmou Davies.

China assume o papel de potência

Instituto Humanitas Unisinos - 30/07/08

Em meio ao fracasso, um sinal quase revolucionário no mundo. A China desembarcou em Genebra para as reuniões desta semana com um novo perfil: o de potência comercial e disposta, pela primeira vez em 60 anos, a colocar todo seu peso para moldar um resultado final. A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 30-07-2008.

A Rodada Doha seria a primeira em que os países emergentes teriam uma voz ativa em suas definições. Mas acabou sendo, acima de tudo, uma vitrine do fato de que as divergências entre os emergentes são profundas. Nos últimos dias, um dos pontos centrais no processo foi o de tentar reunir os interesses dos emergentes exportadores agrícolas e aqueles que hoje são importadores.

Em 2003, na reunião ministerial de Cancún da OMC, os países emergentes conseguiram bloquear um acordo que traria prejuízos montando o que se transformou na primeira aliança de países em desenvolvimento na história da organização, o G-20. “Antes, os acordos eram basicamente negociados por americanos e europeus”, disse o chanceler Celso Amorim.

Ironicamente, o fracasso de ontem em parte também desmascarou a incapacidade dos emergentes de chegarem a um acordo, tanto sobre produtos agrícolas como no que se refere ao comércio de bens industriais. O Brasil, que liderou a criação do G-20, foi o primeiro a acatar o pacote proposto na semana passada. Aceitou, ao lado de Chile, Peru, Colômbia e México, uma liberalização de seu setor industrial que não era aceita por outros emergentes, como Venezuela, África do Sul, Indonésia, Índia e China.

Peter Mandelson, comissário de Comércio da UE, foi outro que apontou para as divergências. “Ficou claro que há prioridades e situações diferentes entre os países emergentes”, afirmou. Para o chanceler Celso Amorim, o G-20 continuará a ter um papel importante. “Vamos ter de conversar e esperar a poeira baixar”, disse.

Amorim confessou que sempre acreditou que o centro do problema em toda a Rodada Doha fosse conseguir um equilíbrio entre o que os emergentes obteriam no setor agrícola dos países ricos e o que teriam de oferecer no setor industrial como aberturas. “Talvez eu tenha subestimado a importância de outros temas, como a salvaguarda de produtos alimentares”, afirmou Amorim.

O processo também revelou ao mundo a chegada da China como um dos países que passarão a decidir o futuro das regras do comércio. “A China começou a mostrar o peso que tem e a agir com desenvoltura”, admitiu Amorim. Para ele, isso é bom para o sistema multipolar. Os mandarins de Pequim passaram a fazer parte do seleto grupo de sete países que tentou, por 13 dias, chegar a um acordo.

ÁFRICA SOFRE

Diante das divisões e dos conflitos, Amorim também reconheceu: sejam indianos, chineses ou latino-americanos, todos saem da reunião de Genebra sem nada nas mãos. “Todos perderam.”

Mas quem mais sofrerá são os países pobres da África, que esperavam um acordo como forma de ter certas vantagens no cenário internacional. Os produtores de algodão da África, por exemplo, continuarão sofrendo com os subsídios americanos. “Não podemos mais esperar. Não crescemos como Brasil, Índia e China. Até 2012, quando a Rodada poderá estar concluída, nossa produção já terá desaparecido”, afirmou um diplomata de Burkina Fasso.

terça-feira, julho 29, 2008

TUCANOS E PEFELISTAS, NÃO DURMAM AINDA: OS HDs DE DANTAS SÃO CINCO

Conversa Afiada - 29/07/08


Tucanos, pefelistas e todos os primeiros beneficiários da privatização do Farol de Alexandria ainda não podem dormir em paz.

. Primeiro, porque o material apreendido atrás daquela parede falsa no apartamento de Daniel Dantas será analisado por policiais federais – dois deles da equipe do ínclito delegado Protógenes Queiroz –, pelos Procuradores e pelo Juiz Fausto de Sanctis.

. Quer dizer, antes que o Governo do Presidente que tem medo, o Presidente Lula, e o Ministro da Justiça Abelardo Jurema queiram proteger Dantas e os funcionários do Palácio do Planalto que participaram da patranha do “BrOi”, o material será analisado por profissionais isentos, objetivos, que não têm medo do Supremo Presidente, Gilmar Mendes.

. Pefelistas, DEMs e tucanos de maneira geral: ainda não está na hora de dormir em paz.

. É melhor fazer como o Farol de Alexandria, que foi para o México.

. Ou como o Presidente eleito José Serra, que, desde a prisão de Dantas, se encarcerou no Palácio para por em prática a estratégia da vitória de Geraldo Kassab, e não põe a cabeça para fora.

. Até porque uma empresa da filha dele, Mônica Serra, recebeu gordo financiamento da irmã de Dantas, Verônica, que foi ao enterro da amiga Ruth Cardoso.

. Mônica, como se sabe, é o Lulinha dos tucanos. Clique aqui para ler sobre a Decidir.com Inc.

. Não está na hora, ainda de os tucanos dormirem em paz.

. Ainda mais por que ainda tem muito disco rígido pela frente.

. Imaginou-se que o disco rígido era um.

. Aquele que a Ministra Ellen Grace, nomeada pelo Farol de Alexandria, não deixava abrir, porque achava que Daniel Dantas não era Daniel Dantas. Mas Daniel Dantas.

. Só que os discos rígidos são cinco.

. Cabe muito tucano e pefelista lá dentro.

. Veja o que revela um pequeno trecho do relatório do ínclito delegado Protógenes Queiroz, aquele que o “Gomes”, ou “arquiteto” chamou de “desequilibrado”.

Por que Amorim disse sim ao pacote da OMC nas negociações

Instituto Humanitas Unisinos - 29/07/08

Uma pergunta que muita gente faz desde sexta-feira é por que o Brasil apoiou o pacote agrícola e industrial do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, para fechar o acordo da Rodada Doha, no rumo oposto ao de aliados como Índia, Argentina e China. A reportagem é de Assis Moreira e publicada pelo jornal Valor, 29-07-008.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, deu a resposta ontem, entre duas reuniões na OMC: "Apoiamos (o pacote) porque consideramos que é o melhor para o Brasil e para o Mercosul. Se apoiasse posições extremadas, teria que trair interesses brasileiros e de sócios como Paraguai, Uruguai e mesmo a Argentina."

Quando Lamy colocou os números na mesa, depois de muita divergência, Amorim fez um cálculo rápido com assessores na mesa de negociação. Concluiu que era o melhor que podia ser obtido. E que, se continuasse barganhando, os tamanhos de cortes de subsídios e tarifas só iriam piorar, porque os americanos e europeus iriam querer mais na área industrial. O Brasil foi, então, o primeiro a aceitar.

O ministro diz ter recebido a sinalização da indústria e do agronegócio de que estão contentes com o pacote. Ou seja, alguns setores fazem reparos publicamente, mas na conversa privada aprovam e elogiam.

Antes, o governo era acusado de estar a reboque de interesses protecionistas da Índia, da Argentina e de outros países em desenvolvimento para manter a liderança no G-20. Agora, com o sinal verde ao pacote da OMC, surgiram críticas de ter rompido com esses aliados.

A questão é se o Brasil tinha outra solução e podia recusar o pacote da OMC. Para o Itamaraty, claramente não. Brasília não podia defender posição extremada da Índia justamente para frear ao máximo as importações agrícolas, que afetariam exportações brasileiras, argentinas etc.

Na área industrial, a Argentina quer um nível de proteção que não tem permitido entendimento na OMC. Mas Amorim expressa "total solidariedade" aos argentinos, sinalizando que o Brasil aceita que Buenos Aires possa manter uma tarifa de importação mais elevada. Se isso acontecer, será mais um rompimento na Tarifa Externa Comum (TEC), mas o bloco sobreviverá.

Na realidade, o Brasil fez concessões no pacote de Lamy justamente para Índia, China e outros poderem impor sobretaxa nas importações agrícolas em um nível superior à tarifa atual. Negociadores retrucam que, para ganhar na OMC, é preciso pagar em contrapartida, e isso foi feito "sem ser especialmente penoso".

Se existe confusão agora sobre a posição brasileira é porque o governo brasileiro não cessou de proclamar aliança e liderança para grandes países em desenvolvimento na negociação comercial global, minimizando divergências que sempre existiram. Além disso, o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, foi amplamente comentado na Europa depois de ter qualificado Doha de não valer nada para o Brasil, embora ele próprio confesse que não entende nada da negociação.

Onde havia união no G-20, as posições do grupo foram acolhidas no texto de negociação agrícola e ajudaram a enquadrar a baixa de subsídios domésticos dos Estados Unidos, estabelecer tetos de ajuda por produtos, cortar tarifas nos países ricos etc., nem sempre no nível desejado, como ocorre em qualquer negociação.

Foi porque não havia entendimento sobre acesso ao mercado em países em desenvolvimento, que a Índia criou com a Indonésia e outros o G-33, a segunda grande aliança de nações em desenvolvimento reunindo os protecionistas, que alegavam razões de segurança alimentar e desenvolvimento rural.

Antes da negociação desta semana, o Brasil tentou negociar com a Índia uma posição comum dentro do G-20 sobre "produtos especiais" e salvaguardas agrícolas. Os indianos não quiseram, achando que podiam ir até o precipício e alcançar o que queriam. O resultado era o impasse ainda maior de ontem.

As posições dos três inflexíveis ontem na negociação global - Índia e China de um lado e os Estados Unidos de outro - têm diferentes explicações. No caso da Índia, a percepção de importantes negociadores é de que há um problema político interno. Kamal Nath, o ministro indiano de Comércio, candidato nas próximas eleições, prometeu aos mais de 650 milhões de agricultores indianos voltar para casa com o máximo em salvaguarda especial para frear importações agrícolas e agora tem dificuldades de recuar.

A China acumula um sentimento de que seu tratado de entrada na OMC foi injusto, que se submeteu a exigências bem maiores para ser aceito no clube após 13 anos de negociações. Agora, acha que não deve pagar o que estão cobrando por Doha, ou pagar bem menos.

No outro lado, a representante comercial americana, Susan Schwab, é muito dura, ao mesmo tempo em que faz as contas sobre os votos dos parlamentares - do setor têxtil, de Estados agrícolas etc. Além disso, Washington endurecia ontem até para contrapor-se ao plano indiano de tentar arrancar concessões na beira do abismo.

O próprio Nath se enrola nos discursos. Ontem ele insistia em poder aplicar uma tarifa acima da que existe atualmente para barrar importações. Foi quando Amorim o interrompeu e lembrou-lhe que a Índia já tinha conseguido isso. A questão agora era qual o tamanho máximo da sobretaxa. Nath cobrou da UE abertura total do mercado europeu livre de tarifas para os países mais pobres. Peter Mandelson, comissário europeu do Comércio, respondeu: "Já fazemos isso, Kamal."

O apoio de alguns grupos em desenvolvimento a Nath era explicado ontem também pela resistência dos EUA em não passar de 97% para 100% o livre acesso de exportações dos pobres em seu mercado. Com concessão americana, seria difícil para a Índia sustentar sua posição contra Doha.

A negociação sobreviveu até agora em parte por causa do Brasil. Na madrugada de quinta-feira, o clima piorou no grupo dos sete membros da OMC que estavam buscando o acordo - Brasil, EUA, UE, China, Índia, Japão e Austrália. Os ministros fizeram uma pausa, voltaram à 1 hora da manhã. Amorim foi o primeiro a falar e defendeu que valia a pena continuar a negociação. Os outros aceitaram.

Amorim ligou então para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando recebeu a instrução de defender a posição nacional e não ficar a reboque da posição mais dura dos indianos ou argentinos. À tarde, Lamy apresentou o primeiro pacote agrícola e industrial. O Brasil considerou as cifras de cortes tarifários e de subsídios inaceitáveis, sobretudo em produtos industriais.

Depois de muita discussão, Lamy fez outra proposta mais tarde. Começaram então as críticas. Nath não estava contente, a China falou menos negativamente, o Japão continuou inquieto com a tarifa para o arroz. Amorim e Schwab decidiram no par ou ímpar quem ia falar primeiro. Amorim perdeu. "Você perdeu, você fala", disse Schwab.

Depois de avaliação rápida na mesa de negociação, o ministro disse que os números não eram ideais, mas "aceitáveis". Eram melhores em agricultura e razoáveis na área industrial, por exemplo com 14% de flexibilidade para proteger a indústria. Negociadores contam que houve certa surpresa com o sim do Brasil. Aparentemente, a UE ainda queria pedir mais na área industrial.

Na sexta-feira, na reunião mais ampla, de 35 países, o ministro canadense de Comércio reclamou que havia muita flexibilidade no texto industrial e não podia apresentá-lo daquela forma no Parlamento. Seu colega ministro canadense de Agricultura disse em seguida o contrário, que faltava flexibilidade para proteger seus agricultores e sem isso não dava para ir ao Parlamento. A África do Sul retrucou que não dava para entender. Amorim comentou que era simples, bastava inverter os ministros para facilitar o acordo de Doha.

No sétimo dia de negociações, ontem, ministros e assessores começavam a dar sinais de exasperação, com as posições dos diferentes parceiros. Se a rodada fracassar, o Brasil já obteve boa parte do que queria através do próprio mercado. Com os preços altos, os subsídios declinaram e as tarifas foram cortadas por vários países importadores líquidos de alimentos. Quanto à Índia, não terá sua salvaguarda especial para frear importações agrícolas.