"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, julho 05, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 05/07/08

Terremoto de longa duração. Artigo de Boaventura de Sousa Santos

Consiste na convulsão social e política que vai decorrer da destruição progressiva do chamado modelo social europeu – uma forma de capitalismo muito diferente da que domina os EUA – assentado na combinação virtuosa entre elevados níveis de produtividade e elevados níveis de protecção social.

Segue a íntegra do artigo de Boaventura de Sousa Santos publicado na Agência Carta Maior, 02-07-2008. Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Um terremoto está a assolar a Europa. Não é detectável nos sismógrafos convencionais porque tem um tempo de desenvolvimento atípico. Não ocorre em segundos se não em anos ou talvez décadas. Consiste na convulsão social e política que vai decorrer da destruição progressiva do chamado modelo social europeu – uma forma de capitalismo muito diferente da que domina os EUA – assentado na combinação virtuosa entre elevados níveis de produtividade e elevados níveis de proteção social, entre uma burguesia comedidamente rica e uma classe média comedidamente média ou remediada; na eficácia de serviços públicos universais; na consagração de um direito de trabalho que, por reconhecer a vulnerabilidade do trabalhador individual frente ao patrão, confere níveis de proteção de direitos superiores aos que são típicos no direito civil; no acolhimento de emigrantes baseado no reconhecimento da sua contribuição para o desenvolvimento europeu, e das suas aspirações à plena cidadania com respeito pelas diferenças culturais.

A destruição deste modelo é crescentemente comandada pelas instituições da União Européia e pelas orientações da OCDE. Três exemplos recentes e elucidativos. A directiva européia que permite o alargamento da semana de trabalho até às 65 horas. A chamada Diretiva de Retorno, aprovada pelo Parlamento Europeu, que permite a detenção de imigrantes sem documentados até dezoito meses, incluindo crianças, o que virtualmente cria o delito de imigração.

As alterações ao Código do Trabalho em vias de serem aprovadas no nosso país, cujos principais objectivos são: baixar os níveis de proteção ao trabalhador consagrados no direito do trabalho, já de si baixos pelos níveis de violação consentida; transformar o tempo de trabalho num banco de horas gerido segundo as conveniências da produção por maiores que sejam as inconveniências causadas ao trabalhador e à sua família e com o objetivo de eliminar o pagamento das horas extraordinárias; desarticular o movimento sindical através da possibilidade da adesão individual às convenções coletivas por parte de trabalhadores não sindicalizados, o que objetivamente abre as portas a todo o sindicalismo dependente e de conveniência.

Há em comum nestas medidas dois fatos que escapam por agora à opinião pública. O primeiro é que, ao contrário do que aconteceu na legislação européia anterior (que procurou harmonizar pelo padrão dos países com proteção mais elevada), a atual legislação visa harmonizar por baixo, transformando os países mais repressivos em exemplos a seguir. O segundo fato é o objectivo de fazer convergir o modelo capitalista europeu com o norte-americano. A miragem das elites tecno-políticas européias – muitas delas formadas em universidades norte-americanas – é que a Europa só poderá competir globalmente com os EUA na medida em que se aproximar do modelo de capitalismo que garantiu a hegemonia mundial deste país durante o século XX. Trata-se de uma miragem porque concebe como causas da hegemonia norte-americana o que os melhores economistas e cientistas sociais dos EUA concebem hoje como causas do declínio da hegemonia norte-americana, fortemente acentuado nas duas últimas décadas.

A transformação do trabalhador num mero fator de produção e a transformação do imigrante em criminoso ou cidadão-fachada, esvaziado de toda a sua identidade cultural são as duas fraturas tectônicas onde está a ser gerado o terramoto social e político que vai assolar a Europa nas próximas décadas. Vão surgir novas formas de protesto social, muitas delas desconhecidas no século XX. A vulnerabilidade do Estado será visível em muitas delas, tal como aconteceu com a greve de caminhoneiros, vulnerabilidade reconhecida por um primeiro-ministro cuja eventual ignorância da história contemporânea foi compensada pela intuição política: foi a greve de caminhoneiros que precipitou a queda do governo de Salvador Allende.

A quem beneficiará o fim de um sindicalismo independente e agravamento caótico do protesto social? Exclusivamente ao Clube dos Bilionários, os 1125 indivíduos cuja riqueza é igual ao produto interno bruto dos países onde vive 59% da população mundial.

Instituto Humanitas Unisinos - 05/07/08

A violência que nos amarra. Um artigo de Reyes Mate

“Se fôssemos escarafunchar nas essências do Ocidente (Deus, homem, mundo), descobriríamos uma série de interesses inconfessáveis (poder, domínio, dinheiro), cujo preço foi declarar descartáveis outros elementos conceituais menos glamourosos (o sofrimento, a pobreza, a escravidão)”. A constatação é do filósofo espanhol Reyes Mate.

A filosofia, diz, “deveria retornar sobre seus passos e tirar as conseqüências do uso político da violência”. Pois, “já sabemos que a tomada revolucionária do poder em nome do povo não significa reconhecer a cada membro do povo domínio sobre o próprio destino; que não é a mesma coisa mandar na vida dos outros e tomar o poder sobre a própria vida. Sabemos, pois, que não basta libertar-se de um tirano para sacudir a tirania”.

Reyes Mate é professor do Instituto de Filosofia do CSIC (Conselho Superior de Pesquisas Científicas) e autor do livro Justicia de las víctimas. Terrorismo, memoria, reconciliación. Barcelona: Anthropos, Editorial del Hombre, 2008, entre outros. Em português se pode encontrar Memórias depois de Auschwitz. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2005. Segue a íntegra do artigo publicado no El País, 30-06-2008. A tradução é do Cepat.

O azar quis que a chegada ao poder da guerrilha colombiana de um filósofo ou antropólogo, Alfonso Cano, coincidisse com a reunião, em Medellín, de 500 filósofos ibero-americanos para refletir sobre a convivência em tempos violentos. A filosofia tem uma dívida para com a violência que vem de longe, mas se intensificou na América Latina a partir dos anos 50. Que os ideais iniciais de justiça social e defesa dos excluídos se metamorfoseassem em crimes indiscriminados, não tira responsabilidade dos cultivadores da filosofia. Pelo contrário.

Filósofos como Levinas ou Rosenzweig chamam a filosofia de ideologia da guerra. A crença de que pensar é apropriar-se do componente mais importante da coisa – a chamada essência – jogando ao lixo outros elementos menos importantes, que chamamos de acidentes, é um violento gesto intelectual que condenou à morte o mais frágil da existência. Pois bem, se fôssemos escarafunchar nas essências do Ocidente (Deus, homem, mundo), descobriríamos uma série de interesses inconfessáveis (poder, domínio, dinheiro), cujo preço foi declarar descartáveis outros elementos conceituais menos glamourosos (o sofrimento, a pobreza, a escravidão).

Nisso a filosofia não foi original. Relatos fundantes da nossa civilização como a Ilíada e a Bíblia estão fascinados pela violência profana ou sagrada. Homero canta a grandeza da guerra, a grandeza de seus heróis no combate, a beleza das feridas que ele se representa como cinzeladas por um sábio artesão. E o primeiro relato de uma morte na Bíblia é o assassinato de Abel.

É verdade que a filosofia enfatizou essa história declarando a violência parteira da história – Marx dixit – razão pela qual os movimentos políticos nele inspirados tenham servido de parteiras sem má consciência. Os movimentos revolucionários na Ibero-américa, desde os anos 50 em diante, levavam na mochila uma teoria filosófica com a qual explicavam a maldade da situação de fato e um pouco de bálsamo de Fierabrás que tudo cura. Se nunca foi bom que os filósofos oficiassem de reis, menos ainda quando o que propunham eram doses de violência adquiridas na farmácia de Platão onde, como se sabe, só se tratavam idéias e não sofrimentos humanos. A América Latina conseguiu, desta maneira, um recorde de revoluções que não trouxeram mais justiça social ainda que sim alguns experimentos notáveis, como na Colômbia, onde os marxistas de outrora se tornaram os prósperos traficantes de hoje.

A filosofia que, a seu momento, legitimou esses movimentos e que, em seguida se desentendeu com suas conseqüências, invertendo-se na teoria deliberativa de Jürgen Habermas e neocontratualista de John Rawls, esquecendo que isto são poções para sociedades mais desenvolvidas e igualitárias, deveria retornar sobre seus passos e tirar as conseqüências do uso político da violência. Já sabemos que a tomada revolucionária do poder em nome do povo não significa reconhecer a cada membro do povo domínio sobre o próprio destino; que não é a mesma coisa mandar na vida dos outros e tomar o poder sobre a própria vida. Sabemos, pois, que não basta libertar-se de um tirano para sacudir a tirania.

Mas há algo mais decepcionante ainda. A luta contra a injustiça, que na teoria poderia explicar o encolhimento da liberdade em nome do bem-estar material, aumentou o sofrimento das pessoas ao somar à pouca eficácia econômica a épica do lutar ou morrer. Naturalmente, deve haver causas pelas quais se sacrificar, mas essas causas, em minúscula, consistem em evitar o sofrimento dos demais, e não em causá-los; em desmontar uma tirania, e não em reinventá-la; em denunciar a existência miserável e não em sublimá-la com apelações estupendas.

É preciso passar de uma épica filosófica, que subordinava os sofrimentos do homem à conquista de grandes palavras, a uma filosofia pobre, como dizia Georg Lukács em seus bons tempos. Não parece que seja dado à filosofia salvar o homem, mas em indignar-se diante do fato de que se chame destino o que é maquinação humana ou de que haja quem confunda o sangue da guerra com o ketchup dos filmes de Hollywood.

Já que não nos é dado rebobinar a história, os participantes do III Congresso Ibero-americano de Filosofia, que acontece nestes dias em Medellín, podem retificar o rumo, enfrentando-se rigorosamente com o que Benjamin chamava de “violência mítica”. O que aprendemos de nossos erros e o que de positivo as catástrofes humanitárias do século XX acrescentaram é que as estratégias políticas que valorizam mais as causas do que as vítimas não podem encontrar amparo na ética. Revolucionário é o quinto mandamento. Não é um programa menor já que se exigirá de qualquer promessa de salvação uma memória dos custos humanos e sociais dos quais nenhuma filosofia poderá se esquivar.

Instituto Humanitas Unisinos - 05/07/08

Militares de firma privada de Israel ajudaram na operação de resgate


Além da participação americana, novas informações divulgadas ontem sugerem que as forças colombianas contaram com a ajuda de militares reformados de Israel para o planejamento do resgate, na última quarta-feira, de Ingrid Betancourt e 14 reféns das Farc. A notícia é do jornal Folha de S.Paulo, 05-07-2008.

Dados sobre a participação israelense foram publicados ontem pela rádio militar de Israel e pelos jornais locais "Haaretz" e "Yediot Aharonot". O "Haaretz" afirma que os israelenses treinaram os soldados colombianos participantes e venderam equipamentos e tecnologia de inteligência.

O envolvimento foi feito por meio da empresa de assessoria em segurança Global CST, dirigida por dois generais israelenses da reserva, Israel Ziv e Yossi Kuperwasser. A firma emprega dezenas de ex-membros de unidades de elite israelenses (incluindo o Mossad, o serviço de contraespionagem Shin Bet e as forças de defesa) e obteve, com autorização do Ministério da Defesa de Israel, um contrato de US$ 10 milhões para ajudar no combate às Farc.

Segundo Ziv, a empresa está "profundamente envolvida" na assessoria das forças especiais colombianas -mas não no resgate em si. "Fornecemos às forças especiais medios sofisticados para combater" a guerrilha, disse ele ao "Yediot Aharonot". Outra fonte da companhia disse ao "Haaretz" que eles ajudaram "a planejar operações e estratégias e a desenvolver fontes de inteligência. É muito (...) mas não deve ser exagerado".

O ministro da Defesa da Colômbia, Juan Manuel Santos, afirmou que "nem um único estrangeiro participou [do resgate]" e que autoridades dos EUA só foram informadas dez dias antes. O embaixador americano em Bogotá, William Bronfield, disse que a operação foi acompanhada "pelos mais altos níveis" de Washington.

Instituto Humanitas Unisinos - 05/07/08

Aqüífero Guarani não é o mar inesgotável de água doce que se imaginava


Trabalho indica que fluxo de águas na reserva subterrânea é mais lento do que se achava e sugere cautela com poços. Estudo preliminar aponta que área do reservatório hídrico deve ser 10% menor do que estimativa anterior; trabalho sai até o fim do ano. A reportagem é de Rafael Garcia para o jornal Folha de S.Paulo, 05-07-2008.

Quanto mais os geólogos estudam o aqüífero Guarani - a maior reserva hídrica subterrânea das Américas- mais fica claro que ele não é o mar inesgotável de água doce que se imaginava existir há algumas décadas. Um novo mapeamento realizado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista) constata que o fluxo de água na camada geológica que compõe o aqüífero é mais lenta do que se imaginava anteriormente.

O novo mapa hidrogeológico realizado pelo Laboratório de Estudo de Bacias, da Unesp, está em fase de finalização e deve ficar pronto até o fim do ano. Mas já está claro para os cientistas que o panorama revelado no trabalho sugere cautela.

O fluxo mais lento significa que, se o ritmo de extração das águas é muito intenso em um local, a água acaba ali e demora para reaparecer. É um risco, portanto, apostar no Guarani para suprir a crescente demanda de água no interior paulista.

"No caso de necessidade de extração de grandes volumes, a alternativa de se concentrar um elevado número de poços em pequenas áreas pode não ser a mais correta", diz Didier Gastmans, da Unesp. Segundo o geólogo, é preciso cuidar para que os lugares mais favoráveis -onde o aqüífero fica perto da superfície, como Ribeirão Preto- sejam superexplorados. "Os técnicos responsáveis pela elaboração de políticas públicas de recursos hídricos terão de considerar que a água subterrânea terá que ser aduzida até os pontos de consumo."

Um provável resultado do novo mapa da Unesp será a "diminuição" do Guarani em 10%, em razão da adoção de novos critérios geológicos. O padrão está sendo adotado para o projeto internacional de proteção do reservatório, do qual a Unesp participa. "Hoje se conhece a real extensão do aqüífero em território argentino e uruguaio, o que no início do projeto era mera suposição."

Segundo Gastmans, porém, a extensão total do aqüífero é uma "questão menor" comparada à perspectiva de problemas regionais. Um deles é o da poluição da agricultura, sobretudo a de cana-de-açúcar. "Com a prática da fertirrigação com vinhaça [resíduo da fabricação de álcool], podemos em longo prazo ter problemas com concentrações elevadas de nitrato nas águas", diz.

Outra preocupação é a entrada de contaminantes no aqüífero por meio de poços escavados sem precaução. Em algumas áreas de Santa Catarina a água já é inadequada para consumo humano por excesso de sulfatos e cloretos. Regiões mais "azaradas", como Presidente Prudente, estão sobre águas não potáveis do aqüífero, com excesso natural de flúor.

Instituto Humanitas Unisinos - 05/07/08

'Brasil pode ser ponte entre Leste e Oeste, Norte e Sul'. Entrevista com Alain Touraine

O Brasil vive um novo status social internacional que se dissocia de suas mazelas sociais, afirma Alain Touraine, um dos maiores sociólogos da atualidade em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, 05-07-2008. "A Europa é mais importante economicamente que politicamente. O Brasil é mais importante politicamente do que economicamente", disse ele.

Eis a entrevista

O senhor diz que o Brasil já é uma potência. Por quê?

Não é só isso. Um país como o Brasil se define melhor hoje por seu lugar no sistema internacional do que por suas características próprias. Hoje estamos menos atentos a uma questão essencial como a desigualdade porque, em nível mundial, somos obrigados a reconhecer que há países que devem desempenhar o papel de pontes entre dois lados, seja Leste e Oeste, Norte e Sul. O Brasil exerce esse papel. A maneira como Lula foi recebido em Davos é sintomática. Ele foi mal recebido em Porto Alegre, para o Fórum Social Mundial, mas não em Davos. Aos olhos do mundo, Lula não é um sindicalista, é o representante de um país-chave, que não joga o Sul contra o Norte. O problema é que o Brasil se lixa para a América Latina. Todo mundo se lixa para a América Latina.

O sr. havia dito que a lógica da Argentina é voltada para o interior, enquanto a do Brasil, para o exterior. O que isso significa?

A Argentina não mudou nada, continua sendo um país que vive da exportação de matérias-primas. Peguemos como exemplo o milho. Quando o preço internacional se eleva, o país exporta mais e o preço do pão fica caro no mercado interno. Então os operários e sindicatos vão para a rua pedir a queda no preço. Quando o preço do pão baixa, os proprietários de terras pedem ao Exército que promova um golpe de Estado. Faz 80 anos que é assim. Já a lógica do Brasil é a da industrialização, a da substituição das exportações e a procura de uma indústria exportadora. A Argentina sempre esteve mais voltada ao Sul. O Brasil está voltado ao mundo.

E qual é o custo deste maior papel internacional do Brasil?

Para que um país desempenhe papel internacional, precisa ter a capacidade de criar símbolos mundiais. A Europa está cheia de símbolos, os Estados Unidos também. A França forneceu a Bastilha e a Torre Eiffel. O Brasil, se você raciocinar verá, produz muitos símbolos. Se eu digo Brasil, o que vem à cabeça? Vão me falar das meninas de Ipanema, do samba, do carnaval, das cirurgias estéticas, muitas coisas importantes. São símbolos que interessam ao mundo inteiro ou 80%.

Mas são símbolos culturais, não políticos.

Sim. Mas não é preciso buscar símbolos políticos. O Brasil nunca foi, por exemplo, liberal. Logo não poderia ter no liberalismo um símbolo. Há livros muito interessantes que mostram porque nos anos 30 o liberalismo não funcionou no Brasil. Desde lá, o Brasil é, como a França, um país que funciona a partir do Estado. Se você olha para o "milagre brasileiro", vê que era dinheiro do Estado.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o peso político do Brasil é tão grande quanto o da França. O senhor concorda?

Ele disse que o peso do Brasil é maior. É verdade. Precisamos de China e Índia, desta parte do mundo em que há grandes áreas de miséria, sem controle, sujeitas ao risco de guerras étnicas, religiosas. E para se comunicar com essas partes é preciso de pontes. O Brasil é essa ponte. Hoje a posição internacional de um país não é determinada por seus problemas internos, e sim pelo papel que o país desempenha no cenário internacional. São coisas dissociadas. É por isso que durante 20 ou 30 anos falava-se da desigualdade chocante no Brasil e, hoje, não se fala mais. O Brasil é um país que não tem conflitos com os Estados Unidos ou com a China. Por conseqüência, pode realizar este papel de ponte entre Leste e Oeste, entre Norte e Sul. É um papel muito importante.

Como um país como o Brasil, com problemas crônicos de educação, pode estar sendo bem-sucedido no mundo globalizado, tão marcado pelo conhecimento e pela informação?

Vá ao Aeroporto de São Paulo, pegue um táxi e peça para ir a Campinas. O que você encontra como paisagem? Pastagens? Não, usinas muito modernas. Há vários eixos como São Paulo-Campinas que são industriais ou pós-industriais. Veja as pequenas cidades entre São Paulo e Rio, com indústrias importantes. Há um imenso Brasil moderno que tem desigualdades regionais. Mas há 100 milhões de brasileiros que compõem um Brasil moderno, comparável à Itália.

sexta-feira, julho 04, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 04/07/08

Fepam descumpre lei e beneficia Aracruz Celulose

Na última terça-feira (01), a Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul concedeu Licença de Implantação para a quadruplicação da fábrica da Aracruz, em Guaíba, na região metropolitana. No entanto, a Secretaria do Meio Ambiente de Porto Alegre não foi consultada, como é previsto em lei. A reportagem é de Paula Cassandra e publicada na Agência Chasque, 03-07-2008.

Segundo a Lei Federal 9.985 de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o licenciamento para empreendimentos com impacto ambiental só pode ser concedido após autorização do órgão responsável pela unidade de conservação afetada em um raio de 10 km.

É o caso do Parque Natural do Morro do Osso, que apesar de ficar em Porto Alegre está em área próxima à fábrica da Aracruz, do outro lado do rio Guaíba. A gerente do Parque, Maria Carmem Bastos, afirma que sem o estudo e relatório de impacto ambiental, não é possível determinar os danos que o Morro do Osso vai sofrer. No entanto, Maria prevê que os impactos serão poluição e a migração de aves.

“Provavelmente o impacto vai chegar até aqui através do ar, dos poluentes que vão ser largados no ar, e também pode acontecer alguma influência através da água e, claro, quando se diminui uma área de vegetação nativa, os animais daquela região que está sendo impactada vão migrar para outros lugares”, diz.

Maria acredita que nos próximos dias o Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam) vai convocar a Fepam para levantar as causas que motivaram o descumprimento da lei. Para ela, a licença vai ser anulada e a Smam receberá os documentos da Aracruz para avaliar os impactos do empreendimento.

“Se ele é muito grande, avaliar o impacto que vai ocorrer e, dai por diante, a gente pode solicitar modificações no projeto, o órgão ambiental pode inclusive embargar a obra”, diz.

A expansão das papeleiras, que nem sempre estão de acordo com as leis de proteção ambiental, vem preocupando ambientalistas e entidades do Estado. Luiz Rampazzo, do Centro de Estudos Ambientais (CEA), afirma que entre os efeitos da produção de celulose, um dos mais preocupantes é a eliminação de dejetos nas águas.

“Uma fábrica de celulose usa uma grande quantidade de água doce para fabricar a pasta de celulose. Na realidade, eles vão fabricar muito pouco papel, a maior intenção é fabricar a pasta de celulose para exportação. E com isso, nós teremos grande utilização de água doce e os dejetos, embora eles alegam que seja tratados, mas a gente observa pela fábrica de Guaíba que nós temos uma má qualidade da água ali na região”, diz.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Aracruz Celulose, mas não teve retorno até o fechamento da matéria. A Fepam também foi contata, mas afirmou que não se manifestará até receber a notificação do Comam.

Instituto Humanitas Unisinos - 04/07/08

Fepam descumpre lei e beneficia Aracruz Celulose

Na última terça-feira (01), a Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul concedeu Licença de Implantação para a quadruplicação da fábrica da Aracruz, em Guaíba, na região metropolitana. No entanto, a Secretaria do Meio Ambiente de Porto Alegre não foi consultada, como é previsto em lei. A reportagem é de Paula Cassandra e publicada na Agência Chasque, 03-07-2008.

Segundo a Lei Federal 9.985 de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o licenciamento para empreendimentos com impacto ambiental só pode ser concedido após autorização do órgão responsável pela unidade de conservação afetada em um raio de 10 km.

É o caso do Parque Natural do Morro do Osso, que apesar de ficar em Porto Alegre está em área próxima à fábrica da Aracruz, do outro lado do rio Guaíba. A gerente do Parque, Maria Carmem Bastos, afirma que sem o estudo e relatório de impacto ambiental, não é possível determinar os danos que o Morro do Osso vai sofrer. No entanto, Maria prevê que os impactos serão poluição e a migração de aves.

“Provavelmente o impacto vai chegar até aqui através do ar, dos poluentes que vão ser largados no ar, e também pode acontecer alguma influência através da água e, claro, quando se diminui uma área de vegetação nativa, os animais daquela região que está sendo impactada vão migrar para outros lugares”, diz.

Maria acredita que nos próximos dias o Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam) vai convocar a Fepam para levantar as causas que motivaram o descumprimento da lei. Para ela, a licença vai ser anulada e a Smam receberá os documentos da Aracruz para avaliar os impactos do empreendimento.

“Se ele é muito grande, avaliar o impacto que vai ocorrer e, dai por diante, a gente pode solicitar modificações no projeto, o órgão ambiental pode inclusive embargar a obra”, diz.

A expansão das papeleiras, que nem sempre estão de acordo com as leis de proteção ambiental, vem preocupando ambientalistas e entidades do Estado. Luiz Rampazzo, do Centro de Estudos Ambientais (CEA), afirma que entre os efeitos da produção de celulose, um dos mais preocupantes é a eliminação de dejetos nas águas.

“Uma fábrica de celulose usa uma grande quantidade de água doce para fabricar a pasta de celulose. Na realidade, eles vão fabricar muito pouco papel, a maior intenção é fabricar a pasta de celulose para exportação. E com isso, nós teremos grande utilização de água doce e os dejetos, embora eles alegam que seja tratados, mas a gente observa pela fábrica de Guaíba que nós temos uma má qualidade da água ali na região”, diz.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Aracruz Celulose, mas não teve retorno até o fechamento da matéria. A Fepam também foi contata, mas afirmou que não se manifestará até receber a notificação do Comam.

Instituto Humanitas Unisinos - 04/07/08

'A desnutrição aguda sumiu'

Estudo divulgado ontem pelo Ministério da Saúde mostra que o país conseguiu reduzir quase à metade, em dez anos, os principais índices que medem o impacto da pobreza sobre a saúde das crianças. A desnutrição infantil crônica, calculada a partir do percentual de crianças que deixaram de crescer por falta de alimentação adequada, era 46% menor em 2006 do que na edição anterior da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), realizada em 1996. Na Região Nordeste, a redução chegou a 74%. Segue reportagem de Bernardo Mello Franco e Evandro Éboli publicada no O Globo, 04-07-2008.

No mesmo período, a taxa de mortalidade infantil caiu 43,5% no país. Segundo o estudo, a parcela de crianças de até 5 anos que sofrem de desnutrição crônica caiu de 13% para 7%. O índice leva em conta o déficit de altura em relação à idade. Entre as crianças nordestinas, a taxa de desnutrição diminuiu de 22% para 5,7%. O número de crianças com excesso de peso variou pouco, e ficou em 6,6%.

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, disse que o resultado deve ser comemorado, e atribuiu parte da evolução aos programas de transferência de renda do governo federal, como o Bolsa Família: — A desnutrição se reduziu drasticamente.

É evidente que há um impacto das políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e da ampliação do emprego e da renda média. O que a pesquisa mostra é que o padrão alimentar melhorou, o consumo de alimentos foi ampliado.

A taxa de desnutrição infantil aguda, que pode levar à morte, caiu 13% no mesmo período. Na pesquisa anterior, 2,3% das crianças apresentavam déficit de peso em relação à altura.

Em 2006, o índice baixou para 2%. Para Carlos Augusto Monteiro, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e um dos autores do estudo, já se pode dizer que o país conseguiu eliminar a calamidade: — Esse problema no Brasil já era pequeno. A PNDS mostra que ele sumiu.

Hoje, a relação peso/altura das crianças brasileiras é a mesma da dos Estados Unidos e de outros países.

Mortalidade infantil também cai muito

A mortalidade infantil registrou outra queda expressiva, de 39 por mil nascidos vivos para 22 por mil nascidos vivos. Nesse ritmo, os pesquisadores estimam que o país conseguirá atingir a Meta do Milênio para superar o problema até 2012, três anos antes do prazo fixado pelas Nações Unidas.

Os especialistas atribuem o avanço ao uso do soro caseiro, ao aumento do aleitamento materno e às melhoras na alimentação e no saneamento.

A pesquisa registrou a insatisfação das mães com a falta de dinheiro para comprar comida: 37,5% afirmaram não ter acesso a alimentação em quantidade e qualidade suficiente para suas famílias. No Nordeste, esse número salta para 54,6%. O estudo mostra que 4,7% dos domicílios passaram por alguma situação de fome, classificada como insegurança alimentar grave, nos três meses anteriores à pesquisa.

No Norte, essa taxa é de 13,3%.

Após cruzar dados do estudo, Monteiro apresentou números, não incluídos no relatório final, que mostram que a queda da desnutrição infantil estaria ligada ao aumento da escolaridade das mães (24,6%), à elevação do poder aquisitivo das famílias (22,5%), à melhora nos programas de assistência à saúde (10,4%) e à expansão da rede de saneamento (5,8%). Ele disse não ter encontrado uma justificativa única para 36,7% dos casos, mas afirmou que, entre esses fatores, está a redução da taxa de natalidade. Segundo o professor da USP, não é possível medir o impacto dos programas de transferência de renda, que influem em mais de uma variável da evolução.

Realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e financiada pelo governo federal, a PNDS ouviu 15 mil mulheres em idade fértil, entre 15 e 49 mil anos, e pesquisou a situação de saúde de 5 mil crianças de até 5 anos.

Instituto Humanitas Unisinos - 04/07/08

Estrangeiro tira R$ 7,4 bi da Bovespa

Os estrangeiros tiraram R$ 7,4 bilhões do mercado acionário do Brasil em junho, maior valor da história. O movimento já contamina o investidor local. Segundo o superintendente de renda variável do Banco Itaú, Walter Mendes, clientes da instituição, a terceira maior do País, tiraram dinheiro de ações quarta-feira e ontem. “É um movimento contrário ao de junho, quando os locais estavam comprando e amorteceram um pouco a queda da bolsa no mês.” A reportagem é de Leandro Modé e está publicada n’O Estado de São Paulo, 04-07-2008.

A nova onda de aversão ao risco, como definiu Ivan Guetta, gestor de renda variável da GAP Asset Management, levou o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) a um novo tombo. Ontem, o indicador perdeu exatos 3%. Em julho, a perda já beira os 9% (é de 8,83%). No ano, atinge 7,22%. “É um movimento até difícil de explicar”, afirmou Mendes. “Temos visto alguma irracionalidade nos últimos dias.”

Ontem, não houve nenhuma informação nova relevante. O declínio da bolsa brasileira foi atribuído aos fatores que têm atormentado os investidores nas últimas semanas: incertezas sobre o futuro da economia mundial, dúvidas sobre a atividade econômica nos Estados Unidos e temores em relação à inflação global e brasileira, que têm obrigado os bancos centrais a elevar os juros.

Ontem, foi a vez de o Banco Central Europeu (BCE) aumentar sua taxa básica de 4% para 4,25% ao ano. A inflação ao consumidor na zona do euro chegou a 4% nos 12 meses encerrados em junho, o dobro da meta para a região.

No Brasil, a expectativa é de que a taxa básica de juros (Selic) continue a ser elevada - atualmente, está em 12,25% ao ano. “O mercado já considera a chance de o BC acelerar o ritmo de alta da Selic de 0,50 para 0,75 ponto porcentual”, lembrou Mendes.

O petróleo voltou a bater recorde na Bolsa Mercantil de Nova York (Nymex, na sigla em inglês). O barril para entrega em agosto subiu 1,20% e fechou cotado a US$ 145,29. Em teoria, a nova alta da commodity deveria beneficiar as ações da Petrobrás, mas não foi o que ocorreu.

Os papéis ordinários (ON) da estatal recuaram 3,98% e os preferenciais (PN), 3,25%. “As ações da Petrobrás e da Vale, embora sejam ligadas diretamente às commodities, são as mais importantes do mercado brasileiro. Portanto, se o investidor externo decide reduzir sua exposição no Brasil, vende as duas”, explicou Mendes.

Nos Estados Unidos, o Índice Dow Jones subiu 0,65% e a bolsa eletrônica Nasdaq caiu 0,27%. O Departamento de Trabalho anunciou que o país perdeu 62 mil vagas em junho, um pouco mais do que esperavam os analistas (55 mil). Hoje, os EUA comemoram o feriado da Independência, que marca o início das férias de verão.

A expectativa de aumento do consumo de combustíveis nesta época foi um dos fatores que explicaram a nova alta do petróleo.

Instituto Humanitas Unisinos - 04/07/08

'Brasil chegou no fim da festa do grau de investimento'

Um mês depois de o Brasil ter conquistado o segundo grau de investimento (investment grade), concedido pela agência de classificação de risco Fitch Ratings no dia 29 de maio, ainda não se confirmaram as previsões do mercado de que esse fato traria mais investimentos e empréstimos para o País. Pelo contrário, junho teve saída líquida de recursos estrangeiros de US$ 5,57 bilhões na conta financeira. Segue a matéria de Adriana Chiarini publicada n’O Estado de São Paulo, 04-07-2008.

Para o diretor-executivo da Fitch Ratings no País, Rafael Guedes, o principal motivo para a frustração das expectativas até agora é que o Brasil chegou no fim da festa da economia mundial ao todo da lista de baixo risco de investimento. “Houve uma festa que durou muito tempo e agora tudo indica que a festa está acabando: tem menos bebida, a banda já não toca mais como antes e há muita gente que bebeu demais”, disse Guedes.

O executivo informou, porém, que há mais empresas preparando captações no mercado externo. Guedes destacou que, no longo prazo, o investment grade ajudará o País a atrair recursos com custos menores. Ele também disse que, “no futuro, os fundos de pensão vão ter o Brasil nos seus índices, mas isso é um processo que acontece aos poucos, não é logo depois do investment grade”. “Eles têm que fazer uma seleção”, afirmou.

Segundo Guedes, o Brasil não deu azar de ter obtido o grau de investimento no final da festa do crescimento econômico e durante o período da crise financeira iniciada no mercado imobiliário dos Estados Unidos e da alta da inflação mundial.

“Foi a festa que permitiu ao Brasil atingir o grau de investimento. Os ventos favoráveis da economia global nos últimos anos impulsionaram as exportações brasileiras e a virada para melhor nas contas externas do País, com poucas reformas internas”, analisou.

De acordo com o executivo, “houve mudanças internas boas: as políticas monetária e de acúmulo de reservas foram muito bem feitas e o aumento do superávit primário no início do primeiro governo Lula foi importante, mas, fora isso, pouca coisa foi feita”.

O economista observou que, apesar de ter chegado ao grau de investimento com a classificação BBB-, “o Brasil ainda tem mais nove graus para subir até AAA (a classificação máxima)”. Ele comparou também que o México continua melhor classificado, com BBB+, e o Brasil ainda pode melhorar muito em termos de risco soberano.

Guedes citou como desafios nacionais questões fiscais, como a rigidez de gastos público, o grande endividamento e “o sistema previdenciário quebrado, em que cada pessoa nova que entra dá prejuízo atuarialmente (no longo prazo)”.

De acordo com o diretor-executivo da Fitch Ratings, propor que os recursos da descoberta de grande quantidade de petróleo abaixo da camada de sal, na região chamada de pré-sal, na Bacia de Santos, sejam usados para cobrir o déficit da Previdência Social “é querer ganhar na loteria para financiar o gasto do cartão de crédito”.

quinta-feira, julho 03, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 03/07/08

Florestas de eucalipto substituem campos

Já desgastado pelas frentes agrícolas que semearam arroz em banhados drenados nos anos 70 e, logo depois, por soja nas coxilhas de terra pobre, o cenário do pampa vai mudar de novo com a plantação de 500 mil hectares de eucaliptos para abastecimento de três grandes indústrias de celulose nos próximos anos. A reportagem é de Elder Ogliari e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 03-07-2008.

A transformação alegra políticos à busca de soluções rápidas para a metade sul do Rio Grande do Sul, que vive dificuldades econômicas, e preocupa ambientalistas, que temem mudanças climáticas.

Eles defendem a retomada da pecuária tradicional e clamam pela criação de áreas de proteção para resguardar pelo menos 10% do ambiente nativo. Hoje só 2,7% do bioma está protegido por unidades de conservação federal, de acordo com os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável do IBGE.

A chegada dos grandes projetos florestais, anunciados em 2004, coincidiu com o reconhecimento do pampa como bioma pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Ao mesmo tempo em que o tema ampliou seu espaço no debate público. “A própria cultura ecológica se traduzia por árvores e não considerava o campo como ecossistema”, diz Carlos Nabinger, do Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Hoje se reconhece que os campos planos e ondulados, os capões de mato e os banhados do pampa compõem uma rica diversidade biológica, com pelo menos 3 mil espécies da flora, das quais 450 são gramíneas, mais de 400 espécies de aves e perto de cem de mamíferos, entre as quais algumas ameaçadas de extinção, como o cardeal-amarelo e o gato-palheiro.

O mapeamento da cobertura vegetal do pampa, coordenado pelo geógrafo Heinrich Hasenack, da UFRGS, feito em 2004 para o MMA, revelou que menos da metade da área do bioma (41%) apresenta cobertura natural. A transformação começou em 1634 com a criação de bovinos trazidos da Europa pelos jesuítas. Por três séculos, as mudanças se limitaram ao pisoteio do solo pelos animais, consolidando a paisagem dos campos.

CONSOLIDAÇÃO

No início do século passado, o plantio de capões de eucaliptos, usados como quebra-ventos, alterou a monotonia do horizonte. Nos anos 30 e 40, o arroz irrigado começou a ganhar espaço. Mas foi nos anos 70, com a drenagem de banhados patrocinada pelo governo militar (o projeto Pró-Várzeas) e com o boom da soja, que a agricultura tomou espaço da pecuária, da vegetação e dos animais nativos. Ao mesmo tempo, gramíneas exóticas trazidas da África, como capim anonni e braquiária, revelaram-se pragas capazes de tomar 500 mil hectares.

Nesta década, as empresas de celulose descobriram que o pampa dispunha de terras a preço barato, bom regime pluviométrico e condições de oferecer árvores para corte em apenas sete anos e apostaram numa expansão para a área. Como a economia regional, predominantemente primária, está debilitada por anos de maus resultados, os governos locais viram nos investimentos - estimados em US$ 1 bilhão no plantio de florestas e mais US$ 3 bilhões em fábricas de celulose da Aracruz, Votorantim e Stora Enso - a tábua da salvação.

A decisão do governo gaúcho de retirar as restrições colocadas por técnicos no Zoneamento Ambiental para Atividades de Silvicultura visando facilitar a emissão de licenças para o plantio de florestas revoltou os ambientalistas no ano passado. Com este ato, foram liberados para o plantio 300 mil dos 500 mil hectares programados. Somados aos 500 mil hectares já cultivados, a área florestada corresponderá a 5,6% do bioma.

Em defesa das florestas cultivadas, as empresas dizem que vão reservar áreas de preservação correspondentes ao mesmo tamanho de suas plantações de eucaliptos. Também afirmam que priorizaram a compra de terrenos degradados, indicando que a silvicultura trará ganhos ambientais. Os ecologistas lembram, no entanto, que o zoneamento indicou que as áreas mais propícias ao florestamento estão na metade norte do Estado, onde as terras são mais caras, e não no pampa.

Pesquisadores defendem que a atividade econômica mais adequada ao bioma é a pecuária. “Os 41% de cobertura natural do bioma mostram que o uso tradicional é sustentável”, sugere Hasenack. Em seus estudos, Nabinger constatou que, com ajuste da carga anual de gado sobre o pasto, o criador pode elevar a produtividade de 60 quilos de carne por hectare ao ano para 250 kg/ha/ano. E, se optar pelo azevém, uma gramínea local bastante nutritiva, pode chegar a 1 mil kg/ha/ano. “Uma das formas de agregar valor é alimentar o gado com nossas gramíneas”, diz.

Instituto Humanitas Unisinos - 03/07/08

Baixar arquivo na internet pode virar crime

Projeto de lei sobre crimes eletrônicos, ou cibercrimes, em tramitação adiantada no Senado, pode levar à criminalização em massa de usuários de internet que baixam e trocam arquivos (músicas, textos e vídeos) sem autorização do titular. A reportagem é de Elvira Lobato e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 03-07-2008.

Esse é o entendimento de seis professores da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas, em parecer conjunto divulgado no Rio. Segundo eles, as conseqüências iriam além do âmbito da internet. Pela amplitude da redação, poderia haver conseqüências até para donos de celulares que desbloqueiam seus aparelhos. O Brasil tem 130 milhões de celulares.

Assinam o parecer os advogados Ronaldo Lemos, Carlos Affonso Pereira de Souza, Pedro Nicoletti Miozukami, Sérgio Branco, Pedro Paranaguá e Bruno Magrani, fundadores do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV.

O projeto de lei foi aprovado pelas comissões de Assuntos Econômicos e de Constituição e Justiça do Senado, no mês passado, e está em fase de recebimento de proposta para votação em plenário.

O mesmo projeto já causara polêmica em 2006, quando especialistas e provedores de acesso à web reagiram contra a obrigatoriedade de identificação prévia dos internautas nas operações com interatividade, como envio de e-mails, que burocratizaria a rede.

O texto foi modificado, mas novos questionamentos estão sendo feitos. O parecer dos professores da FGV sustenta que os artigos 285-A e 285-B do projeto, que tratam dos crimes contra a segurança de sistemas informatizados, atingem ações triviais, praticadas por milhares de pessoas, na internet, e criam um instrumento de ""criminalização de massas".

O artigo 285 - A qualifica como crime - com pena de reclusão de 1 a 3 meses e multa- ""acessar rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado sem autorização do legítimo titular, quando exigida".

Segundo o professor Ronaldo Lemos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, as pessoas poderiam ser condenadas por desobedecer a termos de uso criados por particulares.

"Cada "legítimo titular" decide quais são os termos de autorização e passa a ser dele o papel de preencher o conteúdo da lei penal. A violação passa a ocorrer de acordo com condições subjetivas e com interesses específicos, dando margem para abusos de direito", afirma o parecer dos professores.

MP3

Segundo Ronaldo Lemos, ao se referir a "rede de computadores", "dispositivos de comunicação " e ""sistema informatizado", o projeto engloba não só computadores mas reprodutores de MP3, aparelhos celulares, tocadores de DVD, sistemas de software e até conversores de TV digital, além de websites. Nessa linha, segundo ele, o projeto alcançaria até o desbloqueio de celular.

Os professores alegam que nenhum país criminaliza o acesso a informações na internet de forma tão ampla. "A legislação mais próxima ao que se propõe foi adotada nos EUA, que criminalizaram o ato de quebrar ou contornar medidas de proteção tecnológica. Mas nenhuma criminalizou o próprio acesso", diz o parecer.

O artigo 285-B qualifica como crime, também sujeito a reclusão de um a três anos, e multa "obter ou transferir dado ou informação" sem autorização do legítimo titular.

Os professores da FGV propõem a exclusão ou a mudança do texto dos dois artigos. Querem que só sejam considerados crime o acesso e a transferência de informações na internet se feito por meio fraudulento e com a finalidade de obter vantagem para si ou para outrem.

Vigilância

Um terceiro artigo do projeto de lei - o artigo 22 - também está sendo questionado tanto pelos provedores de acesso à internet quanto pelos professores da Escola de Direito da FGV do Rio de Janeiro. Ele cria a obrigação para os provedores de informar, sigilosamente, às autoridades indícios de prática de crime de que tenham tomado conhecimento.

Para os professores da FGV, o artigo cria um sistema de delação e de vigilância privada sobre os internautas, na medida em que os provedores estariam obrigados a informar os casos em que -de acordo com suas próprias convicções- haveria indício de crimes.

Instituto Humanitas Unisinos - 03/07/08

Mercado de trabalho enfrenta crise global

Um levantamento mundial da Accenture apontou que, em 2010, as empresas precisarão de 3,5 bilhões de pessoas para preencher todas as vagas do mercado de trabalho. Porém, só nos EUA e Reino Unido, cerca de 10 milhões de vagas ficarão em aberto por falta de pessoal qualificado. Até 2020, a Accenture calcula que as principais economias do globo terão 39 milhões de vagas em aberto. “A economia mundial, que vem acelerada, pode parar por falta de gente”, diz o líder global de consultoria de talentos da Accenture, Peter Cheese. A reportagem é de Ana Paula Lacerda e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 03-07-2008.

“Os setores com mais problemas são os de infra-estrutura, tecnologia e finanças”, diz ele. “Mesmo a Índia, onde há excelentes escolas de engenharia e tecnologia, tem problemas para contratar pessoas”. Isso porque os profissionais saem em busca de salários maiores no Oriente Médio.

No Brasil, também há exemplos. A IBM fechou parcerias com escolas técnicas de segundo grau para incentivar os alunos a seguirem carreiras tecnológicas e estudarem inglês, para depois contratá-los.

Segundo Denys Monteiro, sócio da Fesa Global Recruiters, a escassez ocorre das posições de base ao presidente. “Os dados da associação internacional de headhunting mostrou que 84% das empresas de recrutamento percebe escassez de talento no mercado.” A pior situação está no meio da hierarquia.

“As empresas investiram na formação de seus CEOs e diretores. Deram formação básica aos cargos operacionais. Mas esqueceram que quem lida diretamente com pessoas é o médio executivo, os líderes de equipe, gerentes e supervisores”, diz o executivo da Accenture. “Não adianta ‘promover’ o melhor engenheiro a líder de equipe. Essa pessoa tem de ter a habilidade de a liderar.”

As características procuradas nesses profissionais são liderança, conhecimento tecnológico e experiência internacional. “Na China, por exemplo, há abundância de mão-de-obra. Mas a formação deles não os ensina a liderar, apenas a trabalhar com afinco.”

Microsoft, Google, Tata e Marriot são citadas como empresas que investem nos talentos de todos os níveis. “É algo ainda incomum, porque por muitos anos o RH não era estratégico para empresas.”

GERAÇÃO Y

Um ponto que pode tornar o desafio da mão-de-obra ainda maior é a chegada da geração Y (nascidos após 1980) ao mercado de trabalho. “Em 5 a 10 anos, eles estarão ocupando cargos de liderança, e as relações de trabalho terão de mudar”, diz Cheese. Pessoas dessa geração são menos apegadas às empresas e sim ao estilo de vida. “Não se atraem por áreas técnicas, e sim por informação. Se as empresas não se tornarem mais flexíveis, não acharão quem trabalhe para elas.”

O fenômeno é mais marcante nos mercados consolidados, como EUA e Europa. “Na Ásia é diferente, eles vão atrás dos setores com oportunidades. Enquanto a América admira Britney Spears, a China admira o Bill Gates.”

O Brasil, para o executivo da Accenture, ainda tem um cenário indefinido. “Há empresas atraentes de ponta, como Vale e Petrobrás, mas apenas 10% dos trabalhadores têm nível superior. Uma necessidade global é mais forte aqui: se não houver uma parceria entre governo, escolas e empresas, não haverá pessoas minimamente aptas a trabalhar.”

Instituto Humanitas Unisinos - 03/07/08

Lula anuncia programa agrícola de R$ 78 bilhões. R$ 13 bi para a agricultura familiar

Apesar da elevação dos índices de inflação e do custo da cesta básica, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva avaliou ontem, em Curitiba, que a situação do País é “confortável”. “Dentre os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil é o país que tem menos inflação. Portanto, estamos numa situação confortável, dentro da meta que estabelecemos de 4,5%, com dois para cima e dois para baixo”, afirmou ele, ao anunciar o Plano Agrícola e Pecuário 2008/09. A reportagem é de Evandro Fadel e Fabíola Salvador e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo,03-07-2008.

O programa, grande aposta do governo para conter a alta de preços no mercado interno, destinará R$ 65 bilhões para a agricultura empresarial, R$ 7 bilhões a mais do que na safra anterior. Hoje, Lula lança o Plano de Safra para a agricultura familiar, que receberá R$ 13 bilhões. No total, a produção agrícola receberá R$ 78 bilhões.

É um aumento de R$ 8 bilhões em relação à safra passada, mas Lula já espera críticas. “A mulher prepara uma bela mesa de Natal, mata o frango mais gordinho, compra castanhas, mas aí vem um filho e pergunta se só tem aquilo. Ele nem degustou o que estava na mesa e já quer comer o que vai ser comprado ano que vem”, disse o presidente.

Lula disse que a inflação brasileira é causada pela crescente demanda mundial por alimentos e a resposta para essa situação é o aumento da produção agrícola. “Quanto mais alimentos nós tivermos, mais nós vamos poder oferecer comida a um preço mais barato.”

Segundo o presidente, o quadro atual é uma oportunidade para o Brasil: “Quando o mundo precisar comer, o País tem de dizer: ‘venha comprar porque o Brasil tem para vender’”. Não por acaso, um dos principais pontos do plano é a criação de uma linha de crédito de R$ 1 bilhão para recuperar áreas degradadas que poderão ser ocupadas com lavouras de grãos.

Para a agricultura familiar, a principal medida é a criação de uma linha de crédito para financiamento de 60 mil tratores. Com isso, aumentará a produtividade das pequenas lavouras.

Em discurso, Lula afirmou que os agricultores familiares não podem se restringir à produção de subsistência. “O plano terá uma palavra de ordem, que é dobrar a produção em cada pequena propriedade. Chega de produzir a cultura da subsistência”, afirmou o presidente. “É para plantar o que puder plantar, para comer e beber, tem que falar para os pequenos que é bom ganhar dinheiro, comprar televisão nova, comprar carro novo, comprar roupa nova para os filhos.”

Mesmo com a divisão entre agricultura empresarial e familiar, o presidente lembrou que o setor precisa trabalhar junto. “Estamos todos dentro de um barco. Tem gente na proa, na popa, na casa de máquinas e tem gente limpando o porão. Mas, se o barco afundar, todos serão iguais debaixo d’água.”

FERTILIZANTES

O presidente observou que o mundo desenvolvido acusa o etanol de ser responsável pelo aumento dos preços dos alimentos. “Eles não querem discutir quanto o petróleo tem de incidência no custo do fertilizante, do frete e da energia. Eles não estão dispostos a discutir isso.”

O ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, classificou de “preocupante” a dependência do Brasil em relação aos fertilizantes importados. Ele afirmou ser contrário a qualquer taxação à importação de fertilizantes. “A tendência é desonerar. Taxar importação, nunca”, disse Stephanes.

O ministério defende o fim da cobrança do Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), que é de 25% e incide sobre a importação de insumos agropecuários, o que eleva os custos de produção da atividade agrícola.

quarta-feira, julho 02, 2008

BBC Brasil - 24/06/08

Anestésicos podem piorar dor pós-operatória, diz estudo
Anestesista
Alguns anestésicos têm efeitos colaterais nocivos
Alguns anestésicos podem piorar a dor após a cirurgia, diz um estudo publicado nos Estados Unidos.

Segundo a pesquisa, feita por especialistas do Georgetown University Medical Center, em Washington DC, algumas drogas anestésicas usadas mundialmente possuem efeito irritante, estimulando os nervos e causando desconforto muito tempo após a operação.



O estudo, incluído na mais recente edição da revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, pode levar profissionais da área a optar por outros tipos de anestésicos.

Um especialista britânico disse que resolver o problema da dor pós-operatória é hoje uma prioridade entre anestesistas.

Alho e pimenta malagueta

Os cientistas sabem há algum tempo que certas drogas, como o gás isoflurano, são eficientes em levar o paciente ao estado de inconsciência e mantê-lo nessas condições, mas também são agentes químicos irritantes.

Alguns anestesistas usam drogas analgésicas para minimizar esse efeito antes mesmo de ministrar o anestésico.

O novo estudo, no entanto, sugere que a ação irritante dos anestésicos não é passageira, e permanece durante muito tempo após os efeitos do analgésico e da anestesia terem passado.

Segundo os cientistas, essas drogas agem nos mesmos receptores das células nervosas que são ativados quando em contato com substâncias como alho, mostarda e pimenta malagueta.

Se estimulados de forma muito intensa, os receptores podem não apenas produzir uma sensação imediata de dor, mas também podem levar a uma supersensibilização a longo prazo dos sensores da dor no sistema nervoso.

No paciente, a conseqüência pode ser um aumento significativo da dor após a cirurgia.

Experiência

Como parte do estudo, os pesquisadores manipularam o DNA de ratos, retirando dos animais dois receptores nervosos específicos.

Eles verificaram que os animais não apresentaram sinais de dor após ser expostos aos gases anestésicos.

O responsável pelo estudo, Gerard Ahern, disse: "Não há um reconhecimento de que essas drogas resultem na liberação de substâncias químicas que recrutam células do sistema imunológico para os nervos, o que causa mais dor de inflamação".

"A escolha do anestésico parece ser um determinante importante na dor pós-operatória".

Ahern disse que embora esse efeito possa ser reduzido pelo uso de outros tipos de anestésicos, as alternativas disponíveis podem não ser tão eficientes em outros aspectos.

Comentando o estudo, Ian Power, um especialista da University of Edinburgh, na Escócia, disse que a dor pós-operatória continua a ser um problema sério, apesar de avanços no campo da anestesia nas últimas décadas.

"Estamos muito conscientes de que a dor aguda pós-operatória pode persistir e tornar-se crônica e duradoura, e temos procurado as razões para isso - talvez essa pesquisa possa esclarecê-las."

Outro especialista, Richard Langford, do Bart's e The London NHS Trust, disse que os resultados são interessantes, mas ressaltou que vários fatores se combinam para produzir a sensação de dor, como as proporções da cirurgia, a disposição mental e o grau de ansiedade do paciente.

BBC Brasil - 02/07/08

Globalização leva britânicos e americanos a criar 'supersindicato'
Metalúrgico
A Unite está se fundindo à United Steelworkers dos EUA
A maior central sindical da Grã-Bretanha, Unite, está se unindo ao sindicato americano United Steelworkers (USW), que representa os metalúrgicos, para criar uma nova entidade "global", a Workers Uniting, com 3 milhões de associados.

A fusão, a ser assinada em Las Vegas, nos Estados Unidos, nesta quarta-feira, tem o objetivo de sincronizar negociações salariais com companhias multinacionais.


A Unite foi formada no ano passado de uma fusão entre dois dos maiores sindicatos britânicos: Transport and General Workers Union e Amicus, que representavam milhares de trabalhadores de vários setores.

Derek Simpson, secretário-geral adjunto de Unite, disse que a iniciativa é uma resposta inevitável para a globalização das empresas.

"O poder político e econômico de companhias multinacionais é formidável", disse o sindicalista. "Elas podem jogar os trabalhadores de uma nação contra os de outra para maximizar seus lucros. Com este acordo nós podemos finalmente começar o processo de fechar esta lacuna", afirmou.

Simpson pediu a outros sindicatos, da Polônia à Austrália, para se unirem ao Workers Uniting.

O presidente do USW, Leo W. Gerard, disse que a fusão das entidades britânica e americana é necessária para enfrentar "o crescente poder do capital global".

"A globalização deu aos financistas licença para explorar trabalhadores nos países em desenvolvimento às custas de nossos membros nos países desenvolvidos", afirmou.

"Só a solidariedade global entre trabalhadores pode superar este tipo de exploração global onde quer que ela ocorra."

BBC Brasil - 02/07/08

Rússia suspende compra de carne de GO e PE
Carne brasileira
Medida deve ter pouco impacto nas exportações

Autoridades sanitárias russas baniram temporariamente importações de carne dos Estados brasileiros de Goiás e Pernambuco, devido à ocorrência de estomatite vesicular nos animais.

Segundo a agência de vigilância sanitária russa, Rosselkhoznadzor, a medida atingirá exportações de carne de bovinos, suínos e outras espécies de animais a partir do dia 12 de junho.

Mas o efeito da decisão sobre as exportações deve ser pequeno, já que Goiás é apenas um pequeno exportador de carne para a Rússia, enquanto as vendas de Pernambuco para o país são inexistentes.

De acordo com o Ministério da Agricultura brasileiro, a Rússia é hoje o maior comprador individual da carne brasileira e já importa quase todo o volume comprado por 27 países da União Européia, que totalizou 952 mil toneladas em 2007.

Ainda segundo o ministério, em volume, o país responde por 16,29% da exportação de carne brasileira. Só de carne bovina, as exportações para a Rússia correspondem a 28,8% do total de volume exportado, e a 22,6% do valor arrecadado.

Em 2007, a carne bovina foi responsável pelo embarque de 461,9 mil toneladas, seguida da carne suína, com 278,6 mil toneladas.

Em valores, a carne bovina atingiu US$ 1 bilhão e a suína, US$ 667,4 mil.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/07/08

Lula e Chávez unidos contra a Quarta Frota

Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Venezuela, Hugo Chávez, aproveitaram a Reunião de Cúpula de Presidentes do Mercosul, realizada ontem na província argentina de Tucumán, para fazer uma dura cobrança ao governo dos Estados Unidos. A reportagem é de Eliane Oliveira, Janaína Figueiredo e Leonardo Valente e publicada pelo jornal O Globo, 02-07-2008.

Ambos os chefes de Estado manifestaram forte preocupação pela reativação da Quarta Frota da Marinha americana, que após 58 anos voltou ontem a realizar operações militares nas Américas do Sul, Central e no Caribe. Durante seu discurso, no plenário de presidentes do bloco, Chávez afirmou que a estratégia militar americana representa uma ameaça para os países do continente, e defendeu a necessidade de o Mercosul “pedir uma explicação ao governo dos Estados Unidos por sua atitude”. Lula, por sua vez, disse que o governo brasileiro pedirá explicações à secretária de Estado americana, Condoleezza Rice.

— Devemos perguntar, em bloco, ao governo dos EUA por que está mandando a Quarta Frota à nossa região — enfatizou o presidente da Venezuela, afirmando ainda que o objetivo dos EUA é apropriar-se dos recursos naturais dos países da região.

Já o presidente brasileiro se antecipou e disse ter dado instruções ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, para que peça esclarecimentos sobre a Quarta Frota ao Departamento de Estado americano.

— Descobrimos petróleo em toda a costa marítima brasileira. Queremos que os EUA expliquem isto (a Quarta Frota), porque vivemos numa região totalmente pacífica. Nossa única guerra é a guerra contra a pobreza e a fome — disse Lula.

Chávez, em seguida, citou o poderio militar de Brasil e Venezuela, ressaltando que a volta da unidade da Marinha americana à região é um tema muito importante.

Lula, você tem submarinos nucleares. Nós teremos mais aviões. Enfim, temos de saber o que eles pretendem em nossas águas. Isso é uma ameaça para todos os países da região — disse.

— A imprensa está investigando, temos que ficar atentos porque este é um assunto muito importante.

Em seu discurso, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, não se referiu diretamente à Quarta Frota, mas também destacou a importância de que os países da região preservem e defendam seus recursos naturais, “hoje na mira das grandes potências mundiais.” Outros líderes da região também protestaram contra o início das operações da unidade militar americana.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, disse que a iniciativa dos EUA é intervencionista. Já o ex-presidente cubano Fidel Castro escreveu em artigo que o objetivo da reativação “é espalhar o medo”.

Braço da Marinha americana na América Latina, a Quarta Frota americana atuou ativamente na região a partir de 1943, em meio à Segunda Guerra Mundial, com a missão prioritária de atacar embarcações alemãs na região e proteger navios aliados, que sistematicamente vinham sendo afundados por submarinos nazistas.

Com o fim da guerra e o deslocamento das atenções dos Estados Unidos para a então União Soviética, a frota foi extinta em 1950.

Desde então, sua região foi absorvida pela Segunda Frota, mas de forma secundária.

Segundo o Departamento de Estado americano, a reativação da frota tem como objetivo garantir a segurança das águas internacionais da região especialmente contra o tráfico de drogas e o terrorismo.

om sede na Flórida, não terá uma estrutura de navios fixa, mas começou a operar ontem com um porta-aviões nuclear, o George Washington (que poderá ser remanejado a qualquer momento para outras regiões) e mais 11 navios.

Seu novo comandante, Joseph Kernan, até então chefe do Comando de Táticas Especiais de Guerra Naval, é um dos mais respeitados veteranos de guerra da Marinha e sua indicação ao cargo, segundo especialistas, pode indicar a importância da recém-ativada frota.

Motivo é político, dizem analistas

Segundo analistas, a reativação é um recado político de Washington aos países da região.

— A reativação da Quarta Frota é uma forma sutil de mostrar que, ao contrário do que muitos dizem hoje, os Estados Unidos não abandonaram a América Latina, nem deixaram de considerá-la sua área de influência direta. Tem a ver também com a tentativa brasileira de criar um conselho de defesa subcontinental, como parte da Unasul. Por enquanto, é um gesto simbólico, de alerta — disse a pesquisadora Tatiana Teixeira, especialista em Estados Unidos e autora do livro “Os thinktanks e a sua influência na política externa dos EUA”.

Para outro especialista em Estados Unidos, o professor de relações internacionais Luiz Alberto Moniz Bandeira, a Quarta Frota mostra que os EUA têm vários objetivos estratégicos na região mas, mesmo assim, os governos locais não têm como protestar pois as leis internacionais permitem que qualquer país mantenha frotas em águas internacionais.

— O ministro da Defesa, Nelson Jobim, já declarou, entretanto, que o Brasil não admitirá que a Quarta Frota entre e opere dentro dos limites do mar territorial. Não se trata de bravata, mas de uma admoestação. Se entrar em águas territoriais, o Brasil tem todo o direito de protestar e os EUA não vão querer um incidente diplomático.

O potencial bélico que possui tem limites políticos. De qualquer modo, a reativação mostra a urgente necessidade de reequipar e modernizar a Marinha do Brasil, que foi sucateada nos anos 1990, e acelerar a construção do submarino nuclear — disse.

terça-feira, julho 01, 2008

OS MILITARES E A SOCIEDADE CIVIL

OS MILITARES E A SOCIEDADE CIVIL
Oliveiros S Ferreira
Palestra proferida no NUPRI da USP em 17/05/2008
Para bem compreender as relações entre as Forças Armadas e a Sociedade é preciso definir, antes de tudo, no que umas se distinguem, enquanto princípio, da outra. Isso significa avaliar os traços distintivos da sociedade — que alguns timbram em chamar de civil — e do grupo militar. Resumidamente, esses traços distintivos são:
a. enquanto princípio constitutivo:
Militares — O princípio é burocrático, hierárquico. As chefias são escolhidas segundo padrões estabelecidos pela hierarquia. Guiam-se pelo que Hermann Heller chama de “segurança militar", isto é, a certeza probabilística de que a ordem dada será cumprida.
Civis — O princípio é político, eletivo. As chefias são eleitas e necessitam ter legitimidade para exercer a dominação. Guiam-se, esses grupos, pelo que Heller chama de "segurança jurídica", isto é, a incerteza que cerca a obediência às ordens, na medida em que a dominação só é possível se dirigentes e dirigidos partilham dos mesmos valores que inspiram a norma jurídica que consagra a dominação.
b. enquanto princípio aglutinador:
Militares — O princípio que aglutina o grupo militar é a honra. Dessa perspectiva, os militares são uma corporação no sentido em que se toma a palavra quando nos referimos às antigas corporações. Um sociólogo diria que a solidariedade que une os membros do grupo é de comunhão. Outro, para explicar, diria que o membro do grupo militar sente como dirigida contra ele a ofensa feita ao grupo, e que o grupo toma como dirigida a ele aquilo que reputa ofensa a seu membro. Pensando em tipos sociológicos, podemos dizer que os valores que mantêm unido o grupo militar são diferentes, quando não antagônicos aos valores da economia monetária, especialmente o juro e o lucro.
Civis — Contrariamente ao grupo militar, o que aglutina os civis são o status, o poder e a riqueza. Os civis integram uma sociedade de classes (inclusive as ditas socialistas). A solidariedade que une cada grupo da sociedade é de comunidade ou de massa. A honra é substituída pela legalidade formal das ações. Os valores monetários são valorizados, especialmente o lucro, embora haja momentos em que grupos civis condenam os juros abusivos.
Há idéias fundamentais sobre as quais, acredito, devemos meditar.
Em linhas gerais, a corporação deve ser vista como uma unidade de vontade e de potência; ao reduzir os membros do grupo a uma unidade orgânica de pessoas, a corporação torna-se o sujeito próprio dos poderes e dos direitos coletivos, do grupo. Desse ponto de vista, "a fusão orgânica dos indivíduos membros de um ser corporativo implica necessariamente que ele concentrará nele, a partir dessa fusão, as faculdades jurídicas do grupo unificado. É assim, por sua organização unificante, que a coletividade se encontra erigida em sujeito de direitos" (Carré de Malberg, “Contribution à la théorie générale de l'État", vol.I, 33).
A corporação militar, é preciso que se tenha presente, não se insere num universo de grupos que respondem ao mesmo e igual princípio, mas sim numa sociedade de classes, que alguns preferem caracterizar como contratual ou de adesão voluntária. De qualquer forma, cabe distinguir — e isso reputo fundamental e por isso repito — que o princípio constitutivo da corporação militar é a honra; que o princípio constitutivo da organização contratual ou de adesão, civil, é o interesse individual.
A segunda idéia para a qual chamaria sua atenção é a seguinte: os grupos sociais, inclusive a corporação militar, são funcionais, isto é, constituem-se para desempenhar determinada função. Diferentemente dos grupos civis, a corporação militar raramente realiza sua função precípua que é a guerra. Ao contrário dos empresários que todos os dias dirigem; dos operários que todos os dias trabalham sob ordens, dos professores que diariamente dão aulas, os militares só fazem a guerra em última instância. O que significa, salvo melhor juízo, que existe uma disfunção implícita na corporação militar — disfunção que a sociedade como um todo e os governos no mais das vezes desejam ardentemente que se perpetue, ainda que as Forças Armadas sejam o braço armado do Estado.
O grupo militar sofre de uma crise de disfuncionalidade mais do que os grupos civis, muitas vezes também sujeitos a esse tipo de crise. Feito para a guerra, o militar vê que a sociedade se rejubila com o fato de ela não acontecer. Alguns membros da corporação poderão ver com satisfação que essa é a realidade. Esse sentimento dá-se num primeiro momento. Num segundo momento, porém, o militar sente-se inseguro por não ter função e por ver que a sociedade o considera inútil. A História tem registrado momentos em que as sociedades, especialmente aquelas em desenvolvimento, passam por sérias crises institucionais, aquelas em que os mecanismos que permitem que se alcance uma solução negociada já não funcionam. Nessas ocasiões, haverá grupos civis que desejarão que os militares interfiram nos negócios internos, apesar do que possam estabelecer constituições e leis. Muitas vezes, depois que tudo voltar ao normal e novos mecanismos tiverem sido construídos, é possível (quase certo) que os mesmos grupos que pediram a intervenção condenem os militares por terem atendido a seu apelo e realizado a intervenção contra as leis.
A disfuncionalidade básica da corporação militar agrava o que se poderia chamar de crise de identidade, que se traduz numa pergunta: “Para que existo?”. Quando essa crise se instala concomitantemente com a inflação há o risco de que se solape o sentido de honra e a hierarquia e a disciplina se vejam ameaçadas. Afora isso, a inflação tende a colocar a corporação militar em atitude de expectativa crítica diante do Governo, ao qual devem obediência política, mas não corporativa.
Quando o governo, por esse ou aquele motivo, congela orçamentos, reduzindo ou negando investimentos, a corporação amarga o sentimento de rejeição de parte da sociedade e, o que é mais grave, de parte do governo que, a elas, parece desconhecer que uma das funções das Forças Armadas é sustentar o Estado. Desde que, como diria o General de Gaulle, haja um Estado.
Outra idéia para a qual chamo sua atenção é que a corporação militar é composta de indivíduos sujeitos a um tipo de disciplina especial. Quando se cumpre a função precípua da corporação, a disciplina — raciocino no limite, desconsiderando a atitude daqueles que combatem pelo ideal nacional — se mantém mediante a certeza de que a morte certa espera na retaguarda aquele que não desejar arriscar a vida na frente de combate. Essa disciplina e seu fundamento aberram da natureza — e por isso não encontram igual nos grupos civis.
A disciplina militar não é compreendida pelos integrantes das sociedades modernas. Se, nelas, os velhos são vistos com ”caretas”, que dizer dos militares? São tidos como "milicos" — e dito isso se estabelece, pelo elo semântico, a profunda separação entre dois tipos de indivíduos: um, buscando usufruir da vida enquanto energia houver, outro, buscando viver enquanto persistir o sentido de missão, que interiorizou, e a certeza de que o Conselho de Justificação ou a corte marcial o espera se não cumprir seu dever.
Será alguém, dotado de razoável bom-senso e desfrutando relativamente bem dos lazeres que a sociedade industrial ou pós-industrial coloca a nosso dispor, capaz de compreender a vida de um submarinista, ou a de um tripulante de um blindado, mais especificamente de um tanque? Não falo do aviador — ele é o mais feliz de todos, pois realiza nos céus a autonomia que os homens porfiam por ter na sociedade. Como disse, certa feita, "o oficial-aviador é um homem só — ele, o inimigo, o horizonte e Deus. ... é ele quem, sozinho, joga a vida. ... O aviador é o Quixote que sobreviveu à Cavalaria e integrou-se na mecanização da morte".
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Reflitamos alguns instantes sobre cada uma dessas idéias.
Sendo a honra o princípio constitutivo da corporação militar, é apenas normal que seus membros não compreendam como, na sociedade exterior, o interesse individual possa ser princípio aglutinador de ações pessoais e coletivas. Essa oposição entre dois princípios constitutivos não é apenas teórica; é prática, e disso temos plena consciência quando buscamos entender as razões que levam o empresário a acumular lucros ou o burocrata soviético a desejar ter mais e mais poder e dinheiro ainda que à custa da corrupção. Em países em que o capitalismo não se estabeleceu plenamente e ainda não impregnou a sociedade com seu ethos racional, é difícil para o militar integrar-se no espírito da ação lucrativa, que deixa ao Mercado (essa abstração tão mal compreendida por muitos) a solução das divergências entre os interesses. Não é de estranhar, assim, que os militares, enquanto tipo social, em princípio se oponham ao liberalismo e sejam propensos a aceitar o que se poderia denominar de capitalismo de Estado, sistema econômico em que normas burocráticas e considerações opostas ao lucro e ao interesse individual dirigem em teoria as ações econômicas – independentemente de juízos sobre a eficiência de um sistema e outro.
A disfuncionalidade talvez seja a principal questão que perturba o militar na sociedade moderna. São poucos os Estados modernos, e digamos democráticos, que ainda mantêm Forças Armadas funcionais em constante estado de “pronto”. O fato de haver Estados que não as têm em estado de “pronto” não obscurece o fato de por toda parte existirem Forças Armadas, cujo nível de equipamento e preparo é visto como insuficiente por seus integrantes. Elas são, muitas vezes, empregadas em situações de guerra interna para as quais não foram preparadas, ou em ações de natureza civil — um e outro emprego não se coadunando com sua destinação corporativa se assim se pode dizer.
O fato de ser uma corporação organizada em torno da honra faz das Forças Armadas um corpo estranho na sociedade civil, especialmente no Brasil, país de mil contrastes e nenhuma solução. Na verdade, nas sociedades como a brasileira em que a anomia social começa a estabelecer-se, as Forças Armadas são possivelmente a única, ou uma das poucas instituições que mantêm um mínimo de disciplina. Do prisma em que vejo as coisas, por isso mesmo a disfunção das Forças Armadas só tende a aumentar — disfunção não mais produzida apenas pela impossibilidade de emprego, mas ampliada pelo fato de serem um grupo organizado dentro de uma sociedade a caminho da desorganização. Quando bandos criminosos liberam territórios nas cidades e neles impõem sua lei sem que o Poder de Estado consiga ou deseje se afirmar, as Forças Armadas transformam-se num corpo à parte da sociedade e do próprio Estado. Pior ainda, não podem impedir que os germes da indisciplina e da corrupção que pululam no lá-fora abalem sua estrutura ao nível dos subordinados, obrigando os superiores ao desempenho de funções pedagógicas e punitivas muito acima do normal previsível.
Uma sociedade em anomia tende a conduzir a duas situações limites: ou as Forças Armadas se transformam em outros tantos grupos privados dispostos a dividir território e poder, como na China pré-revolucionária, e então perdem sua característica básica que é a unidade de comando e a disciplina, ou então se encasulam e se constituem em corpos estranhos enquistados na sociedade. Nessa hipótese não se sabe até quando, para defender os valores que constituem sua razão de ser e sua consciência de que lhes cabe defender o Estado, resistirão ao impulso de assumir as funções de polícia ou assumir posição real de controle das situações.
Por esses três fatores — o princípio constitutivo, a função e a disciplina — os militares situam-se à margem da nossa sociedade dita moderna. Será assim tão difícil compreender por que os militares sejam levados a colocar, a serviço dos interesses nacionais compreendidos à luz da visão do mundo que corporação lhes transmite, as armas que a Nação lhes deu para defendê-la contra os inimigos externos ou contra aqueles que vêem como inimigos do Estado?
É preciso estar atentos para a crise de Estado em que vivemos — possivelmente em seu início, mas ainda assim presente. Seu começo é uma crise de Governo, e é por isso que, quando falo em crise de Estado, são poucos os que concordam comigo.
Contando com o contraditório para melhor fixar idéias, gostaria de abordar esse tema, começando por dizer que a compreensão da necessidade da existência de um grupo específico encarregado de defender o Estado e a própria sociedade está estreitamente ligada à idéia que essa mesma sociedade tem do Estado – Território, Destino, Governo.
Não pretendo aqui discutir questões teóricas de Geopolítica; quero, tão-só, chamar atenção para a importância que o Território tem, primeiro, naquilo que se poderia chamar de percepção do caráter concreto do Estado pela sociedade; depois, nas relações do Estado nacional com os demais Estados. A esse propósito, diria que muitas das crises que, hoje, são consideradas como crises internacionais, espelham, a rigor, uma das características, se não a fundamental, do Volksgeist. O exemplo disso é a dupla saga, sionista e palestina, que marca a realidade internacional que sucedeu a 1948, sem que nos tenhamos detido o suficiente sobre a importância que o elemento Território tem para esses povos. Se não tivermos presente a relação entre a “visão” do Território (que não é a do Paraíso, mas talvez seja a da terra sobre a qual erguer a escada que leva a ele, tal qual no sonho de Jacó) e o Volksgeist, não seremos capazes de compreender a história do Sionismo. Muito menos a vocação para a morte dos que engrossam as fileiras do terrorismo (e, não nos esqueçamos, dos que lhes dão apoio nas Intifadas) para alcançar obter seu Estado Palestino.
Mas não são, estes, os únicos exemplos que posso apresentar, buscando demonstrar minha tese que vai além da Geopolítica como muitos a entendem de modo estreito. As guerras balcânicas desde fins do século XIX, mas especialmente as que deitaram uma sombra negra sobre a Europa no fim do século XX, estão aí para nos demonstrar a verdade da afirmação.
O que foi dito serve para introduzir outra proposição: a de que a ligação primeira de um povo não é com o Estado, mas com o Território, porque ele é o primeiro ponto de referência do povo ao criar seu espírito, seu Volksgeist. O Estado é abstrato no sentido de que os simples (e mesmo, algumas vezes, os intelectuais) não são capazes de visualizá-lo, de tocá-lo, ao contrário do que fazem com a terra que têm como sua, porque habitam seu chão, quando não o transformam para sua sobrevivência. O Estado é ente real e construção teórica dos (chamemo-los assim) intelectuais orgânicos do povo, aqueles que são capazes de traduzir em palavras o significado profundo dos símbolos coletivos em que se expressa o espírito do povo, espírito esse que marca como ferrete em brasa a Nação. O Território é dado de fato concreto, pois é nele que se vive e que se morre (e por ele se mata, também, convém não esquecer, para fazê-lo nosso).
Avançaria para dizer que, enquanto o Território não integra o Volksgeist como seu elemento fundador, o Estado é uma abstração para o povo, que dele só conhece o Governo. E que quando se esvaece a idéia de que o Território é a conditio realiter do Estado, o Governo vê-se diante de dramáticas situações em caso de invasão do território estatal ou de tentativas de subversão da idéia que o Povo faz de si mesmo e de seu Destino.
Não se pode pensar que a idéia do território estatal – não do pedaço de terra de cada um – impõe-se como um dado ao povo. O processo de criação do Volksgeist é mais complexo do que desejariam os que fazem dele sua bandeira de combate contra o estrangeiro. A relação entre Território e Estado, da perspectiva da criação e firme existência do Volksgeist depende de que os indivíduos sejam capazes de superar os obstáculos impostos ao contato constante e duradouro entre os núcleos populacionais pela deficiência das vias de comunicação ou a ausência delas. Se admitirmos, para argumentar, que, em suas relações sociais, os indivíduos se guiam, mentalmente, pelo território que ocupam ou por até onde vão suas atividades econômicas e suas perspectivas afetivas de futuro individual ou coletivo, veremos que num país da dimensão do Brasil, continental e com as deficiências de infra-estruturas que são notórias, não se deve, a priori, partir do pressuposto de que, a formar o Espírito do povo, esteja presente a idéia do território estatal. A história nos dá suficientes lições de que houve momentos em que, levantando-se contra o Estado, o Território que as revoluções pretendiam abranger era sempre menor do que aquele que Estado delimitara juridicamente – 1817, 1824, 1835, 1842. E, como querem alguns, 1932.
Dessa perspectiva, concordaria com o general Aurélio Lyra Tavares que, quando comandante da 7ª. Região Militar, dizia que o Exército Nacional era e tinha sido a coluna vertebral em torno da qual se estruturara o Brasil. Espinha dorsal, acrescentaria eu, na medida em que era e é uma organização nacional, no sentido de que atua em todo o território estatal. Não é demais dizer que o general Lyra Tavares tinha perfeita consciência de que o Exército era um instrumento do Estado e que dele fazia as vezes, quando o Governo não tinha como chegar aos mais afastados rincões do país. Um Exército que ocupasse o território e o vivificasse — essa a proposição, nem sempre oculta, do general Góes Monteiro nos anos 1930. Para que o Território integre, como idéia, o Volksgeist, é necessário que o Estado vivifique o seu Espaço e faça que as vias de comunicação sirvam não apenas para fomentar o comércio e o turismo, mas para permitir que as populações de fato se comuniquem, troquem suas experiências de vida, suas esperanças e frustrações. Só assim todos construirão a imagem de todos ocupando o mesmo território e formando como partes integrantes o mesmo Estado.
Aos que resistirem a essas proposições, darei exemplo de survey não científico que venho fazendo com meus alunos em duas faculdades. Pergunto-lhes, de maneira a permitir uma resposta sincera, se estariam prontos a alistar-se para recuperar parte do território da Amazônia que fora ocupada pelas FARC. Invariavelmente, a resposta é Zero, isto é, ninguém se disporia a alistar-se. Houve ocasião em que alguém disse que, se fossem os Estados Unidos e não as FARC, estaria disposto a lutar; em outra classe, alguém também disse que pagaria mais impostos para que outros fossem lutar. A conclusão a que cheguei é que a idéia de Território não pertence ao universo de pensamento e ação de boa parte dos jovens estudantes paulistas, e, se não pertence a esse universo, é possível pressupor que não pertença ao universo dos demais jovens estudantes do País; e que a idéia de Estado esteja se desfazendo no Brasil.
O Estado, porém, tenhamos claro, não é apenas Território. É também Destino e Governo.
O Destino é aquele da Nação, que construímos em nossos sonhos, acalentados por uma idéia nem sempre assente na dura realidade dos dias em que cada um de nós vive e morre. A Nação é uma idéia que um grupo tem e faz sua, procurando expandi-la para outros. Mas, para que o grão não morra, é preciso que a semente lançada à terra seja fecundada pela ação de muitos, especialmente daqueles que, acreditando numa boa safra, ocupam o Governo. É importante fixar que sonhamos a Nação antes de ocupar o Governo que indicará a todos qual será o futuro. O Governo, por si, não sonha; o sonho da Nação é de alguns poucos que, ocupando parte do Território, pretendem que ela se construa nele. Importa ver que se não houver uma íntima associação entre o sonho e as ações do Governo, o Estado continuará sendo uma abstração e as sucessivas administrações perderão a capacidade de mobilizar a sociedade para construir seu futuro.
Quero dizer que a Nação não sobrevive apenas como um estado d’alma da sociedade. Ela resulta da interação dos indivíduos que a idealizam e são capazes de manter contatos criadores ao longo do território — isso exige que as servidões da infra-estrutura sejam vencidas e as vias de comunicação sirvam não só para o comércio e o turismo, mas também e, sobretudo, repito, para que os indivíduos e grupos troquem experiências e construam seu Destino.
Não apenas disso, porém; o estado d’alma de uma sociedade resulta também das ações do Governo que permitam a cada membro dela intuir ou saber de certeza sabida que pertence a uma Nação que tem um papel a desempenhar no conjunto das nações e que ele, indivíduo, tem um lugar nela e um papel a desempenhar na construção de um futuro que é dela.
O sentimento de pertença à Nação e a íntima convicção de que os antigos tinham razão ao dizer: “Certa ou errada, minha Nação”, confronta-se com aquilo que alguns filósofos diziam ser a tendência do ser humano a desejar mais e mais poder ou ter, na vida em sociedade, apesar de todos os constrangimentos a que ela sujeita, maior independência, autonomia e poder. É um sistema de forças — umas centrífugas, outras centrípetas — cuja resultante apenas o Estado pode resolver a favor daquilo que, em momentos de grande crise nacional, os franceses chamaram de union sacrée.
A crise do Estado vem do fato de que o núcleo de poder no Estado, para voltar a Hermann Heller, não tem mais projeto para oferecer à sociedade e nem às Forças Armadas, que só sustentam o Estado quando ele tem projeto. Um projeto não é um conjunto de ações de governo. A falta de um projeto decorre do fato de que o grupo que pensa a Nação não tem força (que resulta do contato criador entre os indivíduos) para afirmar sobre as tendências anti-sistêmicas, a sua idéia, o seu projeto.
Creio que o momento é propício para que se lance um olhar sobre o passado imperfeito, especialmente tendo em conta que o presidente da República insiste em dizer que seus programas de governo permitem que seu governo seja equiparado aos de Juscelino Kubitschek — seguramente louvado na entronização que alguns meios de comunicação fizeram do então presidente — e de Ernesto Geisel. S.Exa. poderia, para fazer justiça, referir-se ao governo do Marechal Eurico Gaspar Dutra, que formulou o Plano Salte, que permitiu um avanço nos setores de energia e transporte. Deixemos, já consagrado, o período JK e fixemo-nos no de Ernesto Geisel, que tem em comum com nossa palestra o fato de ter sido o que encerrou, em janeiro de 1979, o ciclo de presidências militares governando com poderes discricionários.
O projeto do Estado brasileiro de 1964 foi construir uma potência emergente capaz de impor-se â América Latina e contrapor-se, enquanto expressão regional de poder, aos Estados Unidos. Inexistindo na sociedade grupo social que pudesse vertebrar tal aspiração, a mise-en-oeuvre desse projeto teve de ser confiada às Forças Armadas e à Diplomacia. As primeiras incumbiram-se de formular uma doutrina militar autônoma, concluída ao fim do governo Castelo Branco. Qualquer que seja o juízo que se faça sobre os autores do projeto e sobre a preeminência do Exército no conjunto das Armas, o fato é que o projeto foi assim concebido e executado. A Diplomacia incumbiu-se de marcar as distâncias dos Estados Unidos, assinalando desde 1964 que o fato de o Brasil pertencer ao chamado Ocidente não significava que defenderia os interesses da grande potência que, à época, defendia o Ocidente.
A História, sabemos todos, não segue linhas retas — afinal, Deus escreve certo por linhas tortas. O princípio do erro interfere de quando em quando — e só nos regimes parlamentaristas é que a queda de gabinetes permite que se retome o curso normal e necessário. O princípio do erro interveio no Brasil quando se celebrou o Acordo Nuclear com a Alemanha. Objetivamente, esse acordo, que foi a conclusão de estudos do então Conselho de Segurança Nacional com certeza a partir de 1967, respondia a uma dupla necessidade: uma, assegurar o suprimento de energia elétrica ao ecúmeno principal; outra, permitir que o Brasil tivesse o controle do ciclo completo do átomo.
O acordo nuclear e o terceiro-mundismo da Diplomacia — tendo como pano de fundo o rompimento do acordo militar Brasil-EUA e a incipiente indústria bélica — levaram os Estados Unidos a ter uma percepção das intenções do Estado brasileiro que não coincidia com a que os governos brasileiros tinham de suas ações. Esse desencontro de percepções — sempre fatal nas relações entre Estados — não impediu que o projeto de autonomia científico-tecnológica fosse levado a cabo. Mesmo quando — e daí eu falar em princípio do erro — se teve consciência de que o acordo nuclear com a Alemanha não permitia o enriquecimento autônomo do urânio. A resposta foi o programa nuclear paralelo, em cujo desenvolvimento a Marinha conseguiu enriquecer o urânio em porcentagem suficiente para abastecer um reator civil ou o de um submarino. Nesse estágio, tudo parou: fosse a construção de reatores para cidades médias e pequenas, a fim de fazer cessar a dependência de energia gerada em terceiros países, fosse o projeto do submarino nuclear, condenado por ativos grupos civis que conseguiram obter dos governos da Nova República em diante o congelamento das verbas indispensáveis a que a Marinha continuasse seu projeto, que é, estejamos certos, um projeto de projeção de poder e autonomia do Estado brasileiro.
Em Argel, 1943, depois de ganhar a disputa com o General Giraud em torno de quem representaria a França Livre, o General de Gaulle cuida de organizar o Estado — a França, note-se, ainda está ocupada pelo exército alemão. A quem o aconselha a deter-se antes de tudo na Educação, o General de Gaulle responde com a sobranceria que lhe era peculiar: antes de tudo, o Exército, pois é ele que sustenta o Estado.
Essa idéia de que o Exército sustenta o Estado — e como organização é capaz de sustentar a idéia de Nação — não foi bem compreendida pelos governos militares apesar da clareza de visão do General Lyra Tavares antes de assumir o Ministério do Exército e, depois, integrar a Junta Militar. Quando se fizer sine ira et studio a história da relação entre as presidências militares e as Forças Armadas, ver-se-á que foi a partir de 1964 que seus orçamentos foram congelados ou aumentados apenas para conter a inflação, e se descuidou — exceto, talvez, no que se refere à Força Aérea em alguns momentos típicos — de sua missão estratégica e de sua função numa sociedade que já apresentava alguns sinais de anomia.
Hoje, as Forças Armadas sofrem as conseqüências dessa visão estreita de sua função numa sociedade como a brasileira. O papel secundário a que são relegadas no Estado é um indicador seguro de que os sucessivos governos pós-1964 abriram mão de fortalecer o poder do Estado nacional no momento em que as tensões internas e internacionais exigiam que se atentasse para tal. Na passagem da idéia da defesa associada à de criar-se um organismo sul-americano de defesa pode vislumbrar-se projeto de reduzir as funções das Forças Armadas, especialmente do Exército, às de mero coadjuvante das ações de paz das Nações Unidas. Com o que se está transformando o Exército — e por extensão as demais Forças — da realidade de espinha dorsal da Nação em executor das decisões dos governos de um Estado que se poderia chamar de Estado-sipaio da globalização.
Por "sipaio", conforme tenho muitas vezes esclarecido, entenda-se metaforicamente aquilo que está nos dicionários: “soldado natural da Índia, a serviço dos ingleses”.
Muito obrigado.