"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, maio 14, 2010

POSTE DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA 100% ALIMENTADO POR ENERGIA EÓLICA E SOLAR

Revista Fiec

Cem por cento limpeza

Por GEVAN OLIVEIRA


Empresário cearense desenvolve o primeiro poste de iluminação pública 100% alimentado por energia eólica e solar

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Não tem mais volta.

As tecnologias limpas – aquelas que não queimam combustível fóssil – serão o futuro do planeta quando o assunto for geração de energia elétrica. E, nessa onda, a produção eólica e solar sai na frente, representando importantes fatias na matriz energética de vários países europeus, como Espanha, Alemanha e Portugal, além dos Estados Unidos. Também está na dianteira quem conseguiu vislumbrar essa realidade, quando havia apenas teorias, e preparou-se para produzir energia sem agredir o meio ambiente. No Ceará, um dos locais no mundo com maior potencial energético (limpo), um ‘cabeça chata’ pretende mostrar que o estado, além de abençoado pela natureza, é capaz de desenvolver tecnologia de ponta.

O professor Pardal cearense é o engenheiro mecânico Fernandes Ximenes, proprietário da Gram-Eollic, empresa que lançou no mercado o primeiro poste de iluminação pública 100% alimentado por energias eólica e solar. Com modelos de 12 e 18 metros de altura (feitos em aço), o que mais chama a atenção no invento, tecnicamente denominado de Produtor Independente de Energia (PIE), é a presença de um avião no topo do poste.

Feito em fibra de carbono e alumínio especial – mesmo material usado em aeronaves comerciais –, a peça tem três metros de comprimento e, na realidade, é a peça-chave do poste híbrido. Ximenes diz que o formato de avião não foi escolhido por acaso. A escolha se deve à sua aerodinâmica, que facilita a captura de raios solares e de vento. "Além disso, em forma de avião, o poste fica mais seguro. São duas fontes de energia alimentando-se ao mesmo tempo, podendo ser instalado em qualquer região e localidade do Brasil e do mundo", esclarece.

Tecnicamente, as asas do avião abrigam células solares que captam raios ultravioletas e infravermelhos por meio do silício (elemento químico que é o principal componente do vidro, cimento, cerâmica, da maioria dos componentes semicondutores e dos silicones), transformando-os em energia elétrica (até 400 watts), que é armazenada em uma bateria afixada alguns metros abaixo. Cumprindo a mesma tarefa de gerar energia, estão as hélices do avião. Assim como as naceles (pás) dos grandes cata-ventos espalhados pelo litoral cearense, a energia (até 1.000 watts) é gerada a partir do giro dessas pás.

Cada poste é capaz de abastecer outros três ao mesmo o tempo. Ou seja, um poste com um "avião" – na verdade um gerador – é capaz de produzir energia para outros dois sem gerador e com seis lâmpadas LEDs (mais eficientes e mais ecológicas, uma vez que não utilizam mercúrio, como as fluorescentes compactas) de 50.000 horas de vida útil dia e noite (cerca de 50 vezes mais que as lâmpadas em operação atualmente; quanto à luminosidade, as LEDs são oito vezes mais potentes que as convencionais). A captação (da luz e do vento) pelo avião é feita em um eixo com giro de 360 graus, de acordo com a direção do vento.

À prova de apagão

Por meio dessas duas fontes, funcionando paralelamente, o poste tem autonomia de até sete dias, ou seja, é à prova de apagão. Ximenes brinca dizendo que sua tecnologia é mais resistente que o homem: "As baterias do poste híbrido têm autonomia para 70 horas, ou seja, se faltarem vento e sol 70 horas, ou sete noites seguidas, as lâmpadas continuarão ligadas, enquanto a humanidade seria extinta porque não se consegue viver sete dias sem a luz solar".

O inventor explica que a idéia nasceu em 2001, durante o apagão. Naquela época, suas pesquisas mostraram que era possível oferecer alternativas ao caos energético. Ele conta que a caminhada foi difícil, em função da falta de incentivo – o trabalho foi desenvolvido com recursos próprios. Além disso, teve que superar o pessimismo de quem não acreditava que fosse possível desenvolver o invento. "Algumas pessoas acham que só copiamos e adaptamos descobertas de outros. Nossa tecnologia, no entanto, prova que esse pensamento está errado. Somos, sim, capazes de planejar, executar e levar ao mercado um produto feito 100% no Ceará. Precisamos, na verdade, é de pessoas que acreditem em nosso potencial", diz.

Mas esse não parece ser um problema para o inventor. Ele até arranjou um padrinho forte, que apostou na idéia: o governo do estado. O projeto, gestado durante sete anos, pode ser visto no Palácio Iracema, onde passa por testes. De acordo com Ximenes, nos próximos meses deve haver um entendimento entre as partes. Sua intenção é colocar a descoberta em praças, avenidas e rodovias.

O empresário garante que só há benefícios econômicos para o (possível) investidor. Mesmo não divulgando o valor necessário à instalação do equipamento, Ximenes afirma que a economia é de cerca de R$ 21.000 por quilômetro/mês, considerando-se a fatura cheia da energia elétrica. Além disso, o custo de instalação de cada poste é cerca de 10% menor que o convencional, isso porque economiza transmissão, subestação e cabeamento. A alternativa teria, também, um forte impacto no consumo da iluminação pública, que atualmente representa 7% da energia no estado. "Com os novos postes, esse consumo passaria para próximo de 3%", garante, ressaltando que, além das vantagens econômicas, existe ainda o apelo ambiental. "Uma vez que não haverá contaminação do solo, nem refugo de materiais radioativos, não há impacto ambiental", finaliza Fernandes Ximenes.

Vento e sol

Com a inauguração, em agosto do ano passado, do parque eólico Praias de Parajuru, em Beberibe, o Ceará passou a ser o estado brasileiro com maior capacidade instalada em geração de energia elétrica por meio dos ventos, com mais de 150 megawatts (MW). Instalada em uma área de 325 hectares, localizada a pouco mais de cem quilômetros de Fortaleza, a nova usina passou a funcionar com 19 aerogeradores, capazes de gerar 28,8 MW. O empreendimento é resultado de uma parceria entre a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a empresa Impsa, fabricante de aerogeradores. Além dessa, a parceria prevê a construção de dois outros parques eólicos – Praia do Morgado, com uma capacidade também de 28,8 MW, e Volta do Rio, com 28 aerogeradores produzindo, em conjunto, 42 MW de eletricidade. Os dois parques serão instalados no município de Acaraú, a 240 quilômetros de Fortaleza.Se no litoral cearense não falta vento, no interior o que tem muito são raios solares. O calor, que racha a terra e enche de apreensão o agricultor em tempos de estiagem, traz como consolo a possibilidade de criação de emprego e renda a partir da geração de energia elétrica. Na região dos Inhamuns, por exemplo, onde há a maior radiação solar de todo o país, o potencial é que sejam produzidos, durante o dia, até 16 megajoules (MJ – unidade de medida da energia obtida pelo calor) por metro quadrado.

Essa característica levou investidores a escolher a região, especificamente o município de Tauá, para abrigar a primeira usina solar brasileira. O projeto está pronto e a previsão é que as obras comecem no final deste mês. O empreendimento contará com aporte do Fundo de Investimento em Energia Solar (FIES), iniciativa que dá benefícios fiscais para viabilizar a produção e comercialização desse tipo de energia, cujo custo ainda é elevado em relação a outras fontes, como hidrelétricas, térmicas e eólicas.

A usina de Tauá será construída pela MPX – empresa do grupo EBX, de Eike Batista – e inicialmente foi anunciada com uma capacidade de produção de 50 MW, o que demandaria investimentos superiores a US$ 400 milhões. Dessa forma, seria a segunda maior do mundo, perdendo apenas para um projeto em Portugal. No entanto, os novos planos da empresa apontam para uma produção inicial de apenas 1 MW, para em seguida ser ampliada, até alcançar os 5 MW já autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Os equipamentos foram fornecidos pela empresa chinesa Yingli.

Segundo o presidente da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece), Antônio Balhmann, essa ampliação dependerá da capacidade de financiamento do FIES. Aprovado em 2009 e pioneiro no Brasil, o fundo pagaria ao investidor a diferença entre a tarifa de referência normal e a da solar, ainda mais cara. "A energia solar hoje é inviável financeiramente, e só se torna possível agora por meio desse instrumento", esclarece. Ao todo, estima-se que o Ceará tem potencial de geração fotovoltaica de até 60.000 MW.

Também aproveitando o potencial do estado para a energia solar, uma empresa espanhola realiza estudos para definir a instalação de duas térmicas movidas a esse tipo de energia. Caso se confirme o interesse espanhol, as terras cearenses abrigariam as primeiras termossolares do Brasil. A dimensão e a capacidade de geração do investimento ainda não estão definidas, mas se acredita que as unidades poderão começar com capacidade entre 2 MW a 5 MW.

Bola da vez


De fato, em todas as partes do mundo, há esforços cada vez maiores e mais rápidos para transformar as energias limpas na bola da vez. E, nesse sentido, números positivos não faltam para alimentar tal expectativa. Organismos internacionais apontam que o mundo precisará de 37 milhões de profissionais para atuar no setor de energia renovável até 2030, e boa parte deles deverá estar presente no Brasil. Isso se o país souber aproveitar seu gigantesco potencial, especialmente para gerar energias eólica e solar. Segundo o Estudo Prospectivo para Energia Fotovoltaica, desenvolvido pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o dever de casa no país passa, em termos de energia solar, por exemplo, pela modernização de laboratórios, integração de centros de referência e investimento em desenvolvimento de tecnologia para obter energia fotovoltaica a baixo custo. Também precisará estabelecer um programa de distribuição de energia com sistemas que conectem casas, empresas, indústria e prédios públicos.

"Um dos objetivos do estudo, em fase de conclusão, é identificar as oportunidades e desafios para a participação brasileira no mercado doméstico e internacional de energia solar fotovoltaica", diz o assessor técnico do CGEE, Elyas Ferreira de Medeiros. Por intermédio desse trabalho, será possível construir e recomendar ações estratégicas aos órgãos de governo, universidades e empresas, sempre articuladas com a sociedade, para inserir o país nesse segmento. Ele explica que as vantagens da energia solar são muitas e os números astronômicos. Elyas cita um exemplo: em um ano, a Terra recebe pelos raios solares o equivalente a 10.000 vezes o consumo mundial de energia no mesmo período.

O CGEE destaca, em seu trabalho, a necessidade de que sejam instituídas políticas de desenvolvimento tecnológico, com investimentos em pesquisa sobre o silício e sistemas fotovoltaicos. Há a necessidade de fomentar o desenvolvimento de uma indústria nacional de equipamentos de sistemas produtivos com alta integração, além de incentivar a implantação de um programa de desenvolvimento industrial e a necessidade de formação de profissionais para instalar, operar e manter os sistemas fotovoltaicos.

quarta-feira, maio 12, 2010

Michael Hudson e a crise na Grécia: A guerra das finanças contra a indústria e o trabalho

Site do Azenha - 12 de maio de 2010 às 11:37

Grécia hoje, Estados Unidos amanhã

O povo vs. Banqueiros

por Michael Hudson, no Counterpunch

Lobistas das finanças aqui nos Estados Unidos estão usando a crise grega como lição objetiva para alertar sobre a necessidade de cortar gastos públicos em Previdência Social e Medicare [programa federal americano de assistência médica]. Isso é o oposto do que os manifestantes gregos estão exigindo: reverter a mudança global que tira impostos da propriedade e das finanças para colocar no trabalho e dar prioridade ao pagamento de aposentadorias, não aos bancos que querem receber de volta 100% das centenas de bilhões de dólares em empréstimos irresponsáveis que fizeram, empréstimos que recentemente foram reduzidos ao status de lixo.

Vamos chamar a “operação de salvamento da Grécia” do que é: um TARP [programa de resgate do mercado financeiro dos Estados Unidos] para bancos alemães e europeus e para especuladores globais. O dinheiro virá de outros governos (principalmente do Tesouro alemão, que cortará gastos domésticos), numa espécie de conta através da qual o governo grego pagará investidores estrangeiros que compraram papéis cujos preços despencaram nas últimas semanas. Os investidores vão lucrar, assim como os compradores de bilhões de dólares em papéis de garantia da dívida grega, os especuladores no euro e outros jogadores do cassino capitalista (quem perdeu com papéis gregos também terá de ser salvo, e assim ad infinitum).

Quem vai pagar a conta são os contribuintes — no frigir dos ovos os gregos (na verdade os trabalhadores, já que os ricos escaparam de impostos), para reembolsar os governos europeus, o Fundo Monetário Internacional e mesmo o Tesouro dos Estados Unidos pelo seu compromisso com as finanças predatórias. O pagamento a quem tem papéis da Grécia será usado como desculpa para cortar serviços públicos, aposentadorias e outros gastos do governo. Será um modelo para outros países: impor medidas similares de austeridade num momento em que os governos aumentam seus déficits diante da queda na arrecadação de impostos sobre o setor financeiro, que enriquece com a transformação da “junk economics” em política internacional. E assim os banqueiros terão poucas dificuldades para pagar os bônus previstos para este ano. E quando todo o sistema entrar em colapso, eles terão se garantido comprando bens em seus nomes.

Os lobistas sabem que o jogo financeiro acabou. Estão jogando no curto prazo. O objetivo do setor financeiro é conseguir o maior valor possível em resgates e sair correndo, com bônus anuais suficientemente grandes para manter os banqueiros acima do resto da sociedade quando a hora final chegar. Menos gastos públicos em programas sociais significa mais dinheiro para cobrir as dívidas ruins que crescem exponecialmente e que, no fim, não poderão ser honradas. É inevitável: dívidas e empréstimos vão nos levar à convulsão da falência.

Os sindicatos gregos não estão pessimistas a ponto de desistir da luta. Reconhecem (o que o sindicalismo americano não faz) que alguém controlará o governo. Se os sindicatos — os manifestantes — perderem o espírito de luta, o poder será dado aos credores estrangeiros para ditar a política pública por WO. E quanto mais os interesses dos banqueiros for servido, mais a economia ficará a serviço da dívida. O ganho dos banqueiros é conquistado às custas de austeridade doméstica. Pagamentos de aposentadorias pelos fundos de pensão gregos e programas sociais do governo devem ficar à mercê do capital de bancos alemães e de outros países.

Essa visão de mundo já foi adotada na periferia mais ao norte da Europa, onde foi causa do masoquismo fiscal que os bancos agora querem ver implantado na Grécia. Tendo caído sobre suas próprias espadas, os governos do Báltico ficariam com ciúmes e mesmo com ressentimento se a Grécia conseguisse resgatar sua economia, quando eles fracassaram na tentativa de repudiar as demandas dos credores arrogantes. “Vista do lado oriental da União Europeia, a busca por medidas de austeridade na Grécia é notícia velha”, escreveu Nina Kolyako. “Por quase dois anos, os países bálticos — Lituânia, Letônia e Estônia — adotaram medidas draconianas, cortando gastos públicos e aumentando impostos para tentar sair do buraco”.

“Aprendemos dolorosamente, pesadamente e eficazmente a lição de que é preciso olhar cuidadosamente para a questão fiscal”, o primeiro-ministro lituano Andrius Kubilius disse à AFP numa entrevista recente. “Nós entendemos de forma clara que a consolidação fiscal era a única forma de sobreviver”.

Capitulando, num caso clássico de Síndrome de Estocolmo (literalmente, já que estamos falando de bancos suecos), o governo da Lituânia apertou os parafusos de tal forma que o PIB do país caiu 17%.

Uma queda similar aconteceu na Letônia. Os países bálticos cortaram empregos no setor público e salários, impondo pobreza em vez dos padrões de prosperidade da Europa ocidental (e taxação progressiva para incentivar a classe média) prometidos depois que os países bálticos conseguiram independência da Rússia em 1991.

Depois que o Parlamento da Letônia impôs medidas de austeridade em dezembro de 2008, protestos populares em janeiro derrubaram o governo (como aconteceu na Islândia). Mas o resultado foi meramente outro “regime de ocupação” neoliberal controlado por interesses de bancos estrangeiros. Então, o que está acontecendo é a Guerra Social em escala global — não a guerra de classes prevista no século 19, mas a guerra das finanças contra economias inteiras, contra a indústria, o mercado imobiliário e governos, além dos sindicatos. Está acontecendo em câmara lenta, da maneira que grandes transições históricas acontecem. Mas, como em um conflito militar, cada batalha parece frenética e causa ziguezague nos mercados mundiais de ações, bonds e moedas.

Tudo isso é boa notícia para os corretores e seus programas de computador. O compromisso médio de investimento nos mercados financeiros é de apenas alguns segundos, já que eles estão sujeitos a vastas ondas de crédito sopradas pelas tempestades do planeta superaquecido das finanças.

Próximo passo: Distopia econômica

A crise grega mostra como mudou a “ideia europeia” desde 1957, quando a Comunidade Econômica Europeia de seis membros foi formada. Com o apoio dos Estados Unidos, o Reino Unido e a Escandinávia criaram o grupo rival de sete membros, a Associação Europeia do Livre Comércio. Ainda assim, a promessa da Eurolândia — pelo menos antes de Maastricht e Lisboa — era dar aos trabalhadores status de classe média , não impor programas de austeridade do FMI do tipo dos que devastaram o Terceiro Mundo. A mensagem para os endividados é clara: “Morra”. E eles estão obedientemente assumindo o compromisso de suicídio econômico (como o Japão fez nos Plaza Accords de 1985) ao adotar o Consenso de Washington — a guerra de classe das finanças contra os sindicatos e a indústria.

Poder político, social, fiscal e econômico está sendo transferido para a burocracia da União Europeia e os controladores financeiros do Banco Central Europeu e do FMI, cujos planos de austeridade e programas anti-trabalho forçam governos a vender bens, terras, minerais e empresas públicas, além de assumir o compromisso de usar impostos futuros para pagar as dívidas junto às nações credoras. Essa política já foi imposta na “Nova Europa” (as economias pós-soviéticas e a Islândia) desde o outono de 2008. Será imposta agora a Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. Não é de espantar que haja quebra-quebras!

Para observadores que não viram o que aconteceu na Islândia e na Letônia no ano passado, a Grécia é o mais novo e maior campo de batalha. Pelo menos a Islândia e os países do Báltico têm a opção de re-denominar seus empréstimos em suas próprias moedas, cortar por conta própria a dívida externa e taxar propriedades para recapturar para o governo parte do que foi prometido a banqueiros estrangeiros. Mas a Grécia está trancada na união europeia, governada por autoridades monetárias que não foram eleitas, que inverteram o significado histórico de democracia. Em vez de o setor mais importante da economia — as finanças — se sujeitarem à política eleitoral, os bancos centrais (os lobistas oficiais de banqueiros comerciais e de investimento) se tornaram independentes dos controles sociais.

Direitistas da Europa e dos Estados Unidos (como o presidente do Banco Central, Ben Bernanke) chamam essa independência de “marca da democracia”. Na verdade é o selo da oligarquia, que tira o poder de alocação do crédito da economia — e, assim, do planejamento futuro — enquanto dá aos financistas o controle dos gastos em programas sociais.

A Islândia, a Letônia e agora a Grécia são os primeiros salvos numa campanha mundial para acabar com os grandes programas de reforma democrática do século 19 e a Era Progressista: taxação da terra e dos ganhos com imóveis, ações e bens financeiros e a subordinação do setor financeiro às necessidades de crescimento econômico sob direção democrática. Essa doutrina ainda era seguida pós-1945, na era da taxação progressiva, que resultou em crescimento econômico e no maior aumento do padrão de vida do século 20. Mas a maior parte dos países reverteu essa tendência fiscal desde 1980. Os coletores de impostos “libertaram” a renda de obrigações públicas para vê-la comprometida com os bancos, que passaram a usar o crédito para sustentar os preços do mercado imobiliário.

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Quando a plutocracia demoniza os “fracos”

Site do Azenha - 10 de maio de 2010 às 11:18

da introdução do livro War Against the Weak, de Edwin Black

Vozes assombram as páginas de todo livro. Esse livro, em particular, fala em nome dos não-nascidos, em nome daqueles cujas perguntas nunca foram ouvidas — daqueles que nunca existiram.

Através das seis primeiras décadas do século 20, centenas de milhares de norte-americanos e um número não calculado de outros não tiveram a permissão de continuar suas famílias através da reprodução. Selecionados por causa de sua ancestralidade, origem nacional, raça ou religião, eles foram esterilizados à força, erroneamente internados em instituições psiquiátricas onde morreram em grande número, proibidos de casar e algumas vezes “descasados” por burocratas estatais. Nos Estados Unidos, essa batalha para acabar com grupos étnicos foi lutada não por exércitos armados ou por seitas de ódio às margens da sociedade. Em vez disso, essa guerra de luvas brancas foi levada adiante por professores estimados, universidades de elite, ricos industriais e autoridades do governo que se juntaram em um movimento racista e pseudocientífico chamado “eugenia”. O objetivo: criar uma raça Nórdica superior.

Para perpetuar a campanha, fraude acadêmica generalizada combinada com filantropia corporativa sem limites estabeleceram as razões biológicas para a perseguição. Empregando um amálgama de achismos, fofoca, informação falsificada e arrogância acadêmica polissilábica, o movimento pela eugenia lentamente criou uma burocracia nacional e uma infraestrutura jurídica para limpar os Estados Unidos dos “unfit”. Testes de inteligência, coloquialmente conhecidos como QI, foram inventados para justificar a prisão de um grupo definido como “feebleminded”. Frequentemente os assim chamados eram apenas tímidos, de boa fé para serem levados a sério, falavam os idiomas “errados” ou tinham a cor da pele “errada”. Leis de esterilização forçada foram aprovadas em vinte e sete estados para evitar que indivíduos-alvo produzissem mais gente de seu tipo. Leis de proibição do casamento proliferaram nos Estados Unidos para evitar a mistura de raças. Litígios foram levados até a Suprema Corte, que aprovou a eugenia e suas táticas.

O objetivo imediato era esterilizar imediatamente 14 milhões de pessoas nos Estados Unidos e mais alguns milhões no mundo — o “décimo mais baixo na escala social” — e assim continuamente eliminar o décimo “inferior” até restar apenas uma super-raça Nórdica. No fim das contas, 60 mil norte-americanos foram esterilizados à força e o total pode ser muito maior. Ninguém sabe exatamente quantos casamentos foram evitados pelas leis estaduais. Embora muito da perseguição tenha sido simplesmente resultado de racismo, ódio étnico ou elitismo acadêmico, a eugenia vestiu o manto de ciência respeitável para esconder seu verdadeiro caráter.

As vítimas da eugenia eram moradores pobres de áreas urbanas e o “lixo branco” da zona rural, da Nova Inglaterra à Califórnia, imigrantes que chegavam da Europa, negros, judeus, mexicanos, indígenas, epiléticos, alcoólatras, batedores de carteira e doentes mentais ou qualquer um que não se enquadrasse no ideal Nórdico dos loiros de olhos azuis que o movimento da eugenia glorificava.

A eugenia contaminou muitas outras causas sociais, médicas e educacionais nobres, do movimento pelo controle da natalidade ao desenvolvimento da psicologia ao movimento pelo saneamento urbano. Psicólogos perseguiram seus pacientes. Professores estigmatizaram seus alunos. Associações de caridade pediram para mandar aqueles que pediam ajuda para câmaras da morte que esperavam ver construídas. Escritórios de apoio à imigração conspiraram para mandar os mais necessitados para programas de esterilização. Líderes da oftalmologia conduziram uma longa campanha para perseguir e esterilizar à força todos os parentes de todos os americanos com problemas na visão. Tudo isso aconteceu nos Estados Unidos anos antes da ascensão do Terceiro Reich na Alemanha.

A eugenia tinha como alvo a Humanidade, assim seu escopo era global. Os evangelistas da eugenia provocaram movimentos similares na Europa, na América Latina e na Ásia. Leis de esterilização forçada apareceram em todos os continentes. Cada estatuto ou regra da eugenia — da Virgínia ao Oregon — foi promovida internacionalmente como mais um precedente para incentivar o movimento internacional. Uma pequena e fechada rede de jornais médicos ou proponentes da eugenia, encontros internacionais e conferências mantiveram os generais e os soldados do movimento em dia e armados para tirar proveito da próxima oportunidade legislativa.

Eventualmente, o movimento de eugenia dos Estados Unidos se espalhou para a Alemanha, onde causou fascínio em Adolf Hitler e no movimento nazista. Sob Hitler, a eugenia foi muito além do sonho de qualquer eugenista norte-americano. O Nacional Socialismo transformou a busca americana por uma “raça superior Nórdica” na busca de Hitler por uma “raça ariana superior”. Os nazistas gostavam de dizer que “o Nacional Socialismo não é nada mais que biologia aplicada”, e em 1934 o Richmond Times-Dispatch publicou a frase de um proeminente eugenista norte-americano segundo a qual “os alemães estão nos derrotando em nosso próprio jogo”.

A eugenia nazista rapidamente venceu o movimento norte-americano em velocidade e ferocidade. Nos anos 30, a Alemanha assumiu a liderança do movimento internacional. A eugenia de Hitler teve o apoio de decretos brutais e das máquinas de processamento de dados da IBM, de tribunais de eugenia, programas de esterilização em massa, campos de concentração e do virulento antissemitismo biológico — tudo com aprovação aberta dos eugenistas norte-americanos e de suas instituições. Os aplausos diminuiram, mas apenas relutantemente, quando os Estados Unidos entraram em guerra em dezembro de 1941. Então, sem que o mundo soubesse, os guerreiros da eugenia alemães operavam campos de exterminio. Eventualmente, a loucura da eugenia alemã levou ao Holocausto, à destruição dos ciganos, ao estupro da Polônia e à dizimação da Europa.

Mas nada do racismo científico dos Estados Unidos teria se espalhado sem apoio da filantropia corporativa.

Nestas páginas você vai conhecer a triste verdade sobre como as razões científicas que levaram aos médicos assassinos de Auschwitz foram primeiro formuladas em Long Island, no laboratório de eugenia da Carnegie Institution em Cold Spring Harbor. Você descobrirá que no regime de Hitler antes da guerra, a Carnegie, através de seu complexo de Cold Harbor, propagandeava de forma entusiasmada o regime nazista e distribuia filmes antissemitas do Partido Nazista em escolas dos Estados Unidos. E você vai descobrir as ligações entre os grandes aportes financeiros da Fundação Rockefeller e o establishment científico alemão, que deram início aos programas de eugenia que resultaram em Mengele em Auschwitz.

Só depois que a verdade sobre os campos de extermínio nazista se tornou pública o movimento americano pela eugenia perdeu força. Instituições de eugenia dos Estados Unidos correram para trocar o nome, de “eugenia” para “genética”. Com sua nova identidade, o que restou do movimento se reinventou e ajudou a estabelecer a moderna e iluminada revolução da genética humana. Embora a retórica e os nomes tenham mudado, as leis e os modos de pensar ficaram em seu lugar. Assim, décadas depois que o julgamento de Nuremberg rotulou os métodos da eugenia de genocídio e crime contra a humanidade, os Estados Unidos continuaram a esterilizar à força e a proibir casamentos “indesejáveis”.

Comecei dizendo que este livro fala em nome dos nunca nascidos. Também fala em nome das centenas de milhares de refugiados judeus que tentaram escapar do regime de Hitler mas tiveram os pedidos de visto negados pelos Estados Unidos por causa do ativismo abertamente racista da Carnegie Institution. Além disso, estas páginas demonstram como milhões foram assassinados na Europa precisamente porque foram rotulados como formas inferiores de vida, que não valia a existência — uma classificação criada nas publicações e pesquisas acadêmicas da Carnegie Institution, certificadas através de financiamentos da Fundação Rockfeller, validadas por acadêmicos das melhores universidades da Ivy League e financiadas pela fortuna ferroviária da família Harriman. A eugenia não foi mais que a filantropia corporativa “gone wild”.

Hoje, enfrentamos o retorno potencial da discriminação da eugenia, não sob bandeiras nacionais ou credos políticos, mas em função da ciência do genoma humano e da globalização corporativa. Declarações diretas de domínio racial estão sendo substituídas por campanhas de relações públicas e patentes. O poderoso dólar pode em breve decidir quem fica de que lado na “divisão genética” já em demarcação pelos ricos e poderosos. Quando estamos a caminho de um novo horizonte, confrontar nosso passado pode nos ajudar a enfrentar o futuro que nos espera.

Muito se fala dos terrores do nazismo, mas pouco se diz que o nazismo bebeu da fonte ideológica da eugenia americana, e muito menos ainda se fala das barbaridades perpetradas em nome dessa "ciência".

Portos e navios: Dilma diz que PSDB detonou indústria naval

Site do Azenha - 12 de maio de 2010 às 13:46

Para Dilma, PSDB ‘detonou’ indústria naval
Qua, 12 de Maio de 2010 06:45

do site Portos e Navios

Eleições: No Rio Grande do Sul, candidata do PT diz que setor passou de 2 mil empregos em 1998 para 45 mil

Principal palestrante de um seminário sobre a implantação do polo da indústria naval em Rio Grande, patrocinado pelas empresas Engevix Engenharia e Toniolo Busnello e pela prefeitura da cidade, administrada pelo PMDB, a pré-candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, aproveitou o evento para apresentar credenciais como gestora de grandes projetos e disparar críticas ao PSDB. Ela também voltou a defender a autonomia operacional do Banco Central e chegou a dizer que, “como onze entre dez brasileiros”, gostaria de ver os jogadores Neymar e Ganso, do Santos, convocados para a seleção brasileira, o que acabou não acontecendo.

Segundo Dilma, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva promoveu uma “verdadeira Cruzada” para reativar a indústria naval brasileira, que chegou a empregar 40 mil pessoas em 1979, mas foi “detonada” e caiu para menos de 2 mil empregos em 1998, durante a gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso. Hoje, segundo ela, o setor ocupa 45 mil empregados no país graças aos estímulos federais para a construção de navios e plataformas de exploração de petróleo e gás e para a qualificação profissional.

Dilma também afirmou que não vê necessidade de modificar o modelo que garante autonomia operacional do Banco Central. Na véspera, o pré-candidato do PSDB, José Serra, criticou o BC por não baixar os juros durante a crise econômica global, mas para a petista o sistema atual funciona bem. Questionada sobre o que o governo deveria fazer diante das denúncias de envolvimento do secretário nacional de Justiça, Romeu Tuma Júnior, com a máfia chinesa no país, ela afirmou que se ele deveria ser afastado do cargo se as acusações tiverem “fundamento”.

O restabelecimento da indústria naval brasileira começou a ser gestado no início do mandato de Dilma, então ministra das Minas e Energia, como presidente do conselho de administração da Petrobras. Na cidade gaúcha, a iniciativa do governo já resultou na construção de plataformas de exploração de petróleo e gás e na construção de um estaleiro e um dique seco que deverão ser inaugurados no fim deste mês pelo presidente Lula.

De acordo com a pré-candidata, na campanha eleitoral de 2002 o PSDB provocou uma polêmica “ácida” quando afirmou que o programa do PT era “irresponsável” por propor a reativação da indústria naval. “Diziam que o Brasil faria navios inadequados, não competitivos, e acabaria prejudicando a Petrobras”. Mas agora, segundo ela, o setor corre o risco de sofrer um “acidente de percurso”. “Depende de quem estiver à frente disso”, afirmou, numa alusão a uma eventual vitória do PSDB em outubro.

Segundo Dilma, a aposta do governo no setor, que incluiu o estímulo à descentralização dos novos estaleiros e ao aumento gradual do conteúdo local dos navios e plataformas, significou também a retomada da política de desenvolvimento industrial para o país. “Essa história de que o Brasil não pode ter uma política industrial é uma visão ultrapassada”, disse. Para ela, um eventual novo governo do PT tem condições de fazer “muito mais” porque foi o partido que criou a “base” para o crescimento atual.

Para a ex-ministra, o Brasil “dificilmente” seria respeitado apenas por ter estabilizado a economia (a partir da implantação do Plano Real, em 1994, quando FHC era ministro da Fazenda). “Somos respeitados por isso, mas também porque deixamos de ser devedores do Fundo Monetário Internacional e porque mostramos que o Brasil podia, com estabilidade, crescer, distribuir renda e melhorar a vida das pessoas”, afirmou.

A pré-candidata admitiu que não tem experiência eleitoral, mas afirmou que essa condição poderá aparecer ao eleitor como uma “lufada de ar novo numa situação mais tradicional de fazer política”. Em contrapartida, lembrou a experiência acumulada como secretária da Fazenda em Porto Alegre, como secretária de Minas e Energia em dois governos do Rio Grande do Sul e como ministra das Minas e Energia e chefe da Casa Civil do governo federal. “O carisma do presidente Lula não é passível de comparação, mas participei com ele da gestão dos principais projetos do governo”.

Fonte: Valor Econômico/ Sérgio Bueno, de Rio Grande

Lula reivindica comando da FAO para o Brasil

Instituto Humanitas Unisinos - 12 mai 10

Na reta final de seu mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu reivindicar para o Brasil o comando da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, um dos mais cobiçados cargos em organismos multilaterais do globo.

A reportagem é de Mauro Zanatta e publicada pelo jornal Valor, 12-05-2010.

O "ataque" de Lula para garantir a inédita direção-geral da FAO a um brasileiro começará oficialmente com um aviso do Itamaraty aos 186 países-membros sobre a intenção do país de dirigir as políticas e o orçamento anual superior a US$ 1 bilhão do organismo internacional criado em 1945. E o candidato de Lula é o ex-ministro José Graziano, atualmente diretor regional da própria FAO para América Latina e Caribe. Mas o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, também está no páreo. Lula aposta no sucesso internacional de políticas para a agricultura familiar, segurança alimentar, desenvolvimento rural e de combate à fome para emplacar seu candidato. As vitrines são os programa Pronaf, PAA, "Mais Alimentos" e seguro de renda rural, implantados ou vitaminados ao longo de seu governo.

Mas pode haver problemas, já que a eleição para a FAO ocorre em junho de 2011, o que enfraqueceria um candidato brasileiro apoiado por um presidente às vésperas do fim de seu segundo mandato. O embaixador Rubens Ricupero é apontado como um dos favoritos do candidato presidencial José Serra (PSDB). E a China ensaia lançar um candidato único da Ásia. Na divisão de poder dentro da ONU, o Brasil sente-se relegado. Busca, quase de forma obsessiva, um assento permanente no Conselho de Segurança desde o início do governo Lula. A FAO seria uma compensação em um área onde o país é referência global.

Diante disso, Lula antecipou a estratégia. A ofensiva para angariar simpatias e apoio já ficou visível na realização "Diálogo Brasil-África", evento que reúne 47 ministros de Agricultura do continente africano em Brasília nesta semana. Em uma demonstração de apreço a parte dos futuros eleitores, o presidente mandou um Boeing da Força Aérea Brasileira (FAB) buscar os africanos em Luanda (Angola), onde participavam justamente de um evento regional da FAO. Antes, na Cidade do Panamá, Lula já havia costurado um acordo com os presidentes para conseguir um documento oficial de apoio a um candidato único da América Latina e Caribe. No comando da operação, Graziano teve sucesso ao obter o compromisso regional há duas semanas.

A estratégia de Lula também incluiu um café da manhã com o atual diretor-geral da FAO, o senegalês Jacques Diouf, na segunda-feira, em pleno Palácio da Alvorada. Ali, Diouf comprometeu-se a sondar os colegas africanos reunidos em Brasília sobre eventual apoio a Graziano. O senegalês está desde 1994 no comando da FAO e tem forte influência sobre os 53 países africanos.

Contrariado com o insucesso de recentes investidas em organismos internacionais, como Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio (OMC) e Unesco, o presidente LulaAngela Merkel e o italiano Silvio Berlusconi. Lula também usará encontros em fóruns como o G-8 e o G-20 para fazer lobby por seu candidato. decidiu telefonar aos presidentes dos países europeus e ao americano Barack Obama atrás de "compromissos concretos". A Cúpula União Europeia-América Latina, marcada para a próxima semana, em Madri, será uma "oportunidade de ouro" para alinhavar um consenso entre os líderes da latino-americanos, caribenhos e da União Europeia, especialmente com o francês Nicolas Sarkozy, a alemã

Nos bastidores do governo, fala-se ainda de uma eventual candidatura do ex-ministro Roberto Rodrigues e do ex-presidente da Embrapa, Silvio Crestana. Mas interlocutores do presidente Lula informam que ele "desautorizou" quaisquer negociações com esses eventuais candidatos. Mas a sombra do embaixador Rubens Ricupero, profundo conhecedor dos bastidores da ONU, ainda assusta parte do governo Lula.

Promessa de não ter 'ficha-suja' afeta palanque de PT e PSDB

Instituto Humanitas Unisinos - 12 mai 10

Se PT e PSDB cumprirem a promessa de não ter candidatos com ficha suja na disputa pelos governos estaduais, Senado e casas legislativas nas eleições de outubro, ambos vão ter de abrir mão de importantes nomes - alguns já apresentados como pré-candidatos. A promessa foi feita pelos presidentes dos partidos, José Eduardo Dutra (PT) e o senador Sergio Guerra (PSDB), durante debate no auditório do Grupo Estado, na segunda-feira.

A reportagem é de Adriana Carranca e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 12-05-2010.

Ex-governador da Paraíba e pré-candidato tucano ao Senado, Cássio Cunha Lima não poderia concorrer. Foi cassado em última instância por decisão do Tribunal Superior Eleitoral por abuso de poder econômico e político e deixou o cargo em fevereiro de 2009. Procurado, Cunha Lima não respondeu ao pedido de entrevista.

No Maranhão, o PSDB negocia apoio do pré-candidato tucano à Presidência José Serra ao ex-governador Jackson Lago (PDT), que tentará voltar ao cargo do qual foi obrigado a sair em abril de 2009, após ser cassado também por abuso de poder.

A opinião dele sobre o Ficha Limpa é contraditória. Ao mesmo tempo em que diz apoiar o projeto, o ex-governador considera a possível inelegibilidade da sua candidatura ao governo maranhense "uma injustiça" sem precedentes. "No regime militar o sujeito era cassado por certo tempo e pronto. Agora, querem arrastar isso", diz Lago, julgado e condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral. "Todos sabem que qualquer cidadão tem o direito de se defender em no mínimo duas instâncias da Justiça."

O ex-governador defende que a sua condenação foi "armação da oligarquia Sarney" e pretende usar esse argumento para recorrer na Justiça em favor de sua candidatura, caso o projeto seja aprovado no Senado. "Somos (PDT) a favor do Ficha Limpa, mas ele não pode vir para fortalecer as oligarquias que trabalham em conluio com membros do governo."

Segundo ele, a aliança com o PSDB no Estado deve se confirmar, em uma tentativa de enfrentar o provável apoio do PT à reeleição da governadora Roseana Sarney (PMDB). "Eu e Serra temos uma posição comum anti-Sarney e isso nos aproxima muito. Acredito que a aliança PDT e PSDB será muito forte no Estado." No âmbito nacional, o PDT apoia a pré-candidata petista Dilma Rousseff.

Já no Tocantins, o PT perderia o aliado e amigo pessoal do presidente Lula, o ex-governador Marcelo Miranda (PMDB), parceiro do governo federal no projeto Manuel Alves, de produção de frutas para exportação, uma das obras do PAC inauguradas por Dilma antes de estar concluída. Miranda foi cassado TSE e deixou o governo em agosto.

"A responsabilidade de evitar que entrem na política aqueles que não deveriam estar na vida pública é dos partidos. São eles que devem cuidar da qualidade de sua representação e das alianças", diz Claudio Abramo, diretor executivo da ONG Transparência Brasil. "A lei de certa forma retira essa responsabilidade dos partidos, portanto, deveria ser do interesse deles orientar suas bancadas para que votem a favor do Ficha Limpa no Senado".

Renúncia

O texto do projeto Ficha Limpa, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, também torna inelegível por oito anos os políticos que renunciarem de cargos públicos para se livrar de processos e não perder os direitos políticos. Por esse critério, o deputado Paulo Rocha (PT-PA), pré-candidato ao Senado, estaria fora da disputa por pelo menos mais três anos.

Rocha está entre os parlamentares que renunciaram ao mandato para evitar serem cassados por envolvimento no mensalão do PT, esquema de pagamentos a aliados do governo que seria operado pelo publicitário Marcos Valério, em 2005. Procurado, o parlamentar não quis falar. Valdemar da Costa Neto (PL-SP), Carlos Rodrigues (PL-RJ), Severino CavalcantiJosé Borba (PMDB-PR) são outros mensaleiros que renunciaram. (PP-PE) e

Todos seriam inelegíveis, assim como Joaquim Roriz (PSC), que renunciou ao Senado em 2007, após o "escândalo da bezerra", no qual era citado na ação do Ministério Público por suspeita de envolvimento em um esquema de corrupção no período em que governou o DF.

Há outros exemplos, como o deputado Paulo Maluf (PP-SP), um dos principais opositores do Ficha Limpa. Ele está entre os parlamentares em exercício a ser declarado inelegível com a aprovação do projeto, por ter sido condenado pela 7.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo a ressarcir suposto prejuízo com o superfaturamento de 1,4 tonelada de frango ao custo de R$ 1,39 milhão, pagos em 1996 pelo município de São Paulo.

Essa dupla (dos partidos) tem que no mínimo cumprir com essa promessa se não quiserem cair de vez no descrédito do eleitorado, apesar do brasileiro como já afirmado ter memória curta.

Obra de Belo Monte pode ser antecipada

Instituto Humanitas Unisinos - 12 mai 10

O consórcio Norte Energia, vencedor do leilão da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), deve solicitar ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) licença ambiental provisória para a instalação do canteiro de obras da futura hidrelétrica.

A reportagem é de Leonardo Goy e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 12-05-2010.

A informação é de uma importante fonte ligada ao consórcio. A ideia, com isso, é antecipar ao máximo o cronograma da obra, já que a autorização para o canteiro tende a sair mais rápido do que a licença de instalação plena para todo o projeto.

Além de questões técnicas, a pressa tem componentes políticos. Se o pedido de licença ambiental provisória para o canteiro for bem-sucedido, o governo espera que, até setembro, já haja homens trabalhando no local em que a hidrelétrica será construída.

Nos bastidores, o que se comenta é que, quanto mais cedo a obra começar, mais a pré-candidata petista ao Planalto, Dilma Rousseff, poderá obter dividendos eleitorais com o projeto. Segundo uma fonte, Dilma poderia, até mesmo, fazer uma visita ao canteiro de obras na reta final da campanha.

Precedentes

Esse tipo de licença provisória apenas para os trabalhos iniciais já foi emitida anteriormente, para a Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira. Na ocasião, como a licença de instalação demorou a sair por conta da mudança do local da barragem, a saída para acelerar os trabalhos foi autorizar, antes, a implantação do canteiro.

Segundo uma fonte que acompanha de perto o processo de Belo Monte, o consórcio Norte Energia ainda não encaminhou ao Ibama a solicitação para a licença do canteiro, mas deve fazê-lo o quanto antes.

A mesma fonte também informou que todas as empresas que fazem parte do consórcio entregaram na segunda-feira seus documentos para a habilitação como vencedoras do leilão.

Pelas regras da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), quando um consórcio vence o leilão, cada integrante da sociedade precisa apresentar seus documentos individuais que atestam entre outras coisas capacidade técnica e econômica, além de regularidade fiscal.

A informação de que todos apresentaram os documentos é importante já que desde o dia do leilão surgem boatos de que alguns sócios poderiam deixar o grupo.

Parceiros

Enquanto isso, seguem as negociações entre o consórcio e outras empresas que deverão se associar ao projeto antes da assinatura do contrato de concessão. Somadas, a participação de construtoras no grupo que venceu o leilão é de 40%. Mas, pelas regras do edital, precisa ser reduzida para 20% na Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético (SPE).

Essa diluição demanda, necessariamente, a entrada de novos sócios. O foco está na entrada de autoprodutores, grandes empresas, que comprariam até 10% da energia da usina para uso próprio.

Mas, segundo uma fonte ligada a essas grandes companhias, há um impasse para a participação delas, relativo ao preço da energia. Essas empresas não querem entrar como sócias, assumindo riscos do projeto, e pagar pela energia mais do que os R$ 77,97 por megawatt/hora que serão cobrados das distribuidoras de energia.

Para lembrar

Depois de guerra de liminares e pressão de ambientalistas e indígenas, usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, foi leiloada no dia 20 de abril.

O consórcio vencedor foi o Norte Energia com participação da Chesf de 49,98%, Queiroz Galvão (10,02%), Galvão Engenharia (3,75%), Mendes Júnior (3,75%), Serveng-Sivilsan (3,75%), J Malucelli Construtora (9,98%), Contern Construções (3,75%), Cetenco Engenharia (5%) e Gaia Energia e Participações (10,02%).

O glifosato e a criação de superervas daninhas. Entrevista especial com Dionízio Grazziero

Instituto Humanitas Unisinos - 12 mai 10



Trinta anos depois da introdução da transgenia, a agricultura sofre com um monstro criado pela prática. O Roundup, herbicida já antigo, mas poderoso, utilizado em plantações de soja transgênica, está transformando as ervas daninhas que deveria eliminar em verdadeiras superervas, resistentes aos inseticidas disponíveis no mercado. Porém, de acordo com o engenheiro-agrônomo e pesquisador da Embrapa, Dionízio Grazziero, o glifosato, apesar de ser molécula remota, na relação com outros produtos, tem características modernas para atender questões importantes ligadas ao ambiente e à saúde. “Acho que todo o produto usado inadequadamente, mesmo sal de cozinha ou aspirina, pode criar um problema colateral. O que apareceu, depois que surgiu a soja modificada geneticamente, foram muitos questionamentos a respeito do produto, principalmente ideológicos. Na verdade, isso não tem nada a ver, pois temos que nos basear nas questões técnicas e científicas, não na ideologia”, diz.

Em entrevista, por telefone, à IHU On-Line, Grazziero destaca que, apesar da discussão girar em torno do uso dos agrotóxicos nas culturas transgênicas nos Estados Unidos, precisamos refletir sobre a posição do Brasil, que, segundo o pesquisador, tem uma cultura e um nível de informação muito desenvolvidos. “Já tive a oportunidade de estar nos Estados Unidos e acho que temos uma agricultura mais complexa. Nossa pesquisa e boa parte dos agricultores que hoje estão se dando bem adotam sistemas de produção que levam em conta rotação de culturas, de produtos, e toda essa gama de informações que a pesquisa agropecuária brasileira tem e que fornece ao agricultor. Ganhamos em um comparativo com a agricultura nos EUA”, frisa.

Dionízio Grazziero possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal do Paraná, mestrado em Fitotecnia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorado em Agronomia pela Universidade Estadual de Londrina (2003). Atualmente, é Pesquisador II da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA SOJA).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que aponta o relatório elaborado pelo comitê do Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos sobre culturas geneticamente modificadas e o uso de pesticidas?

Dionízio Grazziero – Quando tratamos deste tema, temos que separar o problema da resistência de plantas a herbicidas ou inseticidas ou qualquer coisa parecida, porque essas plantas são geneticamente modificadas através da mão do homem, das plantas resistentes aos herbicidas. Essas são plantas que existem na natureza cuja população possui biótipos suscetíveis e outros resistentes aos herbicidas. Acontece que esses biótipos são selecionados em práticas que temos nas lavouras, como, por exemplo, o uso continuado do mesmo herbicida. Com isso, vamos matando os biótipos suscetíveis, e vão ficando os biótipos resistentes. É isso que acontece hoje em relação à manipulação genética dos materiais da natureza que são destinados a um fator qualquer, que pode ser resistência a herbicidas, doenças ou pragas.

IHU On-Line – Como e quando surgiu o Roundup?

Dionízio Grazziero – O Roundup é um herbicida que surgiu em meados dos anos 1970, portanto, podemos considerá-lo antigo. Quando surgiu, foi um produto que entrou no segmento de dessecação de plantas daninhas. Foi pra isso que ele foi desenvolvido naquela época. Assim ele continuou sendo considerado até a década de 1990. Em lavouras frutíferas, ele era utilizado nas entrelinhas, com uso de pós-emergência para eliminar ervas daninhas. No caso da soja, do trigo e do milho, ele era utilizado no período entre as culturas. Hoje, mais de 150 espécies de plantas e ervas daninhas estão registradas para controle por Roundup. Na década de 1970, ele custava muito caro, lembro que o preço girava em torno de 25 dólares o litro. E era um dólar muito mais valorizado do que o atual. O tempo foi passando, e o Roundup passou a ser cada vez mais utilizado nas lavouras de milho, trigo, soja, frutíferas e café. Até que por volta dos anos 1990, a empresa modificou geneticamente as plantas de soja para que pudessem resistir ao uso desse produto. Antes, ele era um produto não seletivo. Depois, com o surgimento das plantas geneticamente modificadas, esse produto passou a ser utilizado também na cultura da soja.

IHU On-Line – Que tipo de superervas daninhas o herbicida Roundup anda criando?

Dionízio Grazziero – Os EUA já são conhecedores do problema da resistência há muitos anos, mas nós no Brasil começamos a ter esse problema no final dos anos 1980. E aí nós, pesquisadores, começamos a fazer programas de prevenção e alerta. Só a partir de 2004, oficialmente, a soja resistente ao Roundup começou a ser usada. Mas, no Rio Grande do Sul e, depois, em parte do Paraná, começou a entrar muita semente contrabandeada da Argentina, e já se usava a soja modificada a partir de 1998 com muita frequência, porque, do ponto de vista técnico, ele é um produto que elimina a planta daninha com mais facilidade do que os herbicidas normais daquela época.

Podemos trocar, aliás, o Roundup por glifosato. Isso porque o Roundup é uma marca comercial. Há diferentes formulações de herbicidas com a marca Roundup, mas existem outros produtos que também usam o glifosato. O Roundup-ready, por exemplo, é uma formulação especial, mas não deixa de ser glifosato. O glifosato é um produto técnico, e o mais comum é aquele criado na década de 1970 e que até hoje é utilizado. Depois foram feitas melhoras nele, e uma delas é o Roundup-ready, que é permitido utilizar na soja transgênica.

Passamos a chamar de resistentes um produto que matava uma espécie e deixou de fazer isso, deste modo, a planta resistente passou a crescer dentro do campo. Assim surgiu a soja transgênica. Ela ainda não estava oficialmente liberada, principalmente no RS. Quando o pessoal começou a perceber o efeito que esse glifosato fazia, todos procuraram utilizar a soja transgênica, pois tinha maior controle da planta daninha.

Hoje, o problema da planta daninha está ligado ao glifosato, não necessariamente à soja transgênica. Pois, na verdade, o que temos, no Brasil, como o problema da resistência buva, que encontramos bastante no Rio Grande do Sul. Até existem relatos disso, como o do amendoim bravo resistente ao glifosato, mas ainda é uma questão de baixa resistência. Essas espécies de plantas se estabelecem no período de entressafra, uma vez que têm a capacidade de multiplicação e estabelecimento muito grande, elas foram, então, ganhando espaço. Até porque, muitos biótipos no meio dessas plantas já eram resistentes ao glifosato, por uma questão de seleção natural. Os indivíduos mais aptos sobrevivem, já dizia Darwin. Isso, de certa forma, também vale para o problema dos Estados Unidos, mas é preferível tratarmos de nossos problemas aqui no país. Os agricultores americanos, tais quais os brasileiros, acabam usando um determinado tipo de produto, mas as ervas têm tipos variados. Eles têm muitos problemas com o Caruru e a buva. Porém, a causa do problema, que foi o uso indiscriminado do mesmo mecanismo de ação, acabou elevando o problema da seleção das plantas resistentes.

Interagimos muito com o pessoal da Embrapa do Rio Grande do Sul, pois temos um problema muito semelhante no Paraná, embora o estado tenha algumas mudanças. Nós utilizamos muito milho safrinha, o que facilita a germinação dessas plantas resistentes. Nossos problemas ligados ao glifosato são, principalmente, de plantas que estão na entressafra. Temos outra espécie que está surgindo, que existe muito no Paraguai, através de sementes carregadas pelo vento e que também começou a criar problemas no Paraná. Esta planta, que chamamos de capim amargoso ou digitaria insularis, também pode acontecer dentro da cultura, mas é característica da entressafra.

A solução existe. Normalmente quando se tem problema de resistência, o agricultor pode estar certo que também terá problemas técnicos e de custos. Se havia um produto que controlava uma erva importante e que, de repente, não controla mais, provavelmente vai se continuar usando esse produto, já que ele controla um grande número de espécies, mas terá que ser colocado outro produto para poder controlar aquela espécie. Isso, além de dificuldades técnicas, também representa aumento no custo de produção. Uma dor de cabeça muito grande para nós técnicos e para os agricultores.

É importante lembrar também que o problema não está somente no Rio Grande do Sul e no Paraná, está no Brasil inteiro. Porém, os problemas no Brasil central ainda são mais fortes, em relação a esses inibidores de produtos convencionais, como a ALS e a ACCase. Esse problema está ligado a uma prática que não é recomendada. Abandonamos, na agricultura como um todo, sem apontar culpados, os conceitos básicos de manejo de plantas daninhas e de sistemas de produção, isso inclui rotação de cultura, uso de coberturas mortas e uma agricultura mais diversificada no sentido de diminuir os problemas de doenças, de pragas e plantas daninhas. Até por uma questão econômica, seguimos por uma monocultura ou um padrão de cultura, no qual negligenciamos os sistemas de produção. Todas essas coberturas nos ajudam a controlar a planta daninha e em todas as etapas de controle de doenças. Infelizmente, abandonamos esses conceitos.

IHU On-Line – Foi o herbicida que criou a resistência?

Dionízio Grazziero – Não, o herbicida não causa a resistência. A resistência não é causada, ela está aí, são biótipos que já existem e têm a capacidade genética de suportar esses produtos. O herbicida não causou, ele selecionou. Por trás dele, também está o homem. O problema é grave e traz uma série de consequências técnicas e econômicas, mas ainda temos a solução. É possível convivermos com esse problema, porém, é preciso estar atento porque, se continuarmos com essa agricultura de monocultura que temos hoje, ficará cada vez mais complicado. Nessa agricultura, muitas vezes, não atentamos para detalhes pequenos. Outro dia estive em Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, e um colega engenheiro agrônomo falou que um agricultor tinha levado a máquina, não a limpou e introduziu buva resistente ao glifosato nesta região. São esses detalhes simples que têm um reflexo técnico e econômico fundamental. Essas ervas não são super-resistentes, são resistentes por um processo natural, mas nós homens acabamos dando a chance de serem selecionadas.

IHU On-Line – Em relação a outros herbicidas, o glifosato é mais ou menos prejudicial?

Dionízio Grazziero – O glifosato é uma molécula antiga e tem características importantes ligadas às questões do ambiente. Acho que todo o produto usado inadequadamente, mesmo sal de cozinha ou aspirina, pode criar um problema colateral. Eu, que comecei a trabalhar na Embrapa em 1975, acompanhei a fase que tínhamos produtos altamente tóxicos, prejudiciais ao meio ambiente. Percebi que houve uma evolução muito grande na indústria, de lá para cá. Mesmo o herbicida sendo um produto lá da década de 1970, ele tem características importantes em relação ao ambiente e ao homem. O que apareceu, depois que surgiu a soja modificada geneticamente, foram muitos questionamentos a respeito do produto, inclusive ideológicos. Na verdade, isso não tem nada a ver, pois temos que nos basear nas questões técnicas e científicas, não na ideologia. Em relação aos outros produtos, o glifosato é um produto que tem características modernas, de atender questões importantes ligadas ao ambiente e a saúde.

IHU On-Line – Como o senhor vê a questão da proibição do glifosato?

Dionízio Grazziero – Já enfrentei diversas situações, e, como pesquisador, com 35 anos de trabalho nesta área, baseio-me nas questões técnicas. Acho que devemos ter dados concretos para poder falar, devemos nos basear em situações reais e técnicas. Entendemos muito dos problemas ligados à agricultura, outros segmentos da ciência entendem muito dos problemas relacionados com o meio ambiente, outro entende a questão da saúde, e assim por diante. Eu, particularmente já tive a oportunidade de ser um consultor de ministérios, onde pude manifestar minha opinião junto a outros consultores de meio ambiente, saúde e agricultura, e discuti a questão da transgenia e do uso do glifosato. Limito-me às questões agronômicas. Deste ponto de vista, a proibição do glifosato deve ser provada, já que não existe uma razão para isso. Em segundo lugar, será um desastre se isso acontecer. Precisamos entender o que acontece no campo. Se algum problema grave, como foi levantado várias vezes, for comprovado dentro de metodologias que são aceitas internacionalmente, deve se discutir e se aceitar que seja um problema, mesmo que este seja utilizado dentro dos padrões recomendados. Mas, até lá, proibir por proibir causará um impacto violento ao agricultor, à agricultura, ao agronegócio e ao sistema de produção.

IHU On-Line – Sobre a situação dos Estados Unidos em relação ao uso dos agrotóxicos nas culturas transgênicas, como o senhor analisa e compara com a situação atual do Brasil?

Dionízio Grazziero – Já tive a oportunidade de estar nos Estados Unidos, em seminários que realizamos sobre o tema da resistência no Brasil. Acho que temos uma agricultura mais complexa. Os EUA têm períodos bem definidos, por causa das nevascas, quando a agricultura zera. Embora existam plantas como a buva, por exemplo, que desaparecem, mas rebrotam quando o tempo esquenta. Temos uma filosofia que deve ser engrandecida. Nossa pesquisa e boa parte dos agricultores que hoje estão se dando bem, adotam sistemas de produção que levam em conta a rotação de culturas, de produtos, e toda essa gama de informações que a pesquisa agropecuária brasileira tem e que fornece ao agricultor. Por exemplo, a buva, planta de linha resistente ao glifosato, é de difícil controle, mas tem solução quando integramos métodos de controle. Se nós deixarmos uma área em pozil e quisermos controlar no momento de fazer o plantio da soja, teremos muito problema. Gastaríamos muito dinheiro e não iríamos controlar. Mas se fizermos isso integrado com o plantio de aveia ou milho, manejando adequadamente dentro das indicações feitas pela pesquisa, é possível controlar sem problemas, sem convivermos com essas espécies.

No início, quando apareceram essas espécies, tivemos perdas incríveis de rendimento. Essas plantas vieram das entressafras, como a buva, que nasce entre os meses de junho e julho, que os agricultores achavam que tinham controlado, mas que reaparecia na cultura da soja. Nestas condições, temos diversas alternativas. Temos técnicas e poderíamos fazer isso no Brasil com muita facilidade, coisa que normalmente os agricultores nos EUA têm muito mais dificuldade, até por uma questão de clima. Percebemos que temos uma cultura mais ligada à utilização de sistemas de produção que contemplem métodos de controle e rotação de cultura. Mas, é claro que entendemos o problema do agricultor, das políticas agrícolas que não o estimulam na questão técnica. Temos uma cultura e um nível de informação muito desenvolvidos, e ganhamos em um comparativo com a agricultura nos EUA.