"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, julho 13, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 13/07/07

Aracruz quer quintuplicar produção de celulose do RS

A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), reuniu-se, quarta-feira (11), com a direção nacional da Aracruz, que anunciou a expansão de seus negócios no Estado. A empresa pretende ampliar em até cinco vezes a produção de celulose no RS. Para tanto, promete investir cerca de US$ 2 bilhões na ampliação das áreas de plantio de eucalipto, de produção de celulose e na construção de três portos hidroviários (em Guaíba, Rio Pardo e Cachoeira do Sul) e um marítimo (em São José do Norte). Esses investimentos gerariam cerca de 12,5 mil empregos diretos. A reportagem é de Marco Aurélio Weissheimer e publicada pela Agência Carta Maior, 12-07-2007

A empresa está comemorando o aumento de seus lucros. No segundo trimestre de 2007, teve um lucro líquido de R$ 318,5 milhões, valor 38% superior ao registrado no mesmo período do ano anterior. O volume de vendas também aumentou, alcançando um nível recorde de 832 mil toneladas, valor 23% acima do verificado no primeiro trimestre do ano. No RS, a empresa conta com a flexibilização da legislação ambiental, promovida pelo governo Yeda Crusius, para acelerar a implementação de seus projetos.

Durante o encontro realizado no Palácio Piratini, a empresa anunciou a criação de uma nova fábrica, no município de Guaíba, para a produção de celulose branqueada de eucalipto. Com essa nova unidade, a capacidade de produção da Aracruz passará das atuais 450 mil toneladas para 1,8 milhão de toneladas/ano. Segundo o diretor de Operações da Aracruz, Walter Lídio Nunes, haverá geração de 12,5 mil empregos temporários, 70% dos quais de trabalhadores que residem na Região Metropolitana de Porto Alegre.

A nova planta de produção de celulose deve ser construída ao lado da que já existe em Guaíba, com previsão de funcionamento para março de 2010. A Aracruz pretende fazer um uso intensivo da hidrovia do rio Jacuí para transportar a celulose produzida em suas unidades. A empresa também anunciou a ampliação da área de plantio de eucalipto. Até 2010, a área de plantio passará dos 110 mil hectares atuais para 250 mil hectares. Deste total, diz a empresa, 90% serão área de preservação ambiental com reservas florestais nativas.

A governadora Yeda Crusius comemorou o anúncio dizendo que “o empreendimento transforma todo o Rio Grande do Sul a partir da sua região Sul”, e garantiu que o governo do Estado dará “todos os passos necessários”. O maior entrave, disse Yeda Crusius, era o conjunto de licenças ambientais para o planejamento de máquinas, preparação de hidrovias e construção de portos. “O governo vai se preparar para fornecer à Aracruz mão-de-obra qualificada. Ao invés de se criar, como no passado, cidades da noite para o dia, com todos os problemas que isso representa, a mão-de-obra será buscada e continuará a viver na Região Metropolitana de Porto Alegre”, acrescentou a governadora gaúcha.

O diretor-presidente da Aracruz Celulose, Carlos Aguiar, destacou, por sua vez, que “o investimento teve uma importante aceitação social no Estado”. Houve muito debate sobre questões sociais, ambientais e econômicas. O investimento trará o que todos queremos: o desenvolvimento. O investidor, quando pensa em ganhar dinheiro, sabe que precisa de gente para comprar produtos”.

Há divergências quanto à qualidade do debate sobre a expansão dos negócios da silvicultura no RS. Uma reportagem da agência de notícias Chasque, de Porto Alegre, denunciou irregularidades nas audiências públicas que debateram o zoneamento ambiental da silvicultura. Depois das audiências realizadas em Caxias do Sul, Pelotas, Santa Maria e Alegrete, surgiram denúncias sobre o caráter viciado destes encontros. Segundo a reportagem, a maioria dos pronunciamentos era feita por defensores das indústrias papeleiras, enquanto manifestações críticas eram restringidas. Empresas do setor, com o apoio de sindicatos ligados à Força Sindical, teriam patrocinado transporte e alimentação para trabalhadores de outras regiões, que lotaram as audiências, muitas vezes sem saber os objetivos das reuniões, diz a matéria da Chasque.

Instituto Humanitas Unisinos - 13/07/07

Crise de energia na Argentina. Multinacionais controlam sistema energético

Nas mãos do Estado até o início da década de 90, o sistema energético argentino está hoje em grande parte controlado por multinacionais do setor. A reportagem é do jornal Folha de S. Paulo, 13-07-2007.

Na produção de gás e petróleo, a YPF, antiga estatal monopolista e hoje propriedade da espanhola Repsol, mantém a liderança. Em 2006, produziu 42% do petróleo e 29% do gás argentinos.

Atualmente, a Repsol negocia com o empresário argentino Enrique Eskenazi, dono do Banco Santa Cruz e próximo ao presidente Kirchner, a venda de 25% das suas ações.

A Petrobras aparece entre as cinco líderes nos dois setores. Na produção de petróleo, foi a terceira em 2006, com 21%, atrás da Pan American Energy, empresa controlada pela British Petroleum (23,8%). No gás, com 9,4%, foi a quarta maior produtora, atrás, além da YPF e da Pan American, da Total Austral (do conglomerado francês Total), segunda maior produtora com 24,5%.

A distribuição de gás, antes monopólio da Gas del Estado, está hoje a cargo de nove empresas diferentes, todas elas privadas. A Metrogas, maior do país, é controlada pela britânica BG Group e pela Repsol-YPF. Também controlam empresas do setor a espanhola Gas Natural, a francesa Gaz de France e a italiana Camuzzi.

O Estado, porém, mantém seu controle, pois cabe a ele outorgar as concessões para as explorações de bacias de petróleo e poços de gás no país. Também tem o poder de aplicar às companhias a Lei do Abastecimento, de 1974, que as obriga a suprir o mercado e que já foi usada neste ano contra a Shell.

Além das produtoras e das distribuidoras, também são privadas as transportadoras, que levam o gás por gasodutos. As principais são a TGS (Transportadora Gás do Sul), controlada pela Petrobras, e a TGN (Transportadora Gás do Norte), controlada pelos grupos Total e Techint.

Eletricidade

O setor elétrico ainda tem resquícios dos tempos de antes da privatização. A terceira e a quarta maiores distribuidoras do país estão nas mãos dos governos das Províncias de Santa Fé e Córdoba.

As duas maiores, porém, Edenor e Edesur, são controladas pela espanhola Endesa, a primeira em sociedade com a francesa EdF e a segunda com a Petrobras como minoritária. Juntas, Edenor e Edesur atendem 42,8% dos clientes do mercado elétrico argentino.

Além da participação na Edesur, a Petrobras possui duas usinas de geração de eletricidade (uma termelétrica e uma hidrelétrica) e controla os principais sistemas de transmissão, o Transener e o Transba.

Em matéria de geração, a mais presente é a AES - que, no Brasil, controla a Eletropaulo, entre outras- com oito usinas, entre termelétricas e hidrelétricas. A empresa atua na distribuição, com duas empresas que detêm 4,28% do mercado.

O governo federal mantém sob seu controle somente as hidrelétricas de Salto Grande e Yacyretá (um empreendimento binacional com o Paraguai) e as centrais nucleares de Embalse e Atucha 1.

quarta-feira, julho 11, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 11/07/07

Ibama e Anvisa pedem anulação da liberação de milho transgênico

A controversa liberação comercial do milho transgênico Liberty Link pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que já havia sido suspensa pela Justiça há duas semanas, pode estar prestes a sofrer um novo revés. Dois importantes órgãos de fiscalização ligados ao governo federal - a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) - apresentaram recursos ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) pedindo a anulação da decisão da CTNBio. A reportagem é de Maurício Thuswohl e publicada pela Agência Carta Maior, 10-07-2007.

Desenvolvido pela empresa transnacional Bayer CropScience, o Liberty Link teve sua liberação aprovada pela CTNBio em 16 de maio, numa decisão imediatamente criticada por organizações do movimento socioambientalista e por setores do próprio governo. Os recursos apresentados por Ibama e Anvisa estão em acordo com a Lei de Biossegurança, que determina que as decisões da Comissão podem ser revogadas pelo CNBS, que é um colegiado composto por onze ministérios (Casa Civil, Ciência e Tecnologia, Saúde, Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Agricultura, Justiça, Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Relações Exteriores, Defesa e Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca).

No documento encaminhado na sexta-feira (6) à ministra Dilma Rousseff, que preside o CNBS, o Ibama evoca “a possibilidade de que a deliberação tomada pela CTNBio traga graves impactos para a saúde pública e, em especial, para o meio ambiente” e enumera as razões para isso: “Inexistência de estudo prévio de impacto ambiental realizado nas condições edafoclimáticas do país; ausência de avaliação de risco, caso a caso, que fundamente a decisão da Comissão; ausência de Instrução Normativa específica com diretrizes para analisar a avaliação de risco; ausência de plano e procedimentos de coexistência do cultivo de milho geneticamente modificado sem contaminação de outros tipos de milho e irregularidades processuais”.

Em nota divulgada para explicar a ação do Ibama, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), ao qual o órgão é subordinado, afirma que “a tramitação do processo não cumpriu vários dispositivos legais contidos tanto na Lei de Biossegurança como também no decreto 5.591/05 e no Regimento Interno da própria CTNBio”. O MMA afirma que “pareceres levados à plenária não foram aprovados nas respectivas subcomissões”, que “o pedido de sigilo de várias partes do processo tampouco foi apreciado e votado pela plenária” e que “durante mais de oito anos o processo tramitou de forma ilegal, pois grande parte estava em língua inglesa”.

A “ausência absoluta da avaliação de risco ambiental” na decisão da CTNBio também preocupa o MMA: “Não há no processo estudos ou literatura que comprovem a ausência de danos ambientais, razão pela qual a decisão técnica não poderia ter sido emitida, pois esta ausência de dados contraria a legislação brasileira, bem como o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança”, diz a nota divulgada pelo ministério.

Perigo para os bebês

Também encaminhado à ministra Dilma Rousseff, o recurso da Anvisa contra a liberação comercial do milho transgênico da Bayer tem teor semelhante ao documento do Ibama. A Agência afirma que, após analisar o parecer técnico emitido pela CTNBio, “verificou que o processo de liberação comercial do milho Liberty Link possui estudos inadequados e insuficientes para atestar a segurança alimentar e determinar os riscos à saúde pública da cultura geneticamente modificada”.

Entre as irregularidades no processo apontadas pela Anvisa, estão “a insuficiência ou inexistência de estudos toxicológicos ou de alergenicidade para comprovar a segurança do milho Liberty Link para o consumo humano”. A Agência afirma que a Bayer deve apresentar maiores conclusões acerca dos efeitos do consumo de seu milho transgênico sobre as pessoas, em especial as conseqüências sobre a amamentação de bebês: “A empresa deve apresentar estudos que demonstrem a presença ou ausência da enzima PAT ou de seus componentes de degradação no leite materno, bem como estudos que relatem os possíveis efeitos da enzima PAT sobre a prole de mamíferos”, diz o documento.

Sugestões à CTNBio

O recurso encaminhado ao CNBS pelo Ibama traz uma lista com sugestões a serem adotadas de agora em diante pela CTNBio:

a) não aceitação de processos em língua estrangeira;

b) não adoção da equivalência substancial como critério único de biossegurança, como ocorreu com o milho Liberty Link;

c) observância ao principio da precaução;

d) inclusão de medidas de biossegurança, como regras de coexistência e plano de monitoramento, no corpo da decisão técnica;

e) exigência de realização de avaliação de riscos em ecossistemas brasileiros;

f) não aceitação de sigilo em produtos transgênicos a serem comercializados.

terça-feira, julho 10, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 10/07/07

Por um sistema financeiro social. Artigo de Paul Singer

"Há necessidade de acesso a capital por parte de micro e pequenos empreendedores, que, em 2003, eram mais de 10 milhões no Brasil, além de uma imensa massa de desempregados, 1 milhão de famílias assentadas pela reforma agrária e mais de 11 milhões de famílias dependentes do Bolsa Família.
Apesar de várias medidas de democratização do crédito adotadas pelo atual governo, entre as quais se destaca a sextuplicação do Pronaf, a grande maioria desses necessitados ainda não está sendo atendida", escreve Paul Singer, economista, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP, e secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 10-07-2007. Segundo ele, "precisamos de outro sistema financeiro -poderíamos chamá-lo de finanças sociais-, que visaria prioritariamente a solução de problemas sociais e ambientais. Ele teria por finalidade atender necessidades como as acima exemplificadas e, para tanto, precisaria se articular às redes de intermediários financeiros locais já existentes".

Eis o artigo.

"O capitalismo tem por base não só a propriedade privada do capital mas também a sua concentração nas mãos de uma minoria. É por não ter capital que a grande maioria dos que têm necessidade de trabalhar para ganhar a vida é obrigada a vender sua capacidade de produzir aos que detêm o controle dos meios de produção. Logo, os capitalistas têm à disposição farta oferta de mão-de-obra pedindo para ser assalariada, em geral numericamente superior à demanda por força de trabalho.

Se os trabalhadores tivessem acesso a crédito, muitos deles abririam seu próprio negócio em vez de procurar debalde trabalho como empregado por conta alheia.

Quanto maior o número dos que abrissem suas próprias empresas, tanto maior a probabilidade de terem sucesso, pois a injeção de muitos pequenos capitais nos mercados expandiria a demanda, permitindo aos novos negócios encontrar compradores para suas mercadorias.

É que o novo investimento de uns representa ganho adicional para os que lhes vendem meios de produção, o que induz os últimos a investir também. Forma-se uma vaga de investimentos e gastos, que possibilita às novas empresas encontrar compradores para seus produtos.

Coisas como essas não acontecem porque o sistema financeiro tem como norma minimizar riscos. Os bancos respondem com o seu próprio capital pelo dinheiro de seus depositantes: quando a devolução de créditos não acontece, o banco tem de cobrir o prejuízo com seu próprio capital.

Portanto, o seu principal cuidado é não emprestá-lo a quem não puder apresentar sólidas garantias de que a dívida será honrada no prazo, acrescida de juros. Não somente trabalhadores sem propriedades mas também empresas estabelecidas, necessitadas de crédito para cobrir eventuais prejuízos, dificilmente são atendidos, porque representam um risco que o gerente de banco prefere não correr.

Há necessidade de acesso a capital por parte de micro e pequenos empreendedores, que, em 2003, eram mais de 10 milhões no Brasil, além de uma imensa massa de desempregados, 1 milhão de famílias assentadas pela reforma agrária e mais de 11 milhões de famílias dependentes do Bolsa Família.
Apesar de várias medidas de democratização do crédito adotadas pelo atual governo, entre as quais se destaca a sextuplicação do Pronaf, a grande maioria desses necessitados ainda não está sendo atendida.

Também falta crédito para a expansão da agricultura ecológica, para o desenvolvimento de centenas de empresas recuperadas pelos seus ex-empregados organizados em cooperativas e por milhares de micro e pequenas cooperativas de artesãos, recicladores de lixo, pescadores, garimpeiros, costureiras etc.

Nos últimos anos, surgiram numerosas iniciativas locais - fundos comunitários solidários, clubes de troca, bancos comunitários, entidades de microcrédito, cooperativas de crédito etc.- que procuram captar e canalizar as poupanças dos próprios interessados para a satisfação de suas necessidades de capital.

Como são pobres, sua própria poupança não basta para que possam ampliar suas atividades e torná-las mais produtivas. Esses intermediários têm enorme potencial para irrigar com crédito todo esse manancial de força de trabalho inteira ou parcialmente ociosa, desde que tenham acesso a financiamento externo.

Por isso, precisamos de outro sistema financeiro -poderíamos chamá-lo de finanças sociais-, que visaria prioritariamente a solução de problemas sociais e ambientais. Ele teria por finalidade atender necessidades como as acima exemplificadas e, para tanto, precisaria se articular às redes de intermediários financeiros locais já existentes.

O que falta são bancos, fundos etc. que possam atrair parte da poupança da classe média e alta e também da poupança pública e abastecer de recursos as iniciativas locais. O sistema financeiro social apresentaria aos poupadores a proposta de aplicar seu dinheiro para enfrentar as crises que nos afetam com a mesma segurança oferecida pelo sistema convencional.

Sistemas financeiros dessa espécie surgiram nas últimas décadas em vários países da Europa e da América do Norte. Estão sendo favorecidos por cada vez mais depositantes, porque dão bons retornos, pois, no mundo inteiro, os pobres são sabidamente bons pagadores.

No Brasil, a necessidade de um outro sistema financeiro é gritante. É preciso abrir um debate sobre como fazê-lo atingir dimensões compatíveis com a necessidade de desconcentrar o capital para inserir na produção os que se encontram a sua margem."

Instituto Humanitas Unisinos - 10/07/07

'O Brasil ganhou na loteria... mas não aproveita o prêmio', afirma o economista Yoshiaki Nakano

O Brasil ganhou na loteria nos últimos quatro anos, devido à expressiva melhora nos termos de troca do comércio exterior, mas não aproveita o prêmio como deveria, avalia o professor Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. Para ele, o país poderá crescer nos próximos três anos a uma taxa próxima a 4% sem enfrentar desequilíbrios significativos, mas não está garantida uma expansão sustentada da economia a taxas robustas por muito mais tempo do que isso. A reportagem é do jornal Valor, 09-07-2007.

Crítico mordaz da política econômica, Nakano insiste que a combinação de juros altos e câmbio valorizado é um entrave a uma expansão mais forte do investimento e a política fiscal continua errada: os gastos correntes do governo não param de crescer, ao passo que a capacidade de investir do setor público segue baixíssima, mesmo com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, Nakano diz que a melhora dos termos de troca (a diferença entre os preços de exportações e importações) ocorrida desde 2003 garantiu ao país um ganho de cerca de US$ 20 bilhões. Esse presente garantiu uma virada espetacular nas contas externas, que se traduz em superávit em transações correntes, abrindo espaço para um crescimento mais forte sem pressões inflacionárias.

O problema, para Nakano, é que a política econômica continua errada e não levará a aumento significativo da taxa de investimento, hoje na casa de 17% do PIB. "O investimento tem crescido, mas essa alta ainda é insuficiente", afirma Nakano, referindo-se à expansão na casa de 8% a 10% ao ano, que experimenta a formação bruta de capital fixo (investimento na construção civil e em máquinas e equipamentos). Para Nakano, o indicador tem que atingir algo como 25% do PIB para o país crescer a ritmo forte e por muitos anos. "O país ganhou na loteria, mas está consumindo o prêmio."

O câmbio valorizado vai produzir estragos não desprezíveis, adverte ele, que se diz cada vez mais preocupado com o nível do dólar. "Primeiro, porque você quebra empresas e não é apenas o setor industrial que reclama, até plantador de cana reclama do câmbio." O outro problema é que ao longo do tempo o superávit nas contas externas tende a ser revertido, ainda que isso possa demorar alguns anos. Se concretizado, esse cenário tenderá levar a desvalorização mais abrupta do câmbio no futuro, causando o círculo vicioso que o país já viveu várias vezes: o dólar sobe, a inflação aumenta, o BC eleva os juros e a economia esfria.

O dólar barato também impede a diversificação das exportações do país, reduzindo a competitividade dos setores que produzem manufaturados. "Todos os países que conseguiram crescer aceleradamente por décadas diversificaram as exportações. O Brasil está fazendo o contrário", afirma ele, que considera um risco apoiar as vendas externas, principalmente em commodities, sujeitas a oscilações de preços caso a economia global passe a crescer menos. "Se você estiver com exportação de manufaturados significativa, com diversificação, tem um seguro contra esse tipo de risco."

Nakano ataca o nível dos juros no Brasil. Para o economista, a queda da Selic tem sido muito lenta e não há por que ela ser muito mais elevada do que os juros pagos pelo Tesouro em emissões no exterior. Em maio, por exemplo, o país pagou 8,938% ao ano numa emissão de títulos denominados em reais no mercado internacional, ao passo que hoje a Selic está em 12% ao ano. Nakano também critica o fato de que, no Brasil, a taxa básica serve não apenas como instrumento de política monetária no mercado aberto - um objetivo de curto prazo - como também para corrigir títulos pós-fixados (as Letras Financeiras do Tesouro, LFTs) - algo de longo prazo. Com isso, o BC "tabela" para cima os juros do mercado de dívida pública, de modo que as taxas mais longas não refletem as melhores condições de solvência do país, evidenciadas na queda do risco-Brasil.

Além da combinação de juros altos e câmbio valorizado, Nakano vê na qualidade da política fiscal outro grande obstáculo ao crescimento sustentado. A dívida interna está sob controle e tem caído como proporção do PIB, mas a questão é que o gasto corrente (aposentadorias, pessoal, custeio da máquina pública, programas como o Bolsa Família) continua a crescer a taxas muito acima da expansão da economia. O aumento descontrolado das despesas correntes diminui o espaço para investimentos públicos em infra-estrutura, além de contribuir para a valorização do câmbio.

A questão é que os gastos de consumo do governo se concentram nos bens não-comercializáveis (que não sofrem a influência direta do dólar), o que ajuda a apreciar a moeda. "É necessário cortar o gasto corrente do governo, para fazer com que a mudança na taxa real de câmbio seja persistente", afirma Nakano. Com uma política fiscal baseada em cortes de gastos correntes, o câmbio tenderia a se depreciar, o governo poderia gastar mais com investimentos e os juros poderiam cair com força.

Nakano mostra muito ceticismo em relação à capacidade de o governo aumentar os investimentos em infra-estrutura. Para ele, o fato de que, de janeiro a maio, o governo gastou apenas R$ 990 milhões no Programa Piloto de Investimentos (PPI, que reúne obras de infra-estrutura tidas como prioritárias) é evidência da "falência do modelo de Estado brasileiro" - o total previsto para o PPI neste ano é de R$ 11,2 bilhões. "Quando se trata de investimento, há uma incompetência total", afirma ele.

Com essas críticas, Nakano não quer vaticinar o caos no curto prazo. Acha que o ganho dos termos de troca não será revertido de uma hora para outra, uma vez que a crescente integração de países como a China e a Índia à economia global e o forte crescimento de outros emergentes deve garantir a permanência dos preços das commodities em patamares elevados por um tempo razoável. Essa situação permite que o consumo cresça mais do que a produção por alguns anos sem provocar explosão de importações ou inflação. O problema, para ele, é que o país está perdendo "uma grande oportunidade" de criar as condições para um crescimento mais forte de modo sustentado. "O país está gastando o prêmio da loteria", repete.

Instituto Humanitas Unisinos - 10/07/07

País perde R$ 32,6 bi com aumento das reservas no BC

As compras maciças de dólares para acumulação de reservas deram um prejuízo de mais de R$ 30 bilhões ao Banco Central nos últimos três anos. A reportagem é de Ney Hayashi da Cruz e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 10-0-2007.

Em janeiro de 2004, quando o BC começou a comprar dólares no mercado, a moeda norte-americana era cotada pouco acima dos R$ 2,80.

De lá para cá, o dólar se desvalorizou e hoje oscila em torno de R$ 1,90. Com isso, aconteceu com o BC a mesma coisa que ocorreu com investidores que compraram dólares no período: prejuízo.

Entre janeiro de 2004 e maio de 2007, o BC comprou US$ 108,60 bilhões no mercado e gastou, para isso, R$ 238,95 bilhões, de acordo com dados oficiais. Isso equivale a uma cotação média de R$ 2,20.

Caso o dólar se estabilize em R$ 1,90, a diferença em relação à cotação média paga pelo BC nas compras chegaria a 13,6%. Em reais, isso significa uma perda de R$ 32,6 bilhões acumulada em pouco mais de três anos -média de R$ 795 milhões por mês.

Parte desse prejuízo é assumida pelo Tesouro Nacional. A cada semestre, o BC contabiliza todas as suas receitas e despesas e transfere o resultado para o Tesouro. Eventuais perdas são financiadas via emissões de títulos públicos, o que aumenta a dívida bruta do governo.

Vulnerabilidade

Para o BC, o custo das intervenções no câmbio é o preço a pagar por uma redução na vulnerabilidade externa do Brasil.

Isso porque os dólares comprados são depositados nas reservas internacionais do país, uma espécie de poupança que pode ser usada no pagamento de parcelas da dívida externa.

Sob esse ponto de vista, quanto maiores as reservas, menor é a vulnerabilidade da economia a choques externos, pois o país estaria preparado para honrar seus compromissos em dia mesmo num cenário adverso. No começo de 2003, as reservas brasileiras estavam em US$ 16 bilhões. Com as compras de dólares do BC, já atingem US$ 148 bilhões.

O BC ressalta ainda que as perdas que a queda do dólar causa na administração das reservas são compensadas -ainda que parcialmente- pelo impacto positivo que a valorização do real tem na dívida externa, composta quase que exclusivamente por compromissos em moedas estrangeiras.

O economista-chefe da Austin Ratings, Alex Agostini, ressalta ainda que o custo da manutenção das reservas internacionais não se limita às perdas causadas pela valorização do real. A diferença entre as taxas de juros praticadas no Brasil e nos Estados Unidos também afeta as contas do BC.

Isso acontece porque os dólares das reservas internacionais costumam ser aplicados em investimentos de baixo risco, como os títulos emitidos pelo Tesouro norte-americano, que hoje pagam juros de aproximadamente 5% ao ano.

Por outro lado, o BC vende títulos públicos no mercado brasileiro para financiar suas compras de dólares, e esses papéis são remunerados pela taxa Selic, hoje em 12% ao ano.

Considerando essa diferença nos juros e a valorização do câmbio, Agostini estima que o custo de manutenção dos últimos 12 meses tenha correspondido a 25% do saldo médio das reservas -algo próximo de US$ 25 bilhões.

"Remédio amargo"

Na opinião do economista, esses números indicam que o custo dessas reservas já supera os benefícios alcançados. "O remédio usado pelo BC já começa a ficar com um gosto amargo. O paciente já está praticamente curado", diz Agostini, ao se referir à melhora nos indicadores da economia brasileira observada nos últimos meses.

Ele afirma que as reservas internacionais já são mais do que suficientes para cobrir a dívida externa do setor público -que estava em US$ 86,8 bilhões em maio- e que compras adicionais de dólares não conseguirão impedir que o real continue se valorizando.

Instituto Humanitas Unisinos - 10/07/07

O NE e o mito da falta de água

Afinal, o semi-árido brasileiro precisa, efetivamente, das águas do Rio São Francisco? Esse é um dos pontos centrais de discussão, já que a transposição envolve volume considerável de recursos. O comentário é de Luís Nassif, jornalista, publicado no seu blog, 6-07-2007.

Ex-diretor regional do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) e da CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba). Manoel Bomfim Ribeiro é um dos técnicos que afirma que o problema na região não é de falta de água.

Primeiro, as comparações de volume. Em sua opinião, são infundadas as críticas de que as águas desviadas prejudicarão o rio. Anualmente, o rio São Francisco despeja no Atlântico 100 bilhões de metros cúbicos de água. Apenas as diferenças pluviais, na sua bacia hidrográfica, variam de 10 a 20% , contra de 3 ou 5% que será transferido para o Nordeste.

O ponto central que coloca é que a transposição não é necessária, que a quantidade de água é irrisória, perto do que a região já possui. “O semi-árido não precisa das águas do São Francisco, nem do Tocantins , nem de rio nenhum”, diz ele. Todo o dinheiro investido na transposição permitirá transportar para o semi-árido apenas 26 m3 de água por segundo, ou 600 milhões de m3/ ano, chuva de um só noite caída no sertão, 3% do potencial volumétrico já existente nos açudes dos três estados.

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A base da água da região está nos açudes. A lógica do açude é ser um pólo hídrico. Através de tubos e adutoras ele deverá chegar às diversas regiões, distribuindo por vilas e cidades.

Em um desses típicos projetos brasileiros, construiu-se a maior rede de açudes do planeta, em regiões áridas. Mas faltou distribuição. Hoje em dia há diversos açudes, com 10, 40, 60, 100 milhões de metros cúbicos acumulados, construções caras e pesadas, que poderiam prestar serviços a muitas comunidades, dependendo apenas de um poço tubular, diz ele.

Na região, são 70 mil açudes de águas de superfície, entre públicos e particulares, com capacidade para acumular 37 bilhões de metros cúbicos de água – ou seja, mais de 1/3 do que o São Francisco despeja anualmente no Atlântico . 72% desse volume estão justamente nos estados que mais defendem a transposição, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Mesmo exagerando-se, supondo-se 60% de evaporação, restariam ainda dez bilhões acumulados, suficiente para atender a todos os usos exigidos pelo semi-árido nordestino.

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Além das águas de superfície, existem águas subterrâneas em diversas bacias sedimentares, como Tucano-Jatobá na Bahia, Moxotó em Pernambuco, Souza na Paraíba, Potiguar (25 mil km²) no Rio G. do Norte ,Gurguéia ( 58.000 mil km²) no Piauí. São grandes potenciais hídricos ainda inaproveitados e com volumes bem maiores que as águas de superfícies.

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A água do São Francisco irá correr por oito rios intermitentes, tornando-o perenes em um total de mil quilômetros. Se a influência hídrica for de 2,5 km para cada margem, serão cinco mil km2 atendidos, ou 0,5% do Polígono das Secas. “Mas vende-se a idéia de um banho de água no semi-árido”, diz Bomfim.

Instituto Humanitas Unisinos - 10/07/07

'Nenhum projeto isolado livra o Brasil de uma crise'. Entrevista com David Zylbersztajn: ex-diretor geral da ANP

David Zylbersztajn, ex-diretor geral da Agência Nacional de Petróleo (ANP), foi um dos formuladores do programa emergencial de racionamento que impediu uma crise ainda mais grave no fornecimento de energia elétrica em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso. Professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo e membro do Comitê Consultivo da União Européia para Projetos de Energia na América Latina, Zylbersztajn tem visão bastante crítica dos grandes projetos apontados como a saída para a crise de energia. Ele concedeu uma entrevista a Irany Tereza e que é publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 10-07-2007.

Eis a entrevista.

O sinal verde para a construção das hidrelétricas do Rio Madeira dá mais tranqüilidade na prevenção de uma crise energética?

As hidrelétricas do Madeira, na melhor das hipóteses, começam a operar em cinco anos. Mesmo assim, com as turbinas entrando em funcionamento gradualmente. Não seria essa a solução para uma crise energética que se avizinha para 2010, 2011. Não refresca muito. Estão fazendo uma onda muito grande para uma oferta de 6 mil megawatts, que é menos da metade do fornecimento de Itaipu.

Mas, somando-se à alternativa nuclear, com Angra 3...

Angra 3 não se sustenta. Nem financeira nem temporalmente nem ambientalmente. Falar que a usina fica pronta em 2012 não existe, é enganação. O tempo médio de construção de uma usina dessas é de 116 meses. Ou seja, em menos de dez anos, Angra 3 não fica pronta. Além disso, seria necessário uma auditoria nesses custos. Normalmente, usinas nucleares estouram o orçamento em até oito vezes. Por isso, acho que temos de desconfiar dos valores que estão aí. Com R$ 10 bilhões, poderíamos fazer coisas melhores. Dava para construir quatro hidrelétricas com a mesma potência. Angra 3 também não é solução para curto prazo.

Qual seria a solução, então?

A solução é a eficiência energética, o investimento em fontes renováveis, a biomassa. A definição dos princípios do que tem de ser feito em licenciamento ambiental, para reduzir incertezas no curto prazo. A Petrobrás tem de cumprir o cronograma de gás natural. Por fim, o País tem de pressionar para que a Bolívia cumpra o cronograma de fornecimento de gás. Não existe 'o' projeto para livrar o Brasil de uma nova crise energética. Tudo ajuda, mas nenhum, isoladamente, é a solução.

Neste caso, não se inclui o projeto do Madeira? Temos outras alternativas também, como a geração eólica, a biomassa...

Temos de levar, em conta, ainda, que um leilão (da energia do Madeira) vai elevar em muito a tarifa de eletricidade. Essa energia também terá de ser integrada ao sistema, o que vai custar mais uns R$ 10 bilhões em linhas de transmissão, que terão também de passar por um licenciamento ambiental.

Instituto Humanitas Unisinos - 10/07/07

Ibama libera usinas do Madeira com 33 condicionantes

O Ibama deu ontem sinal verde às usinas hidrelétricas do rio Madeira. A autarquia concedeu licença prévia ao projeto, válida por dois anos, atestando sua viabilidade ambiental. O aval, porém, inclui 33 requisitos que deverão ser cumpridos pelo empreendedor - o consórcio Furnas/Odebrecht, responsável pelos estudos do complexo hidrelétrico, em Rondônia. A reportagem é de Daniel Rittner e publicada no jornal Valor, 10-07-2007.

As condições impostas pelo Ibama seguem três prioridades: o processo de sedimentação do leito do rio, soluções para permitir a continuidade da reprodução de peixes e o controle dos níveis de mercúrio.

A licença prévia, pré-condição para que o governo licite as duas usinas, saiu 40 dias após o "prazo" informal dado pelo Palácio do Planalto - que era, originalmente, o fim de maio. O edital da obra deverá ser lançado em agosto. O ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, afirmou que o leilão de Santo Antônio - com potência de 3.150 megawatts - deverá ocorrer em outubro. Segundo ele, isso permitirá que a hidrelétrica comece a operar em 2012.

Jirau, a segunda usina do complexo - com capacidade prevista de 3.300 MW - deverá ser licitada apenas em 2008, segundo o ministro interino. Hubner não descartou a possibilidade de participação de Furnas no leilão, em parceria com a Odebrecht. As duas empresas têm sido parceiras nos estudos econômicos e ambientais do Madeira, mas o governo pretende dar um caráter totalmente privado à disputa.

Por isso, Hubner anunciou no mês passado a intenção de vetar a participação de estatais no leilão. O vencedor da concorrência teria a possibilidade de optar por uma parceria da Eletrobrás ou do BNDES-Par, com até 49% na sociedade. A Odebrecht protestou, e o ministro afirmou agora que fez só uma "sugestão". "Tudo o que colocamos foi uma proposta. Agora é que vamos detalhar."

A licença prévia é apenas o primeiro passo para erguer as usinas do Madeira. O presidente substituto do Ibama, Bazileu Alves Margarido, explicou que a bola está agora com os futuros vencedores do leilão. Eles deverão elaborar os Projetos Básicos Ambientais (PBAs) para mostrar como lidarão com as exigências do Ibama. A partir das respostas, começa a contar um prazo de 365 dias para a emissão da licença de instalação, que autoriza o início das obras.

Bazileu refutou as insinuações de que o Ibama cedeu à pressão política do governo para emitir a licença e atribuiu a demora da análise à complexidade do processo. Ele lembrou que os estudos identificaram 498 espécies de peixes no rio Madeira - muitas jamais encontradas em outros rios. "O Ibama levou o tempo necessário para fazer as avaliações técnicas e agregar à sociedade toda a segurança necessária", frisou o presidente da autarquia, deixando claro que manterá o rigor na próxima etapa do licenciamento.

Em meio à greve dos servidores do Ibama, os oito técnicos que assinaram o parecer inicial contrário à emissão de licença ao projeto não participaram da análise final, admitiu Bazileu. Para ele, no entanto, não foi comprometida a qualidade do processo, que teve a participação de técnicos do Ministério do Meio Ambiente e "especialistas de renome nacional e internacional" - uma referência ao indiano Sultan Alam.

Foi com base nos estudos de Alam, segundo Bazileu, que o Ibama chegou à conclusão de que o acúmulo de sedimentos no leito do rio não causará inundações em trechos do Madeira anteriores aos reservatórios. Nos estudos apresentados pelo consórcio Furnas/Odebrecht, previa-se o acúmulo nos reservatórios de até 14% dos sedimentos carregados pelo rio. Alam fez novos cálculos e encontrou um número bem menor: só 1%. Além disso, o Ibama determinou que as futuras ensecadeiras - construções necessárias para secar o local destinado ao lago das hidrelétricas - sejam demolidas após cumprirem suas funções.

A demolição otimizará a vazão de sedimentos pelas turbinas e vertedouros, mas vai ajudar ainda em outra preocupação dos ambientalistas: facilitará a deriva de "ovos, larvas e exemplares juvenis de peixes migradores", segundo lê-se na licença concedida pelo Ibama. De acordo com Bazileu, a demolição não estava prevista nos estudos originais do consórcio.

Para não comprometer a migração e a reprodução dos peixes, o Ibama exigiu a construção de canais semi-naturais para facilitar o processo de deslocamento. O presidente interino da autarquia ressaltou também o estabelecimento de mais uma condição importante para erguer as usinas: a implantação de um "centro de reprodução da ictiofauna" (fauna de peixes), que permitirá repovoar espécies migradoras eventualmente prejudicadas pelo empreendimento.

Por usarem turbinas a bulbo, que aproveitam a vazão do rio em vez da queda d'água, as áreas alagadas serão relativamente pequenas para obras desse porte: 271 quilômetros quadrados para Santo Antônio e 258 quilômetros quadrados para Jirau.

Ao ser lembrado de que o governo boliviano manifestou preocupações sobre o impacto das hidrelétricas em seu território, Bazileu foi taxativo: "Não encontramos, no âmbito dos estudos, impactos transfronteiriços". Ele acrescentou que as medidas mitigatórias exigidas pelo Ibama são suficientes para evitar perdas de peixes na Bolívia e no Peru, de onde saem as águas que abastecem o Madeira.

Le Monde Diplomatique Brasil - 21/06/07

Os EUA apostam no "black business"

No momento em que a influência norte-americana sobre o continente negro enfrenta a concorrência da China, ex-militantes pelos direitos civis impulsionam a GoodWorks, uma estranha rede que une governantes suspeitos e homens de negócio ambiciosos

Jean-Christophe Servant

Foi uma bela cerimônia de despedida. Em 19 de dezembro de 2006, Olusegun Obasanjo, presidente da Nigéria que deixava o cargo, foi o convidado de honra de um jantar organizado no grande salão do hotel Waldorf Astoria, em Nova York. Após dois mandatos à frente do gigante da África Ocidental, o ex-general convertido à “democrazy” [1], encontrou por lá amigos muito queridos. Entre eles, os três principais investidores no setor de petróleo do país – Chevron, Exxon e Shell Nigeria –, patrocinadores da noite de “comemoração e homenagem” que reuniu 850 personalidades. Obasanjo preparava-se para deixar o poder, após as eleições presidenciais de 21 de abril de 2007 [2].

Entre garfadas de frango e bolo de chocolate, Hope Masters, filha de Leon H. Sullivan, militante negro norte-americano dos anos 1960, exprimiu seu desejo de ver o presidente nigeriano agraciado por um prêmio Nobel da Paz. A fundação Sullivan está na origem dos mais importantes encontros organizados no continente negro entre empresários privados afro-americanos e africanos. Ausente, o ex-secretário de Estado norte-americano Colin Powell não deixou de enviar uma mensagem de amizade a Obasanjo.

O reconhecimento foi devidamente justificado: o presidente da Nigéria soube atrair os investidores em seu país, ao preço de uma multiplicação dos bancos privados, de uma onda de privatizações e de concessões massivas no setor público. Sua eleição, em 1999, foi precedida de uma viagem de campanha aos Estados Unidos feita a bordo de um jato cedido pela Chevron-Texaco.

A Atlanta de Andrew Young: "modelo para a África da amanhã"?

Para o grande prazer de seus interlocutores, Obasanjo não reclamou de unir negócios à religião. Em seu discurso de agradecimento, no Waldorf Astoria, fez questão de lembrar que foi “Deus quem pôs o petróleo em certas regiões para que sua prospecção garantisse o desenvolvimento delas”. A noite foi também uma espécie de apoteose para seu organizador, Andrew Young, figura emblemática do movimento pelos direitos civis e co-fundador da sociedade GoodWorks International (GWI), com sede em Atlanta. A GWI é um gabinete de consultoria e lobby que, segundo Laolu Akande, correspondente nos Estados Unidos do jornal nigeriano ’The Guardian’, “fez fortuna a partir das relações com Obasanjo”. A GWI faturaria 40% de seus recursos com a Nigéria. “Milhões de dólares”, estimou o ’New York Times’ [3], sem mais detalhes.

É verdade que a rede transnacional da GoodWorks facilita a opacidade de seu faturamento. A GWI realiza missões de “limpeza de imagem” na Nigéria, em Angola, na Costa do Marfim, no Benin e mais recentemente em Ruanda e na Tanzânia. Elas rendem 220 mil euros por ano, por cliente. A empresa trabalha, também, para os maiores grupos norte-americanos — Chevron, General Electric, Motorola, Monsanto e Coca-Cola —, que tentam penetrar nos mercados africanos (ou consolidar sua penetração). Recebe 1,5% do montante dos contratos das empresas. Essa poderosa rede relacional de chefes de Estado e homens de negócios norte-americanos foi tecida durante a longa carreira de Young.

Membro dos conselhos administrativos de várias das 500 maiores empresas norte-americanas, “apóstolo do capitalismo”, segundo a revista “Forbes”, o ex-prefeito de Atlanta entrou para a vida pública ao lado de Martin Luther King, durante a luta por direitos civis. Depois, filiou-se ao Partido Democrata e foi eleito para o Congresso antes de se tornar o primeiro embaixador afro-americano das Nações Unidas, no governo de James Carter. Mas foi sua eleição – depois sua reeleição – para a prefeitura de Atlanta (de 1982 a 1989), então engajada nos preparativos para os Jogos Olímpicos de 1996, que constituiu uma virada em sua vida. Ele transformou a cidade numa das capitais empresariais dos Estados Unidos. Young adora lembrar que essa evolução fez de Atlanta “um modelo para a África de amanhã”.

O jogo duplo dos empresários negros norte-americanos

Nos anos 1980, o democrata Young não hesitou ao fustigar os “milionários negros sem coração, que irão provavelmente ao inferno, e que ganhariam mais votando nos republicanos” [4]. Mais tarde, ele mesmo mudou de lado: passando dos círculos democratas para os “think-tanks” republicanos, tornou-se um dos “magos negros” da diplomacia de influência do governo Bush: “Quanto mais eu lia sobre Paul Wolfowitz [ex-presidente, recém-demitido, do Banco Mundial], mais eu entendia aquilo que temos em comum. Nós tivemos o mesmo mentor, George Schultz [5]. Nós chegamos lá por caminhos completamente opostos, mas nos encontramos com um mesmo objetivo, o de difundir a paz [6]”.

As críticas choveram cada vez mais pesadas sobre Young e seus negócios africanos. Embora as suspeitas e condenações, particularmente azedas, tenham a Nigéria como pano de fundo, elas vão além das relações de “amizade” tecidas com Obasanjo desde o fim dos anos 1970. De fato, a GoodWorks pratica na “Mama África” uma filosofia empresarial resumida pelo slogan: “Doing well by doing good ("Indo bem ao fazer o bem") [7]”. Ela parece exprimir o jogo duplo dos empresários negros norte-americanos, que agem na África Subsaariana desde o fim dos anos 1990: um negócio que se desenvolve a partir dos acordos de "livre" comércio aprovados entre Washington e os “bons alunos” do continente. Como nota Antoine Glaser, diretor de redação do “La Lettre du Continent”, a GoodWorks seria a líder de uma geração de intermediários afro-americanos, prestes a “se impor como a nova alavanca do poder dos Estados Unidos na África”. “Se eles são os primeiros a louvar publicamente os princípios éticos como a transparência na condução dos negócios com a África, também estão ligados diretamente aos mais criticados, como o presidente angolano Eduardo dos Santos [8]. E é uma tendência que vai se reforçar, agora que a concorrência com a China se exacerba sobre o continente”.

Esses homens, que não hesitam ao exibir tanto sua origem como ex-militantes pelos direitos civis quanto suas raízes africanas, na mídia e para a opinião pública africana, estão prestes a se tornar verdadeiros “cavalos de Tróia” na conquista por dividendos de auxílio financeiro em Washington. “De fato, depois da Françafrique", precisa Gleiser, "seria preciso inventar um neologismo para falar da atuação desses consultores afro-americanos nos negócios com o continente, em se tratando tanto de grandes empresas norte-americanas quanto do Departamento de Estado.” Basta verificar onde a GoodWorks abre seus escritórios: exclusivamente nos países que se "beneficiam" de preferências aduaneiras negociadas com os Estados Unidos. "Poderíamos falar agora da ’afro-americanáfrica", continua Gleiser.

Uma guarda negra da recolonização do continente

Antes que a revelação da natureza das relações entre a GoodWorks e a Nigéria despertasse a ira de numerosos editorialistas norte-americanos, a sociedade já estava na mira de manifestantes altermundialistas e dos militantes norte-americanos por direitos sociais. Em 1999, Young aceitou uma missão da Nike em suas usinas do sudeste asiático. De seu “estudo”, ele concluiu que “não há nenhuma prova de maus tratos contra os empregados”. Semanas depois, um relatório independente denunciaria as condições de trabalho “perigosas, desumanas e assombrosas” praticadas pela marca nos países da região.

Em fevereiro de 2006, um novo escândalo, dessa vez com o Wal Mart. Young é acionado pelo número um da rede de varejo para dirigir um grupo de pressão, o Working Families for Wal Mart. O objetivo era o mesmo: restaurar a imagem arranhada do gigante, principalmente em meio à comunidade de negros e “famintos”, “aos quais o Wal Mart doa bons produtos”. Young seria depois obrigado a deixar o posto, ao ser tachado de racista por suas reflexões sobre pequenos comerciantes oriundos de minorias étnicas: “São gente que nos enganam ao nos vender pão amanhecido, carne ruim e legumes passados. Eu acho que eles enganaram demais nossas comunidades. Primeiro havia os judeus, depois os coreanos e agora os árabes. Poucos negros controlam esses negócios.” “Nós ficamos consternados com esse comentário, principalmente vindo de alguém que batalhou, por muito tempo, pela igualdade de direitos neste país”, comentou o porta-voz do Wal Mart.

Em 2007, com as eleições nigerianas e, logo depois de a GoodWorks comemorar seus dez anos, muitos sites afro-americanos intensificaram seus ataques. Prexy Nesbitt, intelectual de Chicago, militante da luta por direitos civis e um dos arquitetos da campanha contra o apartheid sul-africano nos Estados Unidos, nos anos 1970, ressaltou: “Uma certa categoria de negros norte-americanos não tem nenhum senso de suas responsabilidades frente ao continente africano. Eles não têm vergonha alguma, não têm laços e são incapazes de agir. Vemos surgir cada vez mais negros norte-americanos a serviço do sistema. Eles são, de certa maneira, um tipo de guarda desse sistema que visa recolonizar militar e comercialmente a África. Condoleezza Rice [secretária de Estado] é um bom exemplo disso. O mesmo vale para a nova secretária de Estado para negócios africanos [9].”

Ampla teia de relações com governentes e homens de negócio

A maneira como a GoodWorks se introduziu nos círculos de tomada de decisões ao lado de Obasanjo – segundo Young, um homem “que, desde os anos 1960, participou de tudo que houve de bom na África” – constitui outro ponto de polêmica. No aniversário da GoodWorks, Ken Silverstein, jornalista e articulista, um dos maiores especialistas em negócios entre os Estados Unidos e a África, ateve-se às pretensões da GoodWorks: “A prefeita de Atlanta, Shirley Franklin, explicou recentemente que a GoodWorks provava que um capitalismo orientado à coletividade era possível. Se o coletivo a que ela se refere é o de líderes africanos corruptos, de seus amigos norte-americanos e dos meios empresariais, ela tem razão. Mas, se ela tentou nos dizer que a GoodWorks está à altura de seu nome quando tenta atuar no combate à pobreza, não poderia estar mais enganada.”

Entre os dirigentes da GoodWorks estão, entre outros, dois ex-embaixadores afro-americanos na Nigéria: Howard Jeter e Walter Carrington. Sharon Ikeazoar, a responsável pelo escritório da capital (Abuja), é a ex-advogada da filial nigeriana da Royal Dutch Shell. Também ambivalente é o perfil de Carlton A. Masters, atual número um da GoodWorks e co-fundador da sociedade. Jamaicano naturalizado nos EUA, casou-se com a filha de Leon H. Sullivan numa cerimônia em Abuja, com a presença do presidente nigeriano, em junho de 2005. Um privilégio excepcional, disseram outros convidados. Ele até abriu uma empresa na Flórida - Sunscope Investments - em parceria com membros da comitiva do presidente nigeriano.

Um outro passo foi dado no último trimestre de 2006, quando Masters foi indicado, pela Comunidade dos Estados do Oeste da África (Cedeao, com sede em Abuja) enviado especial da para relações com a diáspora africana. Os nigerianos da América já estavam atônitos com o fato de que seu país, que mantém diplomatas competentes nos Estados Unidos, possa acionar – com remuneração anual de US$ 500 mil – uma empresa de lobby como a GoodWorks. Eles foram os primeiros a reagir à decisão: “Nomear um norte-americano para o posto significa que nenhum africano poderia exercer a função?”, perguntou Steve Nwabuzor, presidente da Nigerian Leadership Foundation [10]. O interessado se defendeu: “Eu tenho a intenção de utilizar a nomeação não apenas para atrair a atenção global para as necessidades da África, mas também para estreitar as relações entre os Estados Unidos e os 15 países membros da Cedeao.”

A GoodWorks atribui as críticas que vêm dos dois lados do Atlântico ao vice-presidente nigeriano – e candidato derrotado na eleição de abril de 2007 – Atiku Abubakar, que utilizaria e espalharia as calúnias para atingir fins pessoais. A fortuna de Abubakar também não está livre de zonas sombrias. Por meses, sob a guisa de luta contra a corrupção, uma verdadeira guerra de notas e revelações foi travada entre os meios que apoiavam Obasanjo e aqueles em favor de seu vice-presidente, acusado de malversações financeiras.

A direção da GoodWorks, que não quis responder nossas perguntas, parece embaraçada com as acusações contra seus negócios pan-africanos. E as alegações são cada vez mais diretas. O advogado nigeriano Femi Falana, estima que “Andrew Young não se interessa pelos problemas da Nigéria. Ele só veio para obter um lucro [11]”.

O ex-prefeito de Atlanta é um dos sócios de uma companhia petroleira nigeriana, a Sun Trust Oil, proprietária de uma das refinarias mais promissoras do país, desde 2002. Outro dirigente da GoodWorks, Howard Jeter, está no conselho administrativo da ERHC, criticada pela maneira como obteve várias licenças de prospecção na zona de desenvolvimento conjunto criada entre a Nigéria e São Tomé e Príncipe [12].

“Caso Trafigura”: enfim, a descoberta do fio da meada?

Decerto, o fato de norte-americanos representarem, ao mesmo tempo, um país e as empresas que tentam se instalar ali não é ilegal. Além disso, eles podem fazer negócios pessoais em um país com o qual a GoodWorks mantém contratos. Mas essas ligações, geralmente opacas e propícias a irregularidades, favorecem a pilhagem de recursos tão necesários aos povos africanos.

Na Jamaica, um escândalo recente trouxe à tona a natureza das atividades da GoodWorks. O advogado e deputado Clive Mullings (trabalhista, oposição) à frente de um caso sobre energia e telecomunicação, decidiu revelar todo o jogo internacional de “retro-comissão entre a empresa Trafigura, a GoodWorks e os dirigentes jamaicanos e nigerianos”. Segundo Mullings, foi uma “fraude internacional” com fundos de acordos bilaterais assinados pelas duas empresas públicas petroleiras da Nigéria e da Jamaica durante os anos 1990 [13]. O envolvimento da GoodWorks nessa história complexa remontaria a 2000, um ano depois da chegada de Obasanjo ao poder. “Na época, o governo conservador jamaicano no poder perguntou a Carl Masters, dirigente da GoodWorks, se ele poderia assessorar a Companhia Petroleira da Jamaica [Petroleum Company of Jamaica, PCJ] na obtenção do petróleo da Nigeria National Petroleum Corporation [NNPC]. É estranho sabendo que, desde 1978, a PCJ nunca precisou de tal ajuda.” Foi nesse momento que interveio a Trafigura, companhia financeira petroleira e de fretamento marítimo, encarregada de comprar e transportar esse petróleo. Envolvida num caso parecido na África do Sul, a Trafigura recebia retro-comissões por sua atuação, sob a forma de porcentagem sobre os barris transportados, enquanto a GoodWorks também recebia honorários: 15% da receita da Petroleum Company of Jamaica [14].

O episódio que ficou conhecido como “caso Trafigura” veio à tona quando se descobriu que 460 mil euros haviam sido desviados, a partir de Amsterdã, para a conta de um ministro jamaicano, Colin Campbell. Os representantes da Trafigura encontraram a primeira-ministra Portia Simpson Miller em reunião privada,um mês antes do depósito ser efetuado. “Se o governo classifica essa transferência de fundos como ‘doação’, a Trafigura a chama de ‘transação comercial’ dentro dos trâmites de renegociação de seu contrato que chegava ao fim.” As autoridades holandesas iniciaram uma investigação. O caso levou à demissão de Campbell, então ministro da Informação. Percival James Patterson, ex-primeiro-ministro (1992-2006), que estava na origem do acordo, voltou à direção da GoodWorks. No último encontro organizado pela fundação Sullivan, realizado pela segunda vez consecutiva em Abuja, em 20 de julho de 2006, Young não hesitou ao convidar o presidente norte-americano George W. Bush a participar da próxima reunião, que deverá ser organizada na Tanzânia, em 2008. A GoodWorks também foi contratada pelo governo de Dar es Salaam (Tanzânia), por US$ 375 mil. Nos Estados Unidos, a empresa precisou organizar reuniões destinadas a “rebater as informações negativas publicadas sobre a Tanzânia na imprensa norte-americana”. Azar: a GoodWorks também trabalha para a controversa mineradora canadense Barrick Golds [15], que também atua no país.

Manchadas pela violência e por irregularidades, as eleições nigerianas de abril de 2007 desembocaram no que observadores internacionais temiam: a eleição truncada – mas sem surpresas – de Umaru Yar’Adua, mais do que nunca considerado uma “marionete” do presidente de saída Obasanjo, e novo cliente da GoodWorks. Como lembra o jornalista Laolu Akande, o jantar de gala do Waldorf Astoria foi para Obasanjo e para a GoodWorks a ocasião de “começar a trabalhar a candidatura e a imagem de Yar’Adua. Eles explicaram que Yar’Adua havia respeitado os direitos humanos e impedido a escalada do islamismo radical no Estado que governava, Katsina”.

Enquanto isso, na Jamaica, os olhos vidrados nos dois continentes, a América e a África, Clive Mullings leva adiante sua investigação sobre a GoodWorks. Objetivo: “Religar os pontos e revelar finalmente essa fraude internacional”.

Tradução: Silas Martí
silas.marti@revistaflan.com


[1] Apelido atribuído à democracia nigeriana a partir das palavras “democracia” e da palavra inglesa “crazy” (louca).

[2] Umaru Yar’Adua, candidato do Partido Democrático do Povo (PDP) e ex-governador do Estado muçulmano de Katsina (norte), foi eleito com 24.638.063 votos, derrotando o general Muhammadu Buhari, candidato do All Nigeria People Party (ANPP, oposição), que teve 6.605.299 votos. O vice-presidente de saída, Atiku Abubakar, ficou em terceiro lugar com 2.637.848 votos

[3] Ler Barry Meier, “ For Us-Nigeria Go-Beetwen, ties yield profit ”, 18 de abril 2007,

[4] “Young Assails Blacks Who Favor President ”, The New York Times, 27 de outubro de 1984.

[5] Ex-secretário de Estado, apoiou a guerra do Iraque e foi administrador da Bechtel, empreiteira contratada para a reconstrução do Iraque.

[6] The Washington note, “ What’s up with Andrew Young’s Groveling for Wolfowitz? ”, 30 de abril de 2007.

[7] www.goodworksintl.com/

[8] Presidente da Angola, José Eduardo dos Santos, freqüentemente associado à corrupção e ao desvio dos fundos de petróleo de seu país.

[9] Citado por Bruce Dixon, responsável editorial do Black Agenda Report, “ Africa, where the next us oil wars will be ”, 28/02/2007

[10] Ler, “Carl Masters named Ecowas Envoy ”, 31/10/2006.

[11] New York Times, ibidem.

[12] Ler Jean-Christophe Servant, “São Tomé e Príncipe: o azar do petróleo”, Le Monde Diplomatique-Brasil, outubro 2006.

[13] Ler “Lifting the veil”.

[14] Baseada na Holanda, a Trafigura Beheer BV é uma petroleira especializada no transporte de matérias primas. É acusada de envolvimento em numerosos escândalos, como o fretamento do Probo Koala, que transportou à Costa do Marfim, em 2006, dejetos despejados, em diversas descargas, na capital, Abidjan. Cerca de 23 mil pessoas foram intoxicadas, sete morreram e 35 tiveram saúde gravemente comprometida.

[15] Primeira em extração de ouro no mundo, a Barrick Gold é alvo de várias acusações, principalmente no continente africano (Congo, Tanzânia etc)

segunda-feira, julho 09, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 08/07/07

Sarkozy quer instalar câmaras em toda a França

Os franceses acabarão vigiados como os britânicos. Depois dos atentados frustrados em Londres e Glasgow e à vista da rapidez com que se desenvolveu a investigação, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, encarregou o governo de François Fillon que realize rapidamente um estudo para colocar em marcha um plano de instalação de câmaras de vídeo-vigilância por todo o território nacional para prevenir eventuais atos terroristas ou criminosos. A notícia é do El País, 06-07-2007. A tradução é do Cepat.

Segundo explicou ao fim da reunião do Conselho de Ministros, o porta-voz do Executivo, Laurente Wauquiez, o presidente argumentou diante dos membro do Gabinete que a lição a ser aprendida com os frustrados atentados islâmicos no Reino Unido “deve conduzir a uma rápida reflexão sobre um plano de grande amplitude de instalação de videocâmaras na França”. Sarkozy, disse o porta-voz, pediu ao governo que trabalhe sobre esse assunto para “ver em que medida isso pode melhorar ou não a segurança na França”.

No Reino Unido há mais de 4 milhões câmaras instaladas pelas ruas de todo o país, o que supõe uma para cada 15 habitantes. Em Londres há cerca de 65 mil. Já em Paris são apenas 300 câmaras de vigilância. As cifras são elevadas se se compara com as de Madri, onde há apenas 24 câmaras de vigilância na região da Praça Maior. Há um plano para ampliar a vídeo-vigilância, mas mesmo quando se completar o numero de câmaras não se superará a meia centena.

O prefeito de polícia da capital francesa, Michel Gaudin, se queixa da falta de investimentos nesta área. Os investimentos para levar adiante o projeto do presidente é caro. Concretamente, um projeto já existente para dotar a capital de um milhão de novas câmaras está orçado em 44 milhões de euros. Cada câmara exige um investimento entre 25 a 35 mil euros, mais a manutenção e a instalação.

Instituto Humanitas Unisinos - 08/07/07

Aula esquecida

"Um dos cinco delinquentes que assaltaram e espancaram a diarista Sirley foi aprovado no vestibular do curso de administração de uma das melhores escolas privadas do Rio. Nos dois primeiros dias falou ao celular durante as aulas, desdenhou repreensões e comportou-se como bem quís. Foi chamado à secretaria e dipensado de voltar à escola. Uma pessoa de sua família foi à faculdade e, com o boleto da mensalidade na mão, lembrou que havia pago pela matrícula, exigindo que o garotão continuasse frequentando as aulas. O cidadão foi colocado diante da seguinte escolha: ou levava o malfeitor para casa, ou seria aberto um processo formal de expulsão. Dito isso, ele entendeu e foi em frente. Pena que nenhum dos dois tenha aprendido a lição". O comentário é de Elio Gaspari e publicado no jornal Folha de S. Paulo, 8-07-2007.

Instituto Humanitas Unisinos - 08/07/07

Pensamento de Milton Santos chega às telas do cinema

Milton Santos, um dos mais importantes pensadores sobre o território brasileiro, teve uma parte de sua obra transformada em documentário pelo diretor de cinema Silvio Tendler. “Encontro com Milton Santos, ou o mundo global visto do lado de cá”, merece mérito pela preciosidade do registro, o último antes da morte de Milton, em 2001. Mas não apenas por isso. Para Tendler, o documentário traz a discussão sobre um mundo do ponto de vista dos pobres que procuram alternativas para o mundo como ele é hoje. A reportagem é de André Gardini e publicada pela página http://www.comciencia.com.br/ 5-07-2007.

O documentário de 89 minutos, vencedor na categoria Júri Popular no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2006, será lançado no dia 17 de agosto em cinco capitais do Brasil: São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Brasília, Porto Alegre. Para Milton Santos, essas cinco capitais fazem parte da Região Concentrada, que abrange os estados da região Sudeste (Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo), os estados da região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e dois estados do Centro-oeste (Mato Grosso do Sul e Goiás), tendo como pólo as metrópoles de São Paulo e do Rio de Janeiro. Essa região se caracteriza pela modernização generalizada, onde os acréscimos de ciência e tecnologia se verificam de modo contínuo, pela intensa circulação interna e acentuada divisão territorial do trabalho. A nova proposta de regionalização para o território brasileiro de Milton Santos está no livro “O Brasil: território e sociedade no inicio do século XXI”, escrito juntamente com Maria Laura Silveira, professora de geografia da USP.

Tendler conta que a entrevista com o professor Milton Santos foi o ponto de partida e também sua principal referência. O documentário expõe um pensamento acerca da globalização e discute as distorções impostas aos países pobres que pagam injustamente pelo crescimento da economia dos países ricos e as conseqüências provenientes dessa lógica do capital, que amplia as diferenças ao invés de redistribuir as riquezas. “O lado de cá são os países do sul, explica o diretor. “Na verdade, para Milton a globalização tem características dos regimes totalitários como o nazismo e facismo, por isso ele a chamava de globaritalismo, que se refere a esse processo imposto pelas grandes empresas à humanidade”, explica Tendler, e completa, “Milton Santos é um dos pensadores oriundo do mundo do sul que pensou esse processo de globalização de um ponto de vista dos pobres”.

O documentário traz um pensamento pessimista do presente, mas uma visão otimista quando tenta mostrar as possibilidades de um novo mundo, também sinalizado pelo professor Milton Santos, onde a união entre as “novas técnicas” e “os de baixo” podem fazer um futuro mais distinto para a humanidade. Milton Santos é um intelectual que, por suas idéias e práticas, inspira o debate sobre a sociedade brasileira e a importância que a categoria território tem na construção desse novo mundo.

De acordo com informações da Agência Senado, onde o documentário foi lançado no último dia (19), no auditório Petrônio Portela do Senado Federal, no filme Milton Santos explica que a informação é o coração da globalização. É através dos sistemas de comunicação que as grandes empresas estabelecem atualmente os seus domínios. Mas é também através da comunicação que pode se dar a mudança rumo a um futuro mais humano. As novas tecnologias de informática-eletrônica, apropriadas, cada vez mais, por pequenos grupos, podem trazer à luz fatos antes conhecidos, e até mesmo desconhecidos pela maior parte das pessoas, sob um novo olhar, um novo ponto de vista.

O conceito de espaço e abordagem inovadora

A obra de Milton Santos traz uma nova proposta sobre o conceito de espaço. O território usado, que é sinônimo de Espaço Geográfico, deve ser estudado sobre a ótica das novas tecnologias, dos agentes hegemônicos e dos hegemonizados, da crescente fluidez que acelera os fluxos das grandes empresas ao mesmo tempo em que nega essa possibilidade para os homens mais pobres, que ele chamou de “os homens lentos”. Nessa abordagem o território adquire novas características para se tornar um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações.

De acordo com Milton, as velhas noções de centro e periferia já não se aplicam, pois o centro poderá estar situado a milhares de quilômetros de distância e a periferia poderá estar dentro do próprio centro. Daí a correlação entre espaço e globalização, que sempre foi perseguida pelos detentores do poder político e econômico, mas só se tornou possível com o progresso tecnológico. Para contrapor-se à realidade de um mundo movido por forças poderosas e cegas, impõe-se, para Santos, a força do lugar, que, por sua dimensão humana, anularia os efeitos perversos da globalização.

Instituto Humanitas Unisinos - 08/07/07

Empresas estrangeiras aumentam remessas às matrizes

Empresas estrangeiras do setor industrial enviaram às matrizes US$ 3,6 bi de janeiro a maio, 65,8% a mais que no mesmo período de 2006 . Atividades de metalurgia e automobilística lideram o ranking, com envios de US$ 1,465 bilhão nos cinco primeiros meses do ano. A reportagem é de Cláudia Trevisan para a Folha de S.Paulo, 07-07-2007.

As empresas estrangeiras que atuam no setor industrial brasileiro ampliaram em 65,8% o valor de lucros e dividendos que enviaram ao exterior neste ano, enquanto encolheram as remessas das companhias de serviços, justamente as que concentram a maior quantidade de IED (Investimento Estrangeiro Direto) no país.

Os setores campeões no envio de lucros ao exterior foram o de metalurgia básica, que inclui siderurgia, e o automotivo, que deve ter recorde de vendas neste ano. Juntos, os dois segmentos responderam por 27% das remessas até maio - o equivalente US$ 1,465 bilhão.

Apesar das queixas da indústria em relação à perda de competitividade externa provocada pela valorização do real, o setor tem registrado participação no envio de lucros e dividendos bem superior à sua fatia no recebimento de IED. Nos cinco primeiros meses do ano, a indústria remeteu US$ 3,6 bilhões, o equivalente a 66,1% do total. No mesmo período, o setor recebeu 37% dos US$ 10,68 bilhões de investimentos que entraram no país (valores brutos, sem desconto dos investimentos brasileiros realizados no exterior).

A mesma discrepância ocorreu no ano passado, quando o setor industrial foi responsável por 52% das remessas, apesar de ter recebido 38,5% do IED que entrou no país. O segmento de serviços ficou com 54,5% dos investimentos e 46% das remessas. O restante foi ocupado por atividades agropecuárias e extrativistas.

A principal explicação dos economistas para o grande peso da indústria nas remessas é o fato de esses investimentos serem mais antigos que os realizados no setor de serviços. Com presença consolidada, são empresas que precisam reinvestir menos para garantir sua presença no mercado, dizem.

"A participação estrangeira nos serviços é mais recente, posterior às privatizações, e ainda está se expandindo", observa Edgar Pereira, economista-chefe do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial). A indústria automobilística, por exemplo, começou a se instalar no Brasil há cinco décadas. A de alimentos, que aumentou suas remessas em 100,4%, é outra com longa presença no país.

Além disso, parte do investimento está concentrada em setores que vêm apresentando boa rentabilidade, ressalta o economista Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Se reduz a competitividade dos produtos brasileiros no exterior, a valorização do real também aumenta os lucros das empresas estrangeiras em dólares, o que é outro fator de estímulo às remessas.

O economista Alexander Xavier, especializado em contas externas, diz que houve um boom na remessa de lucros em 2006, com US$ 11,54 bilhões enviados às matrizes pelas empresas estrangeiras instaladas no país, uma alta de 27,3% em relação a 2005.

No período de janeiro a maio de 2007 houve novo aumento: as remessas somaram US$ 5,45 bilhões, 24% acima do valor registrado em igual período do ano passado. Esses valores excluem as operações inferiores a US$ 1 milhão, que são desconsideradas pelo Banco Central na divisão das operações por setores da economia.

Instituto Humanitas Unisinos - 08/07/07

Redução da desigualdade e da pobreza acompanhada por uma piora dos postos de trabalho

A expressiva redução da desigualdade e da pobreza no Brasil entre 2001 e 2005 foi acompanhada por uma piora da grande maioria dos postos de trabalho. A constatação é do economista Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um dos pesquisadores que saudou com maior entusiasmo a melhora da distribuição de renda nos últimos anos. A reportagem é de Fernando Dantas e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 8-07-2007.

Agora, porém, depois de analisar em maior profundidade o que se passou no mercado de trabalho, ele está menos feliz. “A nossa redução na pobreza e na desigualdade foi fantástica, mas é preciso limitar a celebração”, diz Barros, um dos mais conhecidos e respeitados especialistas em política social do País.

Seus números mostram que, enquanto toda a população, com exceção dos 10% mais ricos, teve aumento da renda familiar per capita naquele período, 60% tiveram queda na renda do trabalho. O pior, porém, é que uma análise que isola apenas a remuneração intrínseca ao posto de trabalho indica que houve queda em 82% deles entre 2001 e 2005.

Para Barros, “é difícil pensar em uma queda sustentável da pobreza e da desigualdade que não venha acompanhada de uma melhora generalizada dos postos de trabalho, ou numa melhora do desenvolvimento humano que não seja acompanhada do aumento da produtividade do trabalho”.

Os números do economista também revelam que os trabalhadores que melhor se saíram naqueles anos ruins para o mercado de trabalho foram os menos qualificados, os habitantes de cidades pequenas, os empregados na agropecuária e os que vivem nas regiões Sul e Nordeste, onde o peso do agronegócio é grande. Por outro lado, os mais prejudicados foram os trabalhadores de alta qualificação morando nas grandes metrópoles (ver gráfico). Os cálculos foram baseados nas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (Pnad), e por isso vão até 2005, último ano para o qual ela foi divulgada.

Barros nota que as explicações possíveis para que, simultaneamente, a renda familiar per capita suba e a do trabalho caia são as transferências de renda e as aposentadorias e o aumento do número e da proporção de pessoas que trabalham. Neste último caso, pode haver aumento da renda domiciliar per capita se mais pessoas na mesma família trabalham. Entre 2001 e 2005, a taxa de ocupação (proporção das pessoas de 10 anos ou mais que trabalham) elevou-se de 54,8% para 56,8%.

Quando se olha em detalhe a evolução da renda do trabalho entre 2001 e 2005, há indicações de que, mesmo com a piora geral, o padrão de mudança pode ter contribuído para a melhora da distribuição de renda no período, que levou o índice de Gini a cair de 0,593 para 0,566 (o indicador varia de zero a um, e piora à medida que aumenta).

Aquele fato ocorre por causa da nítida tendência de os trabalhadores menos qualificados e mais pobres terem melhor desempenho do que os qualificados e ricos. Este é um dado importante, que não deve ser confundido com a melhora na renda dos pobres e não-qualificados derivada de programas sociais e de aposentadorias. Os números de Barros mostram que, independentemente de qualquer transferência de renda, os postos de trabalho mais humildes se deram melhor.

Isso fica claro quando se divide o total de postos de trabalho em quatro grupos de mesmo tamanho, indo do que teve pior desempenho em termos de renda do trabalho entre 2001 e 2005 até o que teve a melhor performance. Entre os trabalhadores de menor remuneração (os 10% piores), quase metade está incluída no grupo que teve a melhor evolução da renda do trabalho entre 2001 e 2005. E apenas 13% estão no grupo dos que tiveram a maior queda na renda naquele período. Quando se analisa os trabalhadores de maior remuneração (os 10% melhores), o quadro é quase inverso. Uma parcela de 46% situa-se no grupo de pior desempenho na renda do trabalho, e apenas 5% estão no grupo que teve o maior aumento.

METAS DO MILÊNIO

O mesmo tipo de análise mostra que trabalhadores rurais, analfabetos funcionais, moradores de pequenas cidades e também habitantes das regiões Sul e Nordeste foram muito mais beneficiados em termos de renda do trabalho do que os profissionais qualificados das grandes metrópoles.

O economista José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e consultor da Tendências, acha que talvez os números de Barros indiquem que, depois da abertura econômica dos anos 1990, o País esteja passando por um processo gradual de melhora dos setores que têm vantagens comparativas na inserção na economia internacional, como o agropecuário.

“A minha reação inicial a esses dados é a de pensar até que ponto a situação anterior não era conseqüência da política de substituição de importações, que protegia um setor industrial intensivo em mão-de-obra relativamente qualificada, às custas da agricultura.” Para Camargo, se a sua interpretação estiver correta, isso seria uma forte indicação de que a política de substituição de importações era concentradora de renda, e a abertura comercial tende a diminuir a desigualdade.

Barros considera que essa é uma hipótese plausível, mas ainda assim reluta em ver com bons olhos o comportamento do mercado de trabalho entre 2001 e 2005. Nesse período, ele nota, a redução da extrema pobreza brasileira foi três vezes a necessária para atender às metas do Milênio (metas sociais para todos os países acordadas no âmbito das ONU). Ainda assim, ele diz que “o trabalho está incompleto, porque é preciso garantir um crescimento mais generalizado e sustentado da produtividade do trabalho”.

Como a economia acelerou a partir de 2006, é possível que esse processo esteja no início. Por outro lado, há indicações de que a queda da desigualdade tenha perdido fôlego, o que desperta o temor de que crescimento e distribuição continuem sendo tendências antagônicas no País.