"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, agosto 22, 2008

Não esqueçam a Jugoslávia

Resistir Info - 21/08/08

por John Pilger

Capa da edi��o italiana. Os segredos do esmagamento da Jugoslávia que estão a emergir contam-nos muito sobre como o mundo moderna é policiado. A antiga promotora chefe do Tribunal Penal Internacional em Haia, Carla Del Ponte, este ano publicou as suas memórias: The Hunt: Me and War Criminal (A caça: eu e os criminosos de guerra). Quase ignorado na Grã-Bretanha, o livro revela verdades intragáveis acerca da intervenção ocidental no Kosovo, a qual tem ecos no Cáucaso.

O tribunal foi montado e financiado principalmente pelos Estados Unidos. O papel de Del Ponte era investigar os crimes cometidos quando a Jugoslávia foi desmembrada na década de 1990. Ela insistiu em que isto incluía os 78 dias de bombardeamentos da Sérvia e do Kosovo pela NATO em 1999, os quais mataram centenas de pessoas em hospitais, escolas, igrejas, parques e estúdios de televisão, e destruíram infraestruturas económicas. "Se eu não quiser [processar pessoal da NATO]", disse Del Ponte, "devo renunciar à minha missão". Foi uma impostura. Sob a pressão de Washington e Londres, foi abandonada uma investigação dos crimes de guerra da NATO.

Os leitores recordarão que a justificação para o bombardeamento da NATO era que os sérvios estavam a cometer "genocídio" na província secessionista do Kosovo contra pessoas de etnia albanesa. David Scheffer, embaixador itinerante estado-unidense para crimes de guerra, anunciou que até "225 mil homens de etnia albanesa entre os 14 e os 59 anos" poderiam ter sido assassinados. Tony Blair invocou o Holocausto e "o espírito da Segunda Guerra Mundial". Os heróicos aliados do ocidente eram o Kosovo Liberation Army (KLA), cujo registo de assassínios foi posto de lado. O secretário britânico de Negócios Estrangeiros, Robin Cook, disse-lhes para contactá-lo a qualquer momento pelo seu telemóvel.

Acabado o bombardeamento da NATO, equipes internacionais caíram sobre o Kosovo para exumar o "holocausto". O FBI fracassou em descobrir um único cemitério em massa e voltou para casa. A equipe de perícia forense espanhola fez o mesmo, seu líder iradamente denunciou "uma pirueta semântica das máquinas de propaganda de guerra". Um ano mais tarde, o tribunal de Del Ponte anunciou a contagem final dos mortos no Kosovo: 2.788. Isto incluía combatentes de ambos os lados e sérvios e ciganos assassinados pelo KLA. Não houve genocídio no Kosovo. O "holocausto" era uma mentira. O ataque da NATO fora fraudulento.

Isto não era tudo, diz Del Ponte no seu livro: o KLA sequestrou centenas de sérvios e transportou-os para a Albânia, onde os seus rins e outras partes do corpo foram removidos, sendo então vendidos para transplantes em outros países. Ela também diz que havia prova suficiente para processar kosovares albaneses por crimes de guerra, mas a investigação "foi travada desde o princípio" de modo que o foco do tribunal seriam "crimes cometidos pela Sérvica". Ela diz que os juízes de Haia foram aterrorizados com os kosovares albaneses – as mesmas pessoas em cujo nome a NATO atacou a Sérvia.

Na verdade, mesmo quando Blair, o líder da guerra, estava numa viagem triunfante no Kosovo "libertado", o KLA efectuava a limpeza étnica de mais de 200 mil sérvios e ciganos daquela província. Em Fevereiro último a "comunidade internacional", conduzida pelos EUA, reconheceu o Kosovo, o qual não tem economia formal e é dirigido, com efeito, pelas gangs criminosas que traficam drogas, contrabando e mulheres. Mas ele te um activo valioso: a base militar estado-unidense de Camp Bondsteel, descrita pelo comissário de direitos humanos do Conselho da Europa como "uma versão mais pequena de Guantanamo". A Del Ponte, uma diplomata suíça, foi dito pelo seu próprio governo para parar de promover o seu livro.

A Jugoslávia era uma federação independente e multi-étnica, ainda que imperfeita, que se posicionou como uma ponte política e económica durante a Guerra Fria. Isto já não era aceitável para a Comunidade Europeia em expansão, especialmente com a Alemanha, a qual principiara um esforço para o Leste a fim de dominar o seu "mercado natural" nas províncias jugoslávas da Croácia e da Eslovénia. No momento em que os europeus se encontravam em Maastrichet, em 1991, um acordo secreto fora lavrado; a Alemanha reconhecia a Croácia e a Jugoslávia era condenada. Em Washington, os EUA asseguravam que à esforçada economia jugoslava fossem negados empréstimos do Banco Mundial e a defunta NATO foi reinventada como o agente de força. Numa conferência sobre a "paz" no Kosovo, em 1999 em França, foi dito aos sérvios para aceitarem a ocupação pelas forças da NATO e uma economia de mercado, ou seriam bombardeados até à submissão. Foi o precursor perfeito dos banhos de sangue no Afeganistão e no Iraque.

14/Agosto/2008
O original encontra-se em http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=500

Os riscos das nanotecnologias. Artigo de Gilberto Dupas

Instituto Humanitas Unisinos - 20/08/08

"A nanotecnologia - cujos vetores e direções estão, mais uma vez, exclusivamente controlados pelas grandes corporações e pelos interesses do capital - radicaliza dramaticamente os instrumentos do homem para intervir na natureza, criando potencialidades e riscos imensos: da “pós-natureza” ao “pós-humano”, de produtos fantásticos ao definitivo colapso ambiental", escreve Gilberto Dupas, coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional (IRI-USP), presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 21-08-2008. Segundo ele, "a sociedade civil está de novo à margem dessa nova revolução, a ela assistindo, em geral, como espectador maravilhado sob efeito da imensa propaganda global positiva que já se iniciou".

Eis o artigo.

Nanotecnologia é a nova fronteira da era global. Ela permite o domínio de partículas com dimensões extremamente pequenas que exibem propriedades mecânicas, óticas, magnéticas e químicas inéditas; e é aplicável em amplas áreas de pesquisa e produção, como medicina, eletrônica, computação, física, química, biologia e materiais. Sua aplicação causará enormes impactos na sociedade, gerará enormes lucros com produtos e serviços revolucionários e provocará imensos riscos.

Os patronos dessas técnicas garantem, para um futuro próximo, nanorrobôs circulando pelo sangue humano para reparar células, capturar micróbios ou combater cânceres; materiais dez vezes mais resistentes e cem vezes menos pesados que o aço; e armas e aparelhos de vigilância milimétricos e potentíssimos. Anunciam a implantação de nanochips no organismo humano para substituir ou adicionar células com funções novas, abrindo espaço para uma primeira geração de pós-humanos. E seus oráculos mais delirantes prometem a completa regeneração celular; no limite, a imortalidade.

Mas há sérios alertas: risco de poluição ambiental incontrolável por partículas muito pequenas flutuando no ar, viajando a grandes distâncias e sem controle das barreiras naturais; nanocomponentes acumulando-se na cadeia alimentar com conseqüências não conhecidas; nanodispositivos modificando e controlando a mente humana; e reproduções descontroladas de nanopartículas destruindo vidas e gerando epidemias.

Já existem no mercado muitos produtos que contêm nanotecnologia sem que o saibamos, como protetores solares com partículas nano de óxido de titânio. No entanto, não há pesquisas para verificar como esse óxido penetra nas células, se avança para a corrente sanguínea e que efeitos provoca. Ainda não existem protocolos para padronizar pesquisas toxológicas nessa área. Algumas instâncias reguladoras e governamentais tentam apressar-se em definir critérios e mapear riscos, entre outras coisas, para evitar a política de fait accompli ou de rejeição sumária e não eficaz, como no caso dos transgênicos.

Mais uma vez, a lógica do capital e da acumulação tem sido implacável. As empresas estão fascinadas com as novas possibilidades de inovação e lucros em praticamente todos os setores. Começam-se a produzir em massa toneladas de nanomateriais comerciais para catalisadores, cosméticos, tintas, revestimentos, tecidos, corantes sintéticos, embalagens antimicróbio e cosméticos. E eles estão chegando com força total à medicina. A US Nacional Science Foundation estima que, em dez anos, todo o setor de semicondutores e metade do farmacêutico dependerão de nanotecnologia. Estruturaram-se mitos em torno das maravilhas dessas técnicas, criando ambiente favorável para poder lançar o quanto antes produtos que serão convertidos em objeto de desejo. Os riscos e conseqüências negativas, como sempre, ficam para depois.

No entanto, pesquisadores do US Environment Protection Agency já reportaram nanopartículas encontradas em fígado de animais de laboratório, vazamento para células vivas e o risco de novas bactérias desconhecidas atingindo a cadeia alimentar. Em agosto de 2007, a Sociedade Americana de Química anunciou que algumas novas formas de carbono (nanotubos) em produção já estão causando sério impacto ambiental com a emissão de substâncias tóxicas e cancerígenas (MTBE, PBDE, PFO e benzo(a)pireno). E a Food and Drug Administration reconhece que tem grandes dificuldades de estabelecer políticas e protocolos para a segurança das nanopartículas já presentes em produtos do mercado. Imagine-se em relação à avalanche de novos lançamentos!

Em suma, a nanotecnologia - cujos vetores e direções estão, mais uma vez, exclusivamente controlados pelas grandes corporações e pelos interesses do capital - radicaliza dramaticamente os instrumentos do homem para intervir na natureza, criando potencialidades e riscos imensos: da “pós-natureza” ao “pós-humano”, de produtos fantásticos ao definitivo colapso ambiental. A sociedade civil está de novo à margem dessa nova revolução, a ela assistindo, em geral, como espectador maravilhado sob efeito da imensa propaganda global positiva que já se iniciou. Mas que avaliação retrospectiva nossa civilização fará, em algum momento do futuro, sobre a nanotecnologia regulada apenas pelo lucro e pelas leis de mercado? Terá sido um progresso ou uma aventura trágica? Infelizmente, considerações de ordem ética que poderiam iluminar e controlar melhor esses caminhos são quase inexistentes.

Há os que afirmam ser esse o preço do “progresso”. Afinal, apesar de tudo, a expectativa de vida média da humanidade continua aumentando e os mesmos avanços tecnológicos que causam doenças curam várias outras. Existem até cientistas renomados apontando os homens-robôs viabilizados pelas nanotecnologias como os herdeiros da raça humana viajando pelo espaço para fugir do colapso ambiental que causamos à Terra. Mas outros pensam que o modelo de desenvolvimento econômico baseado nas leis do mercado e no encolhimento do Estado regulador é uma selva em que o interesse público é subjugado pelo lucro privado e que caminhamos para um salve-se quem puder. A sociedade contemporânea vai ter de tomar as rédeas de seu destino e encontrar soluções de compromisso para enfrentar o imenso desafio de controlar a direção dos vetores tecnológicos, administrando os efeitos perversos do sistema global de produção sobre a saúde e o bem-estar dos seus membros.

É imperioso retomar valores éticos como referência para a discussão sobre os rumos da ciência em geral, em especial das nanotecnologias.

Os riscos das nanotecnologias. Artigo de Gilberto Dupas

Instituto Humanitas Unisinos - 20/08/0/

"A nanotecnologia - cujos vetores e direções estão, mais uma vez, exclusivamente controlados pelas grandes corporações e pelos interesses do capital - radicaliza dramaticamente os instrumentos do homem para intervir na natureza, criando potencialidades e riscos imensos: da “pós-natureza” ao “pós-humano”, de produtos fantásticos ao definitivo colapso ambiental", escreve Gilberto Dupas, coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional (IRI-USP), presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 21-08-2008. Segundo ele, "a sociedade civil está de novo à margem dessa nova revolução, a ela assistindo, em geral, como espectador maravilhado sob efeito da imensa propaganda global positiva que já se iniciou".

Eis o artigo.

Nanotecnologia é a nova fronteira da era global. Ela permite o domínio de partículas com dimensões extremamente pequenas que exibem propriedades mecânicas, óticas, magnéticas e químicas inéditas; e é aplicável em amplas áreas de pesquisa e produção, como medicina, eletrônica, computação, física, química, biologia e materiais. Sua aplicação causará enormes impactos na sociedade, gerará enormes lucros com produtos e serviços revolucionários e provocará imensos riscos.

Os patronos dessas técnicas garantem, para um futuro próximo, nanorrobôs circulando pelo sangue humano para reparar células, capturar micróbios ou combater cânceres; materiais dez vezes mais resistentes e cem vezes menos pesados que o aço; e armas e aparelhos de vigilância milimétricos e potentíssimos. Anunciam a implantação de nanochips no organismo humano para substituir ou adicionar células com funções novas, abrindo espaço para uma primeira geração de pós-humanos. E seus oráculos mais delirantes prometem a completa regeneração celular; no limite, a imortalidade.

Mas há sérios alertas: risco de poluição ambiental incontrolável por partículas muito pequenas flutuando no ar, viajando a grandes distâncias e sem controle das barreiras naturais; nanocomponentes acumulando-se na cadeia alimentar com conseqüências não conhecidas; nanodispositivos modificando e controlando a mente humana; e reproduções descontroladas de nanopartículas destruindo vidas e gerando epidemias.

Já existem no mercado muitos produtos que contêm nanotecnologia sem que o saibamos, como protetores solares com partículas nano de óxido de titânio. No entanto, não há pesquisas para verificar como esse óxido penetra nas células, se avança para a corrente sanguínea e que efeitos provoca. Ainda não existem protocolos para padronizar pesquisas toxológicas nessa área. Algumas instâncias reguladoras e governamentais tentam apressar-se em definir critérios e mapear riscos, entre outras coisas, para evitar a política de fait accompli ou de rejeição sumária e não eficaz, como no caso dos transgênicos.

Mais uma vez, a lógica do capital e da acumulação tem sido implacável. As empresas estão fascinadas com as novas possibilidades de inovação e lucros em praticamente todos os setores. Começam-se a produzir em massa toneladas de nanomateriais comerciais para catalisadores, cosméticos, tintas, revestimentos, tecidos, corantes sintéticos, embalagens antimicróbio e cosméticos. E eles estão chegando com força total à medicina. A US Nacional Science Foundation estima que, em dez anos, todo o setor de semicondutores e metade do farmacêutico dependerão de nanotecnologia. Estruturaram-se mitos em torno das maravilhas dessas técnicas, criando ambiente favorável para poder lançar o quanto antes produtos que serão convertidos em objeto de desejo. Os riscos e conseqüências negativas, como sempre, ficam para depois.

No entanto, pesquisadores do US Environment Protection Agency já reportaram nanopartículas encontradas em fígado de animais de laboratório, vazamento para células vivas e o risco de novas bactérias desconhecidas atingindo a cadeia alimentar. Em agosto de 2007, a Sociedade Americana de Química anunciou que algumas novas formas de carbono (nanotubos) em produção já estão causando sério impacto ambiental com a emissão de substâncias tóxicas e cancerígenas (MTBE, PBDE, PFO e benzo(a)pireno). E a Food and Drug Administration reconhece que tem grandes dificuldades de estabelecer políticas e protocolos para a segurança das nanopartículas já presentes em produtos do mercado. Imagine-se em relação à avalanche de novos lançamentos!

Em suma, a nanotecnologia - cujos vetores e direções estão, mais uma vez, exclusivamente controlados pelas grandes corporações e pelos interesses do capital - radicaliza dramaticamente os instrumentos do homem para intervir na natureza, criando potencialidades e riscos imensos: da “pós-natureza” ao “pós-humano”, de produtos fantásticos ao definitivo colapso ambiental. A sociedade civil está de novo à margem dessa nova revolução, a ela assistindo, em geral, como espectador maravilhado sob efeito da imensa propaganda global positiva que já se iniciou. Mas que avaliação retrospectiva nossa civilização fará, em algum momento do futuro, sobre a nanotecnologia regulada apenas pelo lucro e pelas leis de mercado? Terá sido um progresso ou uma aventura trágica? Infelizmente, considerações de ordem ética que poderiam iluminar e controlar melhor esses caminhos são quase inexistentes.

Há os que afirmam ser esse o preço do “progresso”. Afinal, apesar de tudo, a expectativa de vida média da humanidade continua aumentando e os mesmos avanços tecnológicos que causam doenças curam várias outras. Existem até cientistas renomados apontando os homens-robôs viabilizados pelas nanotecnologias como os herdeiros da raça humana viajando pelo espaço para fugir do colapso ambiental que causamos à Terra. Mas outros pensam que o modelo de desenvolvimento econômico baseado nas leis do mercado e no encolhimento do Estado regulador é uma selva em que o interesse público é subjugado pelo lucro privado e que caminhamos para um salve-se quem puder. A sociedade contemporânea vai ter de tomar as rédeas de seu destino e encontrar soluções de compromisso para enfrentar o imenso desafio de controlar a direção dos vetores tecnológicos, administrando os efeitos perversos do sistema global de produção sobre a saúde e o bem-estar dos seus membros.

É imperioso retomar valores éticos como referência para a discussão sobre os rumos da ciência em geral, em especial das nanotecnologias.

Partidos políticos brasileiros: entendendo o passado para compreender o presente. Entrevista especial com Rodrigo Patto Sá Motta

Instituto Humanitas Unisinos - 20/08/08

A nova democracia é recente ainda no Brasil. Em cinco eleições diretas, escolhemos apenas três presidentes. Um sofreu um processo de impeachment por envolvimento com corrupção, um era de extrema direita e outro de extrema esquerda. No entanto, podemos considerar que o país avançou em termos de democracia e participação do povo. “Existem ainda, é bem verdade, forças poderosas que podem constranger e moldar a opinião do eleitor, como o poder econômico, a influência dos meios de comunicação ou o controle da máquina governamental, por exemplo. Mas há também instrumentos que ao menos reduzem os efeitos negativos que tais forças podem exercer”, diz o historiador Rodrigo Patto Sá Motta.

Nesta entrevista que concedeu à IHU On-Line por e-mail, Sá Motta analisa a estrutura do sistema partidário brasileiro e seu desenvolvimento e a evolução da democracia no Brasil e na América Latina. Ele diz que, como nosso sistema partidário é pulverizado, só será possível governar realizando alianças partidárias, mesmo que essas alianças sejam feitas entre partidos ideologicamente diferentes.

Rodrigo Patto Sá Motta é graduado em História, pela Universidade Federal de Minas Gerais, onde também obteve o título de mestre nesta área. Na Universidade de São Paulo, realizou o doutorado em História Econômica e na University of Mariland, nos Estados Unidos, obteve o título de pós-doutor. Atualmente, é professor da UFMG. É autor de inúmeras obras, dentre as quais destacamos: Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no BrasilJango e o golpe de 1964 na caricatura (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006) e Introdução à história dos partidos políticos brasileiros (Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008). (São Paulo: Editora Perspectiva/Fapesp, 2002),

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Um país que viveu uma intensa e marcante ditadura militar, que teve inúmeras vezes cancelada pelo governo a ação dos partidos políticos, que viu nascer um partido a partir da luta dos trabalhadores, tem, hoje, que tipo de estrutura de sistema partidário?

Rodrigo Patto Sá Motta – Nos últimos anos, após o fim do regime militar e o restabelecimento pleno das instituições democráticas, tem-se observado o surgimento de tendências políticas animadoras. Há indícios claros de que a democracia política caminha para a consolidação, assim como os partidos (se considerarmos o grupo dos mais influentes), e os dois elementos são interdependentes: a democracia moderna não vive sem partidos e vice-versa. Comparada aos períodos anteriores de nossa história, a dinâmica política atualmente em curso é certamente a mais democrática e mais rica. Algumas observações podem ser muito ilustrativas e justificar o argumento.

O comunismo

Veja-se o exemplo da questão comunista. A intolerância em relação ao Partido Comunista foi uma marca constante da política brasileira e os comunistas atuaram a maior parte do tempo clandestinamente, perseguidos pelas forças de repressão. A partir da “Nova República”, tal quadro mudou, e os comunistas puderam legalizar seus partidos. Na verdade, a diminuição do controle repressivo tem beneficiado a setores sociais mais amplos, para além da esquerda revolucionária. Os sindicatos também constituem exemplo interessante, pois contam hoje com uma liberdade de atuação bastante considerável, após décadas de controle rigoroso por parte do Ministério do Trabalho. Basta lembrar que as Centrais Sindicais foram consideradas subversivas e inaceitáveis há poucas décadas e atualmente são instituições reconhecidas como parte legítima do jogo político.

A eleição de Lula

Seguindo a mesma linha de argumentação, a vitória do Partido dos Trabalhadores e a eleição de Lula em 2002 constituem um marco significativo na história política do país. Pela primeira vez no Brasil, um partido com origem na esquerda e nos movimentos sociais e, detalhe significativo, sob a liderança de um ex-operário, conseguiu ganhar eleições presidenciais e chegar ao poder. É bem verdade que, para vencer, o PT precisou moderar suas propostas (e imagem) e aliar-se a grupos políticos conservadores. No entanto, tendo em vista a história brasileira trata-se de fato singular e muito marcante.

O voto dos analfabetos

Outra mudança alvissareira aconteceu com o voto dos analfabetos. Excluídos do quadro da população eleitoral desde o final do século XIX foram transformados em cidadãos de segunda classe, proibidos de participar da escolha dos dirigentes do país. Hoje, pode-se dizer que o sufrágio universal está definitivamente implantado no país, já que não há restrições legais à participação eleitoral dos cidadãos. No último pleito, havia cerca de 125 milhões de eleitores aptos a votar, o que representa mais de 60% do total da população brasileira. O contraste com as eleições realizadas em períodos anteriores de nossa história é flagrante: em 1930, por exemplo, pouco mais de 5% da população depositou seu voto nas urnas.

A experiência democrática

Por outro lado, se compararmos o quadro recente com a experiência democrática anterior mais significativa, o período entre 1945 e 1964, evidencia-se a existência de situação mais animadora nos dias atuais no que tange à estabilidade institucional: cinco eleições presidenciais (1989, 1994, 1998, 2002 e 2006) contra quatro (1945, 1950, 1955 e 1960); 24 anos de funcionamento das instituições liberal-democráticas desde 1984, enquanto no outro período o Estado de direito durou somente 19 anos, pois foi interrompido pelo golpe de 1964. Além disso, nos anos recentes não temos visto golpes ou ameaças sérias de golpe, e o único presidente que não terminou seu mandato foi impedido por vias legais (Collor), enquanto na fase posterior à Segunda Guerra um presidente se suicidou, um renunciou e outro foi derrubado pelos militares.

Para além dos dados quantitativos, é factível afirmar, mais uma vez lançando um olhar para a história, que qualitativamente existem hoje melhores condições de exercício do direito ao voto. O cidadão não é mais burlado de maneira grotesca como em outras épocas, quando a fraude impedia a manifestação livre da vontade dos eleitores, salvo quando esta coincidia com o interesse dos ocupantes do poder. Existem ainda, é bem verdade, forças poderosas que podem constranger e moldar a opinião do eleitor, como o poder econômico, a influência dos meios de comunicação ou o controle da máquina governamental, por exemplo. Mas há também instrumentos que ao menos reduzem os efeitos negativos que tais forças podem exercer: o acesso gratuito e periódico de todos os partidos aos meios de comunicação; o aparecimento de um setor da opinião pública bem informado e com capacidade crítica; a existência de organizações da sociedade civil cuja atuação fortalece a cidadania; a liberdade de imprensa.

IHU On-Line – Como o senhor analisa o desenvolvimento dos partidos políticos no Brasil?

Rodrigo Patto Sá Motta – A história dos partidos políticos brasileiros é acidentada e tumultuada. Ao longo de aproximadamente dois séculos, desde o início da independência, tivemos seis sistemas partidários diferentes. E as alterações sofridas pelos partidos, provocando extinção e formação de novas organizações, sempre coincidiram com grandes mudanças nas estruturas do Estado brasileiro, geradas por revoluções e golpes políticos, com a única e parcial exceção da reforma de 1980. Comparado a outros países, principalmente EUA e nações da Europa ocidental, onde os sistemas partidários invariavelmente duram muitas décadas, o Brasil tem tido uma trajetória de marcante instabilidade.

Durante boa parte de nossa história, prevaleceram regimes políticos autoritários e, mesmo quando estiveram em vigor instituições liberais, a intolerância continuava presente, ocasionando perseguições sistemáticas aos defensores de propostas de transformação social. Na essência, a instabilidade política, os golpes sucessivos e as constantes mudanças na estrutura partidária decorrem dos mesmos fatores básicos: o temor dos grupos privilegiados em relação à democracia, sua relutância em aceitar os riscos decorrentes das práticas democráticas, que poderiam levar a transformações da ordem social, e a incapacidade dos setores sociais e dos líderes comprometidos com a democracia em fazer prevalecer seus pontos de vista, sua fraqueza política nos confrontos com as coalizões autoritárias.

Deve ser realçado também, a bem da verdade, que os grupos políticos defensores das causas sociais e ligados ao pensamento de esquerda contribuíram muitas vezes para a falência das experiências democráticas brasileiras. Na medida em que a esquerda enfatizava de maneira central em sua pregação as questões sociais, praticamente resumindo o problema democrático à solução das desigualdades, dava pouca importância à democracia enquanto sistema político, baseado na liberdade e no pluralismo. Freqüentemente, os grupos de esquerda encararam a democracia política como um expediente para alcançarem o poder, mas demonstraram pouco apreço pelos valores democráticos em si mesmos, levando a supor que se chegassem ao poder governariam de forma autoritária. Em suma, os partidos têm sido fracos por causa da fragilidade da democracia e vice-versa, a democracia teria tido mais chances de consolidação se poderosos partidos políticos lhe servissem de sustentação.

IHU On-Line – Como o senhor analisa a democracia na América Latina a partir das suas posições quanto ao desenvolvimento dos partidos políticos no continente?

Rodrigo Patto Sá Motta – Democracia é uma palavra escorregadia, que tem diferentes significados, dependendo de quem a usa. Considerando-a no sentido de democracia representativa, associada ao pluralismo e o respeito às liderdades tradicionais, os partidos têm papel importante a desempenhar como organizadores da vontade popular e como veículos para o debate de idéias. É por isso que os regimes autoritários sempre se chocam contra o sistema pluripartidário. No entanto, os partidos podem servir também à tirania. Freqüentemente, as ditaduras são estruturadas em torno de partidos, que servem para organizar os apoiadores e seguidores do regime autoritário, seja lá qual for sua coloração ideológica. Desse modo, fica difícil fazer uma análise abrangente para a América Latina, considerando a relação entre partidos e democracia. Os partidos tanto serviram à democracia quanto foram seus algozes.

A democracia representativa precisa dos partidos para se viabilizar, e nos países da América Latina em que há maior estabilidade das instituições e liberdade política os partidos encontram melhores condições para se fortalecer. É bom lembrar, porém, que os partidos não são a única forma de expressão e organização de demandas, opiniões e interesses. Há uma plêiade de outras organizações que atuam no espaço social e ajudam a afirmar a convivência democrática, ora fazendo trabalho que deveria ser dos partidos, ora cooperando e completando a ação deles.

IHU On-Line – Os partidos políticos brasileiros são, entre si, diferentes, mas alguns se destacam pela total oposição de idéias em relação a outros. Como o senhor percebe as alianças políticas feitas no país e que conseqüências podemos perceber dessas alianças nos governos?

Rodrigo Patto Sá Motta – A fragilidade dos partidos e a maior ênfase no papel dos líderes e figuras singulares é um estímulo para deixar para segundo plano os ideais partidários e partir para alianças pragmáticas, às vezes visando apenas objetivos eleitoreiros. Nesses casos, naturalmente, ficam comprometidos quaisquer projetos sérios de governar segundo linhas programático-partidárias. Outro problema a ser considerado é a falta de nitidez dos programas partidários, muitas vezes idênticos uns aos outros, ao menos no papel, e um vício comum na política brasileira, notadamente nos períodos mais recentes: a falta de fidelidade, ou seja, a facilidade com que os parlamentares trocam de partido. A intensidade recente do fenômeno da migração partidária tem levado a muitas críticas ao sistema, e a propostas de reforma política na tentativa de coibir tais práticas. Mas, até o momento, não houve consenso nessa matéria, seja porque os políticos resistem a aceitar controles que reduziriam suas opções eleitorais, seja porque o estatuto da fidelidade partidária implica ressuscitar medida autoritária implantada durante o regime militar.

“Em sistemas partidários pulverizados como o nosso seria quase impossível governar sem a presença de alianças partidárias”

No entanto, é preciso considerar que em sistemas partidários pulverizados como o nosso seria quase impossível governar sem a presença de alianças partidárias. Um projeto de poder baseado em partido único ou coalizão muito ortodoxa teria grandes dificuldades para exercer o governo de forma produtiva: poderíamos imaginar situações em que a vitória eleitoral seria possível, mas exercer o governo é outra coisa, dada a necessidade de apoio no Congresso. De maneira que tem sido inexorável a necessidade de fazer alianças para conseguir governar o Brasil. A tendência à fragmentação do sistema partidário brasileiro obriga os governos a montarem coalizões multipartidárias em busca de apoio estável no Congresso. A instabilidade do apoio partidário é um estímulo para o uso de práticas fisiológicas e mesmo formas de corrupção mais cruas, como a compra do apoio dos parlamentares à base de pagamento em dinheiro, tal como denunciado no caso do “mensalão” em 2005. Esse escândalo foi particularmente grave e gerou desalento em setores influentes da opinião pública, sobretudo por envolver o PT, partido que sempre enfatizou uma auto-imagem de honestidade e denunciou a corrupção dos outros.

Em suma, na realidade brasileira seria difícil para qualquer partido governar sozinho, de modo que é pouco provável evitar as coalizões. O dilema é conseguir compatibilizar o sistema de alianças com governos coerentes, e, sobretudo, evitando a corrução. Cabe aos nossos líderes encontrar saídas para esses problemas, pois não creio que seja inevitável comprar o apoio parlamentar para exercer o governo.

IHU On-Line – Vivemos em um país onde, apesar de sua política econômica inequivocamente ortodoxa, praticamente todos os partidos são de "esquerda". Hoje, direita brasileira só existe em discussões acadêmicas e filosóficas?

Rodrigo Patto Sá Motta – No Brasil, principalmente por causa da existência de problemas e carências sociais muito graves, normalmente as pessoas se dizem favoráveis a mudanças, reformas etc. Os discursos em defesa de transformações, a favor do novo, normalmente são bem recebidos. Dado esse quadro, é difícil a afirmação de posições nitidamente conservadoras, pois quem assume tal postura arrisca-se ao isolamento político. Por isso, mesmo quem tem opiniões conservadoras é tentado a escondê-las ou mitigá-las, por opção estratégica. Na nossa história, tivemos alguns movimentos claramente conservadores, mas os mais eficazes entre eles foram os que mesclaram o conservadorismo a projetos modernizantes, dando origem a situações de compromisso entre conservadores e modernizadores autoritários, como vimos nos períodos 1937-1945 e 1964-1984.

Levando em conta a outra grande tradição pertencente a esse campo, o liberalismo, cuja pertinência à direita é polêmica e objeto de disputa, diria que hoje ela encontra condições muito propícias no debate público, talvez viva seu melhor momento na nossa história. Nos dias atuais, alguns valores fortes na sociedade brasileira, que atuaram como barreiras à difusão do liberalismo, encontram-se bastante fragilizados, como o solidarismo cristão e o nacionalismo, o que tem favorecido a disseminação das crenças liberais (por exemplo: a excelência das leis de mercado, as virtudes da livre iniciativa, a ineficiência do Estado). Mas ainda é cedo para fazer previsões sobre o futuro próximo.

quarta-feira, agosto 20, 2008

Fazenda sugere a Lula vetar licença-maternidade maior

Instituto Humanitas Unisinos - 20/08/08

O ministro Guido Mantega (Fazenda) recomendou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetar o projeto aprovado pelo Congresso de ampliação da licença-maternidade para seis meses. A Folha apurou que os motivos alegados por Mantega para a derrubada da medida foram a pressão do setor produtivo -que vem se manifestando contra a prorrogação - e o impacto fiscal, que deve ultrapassar R$ 800 milhões por ano.

A reportagem é do jornal Folha de S. Paulo, 20-08-2008.

Em reunião do Conselho Político ocorrida ontem, o presidente queixou-se do pedido feito pela Fazenda e sinalizou que não deverá atender à recomendação da equipe econômica. Vetar a ampliação do benefício seria um ônus político com efeitos negativos na popularidade do presidente, já que a medida foi comemorada por líderes sindicais.

Em reunião com líderes partidários que integram o Conselho Político do governo, Lula não escondeu a insatisfação com o fato de o Congresso não ter barrado a aprovação do projeto. O presidente mencionou outras recentes ocasiões em que foi obrigado a vetar matérias aprovadas por deputados e senadores diante da recomendação de técnicos do governo - como aconteceu com o projeto que tornava invioláveis os escritórios de advocacia do país durante investigações.

Segundo participantes do encontro, o presidente disse que "não poderia arcar com o ônus de vetar um projeto tão popular, um projeto dessa magnitude", como propõe a Fazenda. "Se eu vetar, vai parecer que sou contra as mulheres. Vocês [congressistas] me botaram uma camisa-de-força e agora tenho que decidir", disse o presidente, segundo relatos.

Em respostas, os deputados também reclamaram da falta de interlocução e de assessores parlamentares dentro do Congresso. O presidente teria prometido resolver esse problema.

Atualmente, a licença-maternidade é de 120 dias e o pagamento é feito pelas empresas que deduzem o valor das contribuições a pagar ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). De acordo com o projeto aprovado, que ainda aguarda sanção de Lula, serão acrescidos 60 dias para as funcionárias de empresas que aderirem ao programa Empresa Cidadã. Nesse caso, o salário dos dois meses adicionais de licença pago à trabalhadora poderá ser descontado do Imposto de Renda das empresas.

A medida vale tanto para a iniciativa privada como também para o setor público federal, estadual e municipal, que estão autorizados a adotar programa semelhante.

No caso do setor privado, porém, o benefício ampliado só vigorará a partir de 2010. Isso porque não haverá tempo de incluir os recursos para a renúncia fiscal no Orçamento do próximo ano.

Segundo informa o jornal O Estado de S. Paulo, 20-08-2008, o líder do governo, deputado Henrique Fontana (PT-RS), admitiu as restrições da área econômica, mas disse que há 90% de chances de o presidente sancionar a lei:

— A tendência é que a lei seja sancionada. Apenas se disse que não era um assunto fácil de se decidir, porque (a conta) fica para o Tesouro.

ESTUDANTES COM RENDA DE ATÉ 3 SALÁRIOS TÊM MAIS ACESSO À UNIVERSIDADE

Conversa Afiada - 20/08/08

Dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), tabulados pelo Iets (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), mostram que aumentou o número de estudantes que têm renda familiar de até três salários mínimos no ensino superior brasileiro. O aumento foi de cinco pontos percentuais: em 2004 10% dos estudantes do ensino superior brasileiro tinham renda famílias de até três salários mínimos; em 2006, esse número passou para 15%. Três salários mínimos em 2006 era o equivalente a R$ 1,05 mil.

O pesquisador do Iets Simon Shwartzman disse em entrevista ao Conversa Afiada nesta quarta-feira, dia 20, que o acesso ao ensino superior no Brasil cresceu de forma generalizada.

“Na verdade, o sistema de educação do ensino superior brasileiro cresceu, está dando mais acesso, há mais acesso também a pessoas relativamente de baixa renda”, disse Shwartzman.

Segundo Shwartzman, os dados da Pnad mostram que em 2004 40% dos estudantes do ensino superior brasileiro faziam parte do grupo dos 10% mais ricos do país. Em 2006 esse número caiu para 38%.

“É importante. Não estou dizendo que não é. Não mudou o perfil, é uma melhora... Eu acho que o Governo tem feito um esforço muito grande para aumentar o acesso de estudantes de baixa renda ao ensino superior, o ProUni é o principal exemplo disso”, disse Shwartzman.

O professor Shwartzman destacou que os dados publicados pelo jornal Folha de S. Paulo sobre esse estudo estavam errados.

“Essa informação da Folha de S. Paulo está equivocada. O dado que eu passei para a Folha de S. Paulo, que é um dado tirado da Pnad, ele mostra que houve um aumento de cinco pontos percentuais do número de estudantes com até três salários mínimos de renda familiar. Em 2004 eram 10% e em 2006 eram 15%. Isso não é um aumento de 50%, porque você não pode calcular porcentagem de porcentagem. Esse é um erro da reportagem da Folha de S. Paulo”, explicou Shwartzman.

Leia a íntegra da entrevista com o pesquisador Simon Shwartzman:

Conversa Afiada – Quais são os principais pontos desse estudo?

Simon Shwartzman – Eu gostaria de começar explicando que essa informação da Folha de S. Paulo está equivocada. O dado que eu passei para a Folha de S. Paulo, que é um dado tirado da Pnad, ele mostra que houve um aumento de cinco pontos percentuais do número de estudantes com até três salários mínimos de renda familiar. Em 2004 eram 10% e em 2006 eram 15%. Isso não é um aumento de 50%, porque você não pode calcular porcentagem de porcentagem. Esse é um erro da reportagem da Folha de S. Paulo. E se você olhar os números absolutos de quantas pessoas que têm renda familiar até três salários mínimos havia, houve um aumento muito grande. Mas esse aumento que houve tem a ver com o fato de que o salário mínimo no Brasil nos últimos anos vem aumentando muito. Então, uma família que tem três salários mínimos de renda familiar, ela ganha mais de R$ 1 mil por mês. Em 2006 ela estava ganhando R$ 1,05 mil por mês, o salário mínimo era R$ 350. Esse nível de renda, tem um estudo do Marcelo Nery que saiu recentemente e ele classificava esse nível de renda como de classe média. Então, na verdade, o que você tem é um aumento de números de pessoas com renda familiar até três salários mínimos. Mas como esse salário mínimo vem aumentando de valor, isso não nos permite dizer muita coisa sobre o que acontece com estudantes pobres. Quando eu faço uma análise, e isso está no meu site, você pode dar uma olhada, quando eu faço uma análise mostrando a distribuição das pessoas por nível de renda, você divide em dez níveis de renda a população brasileira, você vai ver que esse grupo que ganha três salários mínimos está entre o 30% mais ricos do Brasil. Porque no Brasil a maior parte da população é muito mais pobre do que isso. A primeira metade da distribuição da renda no Brasil aumenta muito pouquinho nesses dois anos. Então, na verdade, o sistema de educação do ensino superior brasileiro cresceu, está dando mais acesso, há mais acesso também a pessoas relativamente de baixa renda, mas a distribuição de renda no ensino superior brasileiro não tem se alterado muito.

Conversa Afiada – Agora, o que a gente pode concluir, professor, desses dados tabulados e esse aumento do acesso que o senhor acabou de expor, o que houve de mudanças nesses últimos anos?

Simon Shwartzman – Você teve alguns programas como o ProUni, mas, na verdade, se você olhar pela distribuição da população em termos de renda, não houve uma mudança muito grande. O sistema de ensino superior no Brasil cresceu, vem crescendo muito. Então, ele tem admitido mais estudantes de todas as rendas. Tem mais estudantes ricos, estão entrando mais estudantes de classe média, estão entrando mais estudantes de renda um pouco mais baixa. Mas se você olhar o dado que está lá no meu site, você vai ver que em 2004 40% dos estudantes brasileiros de nível superior estavam nos 10% mais ricos da população. Isso melhorou um pouquinho, foi para 38%, de 40% passou para 38%. O sistema de ensino público e privado brasileiro continua muito elitista.

Conversa Afiada – Mas de qualquer forma em dois anos passar de 40% para 38% é uma mudança significativa, não é professor?

Simon Shwartzman – É importante. Não estou dizendo que não é. Não mudou o perfil, é uma melhora.

Conversa Afiada – Mas isso mostra uma tendência?

Simon Shwartzman – Olha, eu acho que o Governo tem feito um esforço muito grande para aumentar o acesso de estudantes de baixa renda ao ensino superior, o ProUni é o principal exemplo disso. Agora, a principal limitação em relação a isso é que os estudantes de baixa renda muitas vezes não conseguem terminar o ensino médio. Como o ensino médio brasileiro está estagnado, não está melhorando, não está formando as pessoas com melhores condições, isso é um atraso para a expansão do acesso ao ensino superior.

Clique aqui para acessar o site do professor Shwartzman.

Clique aqui para acessar o site do Iets.

UM ESQUELETO NO ARMÁRIO

Site do Azenha - Atualizado em 20 de agosto de 2008 às 11:38 | Publicado em 20 de agosto de 2008 às 11:37

DO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA:

CASO NOVOJORNAL
Um esqueleto no armário

Marco Aurélio Carone


"Quando se busca o entendimento de determinados acontecimentos é regra necessária retroagir no tempo para encontrar e entender os verdadeiros motivos do ocorrido no presente."


Após desligar o telefone celular que me informara que uma promotora - acompanhada de uma dezena de policiais, dois fardados e o restante em traje civil - acabava de entrar na redação do portal Novojornal para cumprir um mandado de busca e apreensão, veio-me a mente meus 10 anos de idade, na solidão de um colégio interno no interior de Minas Gerais, indagando ao padre Henrique, um salesiano franzino e de fala baixa, sobre o que estava acontecendo no mundo real, fora da fortaleza do Colégio Dom Bosco, instalado no antigo quartel da cavalaria da guarda imperial portuguesa, onde serviu o alferes Tiradentes, em Cachoeira do Campo, na época distrito de Ouro Preto. Estávamos no período conturbado que antecedeu o golpe de 1964. Dentre outros ensinamentos, aprendi com o padre Henrique o método reproduzido na epígrafe deste texto.

As indagações feitas com meu inseparável e eterno amigo, depois compadre, hoje falecido, Roberto Versiani Valadares, diziam respeito às notícias que chegavam através do rádio e tinham a ver com meu pai, que ocupava na época o cargo de prefeito de Belo Horizonte. Meses depois seria afastado e cassado em seus direitos políticos.

O tempo passou, vieram às eleições estaduais de 1982 e Tancredo Neves elegeu-se governador de Minas Gerais. Participei ativamente de sua campanha, minha gráfica confeccionou gratuitamente todo material dos candidatos que o apoiavam na região metropolitana de Belo Horizonte.

Depois de eleito, devido à estreita relação de minha família com a de Tancredo, o governador mandou me chamar a seu apartamento situado na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Ele solicitou então que ajudasse seu neto, Aécio, porque ele estava vindo morar em Minas.

Foi o que fiz. Briguei com todas as jovens lideranças do PMDB, principalmente as da capital, e participei das articulações que elegeram Aécio Neves dirigente do PMDB Jovem. Ali começava a vida política do atual governador de Minas. Juntos, participamos da Campanha das Diretas e a seguir da campanha de seu avô à Presidência da República. Com a morte de Tancredo, afastamo-nos. Em 2002 nos reaproximamos novamente, ao disputarmos a eleição para governador de Minas. Muitos inclusive afirmavam que minha candidatura servira apenas para auxiliar Aécio, no combate ao candidato Newton Cardoso.

Objetivo maior

Aécio foi eleito e implantou medidas de austeridade, mas ao término do primeiro mandato já integravam seu governo figuras totalmente descomprometidas com a moralidade pública. Seu comportamento ultrapassava em muito o limite ético e até mesmo cerimonial exigido de um governador. Mas eu tomava conhecimento desses fatos apenas por intermédio de políticos adversários do governador, e por isso suspeitos em seus relatos.

Eu havia mudado para minha terra natal, Visconde do Rio Branco, interior de Minas. Lá permaneci até julho de 2004, quando sofri um acidente automobilístico que me obrigou voltar a Belo Horizonte e permanecer na cama, em recuperação, por mais de um ano. Foi quando comprei um computador com conexão à internet, e um mundo todo novo se abriu para quem não se adaptara sequer às modernas máquinas de escrever elétricas.

Já tinha experiência da área jornalística, pois havia dirigido dois jornais diários na capital, o Jornal de Minas e Diário de Minas. Na internet, evidentemente estava atrás de notícias. E percebi então que existia uma enorme fatia de mercado disponível para ser ocupado por um sítio de notícias online.

Não deu outra: em 2006, ao sair da cama, aluguei uma loja, comprei quatro computadores a prestação, providenciei a instalação de cabos, redes e outras adaptações necessárias para funcionamento do Novojornal, agora retirado do ar pelo Ministério Público de Minas e pela Polícia Militar [ver "O empastelamento do Novo Jornal"].

De volta ao meio jornalístico no início de 2006, tomei conhecimento do que estava acontecendo em Minas Gerais. Denúncias, acompanhadas de farta documentação comprobatória das irregularidades, chegavam diariamente à nossa redação. Diversas vezes fui questionado pela não publicação desse material.

Crente no espírito cristão da recuperação humana - e em função do respeito que sempre tive em relação ao seu avô Tancredo -, entregava pessoalmente as denúncias contra Aécio Neves à sua irmã Andréa, aconselhando que tomassem as medidas necessárias. De nada adiantou. Diante disso, fiquei decepcionado e com a consciência pesada - assim como grande parte dos companheiros de Tancredo - por ter ajudado a introduzir na política do estado um político que liquidaria qualquer princípio ético e moral da sociedade mineira para, em seu nome, utilizar-se de um cargo público para chegar à Presidência da República.

Decidi que dali em diante os assuntos relativos a irregularidades praticadas pelo governo mineiro, assim como pelos demais poderes, seriam apuradas e, se comprovadas, publicadas pelo Novojornal.

Artifício capcioso

Sem qualquer dependência comercial, com custos baixos e vivendo apenas do arrecadado por meio de anúncios, o Novojornal foi um sucesso. E isto deve ser creditado à independência e qualidade de nossos jornalistas, à publicação de matérias investigativas e à ajuda e assessoria da velha guarda do jornalismo mineiro.

Todas as matérias investigativas publicadas pelo Novojornal foram sempre acompanhadas de documentos e provas que as fundamentavam. Nas poucas vezes que fomos questionados judicialmente, argüimos a exceção da verdade e provamos que o noticiado era verdadeiro. Este procedimento passou a incomodar aos poderosos, que perderam a tradicional prática chantagista de ameaçar "processar" o contendor.

A esta altura, não era mais segredo para ninguém que em Minas a censura à imprensa transformara-se em regra oficial. A publicação de matérias no Novojornal questionando o comportamento de autoridades como o governador, procurador-geral, presidente da Assembléia Legislativa, deputados estaduais, conselheiros do Tribunal de Contas, para ficar apenas no plano estadual, destoava do noticiado pelos demais veículos - o que os obrigava a abordar, mesmo que superficialmente, esses assuntos.

A denúncia de irregularidade em licitações de obras e compras do governo estadual nas empresas Cemig, Copasa e Codemig, além de algumas prefeituras municipais, inclusive a da capital, passaram a incomodar, além dos governantes, empresários de diversos setores.

O comportamento do procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares, de impedir o andamento de investigações contra integrantes dos três poderes e de grandes empresas foi amplamente noticiado e questionado pelo Novojornal. Quando o Ministério Público lançou a campanha "O que você tem a ver com a corrupção", aproveitando-se do tema e do selo o Novojornal dirigiu a pergunta ao procurador-geral. Este não aceitou a crítica e ofereceu uma denúncia que, ainda na fase de inquérito, sem sequer ter-se transformado em um processo, recebeu decisão favorável de um juiz para a retirada do Novojornal da internet.

Ao contrário do argumentado pelo Ministério Público, o Novojornal encontra-se rigorosamente dentro da lei, inclusive com diretor-responsável registrado na DRT, detentor do MTE nº 000311/MG, respondendo o mesmo por todas as matérias não-assinadas publicadas no Novojornal. Prática adotada conforme disposto no art. 8º I e 28º II da lei 5.250/67 e art. 5º do Decreto-Lei nº 927/69, alterado pela Lei nº 5.696/71 e nº 6.612/78 e nº 6.727/79 e nº 7.360/85. Dessa forma, comprovado está que jamais existiu o anonimato argüido pelo MP-MG. Inclusive o diretor-responsável e o endereço de sua sede encontram-se registrados no Registro.br, cadastro oficial de todos os sítios da internet no Brasil.

Como os artigos nº 20, 21 e 22 da Lei de Imprensa estão suspensos por decisão do Supremo Tribunal Federal, para atender o interesse do procurador-geral utilizaram-se do lamentável artifício de argüir o anonimato. Evidente que ao Ministério Público caberia evitar que ocorresse a quebra da liberdade de imprensa. Mas deu-se o contrário: por esse artifício, o MP-MG vem descumprindo a Constituição Federal, que atribui à polícia civil a competência de polícia judiciária.

Negócio nebuloso

Instalado no 3º andar da sede da Procuradoria Geral de Justiça, em Belo Horizonte, há um serviço de informação administrado e operado por militares da área de informação da Polícia Militar, oriundos da Casa Militar do Palácio da Liberdade. Por meio de um sofisticado equipamento de espionagem, que inclui escuta telefônica, o Executivo mineiro é municiado diariamente de informações que seriam legalmente de domínio e conhecimento apenas do Poder Judiciário, mediante autorização de um juiz.

O Novojornal estava com uma matéria pronta para ser publicada, comprovando o monitoramento realizado por esse serviço clandestino de informação das atividades de deputados estaduais, desembargadores, alguns juízes das varas da Fazenda Pública e delegados, líderes sindicais, religiosos e partidários mineiros. Este "SNI" do MP-MG vem monitorando até mesmo funcionários públicos suspeitos de serem contrários ao governo. A justificativa para existência desse serviço secreto é a de combater o crime organizado.

Já havíamos noticiado que o "SNI" do MP-MG há mais de um ano vinha nos monitorando "informalmente". Agora, comprovadamente o está fazendo de maneira oficial desde junho deste ano, conforme demonstra o inquérito nº 0024.08.141.377-5.

Cabe uma indagação. Por que estavam monitorando quem acessava o Novojornal à procura de notícias? Que crime esse ou essa internauta estaria cometendo? Desde 2007, toda a rede de internet que serve a repartições do governo mineiro impede o acesso ao endereço do Novojornal.

A busca e apreensão efetuadas na quinta-feira (14/8) por agentes da PM 2 no Novojornal tinham outras finalidades: estavam à procura da documentação que nos permitiria comprovar duas matérias praticamente nascidas em nossa redação: a lista de Furnas e a compra da Light pela Cemig.

No caso da lista de Furnas, os arquivos procurados demonstram que a lista confeccionada por Dimas Toledo não é apenas legítima, mas foi baseada em outra lista constante de uma correspondência encaminhada pelo secretário de Governo Danilo de Castro, em papel timbrado do governo de Minas Gerais e em nome do governador.

No caso Light-Cemig, as declarações de imposto de renda da empresa Lidil Comercial Ltda. dos exercícios de 2006 e 2007, tornadas públicas nos autos de Ação Popular, Processo nº 0024.08.008.068-2 em tramitação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Empresa detentora de apenas 4% do capital da Light S/A, as declarações comprovam que a Cemig, ao adquirir a Lidil por meio da Rio Minas Energia (RME), assumiu uma dívida de R$ 482 milhões - e desta forma pagou por 4% das ações da Light S/A quase o mesmo valor pago por 75% de ações da mesma empresa.

Instituição desvirtuada

Foi imposta ao Novojornal uma condenação antes mesmo da apuração da denúncia, que se procedente transformar-se-ia em processo onde poderíamos nos defender. O Ministério Público requereu e o juiz autorizou que o Novojornal fique fora do ar "enquanto durarem as investigações".

O método adotado não é novo. Em 1995, o atual procurador-geral Jarbas Soares, na condição de promotor eleitoral, fez o mesmo com o jornal Diário de Minas, também em período eleitoral, por causa de denúncias publicadas sobre irregularidades praticadas pelo então candidato ao governo de Minas, Eduardo Azeredo. O jornal ficou impedido de circular durante o período das eleições. Depois do pleito, uma juíza hoje desembargadora desculpou-se, liberando a circulação do jornal e confessando que estava enganada. O jornal foi prejudicado na sua periodicidade, perdeu anunciantes e foi obrigado a fechar as portas.

Outra vez, coincidentemente no período eleitoral e um dia após a publicação de uma entrevista com o ex-deputado Rogério Correia, dissidente e opositor da candidatura da aliança "informal" PT-PSDB à prefeitura de Belo Horizonte, denunciando o comportamento do governador mineiro, principal articulador da aliança, ocorre a "busca e apreensão" e a retirada do ar do Novojornal.

Empresários ligados à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), inconformados com a entrevista, avisaram-me que estávamos atrapalhando o projeto político do governador. Para os que apóiam o candidato da coligação "informal" PT-PSDB, foi estratégico o bloqueio do servidor de um sítio de internet que contém uma enorme quantidade de matérias denunciando práticas criminosas do candidato apoiado pelo governador, e que fatalmente seriam utilizadas no horário eleitoral gratuito.

Se estávamos atrapalhando o projeto político do atual governador de Minas Gerais não sabemos: cumpríamos apenas nosso dever de informar.

Todos mineiros com alguma responsabilidade assustam-se com o comportamento dos integrantes dos poderes legislativo e judiciário, que fazem de conta não estar vendo que somos governados por alguém que não governa, apenas atende aos interesses dos grupos econômicos que comandam o estado.

Pior ainda: o Ministério Público, que em outras épocas chegou a destituir um de seus membros por envolvimento com a máfia dos caça-níqueis, nada faz diante do comportamento de seu atual procurador-geral, que primeiro transformou a instituição numa repartição do Executivo, depois num enorme incinerador de investigações e, agora, em serviço de informação e repressão política, ideológica e partidária.

O procurador desvirtuou uma instituição criada para fiscalizar e defender o cumprimento das regras do Estado Democrático de Direito, transformando-a em embrião de um temido e tenebroso Estado de exceção. Promotores e procuradores do Ministério Público mineiro com mínimo conhecimento de suas funções deveriam comparecer ao 3º andar do prédio da sede da Procuradoria Geral de Justiça, em Belo Horizonte, para conhecer o que ali se encontra instalado.

Poderes transitórios

O Novojornal reconhece de público a existência em Minas Gerais de juízes, desembargadores, promotores, procuradores e membros da Polícia Militar Gerais que não concordam com o que está acontecendo. Ao contrário do que se imagina, querem mudanças e precisam apenas do apoio da opinião pública para promovê-las, mantendo a autonomia e a independência de cada instituição.

O Novojornal foi apenas o primeiro. Se providências não forem tomadas, outros serão igualmente sacrificados. Nossas reportagens jamais tiveram o objetivo de difamar ou prejudicar a carreira do governador ou de qualquer político. Seus aliados podem cometer a arbitrariedade de retirar Novojornal do ar, mas honrosamente não vamos negociar: recorreremos ao Poder Judiciário na busca da correção dessa injustiça.

Ao contrário do que alegam, não existe qualquer anonimato. O responsável pelo Novojornal de acordo com a lei sou eu: Marco Aurélio Flores Carone. O procurador-geral de Justiça e o governador de Minas sabem onde me encontrar. Humildemente lanço um desafio público a eles, para que me processem e provem que o Novojornal em qualquer momento publicou uma notícia que não estivesse fundamentada em documentação e provas.

Ao contrário do que imaginam o governador e o procurador-geral, o fechamento do Novojornal, assim como seus transitórios poderes, não será capaz de impedir a retirada de um esqueleto do armário da política nacional. Antes que ele venha assombrar as futuras gerações.

Site do Azenha - Atualizado em 20 de agosto de 2008 às 11:38 | Publicado em 20 de agosto de 2008 às 11:37

DO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA:

CASO NOVOJORNAL
Um esqueleto no armário

Marco Aurélio Carone


"Quando se busca o entendimento de determinados acontecimentos é regra necessária retroagir no tempo para encontrar e entender os verdadeiros motivos do ocorrido no presente."


Após desligar o telefone celular que me informara que uma promotora - acompanhada de uma dezena de policiais, dois fardados e o restante em traje civil - acabava de entrar na redação do portal Novojornal para cumprir um mandado de busca e apreensão, veio-me a mente meus 10 anos de idade, na solidão de um colégio interno no interior de Minas Gerais, indagando ao padre Henrique, um salesiano franzino e de fala baixa, sobre o que estava acontecendo no mundo real, fora da fortaleza do Colégio Dom Bosco, instalado no antigo quartel da cavalaria da guarda imperial portuguesa, onde serviu o alferes Tiradentes, em Cachoeira do Campo, na época distrito de Ouro Preto. Estávamos no período conturbado que antecedeu o golpe de 1964. Dentre outros ensinamentos, aprendi com o padre Henrique o método reproduzido na epígrafe deste texto.

As indagações feitas com meu inseparável e eterno amigo, depois compadre, hoje falecido, Roberto Versiani Valadares, diziam respeito às notícias que chegavam através do rádio e tinham a ver com meu pai, que ocupava na época o cargo de prefeito de Belo Horizonte. Meses depois seria afastado e cassado em seus direitos políticos.

O tempo passou, vieram às eleições estaduais de 1982 e Tancredo Neves elegeu-se governador de Minas Gerais. Participei ativamente de sua campanha, minha gráfica confeccionou gratuitamente todo material dos candidatos que o apoiavam na região metropolitana de Belo Horizonte.

Depois de eleito, devido à estreita relação de minha família com a de Tancredo, o governador mandou me chamar a seu apartamento situado na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte. Ele solicitou então que ajudasse seu neto, Aécio, porque ele estava vindo morar em Minas.

Foi o que fiz. Briguei com todas as jovens lideranças do PMDB, principalmente as da capital, e participei das articulações que elegeram Aécio Neves dirigente do PMDB Jovem. Ali começava a vida política do atual governador de Minas. Juntos, participamos da Campanha das Diretas e a seguir da campanha de seu avô à Presidência da República. Com a morte de Tancredo, afastamo-nos. Em 2002 nos reaproximamos novamente, ao disputarmos a eleição para governador de Minas. Muitos inclusive afirmavam que minha candidatura servira apenas para auxiliar Aécio, no combate ao candidato Newton Cardoso.

Objetivo maior

Aécio foi eleito e implantou medidas de austeridade, mas ao término do primeiro mandato já integravam seu governo figuras totalmente descomprometidas com a moralidade pública. Seu comportamento ultrapassava em muito o limite ético e até mesmo cerimonial exigido de um governador. Mas eu tomava conhecimento desses fatos apenas por intermédio de políticos adversários do governador, e por isso suspeitos em seus relatos.

Eu havia mudado para minha terra natal, Visconde do Rio Branco, interior de Minas. Lá permaneci até julho de 2004, quando sofri um acidente automobilístico que me obrigou voltar a Belo Horizonte e permanecer na cama, em recuperação, por mais de um ano. Foi quando comprei um computador com conexão à internet, e um mundo todo novo se abriu para quem não se adaptara sequer às modernas máquinas de escrever elétricas.

Já tinha experiência da área jornalística, pois havia dirigido dois jornais diários na capital, o Jornal de Minas e Diário de Minas. Na internet, evidentemente estava atrás de notícias. E percebi então que existia uma enorme fatia de mercado disponível para ser ocupado por um sítio de notícias online.

Não deu outra: em 2006, ao sair da cama, aluguei uma loja, comprei quatro computadores a prestação, providenciei a instalação de cabos, redes e outras adaptações necessárias para funcionamento do Novojornal, agora retirado do ar pelo Ministério Público de Minas e pela Polícia Militar [ver "O empastelamento do Novo Jornal"].

De volta ao meio jornalístico no início de 2006, tomei conhecimento do que estava acontecendo em Minas Gerais. Denúncias, acompanhadas de farta documentação comprobatória das irregularidades, chegavam diariamente à nossa redação. Diversas vezes fui questionado pela não publicação desse material.

Crente no espírito cristão da recuperação humana - e em função do respeito que sempre tive em relação ao seu avô Tancredo -, entregava pessoalmente as denúncias contra Aécio Neves à sua irmã Andréa, aconselhando que tomassem as medidas necessárias. De nada adiantou. Diante disso, fiquei decepcionado e com a consciência pesada - assim como grande parte dos companheiros de Tancredo - por ter ajudado a introduzir na política do estado um político que liquidaria qualquer princípio ético e moral da sociedade mineira para, em seu nome, utilizar-se de um cargo público para chegar à Presidência da República.

Decidi que dali em diante os assuntos relativos a irregularidades praticadas pelo governo mineiro, assim como pelos demais poderes, seriam apuradas e, se comprovadas, publicadas pelo Novojornal.

Artifício capcioso

Sem qualquer dependência comercial, com custos baixos e vivendo apenas do arrecadado por meio de anúncios, o Novojornal foi um sucesso. E isto deve ser creditado à independência e qualidade de nossos jornalistas, à publicação de matérias investigativas e à ajuda e assessoria da velha guarda do jornalismo mineiro.

Todas as matérias investigativas publicadas pelo Novojornal foram sempre acompanhadas de documentos e provas que as fundamentavam. Nas poucas vezes que fomos questionados judicialmente, argüimos a exceção da verdade e provamos que o noticiado era verdadeiro. Este procedimento passou a incomodar aos poderosos, que perderam a tradicional prática chantagista de ameaçar "processar" o contendor.

A esta altura, não era mais segredo para ninguém que em Minas a censura à imprensa transformara-se em regra oficial. A publicação de matérias no Novojornal questionando o comportamento de autoridades como o governador, procurador-geral, presidente da Assembléia Legislativa, deputados estaduais, conselheiros do Tribunal de Contas, para ficar apenas no plano estadual, destoava do noticiado pelos demais veículos - o que os obrigava a abordar, mesmo que superficialmente, esses assuntos.

A denúncia de irregularidade em licitações de obras e compras do governo estadual nas empresas Cemig, Copasa e Codemig, além de algumas prefeituras municipais, inclusive a da capital, passaram a incomodar, além dos governantes, empresários de diversos setores.

O comportamento do procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares, de impedir o andamento de investigações contra integrantes dos três poderes e de grandes empresas foi amplamente noticiado e questionado pelo Novojornal. Quando o Ministério Público lançou a campanha "O que você tem a ver com a corrupção", aproveitando-se do tema e do selo o Novojornal dirigiu a pergunta ao procurador-geral. Este não aceitou a crítica e ofereceu uma denúncia que, ainda na fase de inquérito, sem sequer ter-se transformado em um processo, recebeu decisão favorável de um juiz para a retirada do Novojornal da internet.

Ao contrário do argumentado pelo Ministério Público, o Novojornal encontra-se rigorosamente dentro da lei, inclusive com diretor-responsável registrado na DRT, detentor do MTE nº 000311/MG, respondendo o mesmo por todas as matérias não-assinadas publicadas no Novojornal. Prática adotada conforme disposto no art. 8º I e 28º II da lei 5.250/67 e art. 5º do Decreto-Lei nº 927/69, alterado pela Lei nº 5.696/71 e nº 6.612/78 e nº 6.727/79 e nº 7.360/85. Dessa forma, comprovado está que jamais existiu o anonimato argüido pelo MP-MG. Inclusive o diretor-responsável e o endereço de sua sede encontram-se registrados no Registro.br, cadastro oficial de todos os sítios da internet no Brasil.

Como os artigos nº 20, 21 e 22 da Lei de Imprensa estão suspensos por decisão do Supremo Tribunal Federal, para atender o interesse do procurador-geral utilizaram-se do lamentável artifício de argüir o anonimato. Evidente que ao Ministério Público caberia evitar que ocorresse a quebra da liberdade de imprensa. Mas deu-se o contrário: por esse artifício, o MP-MG vem descumprindo a Constituição Federal, que atribui à polícia civil a competência de polícia judiciária.

Negócio nebuloso

Instalado no 3º andar da sede da Procuradoria Geral de Justiça, em Belo Horizonte, há um serviço de informação administrado e operado por militares da área de informação da Polícia Militar, oriundos da Casa Militar do Palácio da Liberdade. Por meio de um sofisticado equipamento de espionagem, que inclui escuta telefônica, o Executivo mineiro é municiado diariamente de informações que seriam legalmente de domínio e conhecimento apenas do Poder Judiciário, mediante autorização de um juiz.

O Novojornal estava com uma matéria pronta para ser publicada, comprovando o monitoramento realizado por esse serviço clandestino de informação das atividades de deputados estaduais, desembargadores, alguns juízes das varas da Fazenda Pública e delegados, líderes sindicais, religiosos e partidários mineiros. Este "SNI" do MP-MG vem monitorando até mesmo funcionários públicos suspeitos de serem contrários ao governo. A justificativa para existência desse serviço secreto é a de combater o crime organizado.

Já havíamos noticiado que o "SNI" do MP-MG há mais de um ano vinha nos monitorando "informalmente". Agora, comprovadamente o está fazendo de maneira oficial desde junho deste ano, conforme demonstra o inquérito nº 0024.08.141.377-5.

Cabe uma indagação. Por que estavam monitorando quem acessava o Novojornal à procura de notícias? Que crime esse ou essa internauta estaria cometendo? Desde 2007, toda a rede de internet que serve a repartições do governo mineiro impede o acesso ao endereço do Novojornal.

A busca e apreensão efetuadas na quinta-feira (14/8) por agentes da PM 2 no Novojornal tinham outras finalidades: estavam à procura da documentação que nos permitiria comprovar duas matérias praticamente nascidas em nossa redação: a lista de Furnas e a compra da Light pela Cemig.

No caso da lista de Furnas, os arquivos procurados demonstram que a lista confeccionada por Dimas Toledo não é apenas legítima, mas foi baseada em outra lista constante de uma correspondência encaminhada pelo secretário de Governo Danilo de Castro, em papel timbrado do governo de Minas Gerais e em nome do governador.

No caso Light-Cemig, as declarações de imposto de renda da empresa Lidil Comercial Ltda. dos exercícios de 2006 e 2007, tornadas públicas nos autos de Ação Popular, Processo nº 0024.08.008.068-2 em tramitação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Empresa detentora de apenas 4% do capital da Light S/A, as declarações comprovam que a Cemig, ao adquirir a Lidil por meio da Rio Minas Energia (RME), assumiu uma dívida de R$ 482 milhões - e desta forma pagou por 4% das ações da Light S/A quase o mesmo valor pago por 75% de ações da mesma empresa.

Instituição desvirtuada

Foi imposta ao Novojornal uma condenação antes mesmo da apuração da denúncia, que se procedente transformar-se-ia em processo onde poderíamos nos defender. O Ministério Público requereu e o juiz autorizou que o Novojornal fique fora do ar "enquanto durarem as investigações".

O método adotado não é novo. Em 1995, o atual procurador-geral Jarbas Soares, na condição de promotor eleitoral, fez o mesmo com o jornal Diário de Minas, também em período eleitoral, por causa de denúncias publicadas sobre irregularidades praticadas pelo então candidato ao governo de Minas, Eduardo Azeredo. O jornal ficou impedido de circular durante o período das eleições. Depois do pleito, uma juíza hoje desembargadora desculpou-se, liberando a circulação do jornal e confessando que estava enganada. O jornal foi prejudicado na sua periodicidade, perdeu anunciantes e foi obrigado a fechar as portas.

Outra vez, coincidentemente no período eleitoral e um dia após a publicação de uma entrevista com o ex-deputado Rogério Correia, dissidente e opositor da candidatura da aliança "informal" PT-PSDB à prefeitura de Belo Horizonte, denunciando o comportamento do governador mineiro, principal articulador da aliança, ocorre a "busca e apreensão" e a retirada do ar do Novojornal.

Empresários ligados à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), inconformados com a entrevista, avisaram-me que estávamos atrapalhando o projeto político do governador. Para os que apóiam o candidato da coligação "informal" PT-PSDB, foi estratégico o bloqueio do servidor de um sítio de internet que contém uma enorme quantidade de matérias denunciando práticas criminosas do candidato apoiado pelo governador, e que fatalmente seriam utilizadas no horário eleitoral gratuito.

Se estávamos atrapalhando o projeto político do atual governador de Minas Gerais não sabemos: cumpríamos apenas nosso dever de informar.

Todos mineiros com alguma responsabilidade assustam-se com o comportamento dos integrantes dos poderes legislativo e judiciário, que fazem de conta não estar vendo que somos governados por alguém que não governa, apenas atende aos interesses dos grupos econômicos que comandam o estado.

Pior ainda: o Ministério Público, que em outras épocas chegou a destituir um de seus membros por envolvimento com a máfia dos caça-níqueis, nada faz diante do comportamento de seu atual procurador-geral, que primeiro transformou a instituição numa repartição do Executivo, depois num enorme incinerador de investigações e, agora, em serviço de informação e repressão política, ideológica e partidária.

O procurador desvirtuou uma instituição criada para fiscalizar e defender o cumprimento das regras do Estado Democrático de Direito, transformando-a em embrião de um temido e tenebroso Estado de exceção. Promotores e procuradores do Ministério Público mineiro com mínimo conhecimento de suas funções deveriam comparecer ao 3º andar do prédio da sede da Procuradoria Geral de Justiça, em Belo Horizonte, para conhecer o que ali se encontra instalado.

Poderes transitórios

O Novojornal reconhece de público a existência em Minas Gerais de juízes, desembargadores, promotores, procuradores e membros da Polícia Militar Gerais que não concordam com o que está acontecendo. Ao contrário do que se imagina, querem mudanças e precisam apenas do apoio da opinião pública para promovê-las, mantendo a autonomia e a independência de cada instituição.

O Novojornal foi apenas o primeiro. Se providências não forem tomadas, outros serão igualmente sacrificados. Nossas reportagens jamais tiveram o objetivo de difamar ou prejudicar a carreira do governador ou de qualquer político. Seus aliados podem cometer a arbitrariedade de retirar Novojornal do ar, mas honrosamente não vamos negociar: recorreremos ao Poder Judiciário na busca da correção dessa injustiça.

Ao contrário do que alegam, não existe qualquer anonimato. O responsável pelo Novojornal de acordo com a lei sou eu: Marco Aurélio Flores Carone. O procurador-geral de Justiça e o governador de Minas sabem onde me encontrar. Humildemente lanço um desafio público a eles, para que me processem e provem que o Novojornal em qualquer momento publicou uma notícia que não estivesse fundamentada em documentação e provas.

Ao contrário do que imaginam o governador e o procurador-geral, o fechamento do Novojornal, assim como seus transitórios poderes, não será capaz de impedir a retirada de um esqueleto do armário da política nacional. Antes que ele venha assombrar as futuras gerações.