"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, abril 04, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 04/04/08

Os juros sagrados

"Volta a cíclica discussão corta gasto/não corta gasto; aumenta os juros/mantém os juros.
Nunca volta, até porque nunca apareceu, a discussão sobre a sacralidade dos juros pagos pelo governo aos detentores dos títulos da dívida pública. No fundo, no fundo, toda a discussão corte de gastos x aumento dos juros gira em torno da melhor maneira de adaptar os gastos do governo ao pagamento aos credores", escreve Clóvis Rossi, jornalista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 04-04-2008.

"Ou, posto de outra forma - continua o jornalista - pode-se sacrificar tudo, desde investimentos arquinecessários até correções nas gritantes carências dos serviços públicos do país, menos a turma que ocupa a cobertura do andar de cima, se Elio Gaspari me permite um superlativo para a sua conhecida formulação".

E continua:

"Sei que muita gente gosta de dizer que, entre os detentores de títulos públicos, estão velhinhos e velhinhas aposentadas de Timbuctu ou adjacências. Mas sejamos francos uma vez na vida: os credores da dívida são uma fração pequeníssima da população brasileira, uma fração privilegiada, uma fração que é parte da tal elite, contra a qual o lulo-petismo adora discursar, mas adora também irrigar com portentosos pagamentos".

O jornalista afirma que não se trata de calote. "Trata-se apenas de distribuir sacrifícios, o que é básico em qualquer política pública. Se é preciso fazer alguma coisa para evitar problemas com a inflação, o superaquecimento da economia, o que seja, o lógico é que quem ganhou mais (muitíssimo mais) nos últimos muitíssimos anos pague um pouco que seja. Já nem digo pague mais".

Instituto Humanitas Unisinos - 04/04/08

'Escravos do petróleo por mais 30 anos'

"O mundo está passando por uma crise energética sem precedentes na história: os preços aumentam, mas os investimentos não. Além disto, pela primeira vez se entrecruzam de forma inseparável as motivações econômicas, políticas e ambientais. Privilegiar certo aspecto significa pagar algo a alguém. Desconfiamos de quem prospecta receitas simples, seja a energia nuclear, a renovável, a economia de energia ou a concorrência, como a panacéia para todos os desequilíbrios do setor. Somente quando conseguirmos iniciar um debate sem ideologias e os governos se liberarem de pensamentos individualistas e preconceitos, daremos o primeiro passo para resolver os problemas".

Não existe espaço para a tranqüilidade na análise de Alberto Clò, ex-ministro e hoje Conselheiro da Administração da Eni, estatal italiana, além de presidente do centro de pesquisas Rie. A globalização da energia está acontecendo sem controle de nenhum governo. A demanda mundial passará de 6,3 toneladas equivalentes de petróleo em 2005 a 17,7, bilhões em 2030, impulsionada sobretudo, pelos países em desenvolvimento, e para piorar não existem investimentos para poder enfrentar a situação. Uma dinâmica que por ora se traduz em aumentos nos boletos bancários e na inflação, e que no futuro colocará em risco o fornecimento de gás e de eletricidade.

Alberto Ciò concedeu uma entrevista ao jornalista Luca Iezzi que foi publicada pelo jornal La Repubblica, 01-04-2008.

Eis a entrevista.

Professor, o petróleo teve um aumento histórico: se trata de um sinal de esgotamento eminente?

Não acredito nisto, discursos similares reaparecem quando os preços aumentam, como nos anos 70. Não existem obstáculos naturais ao aumento da produção, a questão é que as companhias petrolíferas, aquelas com dinheiro e tecnologia, têm acesso a 15-20% das reservas, o restante está nas mãos dos países produtores que, por outro lado, têm dificuldade em substituir aquela existente. Depois existe a especulação, as cotações do barril dobraram em 1 ano sem que nada, ou quase nada, tenha mudado nos fundamentos industriais. Nos mercados o preço ultrapassa os 100 dólares, mas a Arábia Saudita tem dificuldades para vender as cargas que partem dos seus portos.

Apesar dos lucros do setor, porque não são feitos mais investimentos?

Não chego a falar em falência do mercado, mas as lógicas financeiras privilegiam os lucros em um curto período e uma parte muito pequena dos lucros fica na indústria. Neste meio tempo, a economia mundial continua pagando: cada 10 dólares pagos a mais por barril, se transformam em mais de 500 bilhões de dólares. Somente uma recessão pode quebrar este círculo vicioso, mas certamente não é desejada.

Soluções alternativas?

Investimentos a longo prazo, também no setor público: em 1973, em 7 ou 8 anos a crise diminuiu graças ao novo ciclo de investimentos em todo o mundo. O programa nuclear francês demonstrou uma atitude política, agora nenhuma decisão parecida foi tomada. Seriam necessários 2-3 bilhões de dólares ao dia investidos até 2030, para poder enfrentar a demanda mundial.

O caminho da energia nuclear pode ser percorrido?

Em um regime de concorrência a produção de energia nuclear não tem condições de sobreviver. Na França e na Finlândia o mercado é movimentado através de incentivos. Na Itália os custos econômicos e sociais seriam muito altos.

É melhor apostar nas energias renováveis?

Não existem, nos próximos 20 ou 30 anos, alternativas para o petróleo, metano e carvão. Podemos nos preparar, fazendo investimentos para o período “pós-fontes fósseis”, mas no momento as energias renováveis respondem somente por 2 dias do consumo energético mundial, e mesmo que chegássemos a 30, o que fazer com os outros 335?

O senhor fala em um grande plano de investimentos públicos e privados, no qual sejam observadas as conveniências políticas, as necessidades ambientais e o retorno econômico. Quem será o responsável por esta pesada tarefa?

A Europa, que até agora faliu, tanto na identificação dos próprios interesses comuns, quanto em ouvir somente uma voz em direção ao exterior, em particular a Rússia. No livro cito Tony Blair, que fala no melhoramento do planning sistem, do sistema de planejamento.

Porque até agora a Europa não conseguiu?

Porque em Bruxelas se pensa que a concorrência e o liberalismo sejam o “x” da questão, mas na realidade o mercado funciona quando tem uma super produção, porém, neste momento a nossa situação é contrária.

Instituto Humanitas Unisinos - 04/04/08

Programa de neutralização de carbono socialmente responsável. Entrevista especial com Henrique Cortez

Criado em 2006, o Programa Neutralização de Carbono Socialmente Responsável lança uma nova concepção de trabalho na luta para neutralizar o carbono na atmosfera terrestre. Diferentemente dos inúmeros projetos comerciais de crédito de carbono, este programa, produzido pela Câmara de Cultura do Rio de Janeiro e pelo portal Ecodebate, espera, além de contribuir para o meio ambiente, gerar emprego e renda. “Nós concebemos um programa de neutralização de carbono que tivesse com principal foco não só o seqüestro de carbono na atmosfera, mas que incluísse ações com função social, neste caso de geração de emprego e renda”, afirmou Henrique Cortez, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.

Henrique Cortez é ambientalista, com pós-graduação em Gerenciamento de Riscos Ambientais. É coordenador de programas socioambientais da Câmara de Cultura.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como funciona o Programa Neutralização de Carbono Socialmente Responsável? Quais são as principais diferenças entre este programa?

Henrique Cortez – Nós concebemos um programa de neutralização de carbono que tem como principal foco não só o seqüestro de carbono na atmosfera, mas que inclua ações com função social, neste caso de geração de emprego e renda. Como pensamos em fazer isso? Sabemos, pelo menos o Ministério do Meio Ambiente sempre afirma, que existem mais três milhões de hectares de áreas degradadas no Brasil. Áreas degradadas são aquelas que foram usadas intensamente para agropecuária e depois, quando esgotadas, abandonadas, ficando sem utilização econômica. Há muitas situações em que você pode fazer a recuperação da área degradada com a neutralização de carbono, gerando emprego e renda. Isso ocorre principalmente nas áreas de extensão urbana ou nos assentamentos de reforma agrária.

Áreas de extensão urbana

Em muitos municípios do Brasil, tanto os pequenos quanto os grandes, existem áreas que estão na borda dos municípios, na área de transição entre o urbano e o rural. Elas são públicas, mas tiveram utilização econômica predatória, e agora estão abandonadas. Não serão usadas para expansão do município e de sua área urbana. Não existe infra-estrutura para tanto e ninguém está utilizando. E você sempre tem, nessa região, uma população que está ou desempregada ou subempregada. Se utilizarmos esse tipo de área, o que temos como vantagem? Primeiro: você recupera o solo. Segundo: recuperando a área degradada, aumentando a área com vegetação, você também melhora a recarga dos aqüíferos. Isso porque, deve-se destacar, é uma grande função das áreas florestais: gerar o escoamento retardado. Conseqüentemente, você recarrega, com mais eficácia, os aqüíferos e melhora o suporte de água na região. Terceiro: você coloca a população desempregada e subempregada em forma de associação ou cooperativa para trabalhar no projeto. Trabalhando no projeto, você está gerando emprego e renda. Isso, de forma associativa, é melhor ainda, porque, então, você compartilha, eventualmente, a renda que possa ter com esta população. Para gerar mais renda, ainda concebemos fazer a neutralização compondo dois tipos de vegetação em mosaico: a vegetação natural, típica da região, e alguma vegetação que possa ter aplicação econômica, como, por exemplo, o pinhão manso, para produzir biodiesel, ou a seringueira, para produzir borracha. A mesma lógica se aplica aos inúmeros assentamentos de reforma agrária, que hoje estão muito aquém do que poderiam estar produzindo. Basicamente, esse é o conceito essencial do que estamos propondo. É muito diferente do que está no mercado hoje.

IHU On-Line – Que outros programas já estão no mercado?

Henrique Cortez – São programas comerciais, mercantis. A primeira diferença no que propomos está no conceito ético. A proposta é a mesma, mas por meio de um viés social. Nos outros casos, são projetos meramente comerciais. A segunda diferença é metodológica. Essa é uma discussão muito grande na neutralização de carbono, porque cada um utiliza um método diferente de cálculo.

Até recentemente, por exemplo a Fundação Mata Atlântica, utilizava o cálculo de 1,7 árvore por tonelada para fim de seqüestro de carbono. Eles estão mudando o cálculo hoje para 3,6 árvores para cada tonelada. A maioria das empresas comerciais “vendem” neutralização de carbono utilizando o cálculo de 1,7 árvore por tonelada. Essa discussão não é boba, metodologicamente falando, porque boa parte dos cálculos será pensada a partir da monocultura como eucalipto. Haverá possibilidade de se calcular exatamente quantas árvores existem, a tonelagem de madeira e o quanto você neutraliza. Isso porque, existindo uma monocultura, torna-se muito simples calcular por hectare o que se “seqüestra”. Mas essa não é a realidade brasileira. Faremos a neutralização de carbono plantando árvores típicas da Mata Atlântica. No entanto, falamos de uma vegetação que pode ter, em condições naturais, nas áreas preservadas da Mata Atlântica, mais de mil tipos por hectare. Existem árvores de crescimento rápido, de crescimento médio e de crescimento longo. Desta forma, é preciso fazer um cálculo muito diferente para cada vegetação. Precisamos fazer uma neutralização correta, que permita não apenas uma neutralização em si, mas a recuperação da área.

IHU On-Line – De que forma é possível recuperar uma área degradada de floresta, ao mesmo tempo em que se desenvolve a produção de biodiesel na região?

Henrique Cortez – A recuperação da área degradada, se raciocinarmos dentro da lógica do agronegócio, é um processo caro e demorado. Você devasta em dois anos e leva 20 anos para recuperar. O primeiro passo da recuperação é a revegetação. Não adianta fazer grandes investimentos em termos de defensivos agrícolas e adubo. É preciso revegetar uma grande área com o máximo de diversidade vegetal possível. Trata-se, portanto, de uma lógica completamente diferente da monocultura, que não recupera uma área degradada. Com o tempo, você coloca novamente a vegetação, e ela faz a dispersão natural. Você aumenta a área coberta e vai fazendo com que as raízes e os compostos orgânicos recomponham o solo. Ao mesmo tempo, com isso, sabendo que as áreas degradadas têm baixíssimo nível de vegetação e, portanto, são muito ruins para que a água penetre no solo, você melhora a recarga dos aqüíferos, produz “água” e recoloca uma floresta.

Quando estamos falando em composição, imagine um tabuleiro de xadrez. Tratamos de um mosaico, porque temos blocos formados pela vegetação natural e outros blocos de vegetação colocados com fins de produção, para poder gerar emprego e renda. Um não elimina o outro; eles se somam.

IHU On-Line – Quais são os principais problemas que o programa tem enfrentado?

Henrique Cortez – O principal problema que enfrentamos é que esse programa é uma contraposição aos projetos comerciais de neutralização de carbono. Os projetos comerciais de neutralização de carbono, oferecidos por empresas, na verdade são herdeiros de parte do conceito do mecanismo de desenvolvimento limpo. Estão, na verdade, vendendo uma certificação. Para as empresas, é razoavelmente simples entender um projeto comercial. Não é tão simples entender um projeto não-comercial, que é socioambiental, como concebemos. É uma questão que envolve conceitos, com os quais as empresas não estão habituadas. A segunda diferença é a de questão metodológica. Hoje, a maioria das empresas que realiza esses serviços de neutralização de carbono o faz a partir da conta de 1,7 árvores por tonelada. Nosso conceito metodológico não é esse, pois precisamos de muito mais árvores por tonelada. Portanto, estamos falando de um projeto que custa muito mais, se a empresa tiver vontade de neutralizar carbono.

Outra questão que tentamos deixar muito clara, e se mostra muito confusa para algumas empresas, é, por exemplo, quando uma pessoa física da classe C sem carro quer neutralizar o carbono. Ela, neste caso, precisaria plantar, de maneira simples, algo em torno de 16 e 18 árvores por ano. No entanto, se eu plantar 18 árvores para neutralizar o carbono que produzi este ano, ele estará neutralizado em três, sete ou 20 anos, dependendo da vegetação que for plantada. Então, na verdade, estou compensando meu carbono no futuro. Muita gente esquece desse raciocínio. Quando falamos isso para uma empresa, você precisa ver o ar de espanto, por uma questão simples: não dá para "ser" carbono neutro neste ano e não ser no ano que vem. Se alguém quiser “ser” carbono neutro precisa sê-lo permanentemente. Trata-se de um programa que precisa ser pensado por longos períodos de tempo. Não existe isso de neutralizar um ano e outro não. Pouca gente lembra dessa conta. O carbono só é neutralizado quando a árvore está madura e não quando ela é uma simples muda.

IHU On-Line – Qual é a situação atual do Brasil em relação ao nível de carbono na atmosfera?

Henrique Cortez – O Brasil é o quinto maior emissor de carbono no mundo, graças ao desflorestamento e às queimadas, que são perfeitamente evitáveis. No caso do desmatamento, é a situação trágica de todo ano. Ele cresce na fronteira de expansão da agropecuária e poderia ser evitado. A queimada é pior ainda, porque é o sistema mais ultrapassado de limpeza de área. Então, nossa situação é bastante ruim. Se estivéssemos, por exemplo, numa cidadezinha de dez mil habitantes, com aquele cálculo de automóveis por habitantes e todos sendo da classe C, para neutralizar o carbono que ela produz, se ela não desmatar e queimar, precisaria se plantar algo em torno de um milhão e 600 mil árvores por ano. No nosso caso, infelizmente, quando falamos de neutralização de carbono, falamos com muito verbo e pouca verba.

IHU On-Line – Em sua opinião, o mapa do caminho criado na Conferência de Bali será uma solução para as emissões de carbono no planeta ou terá o mesmo fim que o Protocolo de Kyoto?

Henrique Cortez – Sinceramente, terá o mesmo fim que o Protocolo de Kyoto. Isso porque o que temos que discutir passa por dois pontos essenciais que todas essas discussões evitam. Primeiro: qual é o modelo de desenvolvimento que queremos? E segundo: quais são os limites? Este conceito de desenvolvimento, que está sendo testado desde o século XIX, já se provou que é ultra-predatório. Em relação a qualquer medida que estejamos propondo, com o intuito de redução de carbono, eu diria que, se o modelo não for mudado, estaremos tratando câncer com aspirina, longe de resolver o problema. Estaremos apenas transferindo a emissão para outro lugar. De novo, uma coisa é neutralizar carbono; outra é seqüestrar carbono. Para falar em neutralização, não basta "ser" carbono neutro. Precisamos ter uma política de carbono negativo, ou seja, tentar muito mais do que o necessário. Esse modelo deve ser repensado. Se não for, não haverá saída.

Devemos ter limites. Todo mundo hoje está falando que São Paulo parou por causa do numero de carros. Então, agora, estão rediscutindo a situação. No entanto, as pessoas se fixam em questões tangenciais. Minha pergunta seria: é correto você ter esse volume de automóveis por habitante? Vai funcionar isso? O planeta já tem um bilhão de veículos de todos os tipos. Ora, não há sustentabilidade planetária com uma frota mundial maior do que 400 milhões. Precisamos de limite de emissão, de produção de embalagens. Precisamos ter limites para uma série de coisas. É preciso criar mecanismos de limite. Infelizmente, a história nos mostra que essa inflexão de rumos só ocorre diante de uma catástrofe, ou seja, só vão discutir seriamente essas questões lá por 2060, quando o caos estiver instalado.

IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre o desenvolvimento do PAC e a relação com o meio ambiente?

Henrique Cortez – (silêncio) Estou tentando traduzir as cobras e lagartos que passaram pela minha cabeça agora. O PAC, que não verdade não é “o”, mas “os”, é um projeto desenvolvimentista, como têm sido os projetos desenvolvimentistas que o Brasil já teve, nos vários surtos pelos quais já passou desde a Era Vargas. O nível de preocupação ambiental é zero. O nível de preocupação social também. O programa é concebido dentro da lógica do desenvolvimento a qualquer preço. Por exemplo, a discussão da transposição do Rio São Francisco, que é uma obra absolutamente inútil, não vai resolver o problema. Temos também as Usinas do Rio Madeira, que não vão gerar energia para o seu Zezinho ou para a Dona Maria, mas, sim, foram concebidas para oferecer energia barata para indústria elétrica intensiva, principalmente para a mineração e o alumínio. Temos uma série de coisas com este tipo de concepção. Será um surto de problemas. Em suma, este modelo de desenvolvimento é insustentável.

Instituto Humanitas Unisinos - 03/04/08

Necessidade de controlar demanda divide opiniões

O consumo cresce com força, as importações disparam e a arrecadação explode. Sobram sinais de que a demanda doméstica avança a um ritmo veloz, mas não há consenso entre os analistas sobre se é necessário tomar medidas mais drásticas para conter o crescimento. Os índices de preços exibem sinais contraditórios: há pressões no atacado e no comportamento de serviços, mas as projeções do mercado ainda apontam para uma inflação em 2008 e em 2009 abaixo do centro da meta perseguida pelo Banco Central (BC) , de 4,5%. Já a rápida deterioração das contas externas, devido à disparada das importações, indica, para alguns, que o consumo de bens como automóveis precisa ser controlado, para evitar uma crise no balanço de pagamentos dentro de poucos anos. A reportagem é de Sergio Lamucci e publicada pelo jornal Valor, 03-04-2008.

Se não há unanimidade quanto a um suposto excesso de demanda, tampouco há concordância quanto aos instrumentos que devem ser usados. Os mais ortodoxos sugerem alta de juros, enquanto os heterodoxos querem controlar o crédito. Há consenso quanto à importância de o governo conter a expansão dos gastos correntes para não colocar mais lenha na fogueira da demanda doméstica, que avança a um nível de 7%, mas há dúvidas sobre a eficácia da medida a esta altura do campeonato.

Para o coordenador do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Antonio Licha, não há uma pressão de demanda que seja claramente inflacionária. A alta dos índices de preços nos últimos meses seria principalmente devido a um choque de oferta. Números do Credit Suisse mostram que, se forem excluídas as variações de feijão, leite e carnes, o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) subiu apenas 3,4% nos 12 meses até fevereiro - se incluídos esses produtos, a elevação é de 4,6%, ainda próximo do centro da meta.

O professor Ricardo Carneiro, da Unicamp, também vê o aumento de inflação recente como resultado de um choque de oferta, ligados especialmente a produtos agrícolas. Para ele, aumentar os juros não seria a resposta mais adequada, já que a alta de preços, além de localizada, não seria causada por um aumento excessivo da demanda. "E um aumento dos juros neste momento poderia afetar o investimento, o que seria ruim para a economia", diz Carneiro, para quem ainda seria temerário elevar a Selic num momento de forte incerteza na economia global. "É uma insanidade aumentar os juros sem saber os desdobramentos da economia americana. E se os preços das commodities despencarem e houver uma pressão deflacionária global?"

O problema é que o comportamento da inflação é ambíguo. Para o economista-chefe da SLW Asset Management, Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, há evidências de que a demanda pressiona a inflação mais do que seria desejável. É o caso dos serviços. Por não serem comercializáveis internacionalmente, não podem ser atendidos por importações, refletindo mais claramente o impacto da demanda. Nos 12 meses até fevereiro, os serviços pessoais (como cabeleireiro e empregada doméstica) subiram 7,9%. Os preços agrícolas e industriais no atacado também crescem a um ritmo forte, o que pode se refletir em pressões no varejo mais adiante.

Para Gomes Filho, com a demanda forte e a inflação pressionada pelas commodities em níveis ainda elevados, um ciclo de alta de juros já se justifica. Ele estima que a Selic vai subir 0,5 ponto percentual neste mês, devendo terminar o ano em 13,25%. Gomes Filho admite, porém, que a circunstância atual é mais difícil para o BC convencer a sociedade da necessidade de uma alta de juros. Como as projeções do mercado ainda apontam um IPCA abaixo do centro da meta, a ação do BC será preventiva. Para Licha, por exemplo, não haveria problema se a inflação ficasse por algum tempo um pouco acima dos 4,5%, mas abaixo do teto, de 6,5%.

O professor Samuel Pessôa, da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também acha que chegou o momento de uma elevação dos juros, principalmente por conta da alta do consumo. No quarto trimestre de 2007, o consumo das famílias cresceu 8,6% em relação ao mesmo período do ano anterior. Para ele, esse ritmo é insustentável. Pessôa acredita que adiar a elevação dos juros pode ser mais custosa do que a manutenção das taxas. O ponto é que, se os índices de preços aumentarem mais do que se espera, o "custo de desinflação" costuma ser elevado em termos de crescimento, diz ele.

Uma opção para evitar uma alta de juros - ou pelo menos para diminuir a necessidade de uma elevação mais forte - é conter a expansão dos gastos correntes do governo. O ex-diretor do BC Sérgio Werlang, diretor-executivo do Itaú, diz que seria muito saudável se as despesas públicas crescessem a um ritmo real próximo ao do PIB - hoje na casa de 5% -, e não de 10%. "Eu não fiz as contas, mas é possível que isso tornasse desnecessária uma elevação da Selic para manter a inflação abaixo do centro da meta", afirma ele, para quem é factível conter os gastos públicos sem afetar o investimento. Um dos pais do regime de metas, Werlang diz que, pessoalmente, não veria problemas se o IPCA ficasse um pouco acima de 4,5% neste ano. "Eu seria um pouco menos conservador, mas não posso dizer que uma alta de juros agora é incompatível com o regime de metas." Pessôa também considera importante conter os gastos públicos, mas lembra que a recente aceleração da demanda não se deve às despesas do governo, e sim ao consumo privado.

Até mesmo o heterodoxo Carneiro recomenda cautela na política fiscal, para não estimular ainda mais a demanda. Ele se mostra preocupado com a deterioração das contas externas, devido ao crescimento das importações, que aumentaram 44,1% no primeiro trimestre. Para Carneiro, esse movimento é resultado do câmbio valorizado e da atividade forte Nesse cenário, seria importante fazer um "controle seletivo de demanda", reduzindo os gastos de custeio e atuando para controlar o crédito, com a redução dos prazos de financiamento de bens duráveis, como automóveis. Desse modo, o investimento seria preservado.

Esse tipo de proposta é rechaçada por economistas mais ortodoxos. Para Werlang, tentar controlar o crédito introduziria mais distorções numa economia que já tem distorções em excesso, como os depósitos compulsórios elevados e o crédito direcionado. "Isso prejudica o crescimento de longo prazo do país. É preferível aumentar os juros", afirma ele, evidenciando mais um dos desacordos entre os analistas sobre o que fazer quanto à demanda neste momento.

Instituto Humanitas Unisinos - 03/04/08

Déficit externo reabre debate sobre política econômica

O reaparecimento de saldos negativos nas contas externas brasileiras, após cinco anos de superávits consecutivos, mudou o tom do debate econômico dentro do governo Lula. O risco de o déficit em conta corrente sair do controle e provocar uma crise no balanço de pagamentos, interrompendo, como aconteceu mais de uma vez no passado, o novo ciclo de crescimento da economia, estimulou economistas do governo e conselheiros informais do presidente a discutirem possíveis alternativas à política econômica vigente. A reportagem é de Cristiano Romero e Claudia Safatle e publicada pelo jornal Valor, 03-04-2008.

O saldo das transações correntes em 12 meses começou a cair, de forma acelerada, em julho do ano passado. O superávit caiu de US$ 13,3 bilhões em junho para US$ 1,4 bilhão em dezembro, surpreendendo o mercado e o próprio BC. Em janeiro, o déficit reapareceu - US$ 2,4 bilhões nos 12 meses concluídos naquele mês. No mês seguinte, voltou a subir - para US$ 4,8 bilhões ou 0,37% do PIB.

No primeiro bimestre, as transações correntes acumularam déficit de US$ 6,3 bilhões, levando o Banco Central a rever, para cima, a sua projeção de saldo negativo para 2008 - de US$ 3,5 bilhões para US$ 12 bilhões.

Preocupam a Fazenda a queda do ritmo de crescimento das exportações e o forte aumento das importações. Nos 12 meses concluídos em fevereiro, as vendas externas avançaram 17,5%, a segunda menor taxa de expansão em cinco anos. Já as importações cresceram, no mesmo período, 36,5%, o melhor desempenho em 14 anos. O saldo comercial, em conseqüência, vem diminuindo rapidamente - caiu 21,2% em relação ao período entre março de 2006 e fevereiro de 2007.

O debate sobre as contas externas se intensificou, nas últimas semanas, graças à expectativa de que Banco Central (BC), preocupado com o forte crescimento da demanda interna, voltará a aumentar, depois de quase três anos de alívio, a taxa básica de juros (Selic), hoje em 11,25% ao ano. Os críticos, dentro e fora do governo, da política monetária conduzida pelo BC temem que um aperto monetário aborte o atual ritmo de expansão do Produto Interno Bruto (PIB), hoje em torno de 5% ao ano.

A possibilidade de o país voltar a sofrer uma crise no balanço de pagamentos foi introduzida na agenda oficial em 6 de março, durante reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, com o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, o ex-ministro Delfim Netto, o senador Aloísio Mercadante (PT-SP), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

No encontro, Delfim e Belluzzo advertiram que, mantido o atual curso da economia, com o dólar se desvalorizando e o risco de queda abrupta nos preços das commodities, se nada for feito, o Brasil pode chegar a 2010, ano da campanha sucessória, com o país tendo reconstruído um naco de dependência e, portanto, a vulnerabilidade externa. No limite, advertiram os conselheiros de Lula, o governo pode vir a entregar a economia brasileira a seu sucessor com uma situação externa em franca deterioração, numa reprodução do cenário que recebeu de Fernando Henrique Cardoso.

O diagnóstico encorajou a equipe econômica a iniciar um debate sobre eventuais alternativas ao modelo atual, que combina o regime de metas para inflação, o sistema de câmbio flutuante e a geração de superávits primários nas contas públicas. Fontes graduadas revelaram que uma das possibilidades em análise seria o Brasil vir a adotar um regime de metas para o câmbio, com a desvalorização forçada do real até um patamar a partir do qual haveria um piso. Este seria um piso informal, não anunciado ao público, num sistema de grande semelhança ao que Coréia, Japão e outros asiáticos já fazem há pelo menos uns 30 anos.

Não há qualquer decisão sobre esse tema e o presidente Lula não abençoou, pelo menos não ainda, idéias nesse sentido, mas um ministro informou que o "debate está sendo levado por Mantega ao Planalto".

Menos de uma semana depois da reunião com Delfim e Belluzzo, o Ministério da Fazenda anunciou medidas para conter a apreciação do real. Em geral, as iniciativas foram consideradas inócuas tanto pelo mercado quanto por setores do governo. O ministro Guido Mantega afirmou que o modelo de desenvolvimento do país era o da Ásia, onde as principais economias mantêm o câmbio desvalorizado para estimular as exportações.

Alguns dias depois, Mantega tornou pública a intenção de adotar medidas para conter a expansão do crédito, numa tentativa de jogar água fria no aquecimento da demanda e de evitar que o Banco Central, responsável pela administração do regime de metas para a inflação, seja forçado a elevar a taxa Selic. Dois dias depois, apoiado pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o presidente Lula desautorizou essa idéia, pois uma redução da oferta de crédito afetaria justamente os mais pobres, que estão tendo a oportunidade de consumir bens antes inacessíveis.

Outro aspecto problemático da mesma discussão é a possibilidade de um déficit em transações correntes crescente produzir uma desvalorização cambial importante que também gere pressões inflacionárias. A valorização da taxa de câmbio foi um dos principais atores da política de controle inflacionário dos últimos anos e, agora, não mais se poderia contar com essa contribuição. São esses cenários que orientam o debate econômico no governo, hoje, onde a grande variável para moldar o futuro é a taxa de câmbio. Sabe-se que mudar a política cambial a essa altura pode ser algo desastroso, mas o debate não está censurado.

Instituto Humanitas Unisinos - 03/04/08

Frigoríficos demitem mais 400 trabalhadores no RS

Em um único dia, dois dos maiores frigoríficos da região Sul gaúcha demitiram 400 trabalhadores. Nesta terça-feira (01), o frigorífico Extremo Sul liberou cerca de 150 funcionários e o Mercosul, outros 250, nas unidades localizadas na cidade de Capão do Leão. Desde abril do ano passado, quando a crise do setor ganhou mais força, já foram demitidos dois mil trabalhadores das empresas na região Sul e na Fronteira Oeste. A reportagem é de Raquel Casiraghi e publicada pela Agência de Notícias Chasque, 02-04-2008.

Na avaliação do presidente do Sindicato da Indústria de Carne e Derivados (Sicadergs), Ronei Lauxen, a pouca oferta de gado e o crescimento das exportações do animal vivo são os principais entraves para o setor. Neste final de semana, oito mil bovinos vivos foram embarcados para o Oriente Médio pelo Porto de Rio Grande.

"As escalas de abate, em 2007, já foram bastante reduzidas. E agora em 2008, quando tínhamos uma expectativa de que no segundo semestre do ano tivesse uma oferta maior de matéria-prima, nós nos deparamos com uma prática que é muito prejudicial ao setor, que são as exportações de animais vivos. Por parte da indústria temos condenado muito fortemente, porque é um produto que não agrega valor, já que as exportações não geram impostos", diz.

Os produtores da região refutam os argumentos dos frigoríficos. O presidente do Sindicato Rural de Capão do Leão, Fernando Diaz, afirma que tanto em 2007 quanto neste ano houve produção suficiente de gado. Ele também argumenta que as exportações não contribuem para a crise das indústrias, já que o animal vivo que foi vendido para o exterior são bezerros, não estando portanto prontos para o abate.

O real motivo para a falta de matéria-prima, segundo Fernando, é o preço que a indústria vem pagando aos produtores pelo animal. Atualmente, o frigorífico paga em média R$ 2,35 o kg do boi vivo, o que não cobre os gastos da produção, já que os insumos agrícolas aumentaram quase 150% em um ano. Os produtores estariam segurando a produção na tentativa de elevar o preço para, no mínimo, R$ 2,60 kg do boi vivo.

"Aqui na nossa região, a oferta de bovinos para o abate é satisfatória, parecida com as dos outros anos. O que tem havido é o desagrado dos produtores com os preços praticados. O produtor, quando pode, tenta reter o produto na busca de um melhor preço. Nós temos um aumento de insumos fantástico, principalmente de fertilizantes, o que vai deixando os custos em um patamar extraordinário", argumenta.

No entanto, a situação de desemprego dos trabalhadores ainda pode piorar. O presidente da Federação dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação (FTIA-RS), Cairo Reinharet, prevê que a produção de gado no Estado deve ser reduzida com o avanço das monoculturas de pínus e eucalipto, na região Sul, e de cana-de-açúcar para produzir biocombustível, na região de Santa Rosa. Além de reduzir os empregos, a mudança na matriz econômica dessas regiões também irá aumentar ainda mais o preço da carne para a população e irá tornar o trabalho dos frigoríficos mais degradante e reduzirá os salários. Hoje, um trabalhador ganha em média R$ 700,00 na indústria.

"O reflexo maior, para nós, ainda está por vir. Da forma que está sendo plantado eucalipto na Metade Sul, onde antes era criação de gado, e as terras são boas para isso, está sendo plantado eucalipto. Também temos informação de que mais de 100 mil hectares em Santa Rosa será plantado cana-de-açúcar. Para nós, do ramo da alimentação, teremos que nos preparar para uma grande crise nos próximos 10 anos, caso não ocorra mudanças no desenvolvimento econômico proposto pelo governo", avalia.

Existem hoje no Rio Grande do Sul, sessenta frigoríficos de grande porte, que empregam diretamente cerca de cinco mil trabalhadores.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/04/08

A Guerra das Sacolas. Instituto Ambiental do Paraná multa Wal-Mart e Carrefour


O Instituto Ambiental do Paraná (IAP) multou ontem em R$ 70 mil diários as redes WMS Supermercados do Brasil (que controla as bandeiras Wal-Mart, Big e Mercadorama) e Carrefour. A justificativa é que elas não apresentaram à Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) alternativas ao uso de sacolas plásticas. A notícia é da Gazeta do Povo, 02-04-2008.

Em fevereiro, as duas multinacionais foram multadas em R$ 70 mil, juntamente com a Companhia Brasileira de Distribuição (marcas Pão de Açúcar e Extra). Segundo a Sema, de cada 100 sacolas distribuídas, apenas 15 retornam para reciclagem.

Em nota enviada na noite de ontem, a assessoria de imprensa do Wal-Mart Brasil esclareceu que a rede “vem testando diferentes propostas para oferecer a seus clientes alternativas às sacolas plásticas para embalagem e transporte de suas compras” e que, enquanto analisa as propostas, as lojas da rede oferecem sacolas reprocessadas. Segundo a nota. Elas consomem 30% menos matéria-prima.

Em relação à multa aplicada, o Wal-Mart informou que não havia recebido nenhuma comunicação do IAP. “Tão logo tome conhecimento, a empresa irá analisar e apresentar defesa dentro do prazo legal”, diz a nota. O Carrefour não se pronunciou sobre a multa.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/04/08

Britânicos criam embrião híbrido humano-vaca

Cientistas confirmaram ter criado um embrião híbrido, humano-animal pela primeira vez no Reino Unido, num esforço para desenvolver novas células-tronco para tratamentos de doenças como mal de Parkinson e diabetes. A notícia é do jornal Independent e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 02-04-2008.

Os pesquisadores fundiram material genético humano com células de bovinos que tiveram a maior parte de seu material genético removido. O embrião híbrido resultante é geneticamente 99,9% humano e 0,1% bovino.

A pesquisa - considerada "monstruosa" pela igreja - ainda é preliminar e não foi publicada numa revista científica. Pesquisadores da Universidade de Newcastle, porém, insistem que os resultados são válidos. Eles dizem que o embrião híbrido sobreviveu por três dias no tubo de ensaio.

Os cientistas gostariam que o embrião vivesse por até seis dias, assim poderiam extrair células-tronco embrionárias e fazê-las se diferenciarem em vários tecidos. "O trabalho foi autorizado em janeiro. Algum progresso foi feito, mas ainda não é o resultado definitivo. Apesar disso, está gerando estímulo em razão do debate político atual", afirmou John Burn, professor da Universidade de Newcastle. Os resultados foram apresentados numa conferência em Israel.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/04/08

'Abrir um sindicato no Brasil é um grande negócio', constata cientista político


Para o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de vetar o artigo que obrigava entidades sindicais a prestarem contas ao TCU, é mais um capítulo da “farra do poder” das centrais sindicais que o País atravessa. Professor aposentado da USP e da Unicamp e estudioso do movimento sindical brasileiro, Leôncio diz não vislumbrar nenhuma possibilidade da mudança substancial na estrutura sindicalista neste governo.

“Não surpreende. Me parece a continuidade da farra do poder que as centrais sindicais desfrutam no Brasil, sem obrigações, sem pressões. Elas possuem um poder impressionante, obtido por meio de favorecimentos legais, acordos de cúpula. Essa história de prestar contas ao ministério é uma volta ao passado, quando ele legalizava e controlava os sindicatos. Mas isso não começou agora. Antes do escândalo do mensalão estava em curso uma proposta de reforma sindical, patrocinada pelo José Dirceu, da Casa Civil, que iria beneficiar principalmente as centrais. Não sei por onde anda agora”, afirma Leôncio Martins Rodrigues em entrevista concedida a Roldão Arruda e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 02-04-2008.

E o cientista político pergunta: “Alguém viu alguma marcha de trabalhadores a Brasília para pedir a manutenção do imposto sindical? Alguém protestou frente ao Ministério do Trabalho? Houve alguma greve?”.

E responde:

“Não ocorreu nada disso. Tudo acontece por razões políticas contingenciais. São ações da cúpula, golpes legais, uma retribuição do ex-sindicalista aos sindicatos. É interessante observar que isso ocorre num momento em que os sindicatos não têm nenhum poder de pressão, um momento de ausência de política de massas”.

Segundo ele, “no Brasil, : ele funciona como uma empresa que nunca corre o risco de ir à falência, graças às contribuições obrigatórias que todo ano entram em seu caixa”.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/04/08

Lula veta prestação de contas de sindicatos

As centrais sindicais vão receber um reforço de caixa anual de cerca de R$ 100 milhões da contribuição sindical obrigatória - correspondente a um dia de salário por ano do trabalhador, descontado na folha de pagamento -, mas estarão livres de prestar contas ao Tribunal de Contas da União (TCU). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou ontem a lei de reconhecimento das centrais dos trabalhadores, mas vetou o artigo aprovado pelo Congresso que obrigava a detalhar os gastos do também chamado imposto sindical ao TCU. A reportagem é de Isabel Sobral e Tânia Monteiro e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo,02-04-2008.

O governo alegou que a medida era inconstitucional, uma intervenção indevida do poder público na organização sindical. “Passei 30 anos lutando por liberdade e autonomia sindical e não poderia compactuar em tirar do Ministério do Trabalho e transferir para o TCU a responsabilidade de fiscalizar as centrais”, justificou o presidente, na reunião de ontem do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).

Lula lembrou que a emenda da Câmara só instituía a fiscalização dos sindicatos de trabalhadores, mas no Senado a medida foi ampliada aos patronais. Mesmo assim, decidiu vetá-la. Agora, o controle dos recursos caberá unicamente aos trabalhadores e empresários, que podem exigir a prestação de contas em assembléias.

O Ministério do Trabalho vai apenas monitorar os dados e qualquer denúncia de irregularidade deverá ser feita ao Ministério Público do Trabalho. “Deus queira que tanto os empresários quanto os trabalhadores fiscalizem os seus sindicatos”, completou Lula.

PARTILHA

Pela lei, as centrais receberão 10% do total arrecadado com o imposto sindical - metade do bolo que é hoje repassado ao Ministério do Trabalho. Os cofres das entidades devem ser engordados em R$ 100 milhões ao ano. O restante da contribuição é dividido com sindicatos (60%), federações (5%) e confederações (15%).

terça-feira, abril 01, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 01/04/08

Despesa com juros da dívida pública atinge R$ 15,4 bi

As despesas com juros sobre a dívida pública deram um pulo em fevereiro, alcançando R$ 15,444 bilhões, valor 40,2% maior que em igual mês do ano passado. O valor é recorde para o mês. A alta foi influenciada principalmente pelas perdas do Banco Central (BC) em suas operações com dólar. A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo, 01-04-2008.

A despesa recorde de juros em fevereiro foi parcialmente compensada com um superávit primário elevado, de R$ 8,97 bilhões, o maior para meses de fevereiro. O resultado primário é dado pela diferença entre receitas e despesas, sem considerar os juros, e serve para evitar um crescimento desordenado da dívida pública. No primeiro bimestre, o superávit primário foi de R$ 27,629 bilhões, o equivalente a 6,22% do PIB, também recorde para o período.

O chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, disse que o superávit primário elevado reflete principalmente as receitas em alta, mas está relacionado com o ritmo mais fraco de crescimento das despesas, por causa da demora para aprovação no Orçamento, que só ocorreu em março.

Na conta de juros, Altamir explica que em fevereiro o BC teve prejuízo de R$ 2,6 bilhões com operações em dólar, chamadas de swap cambial reverso. Nelas, o BC faz contratos em que fica devedor em juros e credor em dólar, o que o faz ter prejuízos quando o real se valoriza. Em fevereiro, o dólar caiu 4,38% ante o real.

O especialista em finanças públicas da Unicamp, Francisco Lopreato, avalia que o resultado primário das contas públicas reflete o nível de atividade econômica. “O destaque é como o crescimento faz bem para as contas públicas, apesar de o câmbio afetar os juros. O crescimento substituiu a queda da CPMF. É por isso que ele não pode ser abortado por meio de uma alta nos juros.”

Instituto Humanitas Unisinos - 01/04/08

Crise nos EUA ameaça mais o México e a América Central. Conseqüência do Nafta e Cafta

A crise americana provocará impactos em todos os países das Américas, mas os reflexos mais agudos serão sentidos pelas economias mais integradas com a dos EUA, aquelas que mantêm acordos de livre comércio com os americanos. Alguns desses países, como Honduras e México, poderão ver suas exportações encolherem mais de 10% nos próximos anos e até mesmo enfrentar o risco de mergulharem em suas próprias recessões. O Brasil seria pouco afetado. A reportagem é de Marcos de Moura e Souza e publicada pelo jornal Valor, 01-04-2008.

As projeções constam de uma estudo produzido pelo Center for Economic and Policy Research (CEPR, na sigla em inglês), entidade de pesquisas sem fins lucrativos sediada em Washington, nos EUA. O trabalho avalia impactos nas exportações para o mercado americano com a desaceleração da economia do país. Os autores apostam que a retração deverá "acelerar um processo inevitável" de ajuste e redução do déficit comercial dos EUA, que em 2006 atingiu o pico - insustentável, dizem eles - de 5,8% do Produto Interno Bruto (PIB). O estudo faz dois cenários: que o déficit caia para 3% ou 1% em 2010.

Nos dois casos, os países mais atingidos pela redução das importações americanas serão os que integram os tratados livre comércio com os EUA: o Nafta (México e Canadá) e o Cafta (Guatemala, El Salvador, Costa Rica, Nicarágua, Honduras e República Dominicana).

O estudo estima que a queda das exportações do Canadá para os EUA poderão representar uma redução de 13,5% do total das exportações canadenses. No caso do México, 14,6%; Nicarágua 13,5%; e Honduras, 15,5%. Para o economista Luis Sandoval, um dos autores do estudo intitulado "O Impacto Econômico da Desaceleração dos EUA nas Américas", o reflexo sobre esses países poderia ser definido como um "efeito colateral" dos acordos de livre comércio.

"Nas negociações desses acordos, os argumentos se baseavam nos benefícios trazidos pelo aumento das importações dos EUA e em projeções de contínua aceleração americana", disse o economista. "As possibilidades de desaceleração são difíceis de se prever e os negociadores talvez não tenham levado muito em conta esse cenário."

É claro, lembra ele, que no período de crescimento acelerado da economia americana, os acordos promoveram ampliação das vendas para os EUA de têxteis, alimentos processados, como açúcar, e produtos primários de países pobres da América Central. O problema, diz, é que o efeito adverso será tão intenso quanto os ganhos.

Segundo o estudo, as economias mais dependentes deverão experimentar uma forte redução da entrada de divisas, redução de postos de trabalho ou até mesmo de recessão. Na última recessão americana, em 2001, o PIB do México teve um "avanço" real de 0%. "E a próxima recessão dos EUA (possivelmente já em curso) provavelmente será pior".

Os países da América do Sul estariam mais protegidos. As economias da região são descritas pelo estudo como mais fechadas e consequentemente com PIBs menos dependentes das receitas de importações exportações. Além disso, os EUA não são, em geral, um cliente predominante. As exportações da Argentina para o país representam só 1,6% do PIB argentino; 2,9% do Brasil e 15% da Venezuela - dos quais 95% são relacionados ao petróleo. E como o consumo americano de petróleo e gás não deve cair, dizem os pesquisadores, os efeitos da crise na Venezuela e noutros exportadores de energia, como Canadá e Equador, "devem ser mitigados".

Instituto Humanitas Unisinos - 01/04/08

EUA anuncia megaplano de reforma do sistema financeiro. A maior mudança desde 1929

O megaplano de reforma do sistema financeiro anunciado ontem pelo governo americano, a maior mudança no modelo de regulamentação do setor desde a crise de 1929, ainda vai demorar um tempo até ser devidamente analisado pelo mercado. As primeiras reações foram favoráveis, tanto que a Bolsa de Nova York fechou ontem em alta. O comentário é de Guilherme Barros e publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, 01-04-2008.

A nova regulamentação do sistema financeiro americano não será capaz de evitar a atual crise, mas pode prevenir o setor contra eventuais turbulências no futuro. Uma das grandes mudanças no pacote anunciado ontem foi a de dar mais poder ao Fed de vistoriar o sistema financeiro como um todo.

Até então, o Fed não fiscalizava os bancos de investimento. Há algumas semanas, o Fed foi obrigado a fazer uma complexa ginástica financeira para injetar recursos no banco de investimentos Bear Stearns. O Fed teve que fazer uma triangulação com o JPMorgan.

O ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, sócio da consultoria Tendências, afirma que a principal característica desse megaplano de reforma do sistema financeiro é dar maior racionalidade aos processos de regulação, já que esse novo projeto concentra a fiscalização em poucas agências. Havia muitas agências de regulação nos EUA, o que complicava o trabalho de supervisão dos bancos.

O mais curioso, segundo Loyola, é que o Brasil já adota um sistema semelhante ao que foi anunciado pelo governo americano há bastante tempo, desde que, depois do lançamento do Plano Real, em 1994, muitos bancos no Brasil quebraram e foram feitas diversas mudanças no setor para aperfeiçoar o trabalho de supervisão bancária.

Depois, em 1997, com a crise financeira na Ásia, os países emergentes em geral também aprimoraram os mecanismos de controle do sistema financeiro. Os Estados Unidos demoraram a mudar o marco regulatório financeiro.

Instituto Humanitas Unisinos - 01/04/08

A crise do sistema financeiro. O megaplano é ‘estratégia Dilbert’, critica economista americano

“Se você já trabalhou para uma grande organização ou, aliás, se você é leitor da tira de quadrinhos "Dilbert", decerto conhece a "estratégia do organograma". Para esconder a falta de idéias práticas sobre o que fazer, dirigentes gostam de promover grande algazarra quando reorganizam as caixinhas e linhas de um organograma informando quem se reporta a quem. Pronto: você acaba de descobrir o princípio que embasa a nova proposta do governo Bush para a reforma financeira, anunciada formalmente ontem. O objetivo é criar a aparência de que as autoridades estão respondendo à crise atual, sem na prática fazer nada de substantivo”, escreve Paul Krugman, economista, colunista do New York Times e professor na Universidade Princeton (EUA) em artigo publicado nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, 01-04-2008. Segundo ele, “as crises financeiras norte-americanas vêm crescendo. Uma década atrás, a perturbação nos mercados que se seguiu ao colapso da Long-Term Capital Management foi considerada um evento grave, assustador; mas, comparada à crise atual, não passou de uma sacudidela. Se não reformarmos o sistema desta vez, a próxima crise poderá ser ainda maior. E eu tenho certeza de que não quero viver uma reprise da década de 1930”.

Eis o artigo.

Os eventos financeiros dos últimos sete meses, e especialmente das últimas semanas, convenceram todo mundo, exceto os mais renitentes, de que o sistema financeiro norte-americano precisa de uma séria reforma. De outra forma, cambalearemos de crise em crise, e as crises se tornarão cada vez mais graves.

Os bancos tradicionais, que oferecem contas a depositantes, operam regulamentados desde os anos 1930, porque a experiência da Grande Depressão demonstrou de que maneira falências de bancos podem ameaçar toda a economia. Instituições que não aceitam depósitos, como o Bear Stearns, no entanto, supostamente não precisavam de regulamentação, porque a "disciplina do mercado" asseguraria que fossem dirigidas de maneira responsável.

Quando a situação ferveu, no entanto, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) não ousou permitir que a disciplina do mercado resolvesse a situação. Em lugar disso, correu em resgate do Bear Stearns, colocando em risco bilhões de dólares dos contribuintes, porque temia que o colapso de uma grande instituição financeira colocasse em risco o sistema financeiro como um todo.

E se protagonistas das finanças como o Bear Stearns vão receber essa espécie de resgate, anteriormente limitada aos bancos que aceitam depósitos, a implicação parece óbvia: eles também devem ser regulamentados como bancos.

Mas o governo Bush passou os últimos sete anos tentando eliminar a fiscalização governamental sobre o setor financeiro. De fato, o novo plano havia sido originalmente concebido como uma forma de "promover um setor de serviços financeiros competitivo, que lidere o mundo e apóie a inovação continuada das finanças".

Desregulados

Isso é jargão de banqueiro para a eliminação de qualquer regulamentação que possa incomodar os grandes operadores financeiros.

Para reverter o curso agora, e procurar regulamentação mais ampla, o governo teria de recuar com relação à sua ideologia de livre mercado e também teria de encarar o fato de que estava errado. E esse governo nunca, nunca mesmo, admitirá que cometeu um erro.

Por isso, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, declara que não acredita que seja justo ou acurado imputar a culpa pelos recentes tumultos à nossa estrutura regulatória.

E, pelo menos de acordo com o sumário do novo plano do governo, a regulamentação certamente parece limitada a instituições que recebam garantias federais explícitas, ou seja, às instituições que já estão regulamentadas e não foram a origem dos atuais problemas.

Quanto aos demais componentes do sistema, o plano insensatamente declara que "a disciplina de mercado é a mais efetiva ferramenta para limitar o risco sistêmico".

O que significa que o governo nada aprendeu com a crise atual. Mas é preciso, como questão política, que crie a ilusão de estar fazendo alguma coisa.

Assim, o Tesouro anunciou, com grande alarde -e vocês sabem o que virá a seguir-, seu apoio a uma reorganização das caixas do organograma. OCC, OTS e CFTC estão fora; PFRA e CBRA entram na parada. Quem se importa?

Alguma diferença?

Será que reorganizar as caixas fará alguma diferença? Fiquei decepcionado por algumas organizações noticiosas estarem reportando como notícia a história que o governo inventou para encobrir os fatos: a alegação de que a falta de coordenação entre as agências regulatórias foi um fator importante para as atuais dificuldades.

A verdade é que não foi isso o que aconteceu, de maneira alguma. As diversas agências regulatórias de fato se saíram bastante bem quanto à coordenação de suas ações. Infelizmente, elas foram coordenadas na direção errada.

Por exemplo, houve um evento montado para fins de relações públicas em 2003 no qual dirigentes de diversas agências posaram com podadeiras e serras como se estivessem podando e abatendo pilhas de regulamentações bancárias.

A ocasião simbolizava a determinação compartilhada dos funcionários apontados pelo governo Bush quanto a abandonar a fiscalização do mercado por adultos exatamente no momento em que este começava a se comportar de maneira irresponsável.

Oh, e o governo Bush na prática impediu que governos estaduais tentassem proteger famílias contra práticas predatórias de empréstimos. Assim, o plano do governo terá sucesso? Não pergunto se terá sucesso em prevenir futuras crises, já que não é esse o seu propósito. A questão, em lugar disso, é determinar se obterá sucesso em confundir a questão o bastante para bloquear reformas reais.

Esperemos que não. Como eu disse, as crises financeiras norte-americanas vêm crescendo. Uma década atrás, a perturbação nos mercados que se seguiu ao colapso da Long-Term Capital Management foi considerada um evento grave, assustador; mas, comparada à crise atual, não passou de uma sacudidela.

Se não reformarmos o sistema desta vez, a próxima crise poderá ser ainda maior. E eu tenho certeza de que não quero viver uma reprise da década de 1930.

Instituto Humanitas Unisinos - 31/03/08

Sobre crises, hecatombes e ilusões. Artigo de José Luís Fiori

As teorias que falam na necessidade de uma grande potência econômica mundial — e, vêem, hoje, o ‘ocaso’ dos EUA — não respondem a duas questões. Quem substituiria os norte-americanos? E como funcionaria o novo sistema monetário e financeiro internacional, depois do dólar? As perguntas são de José Luís Fiori, cientista político, é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em artigo no Le Monde Diplomatique Brasil, 31-03-2008.

Eis o artigo.

No início da década de 1970, o economista norte-americano, Charles Kindelberger, formulou uma teoria que exerceu grande influencia acadêmica e política, dentro e fora dos Estados Unidos. Segundo Kindelberger, “a economia mundial liberal precisa de um país estabilizador e só um país estabilizador". Um país que forneça aos demais alguns “bens públicos” indispensáveis ao bom funcionamento da economia internacional, como a moeda, o livre-comércio, e a coordenação das políticas econômicas nacionais.

O mundo estava vivendo a crise final do Sistema de Bretton Woods, e estava assistindo à derrota dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. E Charles Kindelberger estava preocupado com a possibilidade de uma nova grande crise e depressão que fosse provocada, como nos anos 30, pela falta de uma “liderança mundial”. Durante as décadas seguintes, esta “teoria da estabilidade hegemônica” transformou-se no denominador comum de um grande debate sobre as “crises” e as “transições” hegemônicas, na história do sistema mundial. Incluindo, um grupo de autores marxistas norte-americanos, como Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi, que atribuem a ordem mundial dos últimos séculos, à sucessão de três grandes potencias hegemônicas: Holanda, Grã-Bretanha e Estados Unidos.

Os participantes deste debate tinham posições teóricas diferentes, mas quase todos compartiam a tese de que os Estados Unidos estariam vivendo seu “declínio hegemônico”, depois da “crise dos anos 70”. E mais recentemente, quase todos consideram que o fracasso americano no Oriente Médio, e o “derretimento do dólar”, neste início do século 21, fazem parte já agora, de uma “crise terminal” da hegemonia americana.

Assim mesmo, estes autores não conseguem responder de forma satisfatória, a três perguntas fundamentais: a) como foi que a crise dos anos 70 acabou restaurando a hegemonia e fortalecendo o poder americano; b) porque esta nova crise de 2007-2008, não poderá ter um desdobramento semelhante, no longo prazo; c) e por fim, mesmo que a crise adquirisse natureza catastrófica, quem substituiria os Estados Unidos, e como funcionaria o novo sistema monetário e financeiro internacional, depois da morte do dólar?

Começando pela “crise dos 70”: hoje, pode-se ver que não houve declínio norte-americano, à época. Pelo contrário, foi na década de 70 que se definiram as novas políticas e regras responsáveis pela multiplicação exponencial da riqueza e do poder dos EUA, no último quarto do século 20. Foi quando os Estados Unidos deixaram de ser “credores”, e passaram à condição de “grandes devedores” da economia mundial. Mas ao mesmo tempo, sua dívida e sua capacidade de endividamento transformaram-se no primeiro motor da economia mundial, destes últimos 30 anos. Foi também na década de 70, que o “padrão dólar-ouro” foi substituído pelo novo sistema monetário internacional “dólar-flexível”, lastreado, em última instancia, no poder americano, e nos seus títulos da dívida publica.

Por outro lado, são também da década de 70, as políticas de desregulação dos mercados financeiros anglo-americanos, que lideraram o processo de globalização financeira, do final do século 20. E por fim, foi à sombra da derrota americana no Vietnã, em 1973, que os Estados Unidos e a China negociaram sua nova parceria econômica que se transformou na grande locomotiva da economia mundial, no início do século 21. Ou seja, desde a crise de 70, em vez do “declínio americano”, o que se assistiu foi uma mudança profunda da economia mundial, e um aumento exponencial do poder dos Estados Unidos.

Agora de novo, depois do fracasso das Guerras do Afeganistão e do Iraque, e da desvalorização dólar, provocada pela crise financeira de 2007 e 2008, volta-se a falar no “colapso” e na “crise final” da hegemonia americana. Mas até o momento, ainda não se configurou uma crise estrutural ou global, nem existe sinal de que os Estados Unidos venham a desocupar sua liderança capitalista. Pelo contrário, apesar das suas dimensões, tudo indica ser uma crise “regular”, dentro de um sistema que é, por excelência, contraditório, instável e conflitivo.

Dentro das novas regras e estruturas criadas a partir da crise dos 70, os Estados Unidos definem de forma exclusiva o valor de uma moeda que é nacional e internacional, a um só tempo, e que está lastreada nos títulos da dívida pública do próprio poder emissor da moeda. Além disto, os Estados Unidos, possuem um sistema financeiro nacional desregulado, e são — ao mesmo tempo — a cabeça de uma “máquina de crescimento” global, que funciona em conjunto com a economia nacional chinesa.

Dentro deste sistema, extremamente complexo, toda crise financeira interna da economia americana pode afetar a economia mundial, pela corrente sanguínea do “dólar flexível” e das finanças globalizadas. E todos os seus ciclos internos de “valorização de ativos”, (em particular, imóveis, câmbio e bolsa de valores) se descolam com facilidade dos circuitos produtivos e mercantis, e se balizam pelas variações da dívida publica e da política de juros do governo norte-americano. Por isto, as “bolhas” são sempre uma ameaça potencial para a economia mundial, mas não são apenas “capital fictício”, nem são apenas “especulação”. São mais do que isto: é um ciclo específico de valorização do capital, só possível dentro de um sistema monetário e financeiro desregulado e atrelado diretamente ao endividamento publico do governo americano.

A crise atual poderá ser mais ou menos extensa e profunda, mas não será a crise terminal do poder americano, nem muito menos, do capitalismo. Por enquanto, não é provável uma “fuga do dólar”, porque o euro, o yuan e o yen, não tem fôlego financeiro internacional. E acreditar na criação de uma moeda supra-nacional é fugir para o mundo da fantasia, desconhecendo o sistema mundial em que vivemos. “Dentro deste sistema, não existe a menor possibilidade de que a liderança da expansão econômica do capitalismo possa sair das mãos dos “Estados-economias nacionais” expansivos e conquistadores, com suas moedas nacionais e com seus “grandes predadores”. `Por fim, como “ciência ficção”, pode-se pensar numa hecatombe que destrua moedas e estados, mas com certeza, não será o caminho mais curto, nem o mais pacífico, para um “mundo melhor”.

Instituto Humanitas Unisinos - 30/03/08

Imigrantes ilegais vivem como escravos nas colheitas da Europa

Adam Mohamed e John Kawala decidiram vender suas lojas de artesanato em Acra, capital de Gana, com o objetivo de bancar, com o dinheiro, as propinas necessárias para cruzar as várias fronteiras africanas até a Europa. Em três semanas passaram por Togo, Benin, Níger e Líbia, e cruzaram o Mar Mediterrâneo antes de desembarcar no sul da Itália. Gastaram na viagem 4 mil cada um. Tudo isso para, três meses depois, sobreviverem numa condição parecida à de escravidão em plena Europa. “Se eu soubesse que viria ao inferno, não teria nem iniciado a viagem”, afirma Kawala, de 35 anos. A reportagem é de Jamil Chade e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 30-03-2008.

No sul da Itália, sudaneses, senegaleses, marroquinos, moldavos e ucranianos formam parte de um exército silencioso de imigrantes ilegais que garantem a colheita na região. Estão nos campos de tomate, ingrediente usado nos pratos mais tradicionais da culinária italiana, ou colhendo laranja. A União Européia estima em 500 mil o número de imigrantes ilegais que entram no bloco por ano e calcula que 8 milhões deles estejam trabalhando na informalidade. Esses trabalhadores movimentam um dinheiro que representaria 12% do PIB europeu.

Uma parcela desses imigrantes não vive apenas na ilegalidade, mas em condições de indigência. Sofrem diariamente com os maus-tratos e moram em edifícios abandonados, sem eletricidade ou água, infestados de ratos. Pior: não podem voltar para seu país por causa das dívidas que acumularam com os patrões. Conhecida por sua defesa dos direitos humanos e por criticar as péssimas condições de trabalho na produção da cana-de-açúcar no Brasil ou de têxteis na China, a Europa está sendo obrigada agora a admitir a existência dessas violações em seu próprio território.

A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo teve acesso a um local na Calábria onde vivem esses novos escravos e a contratos de trabalho que violam a carta de direitos humanos da ONU. É visível o sofrimento de muitos que nem sabem dizer no mapa onde estão e, como nas fazendas nas Américas de dois séculos atrás, ainda tiveram seus nomes alterados. Desta vez, para adotar o mesmo nome incluído nos papéis falsificados que os intermediários prepararam para a imigração.

Ninguém sabe ao certo quantos desses imigrantes estão trabalhando nas colheitas no sul da Itália. A ONG Médicos Sem Fronteiras estima que eles podem chegar a 15 mil na Calábria - e outros milhares nas regiões da Sicília, Basilicata e Puglia.

Campos de trabalho forçado

O endividamento começa antes da chegada à região. Pela lei italiana, os proprietários de terras podem declarar ao governo que necessitam empregar estrangeiros para a colheita. Hoje, poucos italianos aceitam trabalhar na produção agrícola, e o setor não tem alternativa a não ser importar mão-de-obra. Usando contatos com intermediários nos países africanos, fazendeiros enviam aos consulados da Itália nesses locais cartas com os nomes das pessoas que teriam direito ao visto, normalmente dado por apenas três meses. O futuro imigrante, então, pode receber a autorização para viajar e a ilusão de que vai ganhar dinheiro e sair da miséria africana ou do Leste europeu.

O problema, porém, é que os fazendeiros e intermediários cobram entre 1 mil e 2 mil pelo visto de cada trabalhador. Já o Ministério do Interior italiano confirma que o custo para o empregador não passa de 14,62. O marroquino Hamid Benzaied tem em mãos a carta com o visto enviada por um conhecido proprietário de terras da região ao governo. Só não sabe quanto tempo vai levar para pagar essa primeira dívida. Depois de três meses, Benzaied não voltará a seu país e ficará nas mãos do fazendeiro, que o ameaça se não continuar trabalhando.

Não por acaso, os Médicos Sem Fronteiras classificam essas fazendas como “campos de trabalho forçado”.

A situação fica ainda mais complicada quando esses imigrantes recebem a informação de que, para cada dia de 12 horas de trabalho no campo, vão ganhar 25 . Mas, por semana, trabalharão apenas três dias - ou seja, 300 por mês. Isso é apenas o começo. “Dos 25 por dia que recebem, precisam dar entre 2 e 3 para que sejam transportados aos campos, e 5 para o alojamento onde vão dormir, além de comida”, denuncia Dispina Ivasenco, que trabalha na Associação Omnia, um dos únicos centros sociais para os imigrantes. Quem ficar doente por causa do frio de 5 graus nesta época do ano e não puder trabalhar é obrigado a pagar 20 por dia ao patrão pelos supostos prejuízos que a fazenda teve com sua ausência.

“Termino o dia com apenas 10”, explica Abdullah Sheriff, também do Marrocos. “O que ganhamos não é dinheiro. Ninguém sobrevive com isso aqui”, afirma o senegalês Papa, que não sabe exatamente quantos anos tem ou o próprio sobrenome. “Meu nome é só Papa e acho que tenho entre 30 e 32”, diz, rindo e cobrindo o rosto de vergonha.

Quem ousa fugir é perseguido pelos capatazes das fazendas. Há dois anos, a região foi tomada por um escândalo envolvendo a morte de poloneses que trabalhavam no campo. Investigações feitas pela Justiça mostraram que algumas das mulheres encontradas mortas podem ter sido estupradas. Foi a primeira vez que os italianos passaram a tomar conhecimento da real situação desses imigrantes. Os africanos mais cínicos alegam que o caso só foi divulgado e as autoridades tomaram providências porque a Polônia agora faz parte da União Européia.

Nas semanas em que não há colheita, a solução para a maioria é buscar refúgio nos edifícios abandonados da região. A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo foi levado a um deles, chamado pelos imigrantes de “fábrica”. Sem luz nem banheiro, o prédio - que foi usado há décadas como um galpão - não tem nenhuma janela. Os imigrantes dormem em barracas montadas com cartolina. Para iluminar o local, eles fazem pequenos fogareiros, usados também para cozinhar. O resultado é um penumbra ainda mais densa por causa da fumaça constante.

“Agora está bem melhor aqui. Colocaram um teto e não chove dentro”, afirmou Dispina. Em outro galpão ainda não há teto. Uma colega que também trabalha na associação, Hasna Boumou, constata: “Eles vivem como indigentes.” Segundo elas, há pessoas vivendo embaixo de pontes e em carros abandonados.

“Parece que somos invisíveis. Não há ninguém que pareça se importar”, afirmou Hamid, do Sudão, que vive em um outro galpão abandonado,vizinho da Prefeitura de Rosarno. Enquanto falava e mostrava sua cama, ratos comiam tranqüilamente a poucos metros.

MÁFIA

A violência é outro problema que esses imigrantes enfrentam - e a polícia não é a solução. “Aqui a polícia é a mesmo coisa que a máfia”, resume Abkarim, mais um marroquino. Ele conta que, um dia, um grupo de jovens italianos invadiu o local onde ele dormia com outros imigrantes, bateu em todos e roubou o pouco dinheiro que tinham. Os que foram se queixar à polícia acabaram detidos por não ter visto e foram deportados.

“Decidi que vou voltar para Marraquesh. Lá ao menos sou tratado como gente”, afirma Abkarim, que era motorista de ônibus de turismo em sua cidade.

A maioria, porém, não tem como fazer o percurso de volta por causa da guerra no país de origem ou simplesmente por não ter dinheiro. Omar, da Costa do Marfim, diz que tentou a sorte na Itália para fugir do conflito em seu país. “Aqui pelo menos não há guerra”, afirma. “Agora que estou aqui, a solução é viver para superar tudo isso.”

Outros não voltam por orgulho, já que o retorno seria um sinal de que fracassaram. Não por acaso, em uma das pichações nas paredes da “fábrica” pode-se ler: “Life is War” (“A Vida é uma Guerra”).

Instituto Humanitas Unisinos - 29/03/08

Programas sociais elevam renda de mais pobres em 19% e atendem ¼ da população


Estudo do IBGE mostra impacto do Bolsa-Família e outros benefícios, que já chegam a 1/4 da população

Os rendimentos dos brasileiros que recebem programas sociais do governo federal cresceram 19,4% acima da inflação entre 2004 e 2006, afirma estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgado ontem. A variação da renda foi maior que a dos lares sem programas sociais (16,9%). A reportagem é do jornal O Estado de S. Paulo, 29-03-2008.

O IBGE também mostra, porém, em outro trabalho baseado na PNAD, que o avanço nos ganhos não foi seguido no mesmo ritmo pelo acesso à educação: dos 59,1 milhões de jovens de zero a 17 anos, 14,29 milhões não estavam em creche nem escola em 2006.

Também o trabalho infantil, apesar de cair levemente, mostrou resistência, sobretudo na faixa mais jovem fora do Bolsa-Família.

“Se do ponto de vista econômico (o Brasil) é um país bastante desenvolvido, do ponto de vista social o que a gente observa ainda é a presença de indicadores não tão desenvolvidos quanto os econômicos, e portanto programas como esse de transferência de renda são absolutamente essenciais para nós pensarmos a redução da desigualdade”, disse o presidente do IBGE, Eduardo Nunes.

A secretária nacional de Renda e Cidadania, Rosani Cunha, relativizou o peso do Bolsa-Família, um dos programas analisados no estudo, na melhoria dos rendimentos. “A economia brasileira está crescendo para toda a população, inclusive para a população pobre. O Bolsa-Família é um dos elementos que têm contribuído para aumentar o consumo, mas não é o único. Temos o aumento do salário mínimo, a geração de empregos, temos vários fatores, inclusive o Bolsa-Família.”

O estudo abordou o Bolsa-Família, dirigido a famílias com crianças com 7 a 14 anos na escola; o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e deficientes físicos muito pobres; o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), destinado a tirar crianças de atividades econômicas para devolvê-las às escolas; e outros programas sociais da União, de Estados e de municípios.

De acordo com o trabalho, em 2006 o Bolsa-Família foi o programa social que atingiu maior número de domicílios, 8.126.000, enquanto o BPC chegou a 1.213.000, e o Peti, a 267 mil.

A melhoria na renda também se deve a outros fatores, como o crescimento do trabalho formal, com carteira assinada, no período. Ela foi generalizada nacionalmente no período, tendo atingido tanto os domicílios que receberam programas sociais como os que não receberam. Na primeira categoria, a parcela com carteira assinada era de 32,9% em 2004 e 35,2% em 2006; na segunda, o crescimento foi de 54,8% para 56,8%.

Instituto Humanitas Unisinos - 29/03/08

Brasil tem 1,4 milhão de crianças de 5 a 13 anos trabalhando

Estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relativo a 2006 mostra que o Brasil tem 1,4 milhão de crianças e jovens de 5 a 13 anos trabalhando, o que é proibido por lei. Apesar dos programas sociais do governo, a proporção - 4,5% da população nessa faixa etária - é a mesma de 2004. No grupo de 5 a 17 anos, o total de ocupados chega a 5,1 milhões e a proporção caiu de 11,8% para 11,5% no mesmo período. A reportagem é de Felipe Werneck, Wilson Tosta e Tiago Décimo e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 29-0-2008.

O presidente do IBGE, Eduardo Nunes, considera os números “preocupantes, na medida em que a legislação proíbe o trabalho” de menores de 14 anos. “Mas a realidade também nos revela que há uma população com nível de renda tão baixo que a família se vê obrigada a inserir as crianças numa idade ainda incipiente no mercado de trabalho”, ressalvou, no Rio.

Para ele, o ritmo de queda do trabalho infantil ainda é lento. Por isso, acha que a obrigação de manter crianças na escola como condição para receber o Bolsa-Família deve ser mantida.

Segundo o IBGE, do total de crianças e adolescentes ocupados, 41,4% exercem atividades agrícolas - na faixa de 5 a 13 anos são 62,6%. Dos ocupados de 5 a 13 anos, 60% exercem atividades não-remuneradas e 51,2% trabalham até 14 horas semanais - 95,1% estão em atividades agrícolas e sem remuneração.

No grupo de 5 a 17 anos, 45,9% são empregados domésticos e 36,1% não-remunerados. A jornada média é de 26 horas semanais - 28,6% cumprem jornada de 40 horas ou mais. O estudo mostra que 47,3% trabalham sem pagamento e 14,1% ganham menos de um quarto do salário mínimo. O rendimento médio dos ocupados é de R$ 210.

Segundo o IBGE, o trabalho infantil, principalmente a partir dos 14 anos, está “diretamente relacionado” ao não comparecimento à escola. Na faixa de 5 a 17 anos, o porcentual de ocupados sem instrução ou com menos de um ano de estudo (28%) era superior ao dos não-ocupados (15,7%).

A secretária Nacional de Assistência Social, Ana Gomes, cita fatores culturais que dificultam o combate ao trabalho infantil. “Ficou claro que quanto mais informação e escolarização os pais têm, mais a criança fica fora do trabalho infantil. Mesmo transferindo renda não se consegue tirar a criança do trabalho”, disse. “Os pais estão cometendo uma ilegalidade, mas só dizer que é proibido não resolve. Temos que entrar nos dados, entender isso, para que formular melhor a ação.”

Instituto Humanitas Unisinos - 27/03/08

Renegociação rural custa até R$ 7 bi para os cofres públicos

O programa de saneamento de R$ 56,2 bilhões em dívidas rurais proposto pelo governo federal deve ter custo entre R$ 4 bilhões e R$ 7 bilhões para os cofres públicos, segundo informações preliminares dos ministérios da Fazenda e da Agricultura. A reportagem é de Luciana Otoni e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 27-03-2008.

O impacto fiscal da repactuação dos débitos agrícolas para o Tesouro Nacional leva em conta medidas destinadas a recuperar parte de R$ 9,15 bilhões em dívidas em atraso e descontos no saldo devedor dos produtores rurais que estão com os contratos em dia.

Para produtores com dívidas atrasadas, a proposta é trocar a taxa Selic mais 1% ao ano pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) mais 6% ao ano, eliminar multas e encargos financeiros específicos, a exemplo da cobrança de preço mínimo por atraso no pagamento.

Para quem está em dia, vão ser oferecidos descontos para pagamento antecipado do saldo devedor.

Caso as condições propostas sejam aceitas, os ministérios da Fazenda e da Agricultura querem que produtores rurais inadimplentes regularizem sua situação para, a partir disso, fazerem nova rolagem de dívida com possibilidade de desconto para pagamento antecipado ou alongamento do prazo da dívida que ainda vai vencer.

No Ministério da Fazenda, a avaliação é que a agropecuária passa por uma fase de prosperidade, e que os produtores dispõem de renda para quitar débitos atrasados e antecipar pagamentos devidos.

Instituto Humanitas Unisinos - 26/03/08

Plataforma de gelo está 'por um fio', diz cientista

Um iceberg com uma área equivalente a um terço da cidade do Rio de Janeiro se desprendeu em tempo recorde na península Antártica, e cientistas britânicos afirmam que a plataforma de gelo de onde ele se soltou está "por um fio". A noticia é dos jornais Folha de S. Paulo e Zero Hora, 26-03-2008.

A plataforma de gelo Wilkins, com 16 mil quilômetros quadrados (mais de dez vezes a área de São Paulo), está separada da desintegração total por uma fina faixa de gelo.

Pesquisadores do BAS (Serviço Antártico Britânico) e do Centro Nacional de Dados de Gelo e Neve dos EUA começaram a ver a plataforma rachar no final de fevereiro, usando imagens de satélite.

No final daquele mês, um iceberg de 41 quilômetros de comprimento por 2,5 quilômetros de largura se soltou, dando início à desintegração rápida. Esta acontece num padrão que já é típico de retrações glaciais causadas pelo aquecimento global: uma mancha azul-clara na superfície do oceano pontilhada de fragmentos de gelo.

A Wilkins é a maior plataforma (nome dado a imensas línguas de gelo flutuantes) da península Antártica, região do continente que mais esquentou no último século -provavelmente devido ao aquecimento global. Ela esteve estável pelos últimos 1.500 anos. Os cientistas achavam que ela estivesse mais protegida do clima por estar mais ao sul da península, onde faz mais frio.

Drama recente

"Eu não esperava que isso fosse acontecer tão depressa. A plataforma está por um fio e saberemos nos próximos dias qual será o destino dela", disse David Vaugham, do BAS.

Segundo o BAS, o colapso da Wilkins é "o drama mais recente" na península, uma região que nos últimos 50 anos tem sofrido um aquecimento sem precedentes (de 2C a 3C).

Várias plataformas de gelo naquela região sofreram retração nos últimos 30 anos. Seis delas se desintegraram: o canal do Príncipe Gustaf, a enseada Larsen, a Wordie, a Müller, a Jones, a Larsen A e a Larsen B.

Esta última teve seu colapso observado em tempo quase real, em 2002. Levou 35 dias para se esfacelar completamente, soando um alarme até então sem precedentes para os impactos da atividade humana no clima. Os cientistas achavam que a Larsen B fosse ser estável por mais um século.

Previsão subestimada

"Nós realmente não entendíamos o quão sensíveis essas plataformas são à mudança climática", disse Vaugham. Nos anos 1990, o pesquisador britânico previra que o aquecimento global levaria a Wilkins ao colapso em 30 anos.

Como a plataforma já está flutuando, sua desintegração não elevará o nível do mar. O problema é que ela serve de "barragem" para conter o escoamento de geleiras continentais que nela desembocam -essas sim, com potencial de elevar o nível do oceano.