"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, agosto 29, 2007

Bresser Pereira - 27/08/07

Brasil perdeu idéia de Nação
Entrevista de Luiz Carlos Bresser-Pereira
Entrevista publicada em 24.8.2007 no site do Instituto Teotônio Vilela (http://www.itv.org.br).
A adoção de uma política econômica baseada no tripé composto por juros altos, câmbio apreciado e ajuste fiscal "frouxo", associada à perda da idéia de nação, explica, em grande medida, o baixo crescimento da economia brasileira nos últimos anos. A tese é a idéia central do livro "Macroeconomia da Estagnação", obra mais recente do economista e fundador do PSDB Luiz Carlos Bresser-Pereira.

No livro, o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) critica o que chama de "ortodoxia convencional", pensamento, segundo ele, hegemônico na economia em escala global. Para desatar o que considera "um nó", o tucano propõe a adoção do chamando "novo desenvolvimentismo". "Só assim países como o Brasil podem competir com os países ricos para alcançá-los", destaca.

Ex-secretário de governo de Franco Montoro em São Paulo e ex-ministro da Fazenda de José Sarney, Bresser-Pereira foi tesoureiro da campanha da eleição de Fernando Henrique Cardoso em 1994. No ano seguinte, assumiu o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, no qual comandou a Reforma da Gestão. No segundo mandato, foi, durante os primeiros seis meses, Ministro da Ciência e Tecnologia. Desde julho de 1999, dedica-se exclusivamente à vida acadêmica. Leia abaixo a entrevista exclusiva à Agência Tucana para o site do Instituto Teotônio Vilela:
No seu mais recente livro, "Macroeconomia da Estagnação", o senhor afirma que, desde a década de 1980, a economia do país está estagnada. O que explica esse fenômeno?

Nos últimos anos, as taxas de crescimento da economia brasileira têm sido menores que as registradas pelos demais países emergentes e até das nações ricas. O motivo fundamental é que perdemos a idéia de nação. A sociedade brasileira passou por uma crise da idéia de nação, o que culminou na crise da economia.

Qual o efeito direto disso?

O Brasil abdicou da idéia de nação. O que isso significa? A economia mundial é organizada em estados, nações e empresas. Não são apenas as empresas que competem, mas também os estados, nações e países. Dessa forma, aquele país que não tiver uma idéia de nação forte, não tiver um projeto nacional, ou também, um projeto de competição internacional, não tem chance de crescer, ou seja, vai ficar para trás.

A interdependência entre os mercados não fez com que os Estados perdessem espaço?

Uma ideologia neoliberal e globalista, que vem do Norte, diz que, com a globalização, isso deixou de ser verdade, que os estados haveriam perdido autonomia e relevância. Isso é falso. Eles perderam realmente um pouquinho de autonomia apenas, porque houve um aumento da interdependência entre os estados. Sempre que você fica mais interdependente, você perde autonomia.

Qual a origem do aumento dessa interdependência?

A origem dessa maior interdependência está no aumento da competição entre os estados, seja comercial, tecnológica ou de qualquer outro nível. Mas quando os países se preparam e enfrentam o aumento da competição, eles se fortalecem para poder tomar decisões de acordo com critérios próprios, em vez de obedecer às diretrizes vindas do Norte.

Quando exatamente o Brasil perdeu a idéia de nação?

Quase sempre se fala que perdemos a idéia de nação em 1981. No entanto, ocorreu durante o governo Fernando Collor, que resolveu fazer um acordo com o FMI e uma abertura financeira. Eu sou favorável à abertura comercial, mas desde que feita com moderação.

A do governo Collor foi muito agressiva?

Demais. A abertura financeira foi um desastre para o Brasil, porque implicou na perda do controle da taxa de câmbio. Aquele acordo e a abertura financeira foi o sinal de uma submissão às políticas financeiras e comerciais vindas de Washington.

O modelo chinês de desenvolvimento poderia ser aplicado ao Brasil?

O modelo chinês não. A China é um país autoritário. O Brasil é um país capitalista. Somos capitalistas há mais tempo que eles e vamos continuar capitalistas. Temos uma área social mais desenvolvida que a deles.

Como o senhor avalia o tripé macroeconômico do governo Lula baseado em taxa de juros alta, câmbio apreciado e gasto público excessivo?

O ajuste fiscal do governo é frouxo, porque tem déficit público de 3% pelo menos há muitos anos. O que fazem os asiáticos, por exemplo? Eles têm taxa de juros baixa, taxa de câmbio competitiva e ajuste fiscal duro, nada de afrouxamento. É muito diferente a política dos asiáticos em relação à nossa macroeconomia.

Isso vai de encontro com os pressupostos de uma política econômica ortodoxa.

O meu livro é uma crítica forte à ortodoxia. A inflação não vai voltar com juros menores e câmbio mais depreciado. Pode haver apenas por um pequeno período. O motivo verdadeiro da alta inflação no Brasil foi a indexação da economia.

No entanto, o fantasma da inflação ainda está muito presente no imaginário do brasileiro.

Existe uma retórica que favorece essa percepção. Esse, a meu ver, é o ponto de vista que domina o pensamento no Brasil.

Quais as principais diferenças entre a ortodoxia convencional e o novo desenvolvimentismo?

A ortodoxia defende uma política macroeconômica com juros altos, câmbio apreciado e ajuste fiscal frouxo. Hoje temos superávit primário acima de 4% do PIB, mas déficit público em torno de 3,5%. Proponho o inverso: taxa de juros baixa, taxa de câmbio depreciada e competitiva e ajuste fiscal duro. Agora, há uma diferença fundamental em termos ideológicos, esse tipo de política a meu ver é neoliberal, ou seja, ultraliberal. O sistema capitalista deu origem a quatro grandes ideologias: liberalismo, nacionalismo, socialismo e o ambientalismo.

O ideal é o equilíbrio entre essas quatro grandes ideologias.

O PSDB foi criado em função dessas quatro ideologias vistas moderadamente. A grande idéia do PSDB é ser moderadamente liberal, nacionalista, socialista e ambientalista. Não é bom virar radical em qualquer um desses termos. O neoliberalismo é uma radicalização do liberalismo. Em geral você acaba reduzido, como reduzimos, a importância da nossa nação.

O senhor acha que os brasileiros são pouco nacionalistas?

Sempre digo que devemos ser nacionalistas, como são os franceses, os alemães e os ingleses, não tanto como os americanos. Mas não podemos ser muito menos como temos sido. Perdemos a idéia de nação e passamos a achar que eles sabem como devemos agir.

Como ajustar essa distorção?

Essa equação se equilibra nas medidas políticas do Estado. O Estado é o instrumento de ação coletiva da nação. A nação partilhando as quatro ideologias de forma moderada faz com que as políticas de Estado contenham elementos liberais, nacionais, socialistas e ambientalistas. O equilíbrio dessas quatro regras é o grande objetivo dos Estados modernos: liberdade, desenvolvimento econômico, bem-estar, justiça social e proteção ao meio ambiente.

Como o senhor avalia o fato de o governo Lula aumentar os gastos em programas sociais, manter taxas de juros altas e ainda elevar a carga tributária, sobretudo a incidente sobre os estratos médios da sociedade?

O PT é um partido que teoricamente se classifica de esquerda. Na prática, quando chegou ao poder, o partido procurou beneficiar os pobres com distribuição assistencialista de recursos. Por outro lado, aprofundou uma política de juros altos e taxa de câmbio baixa, o que beneficia os mais ricos.

Instituto Humanitas Unisinos - 29/08/07

Bolsas asiáticas e européias em baixa. Volta a crise financeira que já chega às empresas brasileiras

Os portais dos principais jornais da Europa, nesta manhã, noticiam o recrudescimento da crise financeira internacional. As Bolsas asiáticas fecharam o dia de hoje em baixa e as européias abriram em baixa.

A crise financeira internacional já atinge as empresas brasileiras. De grandes grupos, como Gerdau e Oi, a mineradoras de porte médio de Minas Gerais, várias companhias estão enfrentando dificuldades para obter financiamentos ou atrair investidores no exterior. Alguns negócios já estão sendo revistos ou cancelados. A reportagem é de Agnaldo Brito e Irany Tereza e publicada pelo jornal Valor, 29-08-2007.

O caso mais emblemático é o da Gerdau, empresa de primeira linha, habituada a fazer compras no exterior. Em julho, ela anunciou a compra da siderúrgica Chaparral, nos EUA, por US$ 4,2 bilhões. Como ocorreu em outras aquisições no exterior, o dinheiro viria de empréstimos obtidos no mercado internacional. Uma das razões para a expansão da Gerdau era justamente a fartura de crédito lá fora. Desta vez, porém, o ambiente econômico mudou.

Em meio às turbulências de Wall Street, os bancos que operam nos EUA exigiram mais garantias que a Gerdau estava habituada a oferecer. A Gerdau resolveu levar adiante a compra, mas mudou sua estratégia. O negócio não deverá mais ser feito pela subsidiária nos EUA, a Gerdau Ameristeel, e sim pela matriz brasileira, segundo fontes ligadas à empresa.

O financiamento será concedido no Brasil, por subsidiárias de bancos estrangeiros. JP Morgan, ABN Amro e HSBC deverão conceder empréstimos à Gerdau no valor de US$ 4,2 bi. Mais da metade dos recursos - US$ 2,7 bi - será refinanciada com outros 20 bancos. As garantias serão da matriz brasileira.

Em nota, a Gerdau 'confirma que a Gerdau Ameristeel continua sendo a tomadora do financiamento que complementa o volume de recursos para a aquisição da Chaparral Steel', mas diz que não dará detalhes da operação, 'que se encontra em fase final de conclusão'.

O episódio da Gerdau mostra que ficou muito mais difícil fazer negócios no exterior. Por ironia, também lançou dúvidas sobre um dos pilares do plano de internacionalização: o de buscar financiamento externo mais barato que no Brasil.

'Está mais fácil conseguir financiamento para grandes negócios no Brasil do que no exterior', diz Patrice Etlin, diretor do fundo especializado em compra de participações em empresas Advent, o maior da América Latina. 'Os bancos que operam no Brasil têm menos problemas com empréstimos ruins que os bancos lá fora.'

Ainda não está claro qual é a dimensão da crise internacional, mas por via das dúvidas os investidores estão evitando correr riscos. Uma operação polêmica, como a recompra das ações de minoritários pelos controladores da Telemar (Grupo Oi), enfrenta dificuldades para ficar de pé.

Para comprar os R$ 11,4 bi em ações, os controladores estão recorrendo a empréstimos no mercado internacional. Eles já tiveram de adiar a operação uma vez. Especialistas já trabalham com a possibilidade de novo adiamento do leilão,marcado para 6 de setembro.

'Acreditamos na possibilidade de adiamento', diz Felipe Cunha, do banco Brascan. Ele diz que, além da redução da oferta de crédito, a queda na cotação dos papéis distanciou o preço atual (R$ 41 por ação) do que foi anunciado como meta de venda: R$ 45.

A Telemar não se manifesta a respeito. Uma fonte ligada ao negócio informou, porém, que o financiamento que chegou a ser anunciado não era uma proposta firme. 'Com a crise, o mercado deu uma grande travada e o acordo para financiamento não foi concluído.'

Pérsio de Souza, sócio da Estáter - escritório que costurou a compra da Ipiranga pela Petrobrás, Braskem e Ultra -, diz que o crédito no mercado internacional ficará mais caro. No Brasil, diz ele, ficou mais difícil fazer ofertas de ações na Bolsa.

Outro sinal da crise pode ser visto em Minas Gerais. Ali, foram fechadas três grandes compras de mineradoras em três meses. Antes da crise, esperava-se uma nova rodada de compras, a começar pela Minerita, posta à venda por US$ 1 bi. 'Agora, ela não deverá mais ser vendida por este preço, porque alguns concorrentes, como os fundos mais especulativos, deixaram o negócio', diz uma pessoa envolvida nas negociações.

O lado irônico dessa história é que, embora se espere uma redução no número de negócios, algumas empresas podem apressar conversas e baixar a bola na hora de discutir preço. 'Tem gente achando que é melhor ter um pássaro na mão do que dois voando', diz José Setti Diaz, sócio do escritório Demarest & Almeida, especializado em fusões e aquisições.

DINHEIRO EM JOGO

US$ 4,2 bilhões
é quanto a Gerdau pagou pela siderúrgica americana Chaparral, operação que será financiada por três bancos no Brasil

US$ 2,7 bilhões
é o valor do empréstimo concedido à Gerdau que será refinanciado por 20
bancos no Brasil

R$ 11,4 bilhões
é o valor que a Telemar está oferecendo pelas ações dos sócios minoritários e que depende de financiamento internacional

US$ 1 bilhão
era o valor pedido para a venda da mineradora Minerita, negócio que pode ser afetado pela diminuição do interesse dos fundos de investimentos internacionais

Instituto Humanitas Unisinos - 29/08/07

A necessidade de um projeto nacional. Entrevista especial com Ricardo Chagas Amorim

"Neoliberalismo à brasileira" é o tema de um artigo recente publicado pelo economista Ricardo Amorim. Analisando o impacto da implantação do projeto neoliberal no Brasil, nas últimas décadas, o economista, em entrevista, por telefone, à IHU On-Line, aponta para a necessidade de um projeto nacional.

Ricardo Chagas Amorim é economista pela USP, com mestrado e doutorado na mesma área pela Unicamp. “25 anos de estagnação? Brasil: desenvolvimento e dependência nos anos recentes”, foi tema da sua tese de doutrado sob a orientação de Marcio Pochmann. É professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É autor de “Classe média: desenvolvimento e crise” (São Paulo: Cortez Editora, 2006) e “Atlas da exclusão social no Brasil: dinâmica e manifestação territorial" (São Paulo: Editora Cortez, 2003), entre outros títulos.

Eis a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor vê a esquerda brasileira?

Ricardo Amorim – A esquerda no Brasil hoje é bastante problemática. Eu concordo com o professor Ruy Fausto quando ele comenta que nós caímos em duas situações um pouco extremadas. Por um lado, você acaba defendendo o PT um pouco acima de qualquer acusação, o que não é interessante para os próprios objetivos socialistas. Por outro lado, temos uma esquerda que desistiu, que acabou caminhando mais para a direita, em direção a partidos que não podem ser vistos como representantes de uma esquerda ativa e consistente. Desse modo, eu enxergo que a esquerda precisa repensar seus princípios, perceber o que pretende para o Brasil, apresentando um projeto mais sólido. É um país com a cara mais igualitária ou realmente é um país socialista? Qual é o desenvolvimento que nós queremos? Eu acho que a esquerda ainda não chegou nessa fase: a de se encontrar.

IHU On-Line - Para o senhor, o povo sabe o que é neoliberalismo?

Ricardo Amorim – Acho que não, pois ele não tem consciência do conceito. Eu acho que as pessoas entendem o que aconteceu nas últimas décadas no Brasil, basicamente, nos anos 1980, que são lembrados como os anos de crise, e nos anos anos 1990, que é quando o neoliberalismo foi construído no País. No entanto, as pessoas não saberiam dizer nem como esse neoliberalismo foi construído, sobretudo pelas elites, nem percebem as grandes forças políticas do País. Eu acho, aliás, que o povo não tem a menor consciência disso. Eu acho que isso, aos poucos, até está sendo esclarecido, debatido, mas é difícil de entender, pois a mídia não oferece muito espaço. A classe média, por exemplo, não enxerga que foi uma das maiores perdedoras dos últimos anos.

IHU On-Line – O que o senhor define como o neoliberalismo à brasileira?

Ricardo Amorim – Você faz reformas liberalizantes do ponto de vista econômico, ou seja, abre as fronteiras de mercadorias, de bens, a fronteira financeira, esvazia as funções do Estado como único órgão capaz de planejar, de fazer um projeto para o País. Você joga nas mãos do mercado as principais funções reguladoras da economia: mercado de trabalho, salários, preços, problemas de regulação – inclusive os problemas de questões éticas da propaganda – e não faz o contraponto. Qual é o contraponto? O liberalismo é conservador, exigindo que nós tenhamos um aumento da igualdade. Ele exige que o poder seja distribuído. O liberalismo conservador exige um patamar mínimo de igualdade para que você tenha um liberalismo formal funcionando, em que as partes prejudicadas consigam reagir ao que lhes faz mal. No Brasil, nós conseguimos apenas um liberalismo econômico e jogamos na mão do mercado todas as funções possíveis, fazendo com que aquele povo mais fraco (trabalhadores, pessoas de baixa renda) fique jogado no turbilhão do mercado, sem quaisquer possibilidades de reação, quase apodrecendo.

IHU On-Line - Como o senhor disse no artigo “Neoliberalismo à brasileira”, em 1980 a esperança que o Brasil tinha de ser o país do futuro virou fumaça. Para o senhor, Lula poderia começar a mudança, visando a um futuro melhor para o País, de que forma?

Ricardo Amorim – Realmente, o Brasil, naquele momento, perdeu aquela aura de país do futuro. De qualquer modo, como o próprio artigo comenta isso, foi algo que se espalhou pela própria mídia. Como é que o Lula pode renascer com um projeto novo? Nesse momento em que está à frente de um governo relativamente forte, Lula cria, junto ao ministro Mangabeira, um projeto de país, de nação, de futuro. Tenta trazer para dentro do governo possibilidades, sonhos, projetos, direções. Eu acho que criar projetos é uma das grandes coisas que faltam no País. Nós vivemos um niilismo completo, Sendo assim, o individualismo acaba reinando. Cada um tenta livrar os seus problemas, sobretudo nos centros urbanos extremamente populosos, como São Paulo. Você foge dessa situação, por exemplo, procurando um projeto que canalize industriais, exportadores, trabalhadores. Você pode criar coisas que no Brasil, em décadas passadas, foram fundamentais para dar ao governo uma base de apoio suficiente para realizar as reformas necessárias. Por exemplo, uma melhor distribuição de renda, uma reforma absoluta na educação, evitando que os direitos sejam saqueados, como a previdência que tanta gente critica hoje, mas na verdade é um foco de distribuição de renda. Além disso, existem coisas mais corriqueiras, como baixar as taxas de juros, melhorar a taxa de câmbio, fazer investimentos de infra-estrutura. É fundamental que nós tenhamos um projeto de país, como dizia Celso Furtado.

IHU On-Line – Qual é a comparação que o senhor faz da política exercida pelo presidente Lula e seus antecessores, FHC e Collor?

Ricardo Amorim – A política é bastante marcante em alguns pontos e em outros é impressionantemente igual. Se nós pegarmos do ponto de vista das grandes linhas de fluxo de recursos no País, os governos são muito parecidos. O governo atual continua fazendo o básico, que é manter as taxas de juros elevadas, atraindo capital estrangeiro e mantendo, portanto, a inflação controlada com o dólar barato. Com essa taxa de juros alta, também consegue refinanciar dívidas, mas, em compensação, precisa pagar juros que beiram os 40% da arrecadação do Estado e isso vai para as mãos de poucos, ou seja, dos mais ricos. Isso continua igual. O que revela mudanças? A primeira coisa é que o governo parou com aquelas privatizações absurdas, que pareciam mais uma saque ao patrimônio público do que uma estratégia em longo prazo de realização. Você também parece que está construindo aqui várias linhas de participação democrática da população dentro do governo. Todos os projetos mais importantes são discutidos, em primeiro lugar, por entidades da sociedade civil, o que é muito interessante. Outra coisa: o PAC, que o governo está tentando implementar, mas está difícil de ser aprovado pelo Congresso, é um projeto que começa a dar uma direção mais desenvolvimentista para o governo e menos preocupada com o equilíbrio de forças conservadoras no Brasil. Então, parece que o governo está amarrado de um lado, mas começa a dar alguns passos em outra direção. Isso é muito interessante. A nomeação do ministro Mangabeira pode ser um primeiro passo para nós conseguirmos um projeto de futuro, como falei anteriormente.

IHU On-Line – O senhor diz também que os ricos, antes de 1980, dependiam do planejamento e da indução econômica dos gastos do Estado para garantir seus lucros. Ainda hoje eles dependem do Estado? De que forma?

Ricardo Amorim – Dependem sim. O problema é que mudou a forma. Antes, eram necessários gastos do Estado para que as indústrias e as economias girassem num projeto acelerado e nós tivéssemos grandes taxas de acumulação de capital no Brasil. Então, o capital privado nacional e mesmo o capital privado estrangeiro necessitavam que o Estado arrecadasse de um lado, poupança forçada da população, e jogasse dentro da economia projetos de infra-estrutura etc. Isso foi na década de 1980 e depois aconteceu a virada. A partir dos anos 1990, essas elites voltaram a depender do Estado e construíram uma nova forma de acumular riquezas, só que agora não mais produtivas, pois dependem da dívida pública para acumular recursos. Cada vez mais, o Estado nos suga algo em torno de 35% e 37% em tributos para pagar essa dívida e repassa 40% em forma de juros para pagamento de serviço da dívida, o que é muito pouco em termos de Brasil. Esse pessoal alimenta fortemente uma indústria financeira bastante forte no Brasil. O que nós percebemos é que agora a forma de acumular riqueza no Brasil é cada vez mais financeira.

IHU On-Line – As elites se apropriam do Estado há muitos anos. Como o Governo Lula pode manter o que vinha fazendo FHC, como dizem alguns, se foi reeleito por dar ajuda aos desassistidos?

Ricardo Amorim – Nós temos a nossa fundação enquanto império quando Dom Pedro I declarou a independência do Brasil. É quando as elites se apropriam do brasileiro. Depois de virarmos um país independente, ainda assim os interesses das elites continuaram a ser prioritários para o governo. Com a industria do café, depois com a industrialização brasileira, por meio de Getúlio Vargas e Juscelino, vem se construindo uma indústria que depende do Estado para se capitalizar, ou seja, ela depende da transferência de recursos do Estado para realização das suas metas. Mas, quando nós chegamos à eleição do presidente Lula, depois de uma crise de quase 20 anos em que os trabalhadores só têm perdido para a inflação e para o neoliberalismo, a esperança era que a gente vencesse, que houvesse a renovação das estruturas de recursos e uma nova análise do fluxo de recursos no Brasil. No entanto, isso não aconteceu, e o primeiro mandato de Lula foi bastante conservador. Ainda assim, o governo Lula começou um movimento bastante interessante que levou a três coisas que chamaram muita atenção da população mais pobre: em primeiro lugar, foi o salário mínimo, que realmente aumentou de valor; em segundo lugar, ocorreram a reforma previdenciária, que não chega aos pés das promessas liberais propostas pelas elites (por isso, estão sendo se seguradas as reformas que poderiam prejudicar ainda mais as classes mais pobres); em terceiro lugar, os programas federais de transferência de renda são fundamentais, principalmente nas cidades mais pobres das regiões Norte e Nordeste, onde a população não tem emprego, renda, e dependem da aposentadoria do Governo Federal, enfim... E, ainda por cima, mesmo que devido a um movimento que não tem muito a ver com o governo, a economia do Nordeste cresceu. Então, essas quatro coisas, principalmente as três primeiras, levaram o governo a ter um forte apoio nas regiões mais pobres diferentemente do que poderíamos esperar no passado.

IHU On-Line - O Brasil precisa repetir políticas econômicas de outros países para dar certo?

Ricardo Amorim – Copiar idéias não tem nada de mais. Se forem boas, ótimo, por que não? O Brasil hoje, no entanto, é um país vanguardista, em comparação com outros países da América do Sul. O Brasil é o país que tem a melhor indústria, o melhor serviço, a economia mais forte, a agricultura mais moderna. Não passou pelo turbilhão pelo qual passou a Argentina e nem está vivenciando uma estagnação como o Uruguai. O Brasil tem perspectivas, possibilidades, um potencial mais forte. Isso nos dá características que nos tornam diferentes da maioria dos países que estão também na situação de Terceiro Mundo. Nós podemos pegar algumas idéias e adaptar à nossa realidade, sem dúvida. Isso não seria mal. Por outro lado, adaptar idéias não faz tanta falta. Precisamos de projetos que levem a uma distribuição de renda e a uma superação do que chamam de dependência, em que uma elite não reconhece o seu povo como um igual. A elite prefere se alinhar mais ao consumo e aos fluxos de capital estrangeiro do que à população do País, para a construção de um projeto nacional. É necessário que a gente construa essa solução política e isso não é copiável. Isso precisa ser construído na nossa luta política diária. Isso irá demorar ainda e, embora seja um caminho difícil, é absolutamente necessário.

terça-feira, agosto 28, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 28/08/07

Requião dá o ‘troco’ às concessionárias de pedágio.

A partir de hoje veículos emplacados nas cidades onde estejam instaladas a praça de pedágio não pagam a tarifa. A isenção se deve à lei 15.607 do governo do Estado do Paraná. A notícia é do jornal Gazeta do Povo, 28-08-2007.

As seis concessionárias do Paraná vão disponibilizar cabines específicas para isentar a tarifa do pedágio para os motoristas com veículos emplacados nas cidades onde existem as praças de cobrança. A isenção começa a valer a partir de zero desta terça-feira e contempla 432.078 veículos registrados nas 27 cidades. Ao mesmo tempo em que afirmam que vão cumprir a lei 15.607, que prevê a gratuidade, as concessionárias entraram com recurso na no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) para derrubá-la.

No caso da Ecovia, concessionária que administra o trecho da BR-277, que liga Curitiba ao Litoral do estado, as cabines 14 (sentido Litoral) e 2 (sentido Curitiba) serão destinadas aos veículos emplacados em São José dos Pinhais - um dos 27 municípios onde está instalada uma praça de pedágio. Próximo da praça, o painel eletrônico e placas vão orientar, a partir de zero hora, o motorista isento. A concessionária, Entretanto, adianta que o motorista que passar pela primeira vez na praça, sem pagar a taxa, terá que apresentar o documento do veículo para registro da Ecovia.

O presidente da regional paranaense da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR-PR), João Chiminazzo Neto, informa que este registro será feito por todas as seis concessionárias. O objetivo, segundo ele, é registrar as passagens gratuitas para, futuramente, cobrar o prejuízo do Departamento de Estradas e Rodagem (DER) do Paraná. "Esta é uma lei discriminatória, que vai prejudicar a grande maioria dos usuários em benefício de poucos", diz Chiminazzo, garantindo que todas as concessionárias vão cumprir a lei. Ele conta que o contrato com o governo prevê isenção para veículos oficial e de emergência em serviço (bombeiros, ambulâncias).

Chiminazzo conta ainda que a isenção vai gerar um desequilíbrio econômico nos contratos firmados com o governo do estado. "Esse prejuízo terá de ser, de alguma forma, compensado", diz. "Não quer dizer que a tarifa vai aumentar, mas é uma das formas de reequilíbrio", completa. O desequilíbrio, segue Chiminazzo, está avaliado em cerca de R$ 170 milhões - prejuízo este acumulado desde o início de 2003, quando o governador Roberto Requião assumiu o governo.

"Entre outras coisas, este desequilíbrio foi causado pelo atraso da aplicação de reajustes, por interferência do governo, e pela mudança na programação de obras provocada pelas invasões nas praças de pedágio, explica Chiminazzo. Segundo ele, este passivo foi discutido, sem sucesso, com o governo e com o DER. "O caminho será cobrar o prejuízo na justiça", diz.

O secretário estadual dos Transportes, Rogério Tizzot, informou que o reequilíbrio dos contratos deve baixar o preço do pedágio privilegiando o usuário. Ele explica dizendo que as concessionárias arrecadam cerca de R$ 750 milhões por ano e que têm um custo de R$ 100 milhões para manter as rodovias. Os números apresentados pelo secretário, foram considerados por Chiminazzo como "discurso político eleitoral".

segunda-feira, agosto 27, 2007

Le Monde Diplomatique Brasil - Maio 2001

A ferro e fogo

A opinião pública já não consegue digerir o exagero de publicidade que ocupa sua vida cotidiana. Diante da brutalidade das exigências do marketing, a função do publicitário é ser um agente da "humanização" da ideologia mercantil

Marie Bénilde

Octave Parango, o personagem criado por Frédéric Beigbeder no livro 99 francos está fazendo estragos entre as agências de publicidade.1 Desde que esse anti-herói, viciado em cocaína, detona com coveiros da atividade – com seu relato apocalíptico da profissão de "criativo" – o microcosmo profissional está em plena crise. "Se há alguns anos o publicitário agradava, hoje ele é objeto de um certo desprezo", alarma-se Alexandre Pasche, diretor da agência B. "Atualmente, uma grande parte da população, de diversas categorias sociais, fustiga os publicitários e marqueteiros."2

Entre doses de cocaína, cenas pornográficas e a lista de seus slogans publicitários, o anti-herói atreve-se a denunciar o "mercantilismo universal"

Jacques Séguéla, que tanto se esforçou para tornar o publicitário simpático e próximo, faz papel de dinossauro. Frente a ele, Frédéric Beigbeder, "o renegado", é mais uma "tendência". O ex-criador-redator publicitário da agência Young & Rubicam, colunista no Voici e ex-organizador de festas decadentes, é, na realidade, um autor com conteúdo. Entre doses de cocaína, cenas pornográficas e a lista completa de todos seus slogans publicitários, seu herói atreve-se a denunciar o "mercantilismo universal". Confirma, por exemplo, que a Nestlé é proprietária da palavra felicidade, que existem máquinas de lavar roupa inquebráveis que ninguém quer comercializar e que qualquer indivíduo é, em média, exposto a 350 mil anúncios publicitários até a idade de 18 anos.

A "cultura da publicidade"

E, no entanto, será que o escritor é subversivo? Será que ele questiona o modelo dominante? Muito pelo contrário, ele é parte integrante desse modelo. Seu livro, que já vendeu mais de 300 mil exemplares, serve hoje de modelo de lançamento para produtos editoriais. Trata-se, na realidade, de um caso didático: um título excelente ("por apenas 99 francos"), uma demissão oportuna ("Escrevo este livro para ser mandado embora"), um personagem moderno com um salário de 13 mil euros (um pouco mais de 26 mil reais) por mês ("Passo a minha vida mentindo para vocês e sou regiamente recompensado") e um sentido que seria mais uma espécie de renúncia coletiva que um tipo de revolta ideológica ("Nós vivemos no primeiro sistema de dominação do homem pelo homem contra o qual até a liberdade é impotente."3)

Algumas informações: a Nestlé é proprietária da palavra felicidade e existem máquinas de lavar roupa inquebráveis que ninguém comercializa

Seria a publicidade, então, um sistema inabalável contra o qual nada se pode fazer além de contar histórias de criança mimada? A constatação seria preocupante se, o objetivo de 99 francos não fosse tanto de fazer gostar do publicitário quanto criticar a publicidade. Pois o affectio societatis em torno da figura arrependida de Octave serve mais à indústria publicitária que um elogio da Procter & Gamble. No sistema de crenças veiculado pela "cultura da publicidade", o "criativo" é sempre o bom moço, por oposição ao mau patrocinador.

Criando necessidades e expectativas

Diante da brutalidade das exigências do marketing, a própria função do publicitário é a de ser um agente de humanização da ideologia mercantil. Frédéric Beigbeder não é uma exceção à regra. Já que a opinião pública começa a não conseguir mais digerir o exagero de publicidade que ocupa a nossa vida cotidiana (ela transborda dos grandes meios de comunicação tradicionais para invadir o esporte, os táxis, as fachadas dos prédios, os shows e, em breve, as escolas e hospitais), o papel do "criativo" é integrar a oposição que vem surgindo para melhor acompanhar o "clima da época". Em 1999, a rede McDonald’s não procedeu de outra forma quando um de seus restaurantes, em Millau, foi depredado, dando início ao surgimento do movimento anti-globalização liderado por José Bové: a multinacional apressou-se em dar mostras de boa vontade cultural em suas propagandas, ridicularizando a figura do ianque e associando seus produtos às terras da região provençal.

O autor de 99 francs tem um senso de uma fórmula literária que seria mais uma espécie de renúncia coletiva que um tipo de revolta ideológica

Mas para compreender a ideologia que veiculam as 18 milhões de inserções publicitárias divulgadas pelos meios de comunicação franceses no ano 2000, precisamos sem dúvida questionar a natureza desses discursos. Em sua maioria, são mensagens paliativas que seriam inofensivas se não fizessem parte de uma lógica de manipulação. Pois, como explicou John Kenneth Galbraith, em qualquer sociedade onde a produtividade seja virtualmente ilimitada – eis o resultado da automatização industrial – o controle do aparelho de produção conta menos que o domínio sobre a demanda de consumo. A publicidade desempenha, portanto, o papel essencial de modelar as necessidades e expectativas das pessoas em função da demanda econômica.

Para ser gratuito... tem anúncio

E também entramos nessa nova era do capitalismo que Galbraith chama de "cadeia de fases invertida" 4: não é mais o consumidor que comanda o ritmo da produção pelas suas despesas, e sim o produtor que orquestra o desejo de consumo para produzir. Daí a conhecida impressão de que a publicidade cria necessidades inúteis, cujas primeiras vítimas são as pessoas menos instruídas e sociologicamente mais vulneráveis. Por isso o ano 2000 – quando a France Télécom tornou-se o principal anunciante do país, é edificante: do celular ao provedor de acesso à Internet, passando por uma safra de start up, são inúmeros os produtos que devem a sua existência exclusivamente aos bilhões de francos investidos nos grandes meios de comunicação. O símbolo publicitário dessa ideologia foi sem dúvida a campanha do site da Selftrade, mostrando uma foice e um martelo de ouro cravejados de diamantes para incentivar o pequeno acionista a especular na bolsa.

Galbraith já havia explicado que, nas sociedades em que a produtivididade seja virtualmente ilimitada, o controle da produção conta menos que o domínio sobre a demanda

O produto já não precisa ser consumido para ser produzido: a fabricação do desejo de consumo pode determinar por si a atividade da empresa. Afinal, a publicidade é auto-suficiente, pois ela nos vende um bem cuja produção depende menos das rendas que ele gera que do sistema de crenças sobre o qual se apóia a sua economia. Um exemplo dessa inversão de valores: a Bouygues Télécom promoveu, no ano passado, um plano que oferece um serviço gratuito de telefonia celular para quem não pode pagar... na condição de eles aceitarem que suas chamadas sejam regularmente entrecortadas por mensagens publicitárias.

O "pensamento mastigado"

A propaganda enganosa é obviamente proibida. Mas tornou-se desconectada do objeto que pretende nos vender. Qualquer lançamento de um novo produto é, aliás, ocasião para uma encenação destinada a ressaltar o acontecimento, a facilitar a identificação de uma marca. Em inglês, a palavra "marca" (brand) vem do verbo to brand, que significa "marcar a ferro em brasa". De resto, a eficiência de uma propaganda não se mede pelas vendas que ela gera, mas pelo impacto e reconhecimento que ela obtém junto aos institutos de pesquisa. Seria tecnicamente possível mensurar o impacto das despesas publicitárias com relação ao consumo na saída dos caixas. Mais isso, no fundo, não interessa aos patrocinadores. Eles preferem confiar em suas estratégias de comunicação que confrontar-se ao veredito do mercado. O objetivo de suas propagandas é menos o de vender que o de promover a transmissão de uma ideologia comercial cuja bandeira é a marca.

Em 1999, a rede McDonald’s apressou-se em dar mostras de boa vontade cultural em suas propagandas, ridicularizando a figura do ianque

Aliás, as chamadas campanhas institucionais têm por objetivo vender mais um estado de espírito do que uma mercadoria. Os slogans passam a servir de sinal de reconhecimento e sua repetição acaba por propagar o "pensamento mastigado" de que se nutre o nosso inconsciente coletivo. É o "Just do it", da Nike, ou o "soluções para um pequeno planeta", da IBM. Frédéric Beigbeder cita Goebbels:"A propaganda deixa de ser eficiente no momento em que sua presença se torna visível."

Visão idílica do subemprego

Criando uma necessidade básica de identificação a um estereótipo cultural, a publicidade consegue remodelar a realidade social segundo uma visão fantasiosa da sociedade. Os jovens desempregados de um bairro pobre de periferia alternam uma guerra de tribos entre a Nike e a Reebock. Ou seja, já não são os "criativos" que partem do real para dar uma ilusão de realidade, mas seus próprios "alvos", que imitam a publicidade – seus slogans, seus símbolos – para existir. Neste sentido, a publicidade representa uma indústria de transformação da consciência social.

O caso da IBM é sintomático: suas campanhas não cansam de alardear as virtudes de uma aldeia global onde as diferenças culturais e sociais já não existiriam. "IBM Global Services. Pessoas que pensam. Pessoas que agem", diz o slogan publicitário. Atrás da aparente bonomia destes anúncios – em que mulheres e homens do planeta estão ligados entre si, no trabalho ou em casa, sem distinção hierárquica – é o fim do assalariado, a apologia da flexibilidade e o nivelamento das culturas que está em jogo. Por seu lado, a Vediorbis (empresa de recursos humanos) apresenta uma visão idílica do trabalho temporário: o encanador, mostrado em casa com um bebê nos braços, aparece no conforto da vida familiar. No entanto, os sociólogos sabem que essa forma de subemprego debilita o indivíduo, tanto no seu trabalho, como no seu lar.

Anúncios censurados

Os slogans propagam o "pensamento mastigado. Como dizia Goebbels, "a propaganda deixa de ser eficiente, quando torna-se visível

Em julho de 2000, a campanha para a entrada na Bolsa de Valores do gigante militar-aeronáutico EADS não incluía, na televisão, qualquer referência à atividade militar desse consórcio. Porém, a empresa fabrica mísseis e helicópteros de combate, o que representa uma boa parte de seus lucros. É inútil esperar do BVP (Bureau de Vérification de la Publicité), entidade criada pelos patrocinadores, que incentive a profissão a se auto-regular. Os "criativos" – que se dizem adiantados, em relação à sua época, e dispostos a quebrar inúmeros "tabus" – mostram uma timidez exemplar quando se trata da verdadeira lei do silêncio que cerca a profissão: a impossibilidade de atacar os princípios da ideologia mercantil. No canto oposto, o tabu do sexo foi consagrado quando as agências estabeleceram uma correlação entre o desejo sexual e a pulsão de comprar. Em outubro de 1999, o BVP, onde predominam os interesses dos grandes anunciantes norte-americanos (Procter & Gamble, Ford, Coca-Cola…) recusou uma campanha da Anistia Internacional contra as violações dos direitos humanos nos Estados Unidos, sob o pretexto inédito de que isso prejudicava às "boas relações entre os Estados". Ora, considerando a grande importância que os Estados Unidos dão ao conceito de liberdade de expressão, a campanha provavelmente não teria sido proibida lá. Mas na França, o discurso publicitário é extremamente vigiado. A associação Casseurs de pub (Quebradores de publicidade), que queria promover o Dia Sem Compras em novembro de 1999, sofreu as conseqüências. Seu vídeo de trinta segundos, financiado por militantes para uma difusão num horário tardio no canal France 3 (público), foi proibido porque não fornecia uma mensagem "de interesse geral". "Podemos atacar as políticas, mas quando se atacam as multinacionais, todo o mundo treme", denuncia Raul Anvélaut, ex-funcionário da Publicis, diretor do Comitê dos Criativos contra a Publicidade (CCCP).

Para compreender a ideologia que veiculam os 18 milhões de anúncios difundidos pela mídia em 2000, precisamos questionar a natureza de seus discursos

Nos grandes meios de comunicação, qualquer forma de resistência à publicidade parece fadada ao fracasso. Ao mesmo tempo, as agressões por parte dessa indústria são incontáveis: a mulher-objeto é quase inseparável do discurso dos patrocinadores – "Eu a ato, dou-lhe umas chicotadas e ela vai pra cozinha", dizia uma publicidade do creme Babette; a sub-representação dos Negros, Árabes ou Asiáticos é mais forte nos anúncios que em qualquer outro gênero televisivo.5 A criança, para a qual a Nestlé e a Colgate já fabricam "kits pedagógicos" nas escolas, será amanhã a próxima vítima de um sistema neo-escravista (não se trata de "marcar a ferro em brasa"?) sob o pretexto de que tem um poder de escolha sobre a metade dos novos produtos em sua casa e, quando adulta, continuará comprando os dois terços do que é consumido na casa de seus pais. Será que precisamos, então, contentar-nos, como Frédéric Beigbeder, em matar em sonhos o aposentado da Flórida, cujos fundos de pensão norte-americanos dominam o capital das multinacionais?

(Trad.: David Catasiner)

1 - Ler, de Frédéric Beigbeder, 99 francs, ed. Grasset, Paris, 2000.

2 - Stratégies, Paris, 16 de fevereiro de 2001.

3 - Ler, de Frédéric Beigbeder, op.cit.

4 - Ler, de John Kenneth Galbraith, Le Nouvel Etat industriel, ed. Gallimard, Paris, 1967 e L’Ere de l’Opulence, ed. Calmann Lévy, Paris, 1961.

5 - Ler "Tasca quer uma televisão multiracial", CB News, Paris, 29 de maio-4 de junho 2000. Segundo um recente estudo do CSA (Conselho Superior Audiovisual), os anúncios multiraciais só apareceriam em 18% dos vídeos, na maioria de origem norte-americana.

Instituto Humanitas Unisinos - 25/08/07

Posições de intelectuais brasileiros me assustam, afirma Ruy Fausto

Para Ruy Fausto, professor emérito de filosofia da USP, o conjunto das posições políticas da intelectualidade brasileira - e seus fundamentos teóricos - não passa de um "sistema de erros". "As posições políticas dos intelectuais brasileiros em geral me assustam", diz o autor do recém-lançado livro de ensaios "A esquerda difícil" (Perspectiva). Fausto critica desde os que segundo ele pertencem à "extrema esquerda niilista intelectual" até os que, saindo da esquerda, se aproximaram recentemente do PSDB. A reportagem e a entrevista é de Rafael Cariello e publicada no jornal Folha de S. Paulo, 26-08-2007.

Niilistas de esquerda (a exemplo, segundo o autor, do filósofo Paulo Arantes) e tucanos terminam, para Ruy Fausto, fazendo uma crítica pouco sofisticada ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva e ao momento que vive o Brasil.

No meio do caminho, encontra e ataca intelectuais petistas que tentaram negar a existência do mensalão -o caso mais estridente desse tipo de atitude, não nomeado por ele, é o da filósofa Marilena Chaui.

"Lamentavelmente, parte da intelectualidade do PT tomou a defesa do partido, e portanto dos corruptos, e pôs a culpa na imprensa pelo escândalo, como se ela tivesse montado o essencial", afirma. "A tendência a transformar tudo em complô da mídia é propriamente lamentável, e mostra a total desorientação de parte da intelectualidade petista."

Eis a entrevista.

Em seu livro, o sr. condena certa crítica ao governo Lula que identifica com uma "extrema esquerda intelectual niilista". Ataca também a "crítica política compacta de um mundo globalizado, em que não se vê nenhuma possibilidade de saída". O que marca essa crítica?

As posições políticas dos intelectuais brasileiros em geral me assustam. Isso parece muito pretensioso, mas o conjunto me parece um sistema de erros. Esquematicamente, os intelectuais tendem a assumir três posições diferentes, e a meu ver, as três equivocadas. Há por um lado os radicais, por outro os petistas, em terceiro lugar os que abandonaram a perspectiva de esquerda, e aderem a partidos como o PSDB.

O que chamei de niilismo é uma das duas variantes do primeiro grupo, que inclui igualmente uma variante revolucionária tradicional.

O que visei falando em niilismo? A tendência a falar num fechamento global da situação, e numa suposta impossibilidade em tomar qualquer atitude politicamente acertada e produtiva.

Há riscos nesse tipo de crítica? O que se perde aí?

Claro que a situação é difícil, e é preciso esforço para definir que iniciativas poderiam representar um bom programa à esquerda no Brasil. Ela só é problemática no sentido de que, para se reorientar, é preciso se desvencilhar de um certo número de preconceitos.

Quanto à posição de Paulo Arantes, é muito marcada pelo marxismo, com a novidade, muito relativa, de que há um pessimismo em relação às possibilidades da revolução. Isso é muito pouca coisa como "aggiornamento" teórico.

O autor continua pensando no interior de um esquema maniqueísta, em que há o capitalismo onipotente, e as forças que tentam se opor a ele, sem sucesso. Esse tipo de esquema, na realidade hiperclássico, o leva a erros enormes, como um que assinalo em um dos meus textos: o Gulag (como também Auschwitz) é considerado como fenômeno capitalista!

Como digo no meu livro, no esquema dualista (em certo sentido, mesmo, monista) do autor, tudo aquilo que cai na rede da contemporaneidade (se não for socialista, e o autor não é tão ingênuo a ponto de pensar que o Gulag tem algo a ver com socialismo) há de ser peixe capitalista. Que se trate de um "tertius", nem capitalismo nem socialismo (o que é evidente para 90% da esquerda européia, já há bastante tempo), isso não lhe passa pela cabeça.

No livro, o sr. indica ter ainda confiança na capacidade de o PT representar um projeto de esquerda democrática no país. Num comentário, entre colchetes, afirma em seguida que essa crença se perdeu. Como foi?

É. Quando escrevi o artigo, creio que foi em 2004, ainda tinha esperança no PT, depois perdi. Diria que foi impossível continuar a acreditar no PT, desde que se revelaram os primeiros escândalos ligados ao chamado mensalão. O assunto corrupção é sério demais para ser considerado de um modo ligeiro, para quem acredita em democracia. Lamentavelmente, parte da intelectualidade do PT tomou a defesa do partido, e portanto dos corruptos, e pôs a culpa na imprensa pelo escândalo, como se ela tivesse montado o essencial.

A tendência a transformar tudo em complô da mídia -que está longe de ser inocente, principalmente na sua atitude para com o governo Lula, mas, no caso do mensalão, fora as diatribes sinistras contra intelectuais do PT proferidas por certa revista, ela acertou muito mais do que errou- é propriamente lamentável, e mostra a total desorientação de parte da intelectualidade petista.

Não se defendem princípios, defende-se um partido. Como se os partidos não apodrecessem, e como se eles fossem mais importantes do que um projeto socialista democrático sério. Essa atitude mistificou parte da opinião universitária, que "não acredita" no mensalão, como se se tratasse de um problema de crença ou de fé (se o mensalão era quinzenal, ou semestral, isso interessa pouco, o essencial é que houve corrupção, e grande). Com isso não quero dizer que nada preste no PT, nem que ele não tenha mais interesse. Há certo número de pessoas honestas e com convicções ali. Só que são minoritárias. Veremos se ainda podem desempenhar algum papel.

O sr. também cita as críticas da imprensa e de "partidários do governo antigo", e afirma que a situação do país, e do governo Lula, exigiria uma "finura crítica" maior.

O terceiro engano (o primeiro é o radicalismo, o segundo o petismo acrítico) é a adesão aos partidos de centro e de centro-direita. Não estou dizendo que FHC e cia. sejam monstros, com os quais todo diálogo seja impossível. O diálogo é sempre possível, e dentro do PSDB há tendências desenvolvimentistas, como há gente pessoalmente honesta etc.

Mas isso não é suficiente, longe daí, para justificar um deslizamento de pessoas que foram de esquerda (ver o PPS, e alguns intelectuais) em direção ao PSDB. Aderir ao PSDB, ou "adotar" a política dos tucanos é renunciar a uma posição de esquerda. O que significa: é abandonar a idéia de que é preciso antes de tudo combater a desigualdade monstruosa que existe no país, e a de que toda política deve visar em primeiro lugar a luta contra essa desigualdade, e o estabelecimento de uma situação em que os pobres não sejam mais hiperexplorados ou marginalizados.

Ao recusar a "extrema-esquerda niilista", petistas e tucanos, o sr. se situa onde?

A reorientação política em si mesma não é difícil, senão no sentido de que é preciso vencer preconceitos arraigados. No plano prático, claro, tudo é muito difícil. O mais importante por ora é travar uma luta pela hegemonia das idéias de um socialismo crítico e democrático. Isso é o que dá para fazer por enquanto. É limitado, mas é muito importante.

Creio que precisaríamos de uma revista, mas uma revista com gente que tenha posições bastante convergentes, e que se disponha a trabalhar no sentido de uma crítica intransigente ao petismo acrítico, ao revolucionarismo -inclusive o niilista- e às pseudo-sociais-democracias nacionais, que na realidade não têm nada de social-democratas. Uma revista política e teórica que fosse nessa direção representaria um passo importante, no sentido da preparação de uma reorganização política. Pelo menos denunciaríamos os sofismas e as jogadas de uns e outros. A partir daí, e entrando em contato com o que existe de melhor em vários grupos ou partidos (há gente politicamente sã, mesmo se minoritária, um pouco por todo lado, inclusive fora de grupos ou partidos) veríamos o que seria possível fazer a médio prazo.

O sr. fala em desafios para a esquerda, que seja capaz de repor projetos de futuro e de pensar criticamente a herança marxista. O que no marxismo ainda pode ser usado?

Defendo que é preciso "atravessar" Marx e o marxismo. Há neles um lado que é suficientemente vivo, e há um lado definitivamente morto.

Esquematicamente, acho que o corpus marxiano funciona bastante bem, ainda, como crítica (digo, em termos gerais, mas essenciais) do capitalismo. Mas funciona muito mal como política, e em grande parte, como filosofia da história.

Principalmente, ele não serve para decifrar e criticar os totalitarismos. Por isso mesmo, ele serviu e serve como ideologia para estes últimos, mesmo se sob formas modificadas. A tragédia da esquerda atual é que pouca gente pensa assim.

Grosso modo, na Europa domina a idéia de um Marx inteiramente morto, no terceiro mundo o de um Marx senão inteiramente pelo menos essencialmente vivo. As duas teses são erradas, e suas conseqüências são simetricamente catastróficas. Acho lamentável que intelectuais de bom nível continuem enchendo a cabeça da juventude com contos da carochinha sangrentos como o da "ditadura do proletariado", fazendo abstração de tudo o que aconteceu no século 20.

No outro extremo, há, na Europa sobretudo, uma tendência de recusar Marx de forma absoluta, em todos os seus aspectos. Uma espécie de alergia a Marx.

O resultado não é menos desastroso. A esquerda se perde no terceiro e no primeiro mundo, mas por razões opostas.

Como seria esse projeto futuro de socialismo que respeita a democracia e abre mão, em grande medida, da violência?

Não é fácil propor programas. Mas é possível pensar em algumas idéias. Além da preservação e ampliação dos direitos democráticos no plano civil e político, e de uma atitude absolutamente intransigente em relação à corrupção, caberia tomar medidas de redistribuição de renda. Nesse plano, uma modificação das regras de cobrança do imposto de renda se impõe. Associada a medidas econômicas que facilitem o desenvolvimento, ela poderia liberar fundos que permitissem verdadeiras reformas no plano da educação e da saúde.

Sem uma política radical de redistribuição de renda, as necessárias reformas da previdência e da educação se transformam em mini-reformas de eficácia muito limitada.

Há por outro lado, os projetos de economia solidária, as cooperativas essencialmente, que têm dado resultados positivos em outros países.

A longo prazo, o objetivo seria uma sociedade em que há mercadoria e mercado, mas em que o capital é de uma forma ou de outra controlado, e neutralizado nos seus efeitos.

É realista falar ainda em projeto socialista?

A situação é difícil. Mas em primeiro lugar é preciso pensar com lucidez e clareza, o que significa, se dispor a repensar a tradição socialista sem preconceitos. Claro que isso não nos tira da situação atual.

Mas é condição necessária. A idéia de que não há mais classe que suporte projetos de mudança é tradicional demais.

Também a idéia de que há integração de todos ao sistema teria que ser posta à prova. Enquanto se falar da derrota do socialismo a propósito da derrocada do socialismo de caserna, enquanto se continuar a ter ilusões com o castrismo, o chavismo etc etc, é inútil se queixar de que não se vêem saídas. Resolvam primeiro essas confusões, abram-se para um discurso lúcido radical-democrático, e depois veremos o que fazer.

Instituto Humanitas Unisinos - 25/08/07

Há seis milhões de menores em situação de escravidão no mundo, afirma ONG

Ao menos seis milhões de menores são obrigados a levar uma vida de escravo, sofrem de ataques, exploração ou são violentados regularmente, segundo o relatório da Organização Não-Governamental britânica “Save the Children”, publicado neste dia 23 de agosto. A reportagem é do jornal Clarín, 24-08-2007, e foi traduzida pelo Cepat.

O relatório intitulado “Pequenas Mãos de Escravidão”, sustenta que só na Grã-Bretanha há ao menos cinco mil menores escravos do sexo, que são obrigados a se prostituírem para benefício econômico de adultos. Desse total, 75% dos menores obrigados a se prostituírem são meninas.

A publicação do relatório coincide com o Dia Mundial contra a Escravidão, que comemora o bicentenário da abolição do comércio de escravos. Bill Bell, chefe da seção de campanhas da “Save the Children”, declarou que a escravidão infantil “não é um problema do passado”. “Continua havendo milhões de crianças tanto em países ricos como pobres, que são forçados a levar uma vida de escravos”, acrescentou o especialista.

“Atualmente – disse Bell –, há em todo o mundo 1,8 milhão de menores envolvidos no comércio da prostituição, mais de um milhão de menores que trabalham como escravos em minas, e outros milhões mais – alguns de apenas seis anos de idade – que são forçados a trabalhar até 15 horas diárias como trabalhadores domésticos”.

O especialista destacou que esses menores “são tratados como produtos comerciais, prontos para serem emprestados ou vendidos a outros donos sem aviso”. Bell sustentou que “os mandatários do mundo e os doadores internacionais devem agir com urgência para solucionar o flagelo da escravidão infantil, e colocar em prática leis e recursos necessários para erradicar estas práticas terríveis”.

O relatório revelou que 1,2 milhão de crianças e bebês são traficados anualmente em países da Europa Ocidental, América e Caribe, e esclareceu que essa cifra está crescendo. De acordo com “Save the Children”, grupos criminosos vinculados ao tráfico de crianças e adultos ganham até 32 bilhões de dólares por ano.

Instituto Humanitas Unisinos - 25/08/07

Crise financeira. ‘Uma historia de arrogância’

O octogenário Peter Bernstein é reconhecido como o maior filósofo mundial do risco. Mas suas palavras foram ignoradas pelos financistas de Wall Street que compram seus livros e pagam por suas palestras. Há muitos meses, Bernstein vem dizendo que havia algo de errado com os enormes riscos que os investidores se orgulhavam de correr. Bernstein é autor do livro Desafio aos Deuses - a fascinante história do risco (Campus 1997). Em entrevista a revista Exame, 23-08-2007, ele afirma que as crises acontecem quando ignoramos, ou fingimos ignorar, o perigo.

Eis a entrevista.

Qual sua análise dos recentes movimentos do mercado financeiro mundial?

Estava com medo de que você fosse perguntar isso. É muito fácil, depois do fato, dizer qualquer coisa. Mas vou repetir algo que já havia dito em abril deste ano e que, na minha opinião, explica o que está acontecendo hoje. O sentimento geral na época era que a economia mundial estava tão forte e que havia tantas forças que a faziam crescer e manter a inflação baixa que os riscos do sistema só poderiam ser bem menores do que os que foram enfrentados no passado. Boa parte dessa análise está correta. O problema é que isso se tornou uma licença para correr riscos maiores.

Essa visão se espalhou e se multiplicou. Quando o choque veio, com a tolice dos empréstimos subprime, as pessoas passaram a dizer: "Assumi riscos que provavelmente não deveria ter assumido -- ou deveria ter recebido retornos maiores por esse risco". Muitas vezes ouvi que havia liquidez demais nos mercados e que, por isso, nada de ruim aconteceria. De repente, a liquidez desapareceu. Vai levar um bom tempo para voltarmos a um mercado de capitais com disposição para assumir grandes riscos. Será mais difícil para alguns obter crédito, e isso vai afetar o crescimento econômico. Mas não acho que vamos viver algo parecido com o crash de 1929.

O que o senhor espera para os próximos seis ou 12 meses?

Se o que se viu na estrutura da economia mundial nessas últimas semanas continuar e se o apetite por risco diminuir, isso significa que haverá menos crescimento econômico. Não dá para prever quem vai se machucar e quem vai sobreviver, porque essas coisas sempre surpreendem. Mas acho que passamos do clímax de um longo período de altas taxas de crescimento mundial. Todo mundo será afetado por isso. Pode ser um movimento muito gradual, terapêutico, e continuaríamos a partir daí. Ou não.

Que lições esta crise nos oferece?

A maioria das crises financeiras -- ou talvez todas elas -- desenvolveu-se a partir de uma situação em que 99% das pessoas não tinham informação. É aí que fica perigoso -- quando ninguém desconfia de que algo pode estar errado. Precisamos prestar atenção nos sinais da economia e julgar isso. Na crise atual, correr grandes riscos virou quase motivo de orgulho. Investir em empréstimos subprime não é diversificar riscos. É ter milhares de créditos podres. Mas havia a sensação de que as inovações do sistema financeiro resolveriam todos os problemas. Não vamos ter outra crise dessas por algum tempo, porque a lição será aprendida. Mas pode levar tempo para o sistema se regenerar.

Como o senhor definiria risco?

Vou usar uma definição específica que não é minha. É de Elroy Dimson, professor da London Business School. Ele disse há muito tempo: risco significa que mais coisas podem acontecer do que vão acontecer -- ou seja, a lista de resultados possíveis é maior do que o que realmente vai ocorrer. É uma forma muito sofisticada de dizer: nós não sabemos o que vai acontecer. Isso é risco. É importante porque é uma proposição que tem dois lados. Não significa que tudo o que pode acontecer é ruim. O futuro pode se transformar em algo inesperadamente bom. É por isso que assumimos riscos para conseguir retornos. Risco significa essencialmente incerteza. Por isso, sou aficionado a diversificação, é o único modo de lidar com um cenário desconhecido. Se você não vai diversificar, precisa ter certeza de que tem controle de tudo o que está acontecendo.