"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, março 08, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 08/03/07

Freio no rendimento da poupança atende aos bancos e discrimina o pequeno poupador

A maior atratividade dos rendimentos da poupança em relação aos fundos de investimentos poderia ter sido resolvida pelos próprios bancos, por meio da redução da taxa de administração cobrada nessas aplicações. Hoje, a taxa de administração dos fundos é de até 5%.

Essa é a avaliação de especialistas, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, 8-03-2007. Na segunda-feira, o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleceu novas regras para o cálculo da taxa referencial (TR), que remunera a poupança. A intenção foi reduzir o rendimento da aplicação a partir do momento que a taxa básica de juros, a Selic, recuar para 12% ao ano.

'A decisão do CMN favoreceu os bancos', diz a economista da Pro Teste, associação de defesa do consumidor, Hessia Costilla. Na prática, afirma ela, o governo deveria ter deixado o mercado se adaptar à realidade de juros cadentes. Isso forçaria a queda nas taxas de administração dos fundos. 'O investimento tem de ser atrativo por si só. Não é preciso retirar a rentabilidade de outras aplicações.'

Essa avaliação é compartilhada pelo vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira. 'Se os bancos reduzissem as taxas de administração, os fundos ficariam mais competitivos.' Ele argumenta que os fundos com taxas de administração na faixa de 2,5% conseguem competir com a poupança.

Pelas novas regras, uma poupança de R$ 1 mil por 12 meses terá saldo 0,71% menor que o obtido atualmente. Já uma aplicação de R$ 1 mil em fundos de renda fixa por 12 meses, descontados o Imposto de Renda e taxas de administração, terá saldo 4,5% maior que o obtido pelas novas regras da poupança.

Ribeiro de Oliveira critica o fato de o governo ter alterado as regras de cálculo da TR quando a poupança ficou atraente. Na análise do vice-presidente da Anefac, a redução no rendimento da poupança pode afetar os recursos para financiar a casa própria, já que os bancos são obrigados a aplicar 65% da poupança na habitação. Foi exatamente esse setor um dos eleitos pelo governo para acelerar o ritmo de crescimento do País.

Questionado sobre a pressão exercida pelos bancos para mudar as regras da poupança, o representante da Febraban para área de Crédito Imobiliário, Osmar Roncolato, diz que o setor apenas encaminhou ao governo um estudo apontando essa necessidade.

No entanto, Guido Mantega negou que a mudança tenha sido feita para atender a pressões das instituições financeiras. 'Atendeu coisa nenhuma', disse. Também negou rumores de que o Banco Central teria condicionado a redução da Taxa Selic à aprovação de mudanças na TR pelo CMN. 'O BC não põe condição nenhuma'.

O tema também é assunto dos editoriais dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, de hoje, 8-03-2007.

Para o primeiro, "o freio no rendimento da poupança é medida pífia, que atende aos bancos; pequeno poupador continua discriminado". Segundo o editorial "a faceta conservadora do governo Luiz Inácio Lula da Silva vai se acentuando".

O editorial constata que o governo cedeus aos bancos, pois para eles "não interessa manter atrativa a poupança -fator que ajudou o saldo das aplicações, hoje em R$ 190 bilhões, a aumentar R$ 6,5 bilhões apenas em 2006. De cada R$ 100 em depósitos nas cadernetas, as instituições são obrigadas a destinar R$ 65 para o crédito imobiliário, nas regras do Sistema Financeiro da Habitação. Trata-se de uma restrição que impede os bancos de aumentarem ainda mais seus lucros multibilionários." No entanto, segundo o editorial, "o interesse dos bancos, no entanto, não se confunde com o interesse público, que deveria nortear as ações do governo em relação à poupança".

O editorial do jornal O Estado de S. Paulo, sob o título "O Partido dos Banqueiros", informa que "há meses, a Febraban pediu ao governo que adotasse providências para reduzir a rentabilidade das cadernetas de poupança". "Segundo o editorial, "o fato é que o redutor da TR será aplicado para garantir os fabulosos lucros dos bancos por mais algum tempo, sem que eles tenham de se adaptar às novas realidades do mercado. Como os bancos têm sobre o governo um poder de pressão infinitamente maior que o dos depositantes de cadernetas e os trabalhadores com conta no FGTS, estes últimos pagam a conta de “ajuste”."

E continua:

"Como bem observou o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, houve “uma transferência de renda do trabalhador para o sistema financeiro, o setor que mais lucra neste país”.

Instituto Humanitas Unisinos - 08/03/07

A Novartis contra os pobres

A multinacional Novartis entra com processo contra a Índia para impedir a produção do Glivec, vital no tratamento de alguns tipos de leucemia, por outras farmacêuticas a um preço muito menor. Em artigo publicado no sítio La Haine no dia 7-03-2007, Silvia Ribeiro, pesquisadora do Grupo ETC, destaca também estudos que mostram a pouca eficácia das patentes em termos de produção de medicamentos originais, não copiados, com a finalidade de alargar a exclusividade dos medicamentos.

Eis a íntegra do artigo traduzido pelo Cepat.

A multinacional Novartis está no olho do furacão por tratar de impedir o acesso dos pobres a remédios. Cinco anos atrás, junto com outras 39 farmacêuticas, foi contra a África do Sul para que esse país não produzisse seus próprios medicamentos para a Aids. Agora entra com processo contra a Índia para conseguir a exclusividade do medicamento Glivec ou Gleevec (imatinib mesylate) contra o câncer, vital para quem sofre de alguns tipos de leucemia.

O caso é paradoxal e afeta muito mais que a Índia. Se a Novartis conseguir o que quer, afetará seriamente o acesso dos países do Sul global a medicamentos contra o câncer, a aids e outros.

A Novartis possui a patente do Glivec desde 1993. Vende o medicamento a aproximadamente 27 mil dólares a dose anual. Na Índia, o medicamento é produzido por cinco farmacêuticas como genérico e a mesma dose custa cerca de dois mil dólares, ou seja, 13 vezes menos. A Novartis, que tem o monopólio do Glivec em 36 países, quis patenteá-lo também na Índia. Mas ali, assim como na maioria dos países que se viram obrigados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), as leis não permitiam patentear remédios, por serem artigos básicos de primeira necessidade.

O único que outorga uma patente é exclusividade. Contrariamente ao que se pode crer pela propaganda enganosa das farmacêuticas, um "remédio de patente" não diz nada de sua qualidade nem eficácia, somente informa que é monopólio de uma empresa.

Quando a Índia entrou na OMC, em 1995, teve que mudar sua legislação de patentes, obrigada pelos Aspectos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (ADPIC) desse organismo. Em 2005, já com a nova lei de patentes em vigor, a solicitação pendente da Novartis sobre o Glivec foi recusada porque "não agregava nada de novo" ao que já existia no mercado e, portanto, não cumpria os requisitos para outorgar outra patente.

Esta cláusula da lei índia permite a este país proteger-se da constante extensão de patentes praticadas pelas grandes farmacêuticas, para manterem seu monopólio. Realizam alguma pequena mudança na apresentação do remédio, ou registram novos usos, e assim alargam outros 20 anos o período de exclusividade com uma nova patente, impedindo que outros usem o mesmo componente para produzir genéricos a um preço muito menor.

O processo da Novartis não é só pelo Glivec. É contra a lei de patentes da Índia, para prevenir que este e outros países possam usar a pouca flexibilidade legal dentro dos ADPIC, como definir as particularidades de suas próprias leis. Segundo a Novartis, não está brigando pelo mercado da Índia, que na maioria é formado por "pobres que não podem pagar", mas para que a Índia não possa usar essa cláusula, impedindo assim a venda de genéricos a outros países do Sul, para tratamentos de aids, câncer e outros, a custos que podem ser de 10 a 20 vezes menores que os das transnacionais. O processo da Novartis quer impedir isso.

A Novartis, assim como outras grandes farmacêuticas, afirmam que necessitam das patentes para poderem recuperar os investimentos que fazem em pesquisa e desenvolvimento de novos remédios, mas as inovações que produzem, são ridiculamente escassas e em muitos casos, tomadas do setor público.

Segundo um estudo de sete anos realizado pela Oficina de Avaliação Tecnológica dos Estados Unidos em 1996, 97% dos remédios lançados no mercado eram cópias de remédios já existentes, com mínimas mudanças para obter uma nova patente. A Médicos Sem Fronteiras informa que num estudo da revista La Revue Precrire, 68% dos remédios que foram aprovados na França entre 1981 e 2004 eram cópias dos anteriores. O British Medical Journal publicou outro estudo que mostra que os remédios aprovados pela FDA de 1989 a 2000, 75% não agregavam nenhum benefício terapêutico.

A Novartis apresenta o Glivec como carro-chefe da empresa, resultado de sua pesquisa, e exemplo de porque necessita de patentes para ressarcir seus gastos e continuar "salvando vidas". Segundo os dados da indústria, a pesquisa e o desenvolvimento de um remédio custaria entre 500 milhões e 800 milhões de dólares. Desde que a Novartis lançou o Glivec no mercado, ganhou muitíssimo mais. Apenas em 2006 as vendas do Glivec superaram os 2,5 bilhões de dólares.

Mais paradoxal ainda é que a principal pesquisa sobre o Glivec não foi realizada pela Novartis. Foi um pesquisador público, Brian Druker, da Oregon Health & Science University. Druker teve que suplicar repetidamente à Novartis para que permitisse realizar experimentos com a substância (imatinib) que a empresa tinha patenteado, sem usá-la. Druker finalmente pode demonstrar resultados espetaculares com essa substância contra o câncer. Mesmo assim, a Novartis não queria desenvolver o medicamento porque o fármaco mostrava algumas reações adversas e a eficácia era em cânceres pouco freqüentes, o que não lhe daria suficientes lucros para decidir-se a produzi-lo. Acedeu a isso depois de vários anos de pesquisa na universidade e na perspectiva de receber apoios públicos pelo medicamento.

O caso não é isolado, é apenas um exemplo de como as grandes farmacêuticas, o setor industrial com maior porcentagem de lucros do planeta, atuam.

Instituto Humanitas Unisinos - 08/03/07

Cana avança no pasto e limita expansão da soja no Paraná
Demanda mundial por açúcar e álcool consolida novo ciclo da cultura no país; no Paraná, canaviais já empurram o gado e limitam o crescimento da área de grãos.
Segue a íntegra da reportagem de Giovani Ferreira publicada na Gazeta do Povo, de Curitiba, em 6-03-2007. Sobre a problemática da monocultura da cana-de-açúcar no Paraná e suas implicações, vale a pena conferir a análise de Jelson Oliveira, membro da Comissão Pastoral da Terra do Paraná.
A soja já não reina absoluta entre as opções do agronegócio com maior potencial econômico e de interesse comercial. O novo ciclo da cana-de-açúcar, que se consolida com a incorporação de novas áreas e o aumento da demanda interna e externa por açúcar e álcool, seduz o produtor rural e muda a paisagem no campo.
No Paraná, a área destinada aos canaviais cresce no mesmo ritmo da soja, ou até mais, se considerado o avanço em regiões específicas, como Norte e Noroeste. Os técnicos defendem que a cana não está invadindo a área de soja, mas admitem que já limita o crescimento dos grãos. Nos últimos 5 anos, a soja cresceu 18% - de 3,3 milhões em 2002 para 3,8 milhões de hectares em 2006 - e a cana 23%. Otmar Hübner, do Departamento de Economia Rural (Deral), da Secreraria de Estado da Agricultura, ressalta, no entanto, que o grande crescimento da cana significa pouco diante do tamanho da área destinada à soja, que é quase oito vezes maior.
Disonei Zampieri, coordenador sucro-alcooleiro também do Deral, explica que a cana avança, basicamente, sobre pastagens. Ele reconhece, porém, que existem tradicionais lavouras de grãos que foram convertidas para cana. "O produtor continua plantando milho e soja, mas arrenda parte da propriedade para o cultivo de cana e tem uma alternativa paralela de negócios."
Na última safra o estado plantou 409,1 mil hectares e processou 32 milhões toneladas de cana. Há 10 anos a relação era de 314 mil hectares para 25 milhões de toneladas. Os números são da Alcopar e consideram área e produção destinadas exclusivamente à indústria. Nas estatísticas do Deral, que incluem a cana utilizada na fabricação de cachaça, açúcar mascavo e rapadura a produção foi maior e atinge uma oferta potencial de 40 milhões de toneladas.
Na comparação com números absolutos e estaduais, a cana ocupa uma área no estado equivalente a 13% da soja. As regiões de Umuarama e Paranavaí (Noroeste) somam juntas 45% de toda a área cultivada no Paraná, conforme dados do Deral. O estado é o segundo produtor nacional, com 7,5% da produção, atrás de São Paulo (40%) e à frente de Alagoas (5,5%). O Paraná também é o segundo em produção de açúcar e álcool. No último ano/safra foram 2,17 milhões de toneladas de açúcar, uma variação superior há 100% no período de 10 anos, quando foram produzidas 973,7 toneladas. Já o volume total de álcool na safra passada foi de 1,32 bilhão de litros.
As exportações paranaenses cresceram, basicamente, em cima das exportações. No ano passado, o estado embarcou 1,51 milhão de toneladas de açúcar e 269,6 milhões de litros de álcool.
Abertura de mercado
O impulso à produção veio com a liberação do setor para exportação de álcool em 2002. Até então, lembra José Adriano da Silva Dias, superintendente da Associação dos Produtores de Açúcar e Álcool do Paraná (Alcopar), toda a exportação do produto era via governo federal. Com o setor privado autorizado a atuar diretamente no mercado internacional, a cadeia se mobilizou e investiu no fomento de novas áreas e na ampliação do parque industrial.
Este ano o número de usinas em operação no Paraná sobe de 27 para 28 e o volume de cana moída deve chegar próximo de 40 milhões de toneladas.
Produtor do Noroeste dobra a área em apenas três anos
Na propriedade de Rogério Magno Baggio, em São Carlos do Ivaí (Noroeste), "a cana está comendo pasto, soja e laranja". O sentido figurado na afirmação do produtor traduz, na prática, o avanço da cana-de-açúcar. Em sociedade com seu irmão, Reginato Baggio, ele planta 3.200 hectares de cana, o dobro da área de três anos atrás. "Adquirimos novas áreas e hoje estamos entrando nas de soja", diz Baggio, que tem como objetivo ampliar o cultivo em mais 900 hectares.
Ela também produz soja, laranja e se dedica à pecuária. São 800 hectares de soja e 100 de laranja, além e outros 1.000 de pasto. Mas o foco na soja já foi mais intenso. Baggio lembra que chegou a plantar 4 mil hectares com a oleaginosa. A opção pela cana foi por questões de "segurança" e ganhou força com a crise dos grãos, depois de três anos de frustração de safra, por questões de preço e clima.
Baggio diz que mantém a soja para diversificação. "Na entressafra da cana, tenho renda na produção de grãos." Já o pasto, que faz parte de um projeto de integração lavoura-pecuária, tem sua área reduzida a cada ano.
Em termos de rentabilidade, a cana também está na frente nas contas do produtor. Enquanto a soja tem um faturamento bruto de R$ 1.300, para um custo de R$ 500 a R$ 600 por hectare, a cana rende, em média, R$ 3.000 por hectare, para uma despesa de R$ 1.800.
Futuro
Rogério Baggio está empolgado com o bom momento da cana, mas o investimento feito nos últimos anos tem base numa perspectiva futura de crescimento da demanda mundial. Na sua avaliação, a cana deixou de ser sinônimo de açúcar e álcool, para se transformar num produto para fins industriais diversificados. Ele cita de exemplo a geração de energia a partir do bagaço e a demanda internacional pelo álcool combustível.
A importância econômica da atividade está no resultado da propriedade, que tem 70% de seu faturamento em cima da cana.
Opção segue tendência mundial
A opção pela cana-de-açúcar ganhou força e foi motivada por questões relativas ao desempenho interno das tradicionais commodities e também pelo cenário macro-econômico de preços e demanda do açúcar e do álcool. O marco dos especialistas é o ano 2000, quando teve início a chamada fase de transição, com a expansão da área, a abertura do mercado mundial e a saída do governo do comando das exportações de álcool.
Aliado à demanda mundial, o país entrou na era dos carros bicombustíveis e fomentou ainda mais a produção e demanda do álcool. O apelo ao consumo do combustível renovável e menos poluente foi outro fator que também estimulou a expansão da cana.
Do lado do açúcar, o país se fortalece e consolida a cada ano sua posição de primeiro exportador mundial. O país embarca próximo de 20 milhões de toneladas. A participação do Paraná nas exportações é proporcional à produção e fica em torno de 7%.
A produção nacional de cana na safra 2006/07 atingiu 471 milhões de toneladas, para uma área de 6,1 milhão de hectares. Uma variação de 9,2% e 5,5%, respectivamente. Já o Paraná registra um crescimento maior, de 22% em produção e 6,5% em área.
Perspectivas
Para o superintendente da Alcopar, José Adriano, a cana é a bola da vez não somente no Brasil, mas no agronegócio mundial. "O combustível oriundo da biomassa tem excelente potencial de crescimento, a demanda por açúcar só cresce e o mundo planta cana", diz o técnico, que não tem dúvidas da liderança brasileira na condução desse processo. "O Brasil sai na frente porque tem tecnologia."

Instituto Humanitas Unisinos - 08/03/07

Desindustrialização silenciosa. Artigo de Antonio Corrêa de Lacerda
"O termo choca, mas não há melhor definição do que desindustrialização para o que vem ocorrendo na economia brasileira", escreve Antonio Corrêa de Lacerda, doutor em economia pela Unicamp, professor doutor da PUC-SP em artigo publicado no dia 1-03-2007, no jornal O Estado de S. Paulo.
Eis o artigo.
"O termo choca, mas não há melhor definição do que desindustrialização para o que vem ocorrendo na economia brasileira. A combinação de câmbio valorizado com juros reais elevados e impostos excessivos, assim como as demais condições desfavoráveis (excessiva burocracia, infra-estrutura e logística deficientes, por exemplo), têm provocado um grave processo de substituição da produção local por importações e perda de dinamismo das exportações de maior valor agregado. Os fatores de competitividade sistêmica, tudo aquilo que corresponde ao ambiente externo à empresa, estão em clara desvantagem relativamente à média internacional.
Cena 1: uma grande operadora de telefonia celular realizou concorrência no ano passado para contratar o serviço e fornecimento de equipamentos para instalação de rede de telefonia celular. A concorrência foi vencida por uma empresa chinesa, por larga distância das demais, multinacionais instaladas no Brasil há décadas, de competitividade e tecnologia internacionais, que não podem ser rotuladas de 'ineficientes'. Do ponto de vista microeconômico, da lógica empresarial, a decisão da operadora de contratar a empresa mais barata se justifica. Mas, para o País, é péssimo. Detalhe importante: a empresa chinesa vencedora da concorrência não tem instalações locais. O que significa que todo o equipamento virá de fora, desperdiçando a engenharia e o know-how brasileiros.
Cena 2: noticia-se que o governo brasileiro estaria revendo a sua política de contratação das plataformas da Petrobrás, para as quais se exige um conteúdo local da ordem de 75%. A principal motivação e argumento para a mudança é a diferença de preço, bastante favorável ao importado. Nos dois casos citados, o que está ocorrendo claramente é que o câmbio valorizado está 'subsidiando' importações de produtos e serviços que poderiam ser realizados localmente.
Aqui, não se trata apenas de economia de divisas, igualmente importante, mas também e principalmente de um processo de perda de conhecimento em áreas sofisticadas, assim como de desenvolvimento de fornecedores e tecnologia agregadores de jovens profissionais. Não por acaso, a maioria dos países hoje adiantados e muitos países em desenvolvimento de sucesso utilizaram e utilizam instrumentos, como o poder de compra do Estado, o fomento às atividades locais, e uma clara política de câmbio desvalorizado para incentivo à industrialização. Parece que, infelizmente, aprendemos pouco com a experiência alheia e com a nossa própria passada. É surpreendente que essa questão seja tratada de forma tão superficial no debate econômico brasileiro.
Há ainda quem veja como saudável o observado aumento de importações de bens de capital, em detrimento da produção local, por 'modernizar a indústria'. Se esse é o objetivo, o instrumento mais adequado para estimular a importação de bens não produzidos localmente não é o câmbio, mas tarifas e incentivos localizados, para evitar que toda a estrutura industrial seja negativamente afetada. Outro argumento recorrente e que não resiste a uma análise dos fatos é que o câmbio valorizado não tem provocado perdas nas exportações brasileiras.
Apesar do volume crescente em dólares, decorrente do aumento de preços no mercado internacional, o ritmo de crescimento das quantidades exportadas está em queda livre há dois anos, reduzindo-se de 19,9% em 2004 para apenas 3,3% em 2006. Somente em 2006, em contrapartida, o quantum de importações cresceu 16,1%. Entre 2000 e 2006, houve uma diminuição da participação relativa dos produtos industrializados no total, de 59% para 54,3%, enquanto evoluiu a participação dos produtos primários, de 22,8% para 29,3%. Vencer o desafio de crescer e diminuir as desigualdades sociais é algo que não pode prescindir de uma estratégia de desenvolvimento. A desindustrialização não significa tão-somente a queda da parcela da produção no produto bruto. Equivale também a perder a capacidade de produzir, inovar, investir e criar empregos e renda."

Instituto Humanitas Unisinos - 08/03/07

Desindustrialização do Brasil. Delfim e Belluzzo vêem risco
Não deixa de ser curioso ver dois economistas que no passado tiveram posições ideológicas tão antagônicas concordarem tanto. O ex-ministro da Fazenda Antônio Delfim Netto e o ex-secretário de Política Econômica, Luiz Gonzaga Belluzzo, que há cerca de um ano e meio chegaram a defender algum tipo de controle no câmbio, voltaram a se unir ontem nas críticas à apreciação do real e sua consequência ao que eles classificaram de "desindustrialização" do país. A notícia é do jornal Valor, 8-03-2007.
"Estamos em um processo autofágico. Hoje, fabricamos a capa do produto e o enchemos de componentes importados", explicou Delfim, ressaltando que a atual política cambial acaba por destruir os setores que poderiam garantir a continuidade da tranqüilidade que o país vive hoje no front externo. "A idéia de que vamos continuar usando aumento de preços (especialmente de produtos com demanda dependente da conjuntura mundial) para atingir os resultados que estamos obtendo hoje é uma miopia", explicou o ex-ministro, durante seminário "O Brasil no século XXI: desafios do futuro".
O evento, realizado na Faculdade de Economia e Administração da USP, foi o primeiro de uma série de 16 que Delfim coordenará na FEA este ano. O ex-ministro é professor emérito da faculdade e tem dedicado mais tempo à educação depois que não conseguiu se reeleger para o cargo de deputado federal, no ano passado.
Em sua apresentação, Belluzzo, professor titular de Economia da Unicamp, enfatizou que a política de pagar juro alto e manter o real valorizado tem levado a uma destruição de valor na cadeia produtiva brasileira. "Apesar do aumento das nossas exportações de manufaturados, perdemos participação no valor agregado manufatureiro global", explicou, dizendo-se pessimista em relação às perspectivas futuras.
A avaliação dos dois professores é de que a política de juro praticada no país tem atraído especuladores que, com operações de arbitragem nos mercados futuros, obtêm altos ganhos, com baixo risco. Para Belluzzo, o governo poderia, sim, proteger a taxa de câmbio real, a exemplo do que fazem países como a China, e tem instrumentos a sua disposição para fazê-lo, como os derivativos.
"Poucos têm se dado conta de que, com essa política cambial do BC, já acumulamos hoje US$ 68 bilhões de investimentos externos em ações e US$ 112 bilhões em renda fixa. Apesar de nossas reservas acima de US$ 100 bilhões, esse volume é um obstáculo a uma desvalorização mais rápida da taxa de câmbio."
Embora tenham dado ênfase à política de juros e câmbio, os economistas - estavam também presentes João Sayad, ex-ministro do Planejamento, e Adroaldo Moura da Silva, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários - destacaram que a importância do debate sobre o crescimento econômico está na necessidade de redução da desigualdade social e da pobreza. E esse objetivo não pode ser atingido com a aplicação do receituário neoliberal que vigorou nos anos 90, que pregava a menor participação do Estado e a solução do crescimento via "mercado", na avaliação dos economistas.
Para Delfim, o regime de economia de mercado exige um Estado forte, que dê balizamento aos cidadãos. "É isso que dá moralidade ao capitalismo. É preciso resgatar a importância do papel do Estado nos investimentos. A idéia de que o Estado é irrelevante é absurda."

segunda-feira, março 05, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 05/03/07

Dizer o indizível. Artigo de Renato Janine Ribeiro
Renato Janine Ribeiro, filósofo, publicou no dia 18-02-2007, um artigo no jornal Folha de S. Paulo, sobre o trágico assassinato de João Hélio que repercutiu intensamente nos meios intelectuais. No jornal Folha de S. Paulo, 4-03-2007, o filósofo busca responder às objeções.
Eis o artigo.
"Meu artigo sobre o odioso assassínio de João Hélio [no Mais! de 18/2] causou uma polêmica que se desviou muito do que eu disse. Incomodou-me que na Folha se comentasse mais meu ensaio do que o crime contra a humanidade.
Ao expor meus sentimentos (e era isso o que buscava ante o horror que vivia), deixei claro que estava tão perplexo que não cabia propor nada de concreto, tal como a pena de morte. Alguns leitores, entre eles jornalistas, acadêmicos e advogados, leram em minha indignação o que lhes conveio. Retomo o assunto.
Porque disse que minha reação ao crime incluía desejar a morte de seus autores, quiseram entender que defendia sua execução sob tortura, a vingança ou mesmo o sadismo.
Ora, "imaginar", "torcer" não é "propor, fazer, recomendar". Desde Freud, sabe-se que é normal sentir raiva. Humanizamo-nos quando aprendemos a nos conter. Mas conter-se não é varrer a emoção para baixo do tapete.
Alguns, compreensivos, lamentaram que eu levasse a público o que deveria ter guardado para mim ou amigos. Discordo, embora pague um preço por ter dito em alto e bom som o que muitos, no fundo, também sentiram.
Filosofar, como percebeu [o jornalista] Alberto Dines, se faz melhor em público. O esvaziamento e a esterilidade do espaço público, no Brasil, se deve muito ao fato de que fazemos cena: intelectuais, advogados, acadêmicos simulam uma sobriedade que não têm.
O intelectual não pode dizer só o que agrada.
Não ajuda, em nosso debate político e social, fingir uma civilização que tem pés de barro. Calar em público os sentimentos que se referem à vida pública induz à idéia do intelectual como quem pensa sem paixões, a esconder a face oculta de nossa comum humanidade.
Cisão radical
Pessoas comuns que somos, nossa reflexão sobre o que fazer com crimes não pode se contentar com princípios impecáveis, a fundar leis que ninguém contesta, mas tampouco reconhece ou respeita. Nossa reflexão e ação não devem ser esterilizadas por uma cisão radical entre sentir e pensar.
Pois, sem eu renunciar à defesa do processo justo, à importância da educação (mas que demora a dar resultados), vejo que os discursos construtivos esbarram num fato bruto, o horror, que é quase da ordem do indizível. O horror é sentimento típico do século 20.
Palavras são poucas para enunciar os casos em que falha o grande projeto de Rousseau, a compaixão, a piedade: o padecer junto com qualquer ser vivo que sofra.
O horrível dos infanticidas é a extinção cabal da compaixão. "Não sei, não tenho filho", disse um dos assassinos, ao lhe perguntarem o que imaginava sentirem os pais de João Hélio. Mas sentir com o outro não exige ter vivido pessoalmente a mesma experiência.
Preocupa-me a permanência de um discurso acabado que condena a indignação, respondendo a ela com artigos de leis e uma moral pronta.
Boa parte da população está tão revoltada que descrê do discurso, sincero ou hipócrita, da lei e de quem diz aplicá-la. A ausência do Estado se mede pela ausência do respeito e garantia dos direitos humanos de uma população que repudia o crime.
Essa exaustão de nosso semi-Estado de Direito é grave, porque sem a confiança do povo soberano sobram só resíduos do direito. Uma democracia sem povo o que é?
Expressar o horror, desnudar a própria alma sem censura, talvez sirva para destacar que há gritos que não podem ser silenciados e ignorados quando se discute a construção de uma nova sociedade.
O crime hediondo não é um crime qualquer. Uma coisa é fazer do crime um meio de vida (própria), outra é fazer dele um meio de morte (alheia). O assassino cruel passou há muito dos limites da civilidade. Espanta que alguém deseje, para ele, tormentos? Desejar não é fazer. Mas uma indignação que o patriciado não escuta corrói as bases da pólis.
A vingança privada só deu lugar à justiça pública após lento avanço nas relações sociais. E a justiça se manteve porque garantiu o cumprimento das leis.
Mas se lembram da bóia-fria que matou aquele que violentou seu filhinho? Devia ela crer no devido processo legal? Mas assim não se devolve a justiça à vingança, não renuncia o poder público a qualquer utilidade?
Pergunto: em que medida o Judiciário brasileiro beneficia o dia-a-dia de uma população que não desfruta do direito à segurança que, lembra-me Lenio Streck [professor e procurador de Justiça do Rio Grande do Sul], está na Constituição?
Enquanto alguns publicistas exibem fé plena nas instituições, pura decência, a maioria se estarrece diante da barbárie.
Admirando Rousseau, talvez o filósofo moral de maior grandeza, penso porém que a compaixão é uma construção laboriosa feita em sociedade. Divide o humano do bestial. Criminosos, hoje, lucram na razão direta de sua falta de compaixão, de sua desumanidade.
Tenho sustentado que -se a modernidade política surge quando passam à esfera pública conceitos do direito privado romano- nossa época se caracteriza inversamente pela passagem, para a esfera privada, de conceitos que eram do âmbito político.
Paradigma individual
O príncipe de Maquiavel, sem garantia de triunfar num mundo sem regras, hoje é paradigma de indivíduos que já não têm parâmetros prontos para a vida profissional e pessoal -vivendo no chão ensaboado do "condottiere" maquiaveliano.
Por que não pensar, então, que o nazismo pode também estar presente em indivíduos -que agem com igual falta de compaixão, mesmo sem ter o projeto hitlerista de dominar o mundo? Há nazismo quando um grupo ou um indivíduo busca extirpar as últimas marcas de humanidade.
Continuo vendo razões contra a pena de morte: o risco do erro judicial irreparável, a vergonha que é o Estado matar. Mas as estatísticas mostram o fracasso do Estado em recuperar o criminoso, tarefa que parece exigir dedicação quase religiosa.
Ouvi o padre Júlio Lancelotti [da Pastoral do Menor] dizer que a liberdade assistida, alternativa inteligente ao aprisionamento dos menores delinqüentes, para que eles trabalhem, estudem, saiam do crime, custaria seis salários mínimos per capita ao mês.
É caro, embora talvez metade do custo da Febem, com a vantagem de que pode recuperar a pessoa para a vida inteira, enquanto a Febem faz o contrário. É a fábula do filho pródigo aplicada.
Frustração
Na insuficiência das soluções leigas para os problemas do crime, não tenho visto saídas a não ser as marcadas pela religião e/ou por uma dedicação leiga da ordem do heroísmo, como a dos militantes de direitos humanos. Se houver salvação, está aí. E é difícil. Repetem-se as faixas do Rio contra o crime. A maioria esmagadora da população é contra o crime, quer compaixão.
Mas, até agora, adiantou a indignação popular? O meio jurídico e político teve palavras de consolo e apoio para a multidão sofrida ou frustrou-a, como o juiz de menores que disse que o assassino jovem de João Hélio ficará três anos internado -e falou isso como se fosse normal? Como podem as pessoas falar tão friamente e querer compreensão?
Os infanticídios não mudam minha defesa dos direitos humanos porque, como sustento em "O Afeto Autoritário" [ed. Ateliê], os direitos humanos não são só os direitos do suspeito perante a polícia (embora preciosos) mas também a igualdade dos sexos, o direito ao trabalho e a uma vida digna -e o direito de João Hélio a viver uma vida normal e longa.
Mas me fizeram pensar no nazismo entre nós.
Esta, que ninguém comentou, talvez seja a idéia mais original de meu artigo: a comparação do atual horror privado ao nazista. Parece que não se quer ver o nazismo aqui, na esquina. O século 20, o de maior progresso na história, foi rachado ao meio pelos totalitarismos, dos quais o pior foi o hitlerista.
Remeti a duas idéias-chave. Primeira: dizer o horror é dificílimo, como sabe quem narrou os campos de concentração ou a tortura na América do Sul -assunto que no Brasil é calado, haja vista a crítica da imprensa ao processo dos Teles contra seu torturador.
Foi tocante, na novela "Páginas da Vida", familiares de assassinados falarem. Porque não dizer -ou escutar- o horror corrompe a todos. Acentua o teor de hipocrisia na vida social. Esteriliza ainda mais a vida pública.
A segunda idéia é a de que, se o nazismo é o inimigo do humano (do humano como valor, "humane", em inglês, e não apenas como descrição, "human"), se falar sobre ele é um esforço e refletir sobre ele é difícil, ele se situa nas exceções da nossa espécie. Institui-se como estado de exceção.
Carl Schmitt [jurista alemão, 1888-1985] pensou a soberania não a partir do "nós, o povo", da regra republicana, mas da exceção ditatorial. A exceção vira regra. Para dizer o humano, prefiro Camus, que falava no caráter irredutível de cada sofrimento pessoal intenso.
Nenhuma explicação dá conta do assassínio de um filho. Políticas podem resolver o problema mais adiante, mas nossa sociedade está cada vez mais ferida pelo extermínio do seu futuro. As soluções eram devidas ontem. Se não forem cobradas com muita intensidade, não virão nunca.
Se a emoção crescente da perda injusta do filho ou da filha -isto é, o que jamais será banalizado, porque sempre será insuportável- se potencializar, cada um decidindo sua própria lei, que restará de nossos laços sociais ou, pelo menos, políticos?
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NOTADevo a Alberto Dines, Lenio Streck, Silvia Pimentel, Anita Novinski, Olgária Matos, Manuel da Costa Pinto, Edson Teles, Sara Albieri, Eric Calderoni, Yumi Suzuki, Newton Pimenta, Auxiliadora Nicolato e outros algumas idéias e expressões que aparecem neste artigo, cuja responsabilidade, porém, é minha."

Instituto Humanitas Unisinos - 04/03/07

As ‘Páginas invisíveis’ das ‘Páginas da Vida’ de Manoel Carlos
Manoel Carlos, reconhecido autor que procura em suas novelas repercutir temas polêmicos presentes na sociedade – no caso específico de ‘Páginas da Vida’, a síndrome de Down, a violência, a Aids, o homossexualismo, entre outros -, revelou também - provavelmente não intencionalmente -, outra realidade dos “dois brasis” que junto convivem, o da invisibilidade do emprego doméstico. O artigo é de Cesar Sanson, pesquisador do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – Cepat.
Eis o artigo:
Uma ‘Página invisível’. É assim que é retratado o emprego doméstico na novela global ‘Páginas da Vida’ que se encerrou nesse final de semana. O caso mais emblemático é de Lídia (Thalita Carauta), a empregada da bem sucedida Drª. Helena (Regina Duarte). A jovem é “invisível”. Não tem namorado, não tem projetos, não tem sonhos, não tem vontades, não tem amigos. Dela nada se sabe. Nas cenas, via de regra entra muda e sai calada. Leva babadas da patroa e vive literalmente 24hs à disposição da Drª. Helena: “Lídia leva a Clara para cima!”; “Lídia traz a Clara para baixo!”, “Lídia leva a Clara para o parque!”, “prepara o meu banho!” e por aí segue.
A pobre moça é onipresente, está sempre ali como um cabide em que se penduram as roupas. Serve ainda para campanhas anti-discriminatórias estampando camisetas que pregam o fim do preconceito ao racismo e aos portadores de deficiência, como não se fosse ela também discriminada.
No outro núcleo da novela, no casarão, é assim mesmo que se chama a casa cinematográfica em que mora o Sr. Tide (Tarcísio Meira) – seguramente o autor não associou o termo à “Casa Grande” – as empregadas e os empregados também são subservientes e invisíveis em suas vontades. No caso, Dona Constância (Walderez De Barros), é um tipo daquelas mucamas que tem a cozinha como o seu território e o único espaço em que se permite “mandar” nos patrões. Trata-se daquela empregada que é grata aos patrões por tudo o que tem na vida, embora na realidade nada tenha, continua sendo “pobre de marré”. A sua filha, Sandra (Danielle Winits) que ousou insubordinar-se com a condição servil foi tratada de louca e empurrada para fora do casarão.
Mas não pára por aí as ‘páginas invisíveis’. Sorte melhor teve a empregada Margareth (Carolina Bezerra) do casal homossexual Marcelo e Rubinho (Thiago Picchi e Fernando Eiras). Com receio de não ser demitida escondeu o quanto pode a gravidez, mas no final tudo terminou bem, o casal acolheu a filha da empregada. Mas a história toda serviu apenas como um “trampolim” para a discussão sobre a adoção de crianças por casais homossexuais. Certamente em uma outra situação o desfecho seria outro, terminando com a demissão da empregada.
Há ainda a empregada da Anna (Deborah Evelyn), a mãe da Giselle (Pérola Faria) - note-se que as patroas são sempre brancas e ricas e as empregadas quase sempre negras. Dorinha (Quitéria Chagas) se aproveita das saídas da patroa para ligar bem alto o som e sambar com sofreguidão. Usa a vassoura como porta-bandeira e dá-lhe samba no pé. No mínimo uma visão estereotipada.
Mas na vida real a coisa não é muito diferente. No Brasil, as domésticas continuam sendo consideradas como trabalhadoras de segunda categoria - invisíveis. Segundo a PNAD/IBGE de 2004 existem quase 6,5 milhões de trabalhadoras domésticas no Brasil. É um número superior ao conjunto dos assalariados industriais e equivale à categoria dos comerciários. Entretanto, somente 26% das pessoas ocupadas nos serviços domésticos têm carteira assinada. Em torno de 4,8 milhões não têm registro.
Pior ainda. Elas não têm direito ao FGTS, ao seguro desemprego, estabilidades provisórias (gestante e acidentado), PIS, salário família, hora extra e jornada fixa. Trata-se de uma categoria invisível aos olhos do direito do trabalho.
O governo com o argumento que pretende tornar visível essa categoria, considerando-se a baixíssima formalidade se dispõe a permitir a dedução no imposto de renda da contribuição previdenciária do empregador de domésticas no valor de até um salário mínimo. É sobre isso que dispõe a proposta MP 284 que está em discussão no Congresso.
Ao contrário de punir aqueles que não registram a empregada doméstica, o governo federal - com a proposta de dedução do imposto de renda - premia aqueles que cometem uma fraude e um delito trabalhista. Ou seja, com o argumento de visibilizar uma enorme categoria de trabalhadores e trabalhadoras acaba legitimando a invisibilidade.

Instituto Humanitas Unisinos - 04/03/07

Equador fechará a principal base militar dos EUA na América do Sul

Enquanto Bush visitará a América Latina, nesta semana, no Equador realizar-se-á a primeira conferência da rede mundial para abolir as bases militares de países estrangeiros, como a que os EUA mantém no porto equatoriano de Manta e que o presidente Rafael Correa prometeu fechar. A notícia é do jornal Página/12, 4-03-2007.
A idéia de lutar contra essas bases militares surgiu no Fórum Social Mundial. Em Quito estarão reunidos entidades como a Serpaj, o Conselho de Paz dos EUA, o asiático Focus on the Global South e centenas de Ongs latino-americanas, européias e de outros continentes, juntamente com personalidades como a norte-americana Cindy Sheeham, mãe do soldado morto na invasão do Iraque. Também haverá uma grande marcha até Manta.

Instituto Humanitas Unisinos - 03/03/07

Banalidade do mal. Intelectuais discutem artigo de Renato Janine Ribeiro.
A publicação do artigo Razão e sensibilidade de Renato Janine Ribeiro no jornal Folha de S. Paulo, 18-02-2007, suscitou uma intensa polêmica.
Entre outros, Olgária Matos, professora titular do Departamento de Filosofia da USP, situa o artigo num “quadro em que o econômico justifica a violência, o "social" a explica e o bovarismo vê civilização onde não há projeto civilizatório que deveria ser entendido o artigo do professor Renato Janine Ribeiro”. Segundo ela, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 25-02-2007, “ninguém defende pena de morte e tortura. Fazê-lo seria gravíssimo”.
Para Olgária Matos, “o que o ensaio de Renato Janine dá a pensar é, entre outras coisas, se, ao dar-se preferência ao aspecto educativo da lei, suprimindo, na prática, seu caráter punitivo, e se, na comedida e prudente atitude dos representantes da lei e instituições humanitárias, não se expressa a idéia de que as condições materiais de existência explicam o crime e as condições sociais e penitenciárias o justificam”.
E ela conclui:
“Pois é tão infamante jovens e adultos serem trucidados em favelas e queimados em pneus quanto o é qualquer ser humano sê-lo em ônibus ou nas ruas da cidade, independentemente de sua extração social. Trauma após trauma, pode-se opinar o que se quiser sobre delinqüentes e seus crimes, só não há como dizer que se trata de "crime famélico". Esses jovens estão cheios de mensagens, e uma delas é a de não quererem só comida. Assim como é falta de pudor a mídia brasileira freqüentemente operar com presunção de culpa, também deveria ser rechaçada indulgência com criminosos. Afinal, é só no Brasil que delinqüentes são tratados não por seus nomes próprios, mas por diminutivos e com linguagem afetiva. É cedo que se adquire consciência do que é assassinar, do que é permitido e do que é interdito, sem o que uma sociedade não é uma sociedade.”
No dia 27-02-2007, Renato Janine Ribeiro escreve no jornal Folha de S. Paulo, reagindo às críticas feitas por Elio Gaspari ao seu artigo feitas no dia 25-02-2007, no mesmo jornal:
"Comentando meu artigo sobre o assassínio de João Hélio, Elio Gaspari erra ao tentar ligar minha posição pessoal ao cargo que ocupo na Capes. Em três anos como diretor de avaliação dessa fundação, jamais confundi o que são meus textos pessoais com o que são os oficiais. Meus sentimentos são meus. Gaspari erra mais ainda ao identificar a expressão de meus sentimentos -isto é, de uma indignação que, como cidadão, tenho o direito de sentir e que muitos brasileiros sentem - com o que imagina que seriam minhas idéias e propostas sobre o assunto, campo no qual fui muito comedido e afirmei que nutro enormes dúvidas. Não sei de onde ele retirou que eu estaria propondo a pena de tortura. Ele confunde sentimentos e emoções com o que seriam idéias e até mesmo propostas (as quais me recusei a fazer). Acho estranho que alguém que faz do manejo da linguagem sua profissão não distinga emoção e reflexão e chame de proposta o que é indignação. Assim, desenvolverei estes pontos no espaço que o editor do Mais! me ofereceu para esclarecer melhor um texto que suscitou um debate acirrado, porque parece ter tocado num nervo exposto da sociedade brasileira ante tamanha barbárie."
Maria Rita Kehl
Maria Rita Kehl, psicanalista, escreve no Painel do Leitor, Folha de S. Paulo, dia 28-02-2007, comentando o artigo de Olgária Matos.
"O generoso artigo de Olgária Matos não tem o poder de poupar o professor Renato Janine das críticas que o texto dele (Mais!, 18/2) fez por merecer.
É lamentável que um homem público suponha que seus afetos, fantasias e ruminações possam contribuir para o debate sobre o rumo justo que os brasileiros desejam dar à grave crise de violência social que nos atinge. Fantasias sádicas e desejos onipotentes de vingança são infantis, banais, humanos. Ocorrem a qualquer um, movidos pela mais santa ira.
É para proteger a sociedade inteira contra tal banalidade do mal, para evitar que nos tornemos todos assassinos e torturadores em nome do "bem" (aí, sim, como os nazistas), que a lei deve, ou deveria ser, impessoal e desapaixonada. Não é preciso ser professor de ética para saber disso."
Maria Victoria Benevides
Maria Victoria Benevides, socióloga, professora da USP, escreve no dia 1-03-2007, a seguinte nota publicada no jornal Folha de S. Paulo.
"A psicanalista Maria Rita Kehl, em sua carta no "Painel do Leitor" de 28/2, expressou de maneira clara e concisa o que todos nós, defensores radicais do Estado de Direito democrático e republicano, pensamos, perplexos e chocados, sobre o artigo de Renato Janine no Mais! de 18/2. Ao desvelar publicamente suas "fantasias sádicas e desejos onipotentes de vingança", como se estivesse num desabafo entre amigos, o professor parece não se ter dado conta de sua responsabilidade como professor e homem público. Que pena.
Sempre podemos, no entanto, aproveitar esse tremendo susto para participar do debate sobre o tema, inclusive na universidade."
Andrea Lombardi
Andrea Lombardi, professor de língua e literatura italianas na Universidade Federal do RJ e membro da pós-graduação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, publicou no dia 25-02-2007, o artigo A Razão distorcida, comentando o artigo de Renato Janine Ribeiro.
Andrea Lombardi, entrevistado pela IHU On-Line, comenta o artigo.
Italiano de nascimento, ele conclui o duro artigo criticando o artigo de Renato Janine Ribeiro com o seguinte depoimento:
“Não me sinto mais tão estrangeiro, não tenho certeza de que quero ser considerado um intelectual ou um professor, mas sinto-me tão humanista e ligado à ética quanto quando cheguei. Escolhi o Brasil, há quase um quarto de século, por ser mais tolerante, mais aberto do que a velha Itália. Hoje quero defender essa escolha. Penso que contra a violência, contra a pena de morte, contra a corrupção que autoriza descrença, desengajamento, hipocrisia e cinismo, é necessário retomar uma atitude inconformada.
Ou melhor: rebelde. Fazendo, talvez, como fizeram, há alguns anos, os ambientalistas no Rio, que com um gesto simpático, abraçaram a Lagoa de Freitas. Declarando talvez como há 50 anos o fazia veementemente o fundador do situacionismo - Guy Debord- ou [o cineasta] Pasolini, seu inconformismo com a sociedade do bem-estar e da apatia. Protestando como em 1968, com milhões de jovens no mundo inteiro, para chegar a gritar hoje (talvez?): "O bom senso ao poder" que ecoa o "poder da imaginação" de então. Qualquer coisa, menos a indiferença pós-moderna, como escreveu um autêntico intelectual carioca”.
Antonio Cicero, filósofo e poeta, denuncia uma onda de conservadorismo no País, em entrevista publicada no jornal Folha de S. Paulo, 3-03-2007.

Instituto Humanitas Unisinos - 19/02/07

“Todo o discurso que conheço sobre o Estado não dever se igualar ao criminoso está em xeque para mim”. Um artigo do filósofo Renato Janine Ribeiro
O filósofo Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política na USP, em artigo para o Caderno Mais! da Folha de S.Paulo, 18-2-2007, diz que não para de pensar sobre a morte bárbara do menino João Hélio e que pela primeira vez aceita em tese a possibilidade da pena de morte.
Para ele, “se as pessoas merecem morrer, e se é péssimo o Estado se igualar a quem tira a vida de outro, por outro lado é uma tremenda hipocrisia deixar à livre iniciativa dos presos ou aos justiceiros de esquina a tarefa de matar quem não merece viver”. Nesse caso, diz o filósofo, “abrimos mão da responsabilidade, que pode ter uma sociedade, de decidir - no caso, quem deve viver e quem merece morrer”.
Eis o seu artigo na íntegra:
Escrever sobre o horror em estado puro: assim vivi o convite para participar deste número do Mais!. É insuportável pensar no crime cometido contra o menino João Hélio. E é nisso que mais penso, nestes dias. Não me saem da cabeça duas ou três coisas. A primeira é o sofrimento da criança. Se há Deus, e acredito que haja, embora não necessariamente antropomorfo, como admite Ele esse mal extremo, gratuito, crudelíssimo? Se a alma ou o espírito tem um destino após a morte, chame-se esse de juízo eterno ou de uma série de reencarnações, como poderá esse infeliz menino ser recompensado pela vida que lhe foi ceifada, não apenas tão cedo, mas, além disso, de modo tão bárbaro?
Essas são questões religiosas, ou melhor, de fé. E quanto aos assassinos? A outra coisa que não me sai da cabeça é como devem ser punidos. Esse assunto me faz rever posições que sempre defendi sobre (na verdade, contra) a pena de morte.
Anos atrás, me convidaram a escrever um artigo para uma revista de filosofia contra a pena de morte. Perguntei então: mas alguém escreverá a favor? E me responderam que era possível, por que não? Acabei escrevendo meu artigo (contra a pena capital), mas este caso horrível me faz repensar ou, melhor, não pensar, sentir coisas distintas, diferentes.
Se não defendo a pena de morte contra os assassinos, é apenas porque acho que é pouco. Não paro de pensar que deveriam ter uma morte hedionda, como a que infligiram ao pobre menino. Imagino suplícios medievais, aqueles cuja arte consistia em prolongar ao máximo o sofrimento, em retardar a morte. Todo o discurso que conheço, e que em larga medida sustento, sobre o Estado não dever se igualar ao criminoso, não dever matar pessoas, não dever impor sentenças cruéis nem tortura - tudo isso entra em xeque, para mim, diante do dado bruto que é o assassinato impiedoso.
Torço para que, na cadeia, os assassinos recebam sua paga; torço para que a recebam de modo demorado e sofrido. Conheci o sr. Masataka Ota, pequeno empresário cujo filho pequeno foi assassinado. Entrevistei-o para meu programa de ética na TV Futura (episódio "Justiça e Vingança"). Masataka perdoou os assassinos, isto é, embora pudesse matá-los, não o fez.
Quis que fossem julgados e lamenta que já estejam soltos, poucos anos após o crime hediondo, mas ele é um caso raro - e admirável - em não querer se vingar, em não querer que os assassinos sofram mais do que a pena de prisão. Confesso que não seria a minha reação.
Quem é humano?
Penso - porque ainda consigo pensar, em meio a esse turbilhão de sentimentos - também que há diferentes modos de impor a pena máxima. A punição com a morte se justifica ora pela gravidade do crime cometido, ora pela descrença de que o criminoso se possa recuperar. No caso, as duas razões comparecem. Parecem irrecuperáveis, e seu crime é hediondo. Não vejo diferença entre eles e os nazistas.
Creio que só um insensato condenaria as execuções decretadas em Nuremberg. Há, hoje, quem debata se Luís 16 deveria ou não ter sido guilhotinado: dizem alguns que o melhor seria reduzir o último rei absoluto da França a um cidadão privado, um pouco como a China (curiosamente, campeã em execuções) fez com Pu Yi, seu derradeiro imperador. Mas Luís era culpado apenas de ser rei. Pessoalmente, era um homem bom.
Os nazistas foram culpados do que fizeram. Optaram pelo mal. Como esses assassinos. Em países como os Estados Unidos, a demora na execução é ela própria uma parte -talvez involuntária - da pena. Alguém passa 20 anos no corredor da morte, e é executado quando já pouco tem a ver com quem foi. Na Inglaterra, antes de abolir a pena de morte, era diferente: dois ou três meses após o crime, o assassino era enforcado. Nos dois países, a garantia de todos os direitos de defesa ao réu faz parte, por curioso que pareça, da engrenagem que diz ao acusado: você terá todos os direitos, mas não escapará.
No Brasil é diferente. Não temos pena de morte, na lei. A Constituição a proíbe. Mas provavelmente executamos mais gente que o Texas, o Irã ou a China. É que o fazemos às escondidas. Quando penso que, desses infanticidas, os próprios colegas de prisão se livrarão, confesso sentir um consolo. Mas há algo hipócrita nisso.
Se as pessoas merecem morrer, e se é péssimo o Estado se igualar a quem tira a vida de outro, por outro lado é uma tremenda hipocrisia deixar à livre iniciativa dos presos ou aos justiceiros de esquina a tarefa de matar quem não merece viver. Abrimos mão da responsabilidade, que pode ter uma sociedade, de decidir - no caso, quem deve viver e quem merece morrer. Tudo isso traz questões adicionais. É-se humano somente por se nascer com certas características? Ou a humanidade se constrói, se conquista - e também se perde? Alguém tem direito, só por ser bípede implume, de fazer o que quiser sem perder direitos? A todos assiste o direito da mais ampla defesa.
O papel do intelectual
Mas, garantida esta, posso fazer o que quiser sem correr o risco da pena última? Isto, que relato, põe em questão meu próprio papel como intelectual. Intelectual não é apenas quem tem uma certa cultura a mais do que alguns outros. É quem assina idéias, quem responde por elas. Tive, na graduação, uma amiga que teve bloqueio de escrita. Mas, na verdade, ela até fazia trabalhos - de graça - para outros colegas. Seu bloqueio não era de escrita, mas de assinatura. Talvez possa dizer: o cientista escreve, o intelectual assina.
O intelectual é público. Só que, para ele cumprir seu papel público, é preciso acreditar no que diz. Ora, quantas vezes o intelectual afirma aquilo em que não acredita? Quantos não foram os marxistas que se calaram sobre os campos de concentração, que eles sabiam existir? Por isso, o mínimo que devo fazer, se sou instado a opinar, é dizer o que realmente penso (ou, então, calar-me).
Sei que a falta de perspectiva ou de futuro é o que mais leva pessoas a agirem como os infanticidas. Sei que devemos reformar a sociedade para que todos possam ter um futuro. Creio que isso reduzirá a violência. Mas também sei que os pobres são honestos, mais até do que os ricos. A pobreza não é causa da falta de humanidade. Quer isso dizer que defenderei a pena de morte, a prisão perpétua, a redução da maioridade penal? Não sei. Não consigo, do horror que sinto, deduzir políticas públicas, embora isso fosse desejável.
Mas há algo que é muito importante no exercício do pensamento: é que atribuamos aos sentimentos que se apoderam de nós o seu devido peso e papel. Não posso pensar em dissonância completa com o que sinto. A razão, sem dúvida, segura muitas vezes as paixões desenfreadas. Quantas vezes não nos salvamos do desespero, do desamparo, do ódio e da agressividade, apenas porque a razão nos acalma, nos contém, nos projeta o futuro?
Que crimes o amor desprezado não causaria, não fosse ele contido pela razão? Mas isso vale quando a dissonância, insisto, não é completa. Se o que sinto e o que digo discordam em demasia, será preciso aproximá-los. Será preciso criticar os sentimentos pela razão - e a razão pelos sentimentos, que no fundo são o que sustenta os valores.
Valores não são provados racionalmente, são gerados de outra forma. Afinal de contas, o que vivemos no assassínio bárbaro de João Hélio, como meses atrás quando queimaram viva uma criança num carro, não é diferente do nazismo. Dizem uns que o Brasil está como o Iraque. Parece, pior que isso, que temos algumas mini-auschwitzes espalhadas pelo território nacional.