"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, junho 02, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 02/06/07

Biometria. É preciso pagar esse preço?

“Qual é o preço a pagar para tornar a vida mais segura?”, pergunta o Comitê Consultivo de Ética da França num comunicado em que analisa o que chama de “paradigma da segurança”, que se vale de instrumentos como a biometria. Além disso, pede um “contra-poder” aos métodos de identificação. A reportagem é do Le Figaro, 31-05-2007, e a tradução do Cepat.

“Subrepticiamente, a nossa sociedade, em nome do paradigma da segurança, se habitua ao uso desses marcadores biométricos”, constata o Comitê Consultivo Nacional de Ética (CCNE) num comunicado divulgado nesta quinta-feira. Um hábito perigoso, garante o comitê: “Cada um aceita finalmente e mesmo com alguma indiferença ser fichado, observado, marcado, traçado, sem mesmo muitas vezes ter consciência.

DNA, sangue, urina, íris...

Em questionamento, a biometria, técnica em pleno boom, que consiste na identificação dos indivíduos por suas características físicas: marcação de “suspeito” por identificação facial, controle nas fronteiras graças ao passaporte biométrico, acesso a um computador graças às impressões digitais. E também já é possível identificar qualquer pessoa graças ao seu DNA, sangue, urina, retina, íris, voz, ou mesmo sua maneira de digitar.

Para além das falhas de segurança reveladas especialmente pelo Guardian no tocante ao passaporte biométrico, o CCNE aponta os desvios de quem espia. Ele critica severamente “uma lei que transforma a objeção em se submeter a esse procedimento em crime”, que despreza o consentimento, condição sine qua non da biometria. Outro perigo: a deturpação dos dados e seus cruzamentos o que “permite um controle estreito e multiforme das pessoas, de seus deslocamentos e de suas atividades”. “Podemos facilmente imaginar a utilização para fins de estigmatização, de exclusão ou mesmo de eliminação que regimes totalitários teriam podido fazer ou poderão fazer desses instrumentos”, acrescenta o texto.

“O preço a pagar”

Diante dessas dúvidas, o Comitê de Ética se pergunta: “qual é o preço a pagar para tornar a vida mais segura?”. Para evitar os desvios, o comunicado preconiza a realização de um vasto “debate público” sobre a questão e um “real contra-poder à generalização excessiva da biometria”. Propõe que a CNIL seja encarregada desta tarefa.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/06/07

Os ‘segredos’ da Toyota

A Toyota é o mais novo fenômeno mundial de sucesso num setor extremamente competitivo e concentrado. Concorrentes, mas também empresas de outros setores se esmeram em desvendar os ‘segredos’ do sucesso da montadora japonesa e em copiar seus métodos. Para o autor deste artigo, Frédéric Lemaître, o grande segredo da Toyota está na “sua organização do trabalho e seu sistema de relações sociais”. Lemaître situa o modelo francês de organização do trabalho nas “antípodas do modelo japonês”, como “anti-Toyota”. Para ele, no caso da França, mais do aumentar o tempo de trabalho, questão de fundo é fazer trabalhar “mais inteligentemente”, uma crítica à proposta de Sarkozy.

Segue a íntegra do artigo do Le Monde, 25-05-2007. A tradução é do Cepat.

Dos dois acontecimentos quase simultâneos – a vitória de Nicolas Sarkozy na eleição presidencial e a ultrapassagem da General Motors pela Toyola como a maior fabricante de carros do mundo–, a história vai julgar qual será o mais importante. Entretanto, a questão fundamental em torno da qual deverão girar as conversas do presidente da República com os parceiros sociais é esta: por que a França é incapaz de produzir um líder mundial como a Toyota? Dar uma resposta coletiva a esta pergunta permitirá resolver grande parte dos bloqueios franceses. O sucesso da montadora japonesa oferece, com efeito, um contraste surpreendente com as nossas empresas. Não que algumas delas sejam incapazes de seres líderes mundiais, mas o sistema administrativo da Toyota que está na origem da sua conquista encontra-se – infelizmente – nas antípodas das práticas francesas.

Um grupo japonês não vende perto de dez milhões de veículos por ano, três milhões dos quais na América do Norte, por acaso. Para alcançar os dois objetivos fixados desde os anos 1950 – a organização em fluxos contínuos e a melhoria permanente –, os dirigentes da Toyota desenvolveram e colocaram em prática três princípios fundamentais: o desenvolvimento pessoal dos seus trabalhadores, a luta permanente contra o desperdício e a capacidade de cada um resolver os problemas e de participar da melhoria dos produtos (O modelo Toyota, de Jeffrey Liker. São Paulo: Bookman, 2005). Copiada pela maioria das multinacionais desde os anos 1980, a ex-fabricante de tecelagens nunca foi igualada. De modo geral, dispõe hoje de conhecimentos que a coloquem na dianteira na maioria dos campos, especialmente da tecnologia híbrida (motores à base de combustível e eletricidade).

Se a Toyota abocanha partes do mercado de seus concorrentes americanos e europeus, isso não é porque seus carros seriam subvencionados ou porque explorariam seus operários de maneira descarada – o japonês parece muito feliz pela abertura de uma fábrica em Valenciennes apesar das 35 horas –, mas porque sua organização do trabalho e seu sistema de relações sociais lhe permitem propor carros melhores.

É aí que a comparação com a França é cruel. Mesmo quando os estudos internacionais neste campo são aleatórios, tudo indica que o arcaísmo das relações sociais na França tem um impacto direto sobre a organização e, portanto, sobre as condições de trabalho e em seguida, in fine, sobre a performance das empresas. Como o demonstra o economista Thomas Philippon num ensaio muito estimulante, Le Capitalisme d’héritiers (Seuil, 110 p., 10,50 euros), os franceses não têm nenhuma alergia particular ao trabalho. Pelo contrário, eles se encontram, nos países desenvolvidos, entre aqueles para quem o trabalho é o mais importante. Muitos deles julgam importante ensinar os seus filhos a “trabalhar duro”.

Se esta tese estiver correta, o diagnóstico de Nicolas Sarkozy é falso: não haveria crise do valor trabalho. Ao contrário, os franceses, explica Thomas Philippon, não conseguem trabalhar juntos. “A má qualidade das relações sociais na França é uma característica que ressalta de todas as pesquisas disponíveis, e isso de maneira permanente”, escreve. Um estudo realizado em 2003 para a Comissão Européia o confirma: 50% dos franceses interrogados pensam que há muitas tensões entre os trabalhadores e os dirigentes em seu país”, um recorde na Europa dos Quinze, excetuada a Grécia. Do mesmo modo, sempre com exceção da Grécia, a França se classificaria atrás na Europa quando o assunto é “a liberdade de tomar decisões em seu trabalho”. O anti-Toyota, de alguma maneira!

Alguns atribuem esse clima às chefias dos grandes grupos. Para Philippon, o fato de que um grande número de empresas seja dirigido por “herdeiros” (no sentido patrimonial ou sociológico pelo viés dos grandes corpos do Estado) explica, em grande parte, a falta de confiança generalizada nas sociedades francesas.

O trabalho sentido como sofrimento

Outros apontam o papel negativo dos sindicatos, alguns dos quais sempre consideram o lucro como ilegítimo e desconfiam da liberdade dada aos trabalhadores, estágio último da exploração capitalista! Pouco importa: o trabalho é sempre percebido como um sofrimento. E as condições de trabalho têm a tendência de se degradarem. Segundo a pesquisa feita a cada dez anos pelo Ministério do Trabalho, entre 1994 e 2003, “a exposição dos trabalhadores à maioria dos riscos e sofrimentos do trabalho teve tendência ascendente”. As jornadas de trabalho são menos longas, mas as restrições organizacionais e os sofrimentos físicos aumentam.

Em nome da defesa do emprego, os sindicatos hesitaram muito tempo antes de fazer da melhoria das condições de trabalho uma verdadeira prioridade. Os recentes suicídios na Renault mostraram que um certo número de representantes do pessoal também se sentia mal diante das atitudes da direção em relação a esse fenômeno. Para o patronato, a melhoria das condições de trabalho é muitas vezes visto como um custo suplementar, e a idéia de que um subordinado possa ter idéias melhores que seu superior é contrária à nossa “lógica de honra”. De repente, qualquer negociação sobre esse tema fracassa.

Um sinal não falha. Nos últimos 25 anos, um instituto americano, o Great Place to Work, sonda dezenas de milhares de trabalhadores para classificarem as melhores empresas para se trabalhar. Nos últimos anos, o instituto ampliou suas pesquisas na Europa para empresas que se ofereciam voluntariamente. Na maioria dos países, o instituto foi obrigado a limitar a participação a 200 empresas. Na França, apenas cerca de 60 se candidataram. Conseqüência: nenhuma empresa francesa – com exceção de algumas filiais de grupos americanos – figura no Top 100 das empresas em que é bom trabalhar na Europa.

Podemos tratar esse tipo de classificação pelo viés da desconfiança. Mas, na competição mundial, os grupos têm apenas duas maneiras de se sair bem: oferecer os mesmos bens ou serviços que seus concorrentes a um preço mais baixo ou propor novos. A menos que se desloque a produção para um país emergente, a primeira alternativa está devotada ao fracasso. Resta a segunda: inovar. A não ser que consagrem a isso somas fabulosas, as empresas só podem contar com seus trabalhadores. Ora, sem motivação não há inovação. Propor aos trabalhadores, voluntários, trabalhar mais tem sido, sem dúvida, a proposta defendida por Sarkozy. Mas a verdadeira ruptura consistiria em fazê-los trabalhar mais inteligentemente. Um desafio que, é verdade, não se enfrenta com uma simples lei.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/06/07

Nanotecnologias para atuar no centro das plantas

Novas descobertas que envolvem a nanotecnologia e a biologia prometem revolucionar diversos tratamentos. As descobertas realizadas por quatro pesquisadores da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, permitem maior precisão na introdução de nanopartículas em células vegetais, por exemplo, mas também criar pólen transgênico, sem que a planta inteira o seja.

Eis a reportagem de Elsa Jirou para Le Monde, 31-05-2007. A tradução é do Cepat.

Uma equipe de quatro pesquisadores da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, acaba de elaborar um sistema para entrar no coração das células vegetais e agir sobre elas. Kan Wang e François Torney, biólogos, e Victor Lin e Brian Trewyn, químicos, conseguiram implantar em células vegetais nanopartículas sofisticadas, com capacidades inéditas no campo da pesquisa vegetal: minúsculos instrumentos que permitem liberar, em tempo escolhido, moléculas, proteínas, produtos químicos...

De forma esférica, essas nanopartículas, descritas no número de maio da revista Nature Nanotechnology, são constituídas por um empilhamento de nanotubos de silicato. Cada um desses tubos tem o diâmetro de 3 nanômetros (o nanômetro é a bilionésima parte de um metro), e cada partícula aproximadamente 200 nanômetros. O diâmetro de uma célula vegetal, para fins de comparação, é de 37 mil nanômetros.

Após sua fabricação, a estrutura de silicato foi recoberta de trietileno glicol, para que a célula fosse “atraída pela partícula e a engula”. Graças a esta união, os pesquisadores puderam “colar” sobre a nanopartícula moléculas grossas, como as moléculas de DNA, que não entram nos nanotubos. “É um instrumento que nos permite colocar produtos não somente nos tubos, mas também na partícula”, confirma o francês da equipe, François Torney. “Podemos colocar muitos produtos ao mesmo tempo numa mesma célula”.

Num primeiro momento, os pesquisadores utilizaram esta estrutura em células vegetais privadas de suas paredes, uma técnica utilizada pela pesquisa fundamental, mas que não permite aplicação concreta. Com a ajuda de um canhão de hélio comprimido, os pesquisadores “bombardearam” células vegetais “inteiras” dessas nanopartículas. “Elas eram muito rápidas para atingir as células e nelas entrar”, explica François Torney. “Nós colocamos então pequenas portas em ouro para fechar as extremidades de cada tubo e aumentar o peso das partículas”.

Com este mecanismo, os pesquisadores conseguiram penetrar as paredes das células vegetais. As portas em ouro também permitem controlar a difusão das moléculas contidas nos tubos. “Criamos um sistema de gonzo que só se abre em contato com determinados produtos químicos. Basta então colocar a planta em contato com esse produto para que os tubos liberem seu conteúdo”, precisa o biólogo.

As possíveis aplicações desse novo instrumento são múltiplas, e ficam entusiasmados os pesquisadores. Essas nanopartículas poderiam ser utilizadas especialmente para vacinar as plantas: “Podemos colocar um antiviral nos tubos, mas decidir que suas portas só se abram quando a planta for atacada pelo vírus”.

“Pólen não transgênico”

As nanopartículas permitem também aos pesquisadores criar organismos geneticamente modificados (OGMs): elas podem implantar, ao mesmo tempo, um gene e o produto químico que vai ativá-lo, e decidir o momento exato em que esse produto irá se difundir. “Esse instrumento também vai ser muito útil para a pesquisa fundamental”, acrescenta François Torney. “Ele vai nos permitir analisar e compreender melhor o funcionamento das células vegetais, campo ainda pouco conhecido.”

Uma outra pesquisa em andamento na Universidade de Iowa visa a produzir um sistema de alvo da nanopartícula no interior da própria célula. Tal procedimento permitiria determinar o ponto exato em que deveria se dirigir a nanopartícula uma vez dentro da célula.

A célula vegetal, contrariamente à célula animal, possui muitos genomas. Ora, só o genoma contido no nó participa na fabricação do pólen. “Se a experiência der certo, permitiria alvejar os genes para os genomas não nucleares e criar plantas OMGs cujo pólen não seria transgênico”. E, assim, evitar que as plantas transgênicas se espalhem.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/06/07

29 milhões de brasileiros sem proteção social

O Brasil convive com 28,81 milhões de trabalhadores que têm ocupação, mas estão fora do sistema de proteção social da Previdência. Estudo divulgado ontem pelo Ministério da Previdência Social mostra que os "socialmente desprotegidos" representam 36,5% da população ocupada, embora mais da metade desse contingente tenha renda para contribuir para o sistema previdenciário. A reportagem é de Juliana Sofia e publicada no jornal Folha de S. Paulo, 2-06-2007.

O documento elaborado pela Secretaria de Previdência Social ainda revela que a previdência e a assistência social -benefícios de prestação continuada- ampliaram seus efeitos sobre a redução da pobreza e retiraram dessa situação 21,037 milhões de pessoas.

Com base nos dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2005, o estudo contraria a informação freqüentemente adotada pelo governo de que há 40 milhões de pessoas fora da Previdência.

Segundo o secretário da Previdência Social, Helmut Schwarzer, esse cálculo era exagerado, resultando de uma metodologia inadequada. Excluíam-se da cobertura os 8,49 milhões de trabalhadores rurais, que têm um sistema diferenciado de contribuição para a Previdência. Também não era considerado que existe 1,3 milhão de aposentados que voltaram a trabalhar na informalidade, não recolhendo contribuição previdenciária.

Do novo universo dos "socialmente desprotegidos", 12,26 milhões têm renda abaixo de um salário mínimo. Para o secretário, esse grupo precisa ser alvo de políticas públicas que garantam a complementação da renda, o que permitiria sua inclusão na Previdência.

Perfil

Já uma parcela de 16,26 milhões de trabalhadores ocupados tem renda igual ou superior a um salário mínimo. "Essa é a população que poderia estar dentro do sistema, mas não está. A grande maioria é de trabalhadores por conta própria ou assalariados sem carteira assinada", diz Schwarzer. Há ainda 286 mil com renda ignorada.

Além dessa característica, o perfil desses trabalhadores mostra que eles têm entre 30 anos e 49 anos de idade, ganham até dois salários mínimos e atuam nos setores de comércio e serviços. O secretário acrescenta que esse perfil pode ser um "mapa da mina" para o governo traçar políticas públicas de aumento da inclusão previdenciária.

Entre a população idosa, o estudo aponta que a proteção previdenciária chega a 82%. Dos 18,256 milhões de idosos com 60 anos ou mais, 3,291 milhões não contam com benefícios previdenciários (aposentadoria ou pensão). Um dos efeitos diretos disso é o impacto da Previdência na redução da pobreza no país, diz o estudo.

Associada aos benefícios assistenciais da Loas (Lei Orgânica da Assistência Social), a Previdência tira da pobreza 11,6% da população do país, diz o estudo. Sem a renda previdenciária, o número de pessoas com renda domiciliar per capita abaixo de R$ 150 por mês é de 76,9 milhões. Com essa receita, são 55,9 milhões de brasileiros.

"A Previdência cumpre um importante papel na redução da pobreza. É um equívoco começar o discurso sobre a reforma da Previdência com uma visão de que é preciso tirar direitos. Queremos criar incentivos para a maior contribuição e garantir a sustentabilidade do sistema", concluiu Schwarzer.

sexta-feira, junho 01, 2007

'José Bonifácio é um misto de homem e de mito', afirma a historiadora Eliane Fleck

Consagrado como Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva “é um personagem histórico que desprezava os títulos da nobreza, o anticlericalismo, e discutia o porquê de as mulheres terem que obedecer às leis feitas sem sua participação e consentimento”, descreve a Profa. Dra. Eliane Fleck, da Unisinos. Nas múltiplas faces de Bonifácio, explica a professora, ficam visíveis suas proposições arrojadas e, ao mesmo tempo conservadoras.

Descendente de uma das famílias mais proeminentes de Santos, São Paulo, José Bonifácio escreveu artigos, nos quais tentou demonstrar “a inviabilidade do desenvolvimento de um Estado-Nação que, apesar de contar com uma Constituição liberal, mantinha um regime escravocrata que comprometia o desenvolvimento agrícola e inviabilizava a industrialização”.

Entre seus objetivos, esclarece Eliane Fleck, Bonifácio pretendia cessar o tráfico de escravos e a proibição de castigos cruéis. “Ele propõe também o incremento de casamentos entre raças diferentes, estimulando casamentos de brancos com negros e índios”. A mestiçagem possibilitaria o surgimento de uma nova raça e a criação de uma cultura comum. Essas idéias, diz a professora, “podem ser explicadas pela preocupação que ele tinha em resolver o problema da identidade do Estado-Nação e em conter os efeitos de uma convulsão social que poderia ser causada pela alforria imediata de todos os negros”.

Eliane Fleck ressalta que, José Bonifácio foi influenciado pelos ideais iluministas e humanistas. “Ele inaugurou o debate em relação a muitas outras questões que vem nos ocupando na atualidade”. Autor de propostas reformistas, foi o primeiro a criar uma lei obrigando o reflorestamento de áreas desmatadas e de projetos que previam a restrição dos grandes latifúndios, o incentivo à pequena e média propriedade e a redistribuição de terras cultiváveis.

Em relação ao ensino, o Patriarca da Independência defendia a extensão pela educação básica para todos. De acordo com a professora suas idéias podem ser consideradas como “uma idealização muito distante do vivido pela população brasileira nos dias atuais”.

Eliane Fleck é graduada e mestre em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Doutora na mesma área pela Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Puc-RS), atualmente ela é professora-pesquisadora do Programa de Pós-Graduação e professora de História na Unisinos.

A convidada para debater a vida e obra de Bonifácio, é a Profa. Dra. Márcia Miranda, da Unisinos. Ela participará nesta terça-feira, 29-05-2007, do Ciclo de Estudos Interpretações do Brasil: dos clássicos às novas abordagens, apresentando O pensamento de José Bonifácio, Reforma, Independência e Escravidão. O evento está marcado para as 19h30min, na sala 1G119, no IHU.

Instituto Humanitas Unisinos - 29/05/07

O processo de geração dos biocombustíveis está dominado pelo cartel do petróleo

Vendidos exageradamente como a solução para deter a mudança climática, os biocombustíveis ainda não convencem de todo: contrariamente da energia solar ou da eólica, que são tomadas diretamente da natureza, a energia gerada pelos biocombustíveis requer por sua vez energia para semear, colher, produzir e "fabricar" estes biocombustíveis, às vezes a um custo bastante elevado. Não bastasse isso, são promovidos pelo próprio Bush, num contexto em que, diante da falta de energias verdadeiramente alternativas, o cartel do petróleo não colapsa e o negócio continua, inalterado, nas mesmas mãos.

A grande conclusão do artigo de Sergio Federovisky é que a matriz energética dos biocombustíveis é a mesma do petróleo. A distribuição dos biocombustíveis continua nas mãos dos que dominam a distribuição da gasolina e do diesel. Dessa maneira, segundo o autor dá a entender, produz-se uma nova divisão internacional mediante a qual os países em desenvolvimento entram não mais como simples fornecedores de matérias-primas, mas como fornecedores de energia (biocombustíveis) para os países ricos.

Eis a íntegra do artigo publicado Página/12, 19-05-2007. A tradução é do Cepat.

Parece que o mundo, de repente tão angustiado com a mudança climática, descobriu magicamente a porta de saída do inferno. Da mão do midiático e agora apreciado Al Gore (a derrota sempre enaltece, mais ainda quando é por mãos de um obtuso), parece que temos confirmado que o problema é a gasolina e que é preciso encontrar a forma de encher o tanque do carro com um combustível "ecológico" para descansar tranquilamente e não nos sentirmos responsáveis por colaborar com o aquecimento global.

Ao influxo de seu documentário "Uma verdade inconveniente" (cinematograficamente bom e academicamente correto, é preciso dizê-lo), Al Gore introduziu um termo que parecia familiar, mas não tanto. O termo é biocombustível.

A palavra "biocombustível" tem um problema estritamente semântico. Ao ter o prefixo "bio", outorga a todo aquele que a escuta uma sonoridade que conota o suposto benefício que todo o derivado do natural traz. Em conseqüência, se produz uma enunciação automática que faz deduzir que a solução para tudo está nas mãos dos biocombustíveis.

Quem esclarece que isto não é obrigatoriamente assim não é um ecologista: Ed Kerschner, chefe do departamento de Pesquisa do Citigroup Investment, diz que é um erro identificar de modo automático as práticas energéticas que tentam frear a mudança climática como opções ecológicas. Uma coisa é o alternativo e outra é o ambientalmente sustentável, esclarece e exemplifica: "A energia nuclear é 100% alternativa, já que não gera gases de efeito estufa; no entanto, é ambientalmente questionável, já que produz resíduos radiativos, cuja disposição ainda não tem resolução tecnológica".

Nesse cenário aparecem os biocombustíveis, que são marqueteados como alternativos (sua incidência direta na emissão de gases de efeito estufa é pouco inferior à combustão de petróleo ou carvão), mas de modo algum podem ser classificados como "ecológicos", supondo que não provocam alterações ambientais no planeta.

A questão é que aparece George W. Bush - a quem por antonomásia lhe adjudicamos um olhar maligno (ou ao menos contrário aos interesses populares, e mais inclinado a favorecer interesses setoriais) - e ao reivindicar os biocombustíveis e anunciar que aceita o desafio da mudança climática e promover este produto como solução, nos obriga a repensar se se está no caminho certo.

Efeitos colaterais

No meu livro O meio ambiente não importa a ninguém exponho a idéia (tomada por sua vez de diversos economistas que analisaram a variável ecológica do desenvolvimento) de que os problemas ambientais na verdade não existem, mas que são "efeitos colaterais" das decisões econômicas. O que na hora de esmiuçar cada episódio os converte prontamente em problemas econômicos: a bacia do rio Salí-Dulce que está perfurando a vida útil da represa do Rio Hondo em Santiago del Estero não foi contaminada porque os empresários que foram atraídos à sua beira sejam intrinsecamente perversos, mas porque houve uma equação econômica que justificou a liberação dos dejetos industriais sem tratá-los.

Também exponho ali que em relação aos problemas ambientais globais é a mesma equação que rege a base fática das relações entre a sociedade e o ambiente. O buraco na camada de ozônio pôde ser abordado institucionalmente apenas quando a indústria encontrou substitutos com viabilidade de mercado para substituir os danosos gases refrigerantes CFC.

Dito em termos quase escatológicos, o mercado (que, como dizia o Marx de O Capital, não tem nem pátria nem bandeira) não está nem aí se a humanidade se espatifar contra as conseqüências ambientais do êxito da economia capitalista. 95% dos 800 milhões de veículos que rodam sobre o planeta são movidos pela combustão de combustíveis fósseis (leia-se gasolina, derivada do petróleo). Sabe-se, além disso, que o setor de transporte é responsável por quase 40% das emissões de gases de efeito estufa, principalmente dióxido de carbono. Daí que encontrar um substituto para a gasolina que tenha condições de competitividade no mercado é imprescindível para que o capitalismo creia - e se autoconvença -que encontrou a solução para a mudança climática.

Talvez essa capacidade de penetração no mercado seja o que explica que se exiba como novidade os biocombustíveis, quando na realidade são uma forma tecnologicamente antiga de obtenção de energia e, inclusive, estão presentes como álcool que funciona como substituto ou aditivo da gasolina há ao menos três décadas em países como o Brasil.

O primeiro sinal amarelo a respeito dos biocombustíveis e sua viabilidade ecológica reside em sua equação energética. Diferentemente da energia solar ou da eólica, que são tomadas diretamente da natureza, a energia gerada pelos biocombustíveis requer por sua vez energia para semear, colher, produzir e "fabricar" estes biocombustíveis. E o rendimento não é o mesmo, variando conforme o cultivo: o biocombustível obtido da soja, por exemplo, produz três vezes mais energia que a utilizada para a sua fabricação; ao contrário, no caso do etanol obtido do milho, David Pimentel, professor da Universidade de Cornell, em Nova York, e Tad Patzek, professor de engenharia química na Universidade de Berkeley, na Califórnia, revelam que com os atuais métodos de processamento se gasta mais energia fóssil para produzir o equivalente energético em biocombustível: é mais "caro" produzir o biocombustível que a economia energética que supostamente permite.

Vendidos como alternativos, os biocombustíveis estão longe de serem etiquetados como "ecológicos".

O cobertor curto

Diferentemente das energias absolutamente renováveis e limpas como a eólica e a solar, e mesmo de modo diferente que no caso do gás, do petróleo ou do carvão, os biocombustíveis não se recolhem da natureza. Portanto, é preciso estudar muito bem o custo - econômico e ambiental - que a sua produção implica.

Atribuem a um histórico diretor técnico brasileiro do San Lorenzo campeão de 1968, Tim, a frase que indica que o futebol é um cobertor curto: se te cobres a cabeça (ou seja, se atacas, por exemplo) te descobres os pés. E vice-versa. Os biocombustíveis podem entrar sem temor no conceito de cobertor curto.

Um argumento seguro nesse sentido é o balanço alimentar que, se bem que soa com tambores setecentistas, não deixa de ter sentido se se recorda que a filosofia de Thomas Malthus e seus seguidores contemporâneos como Paul Erlich questionava a capacidade do planeta para produzir alimentos diante do crescimento geométrico da humanidade. Sabe-se que a resposta a esse apocalipse alimentar está no lado da desigual distribuição da riqueza. Mas, até esse sensato esquema cambaleia quando se sabe que - só para citar um exemplo - para fazer funcionar com biodiesel os automóveis da Inglaterra é preciso recolher 26 milhões de hectares de cultivos (cinco vezes mais que a superfície cultivada do Reino Unido). A Argentina tem 17 mil hectares semeados de soja, que não são destinados para o biocombustível e com um altíssimo custo ambiental. Não parece ser obrigatório discutir acerca da opção maniqueísta de "alimentar pessoas ou alimentar autos". Mas soa lógico introduzir o balanço alimentar na equação. A Europa se colocou como meta chegar em 2020 com 20% do parque automotivo alimentado com biodiesel e é um dado complementar que não se pode esquivar o fato de que "é muito pouco provável que destine seus solos a este tipo de cultivos, já que o custo do biocombustível é bem mais baixo se os cultivos energéticos forem produzidos em outros países", segundo os estudos da ONG World Rainforest Movement. É quase uma conseqüência irremediável que o aumento de demanda por parte da Europa para alcançar aqueles 20% de biocombustíveis vá construir uma espécie de "cerealduto" a partir da América Latina, onde será muito mais rentável semear para os tanques dos carros europeus do que para os estômagos locais.

Aí se deve situar a explicação para a viagem de Bush ao Brasil, para onde - também cavalgando em sua promessa de chegar em dez anos a 20% da energia gerada a partir de biocombustíveis - viajou seguramente para comprar a futuro a energia que tirará do setor rural brasileiro sem pôr em risco o abastecimento de alimentos de sua própria população. De acordo com o World Resources Institute, cerca de 50% do cultivo de cana-de-açúcar no Brasil é destinado a prover combustível para 40% de seu parque automotivo. Cristal Davis, o autor do estudo "Tendências globais dos biocombustíveis", assinala que a futura e sustentada demanda norte-americana será uma condenação à morte da Amazônia, que será vista mais que como pulmão do planeta como futuro ilimitado plantio de cana-de-açúcar. Algo similar, quase com toda certeza, acontecerá com a Argentina: se atualmente a febre da soja (destinada a alimentar a balança comercial depois de ser exportada para alimentar porcos chineses e europeus) levou a um desmonte equivalente a um hectare por hora, pode se prognosticar que, se for negócio vender grão para produzir biodiesel, não ficará sequer um gerânio em pé.

Davis, mesmo com o olhar piedoso do Primeiro Mundo, também intervém na discussão alimentar: "À medida que o mercado de biocombustíveis competir crescentemente com os mercados de alimentos em torno dos mesmos cultivos, os preços das commodities alimentares - pão, óleo de cozinha, frangos - subirão, provavelmente com graves conseqüências para cerca de 800 milhões de pessoas que enfrentam uma fome persistente no mundo".

Toda essa discussão, não obstante, tem como base a existência de um suposto axiomático: que o uso do biodiesel é, em oposição aos combustíveis tradicionais, a solução para frear a mudança climática que tanto nos afetará.

Fazendo de conta que sim, convém recordar sucintamente o que aconteceu nos últimos cinco anos para que as grandes potências, desinteressadas do assunto do aquecimento global (mais ainda, dispostas a discuti-lo e negá-lo, como no caso de Bush) desempoeirassem do fundo do baú da tecnologia os biocombustíveis como se fossem uma novidade.

Os últimos cinco verões literalmente incendiaram a Europa: dezenas de milhares de aposentados mortos na França, recorde de incêndios florestais em Portugal, crise de abastecimento de água potável devido a secas sem precedentes na Espanha. Os líderes europeus, que supunham que os efeitos dos gases, majoritariamente lançados pelo mundo desenvolvido à atmosfera, se verificariam primeiro no submundo africano e asiático (o que é quase equivalente a que não existem), perceberam o aquecimento global não como uma ameaça para seus ecossistemas, mas para a reprodução de seu poder. Foram bater na porta de Tony Blair, para exigir que instasse seu colega Bush a incorporar - ao menos no discurso - a mudança climática como uma preocupação. E ali foi Bush anunciar sua repentina preocupação com o clima do planeta e começar a fazer contas sobre os biocombustíveis. No entanto, aquele axioma não aceitado pela ciência parece vigente: considerando toda a energia comprometida com a produção de biocombustíveis, o WorldWatch Institute concluiu que de acordo com o cultivo a quantidade de emissões de gases de efeito estufa só se veria reduzida entre 15% e 40%, comparada com o uso dos atuais combustíveis.

Mas - poderia perguntar um leigo esperto - se o problema são os gases, e o setor do transporte contribui com entre 30% e 40% das emissões, por que só se está discutindo sobre o que se joga no tanque de um carro e não também sobre a geração de energia em termos gerais?

Uma vez mais o mercado dá a resposta.

Não é novidade que o processo de geração de energia está dominado pelo cartel do petróleo, que cobre mais de 70% da produção de energia no mundo. Inclinar-se para o lado de energias verdadeiramente alternativas faria solapar economicamente esse cartel, que ainda não criou um papel substitutivo para si próprio no mercado. Mas sabe aproveitar a tendência ecológica e por isso aceita exumar os biocombustíveis. Os mecanismos de distribuição de combustíveis para transporte estão nas mãos do mesmo cartel petroleiro: se em vez de abastecer com gasolina abastecer com biodiesel passa a formar parte de um sistema ambientalmente não questionável e o negócio continua nas mesmas mãos.

Instituto Humanitas Unisinos - 29/05/07

Valorização do real derruba a Reichert do Vale dos Sinos. 4 mil demitidos

Em julho, quando entregar seus últimos pedidos, a Reichert, uma das maiores e mais tradicionais exportadoras de calçados do país, vai fechar suas portas. Com sede em Campo Bom (RS), na Região Metropolitana de Porto Alegre, ela destina toda a produção ao mercado externo e não resistiu à desvalorização do dólar. A Reichert deve desativar suas 20 unidades em pelo menos 11 municípios gaúchos e demitir 4 mil trabalhadores. A notícia é dos jornais Valor, Zero Hora e Jornal do Comércio, 29-05-2007.

A empresa confirmou o fechamento, mas seus diretores não comentaram o assunto. "A decisão de parar a fabricação de calçados está tomada", disse o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados da cidade de Teotônia, Roberto Müller, após reunião com representantes da unidade local da empresa. O prefeito de Campo Bom, Giovani Batista Felter (PMDB), é enfático. "É um nocaute aplicado pela política cambial. Já vínhamos advertindo sobre a crise há dois ou três anos. Mas faltou sensibilidade em Brasília. Não estou preocupado com queda na arrecadação, pois os exportadores não pagam ICMS, mas sim com a crise social".

Os calçados femininos da Reichert são vendidos lá fora com a marca dos importadores. Em 2006, as vendas somaram US$ 85,1 milhões, 15,6% a mais do que em 2005 - 4,6% das exportações brasileiras do setor.

"Vimos que não dava mais para operar com lucro", afirmou ontem à noite Ernani Reuter, um dos quatro administradores da empresa ao jornal Zero Hora, 29-05-2007.

O empresário se queixou que os governos prometem auxílio para o setor, mas não apresentam medidas. Entre as maiores exportadores de calçados do Estado, a Reichert, fundada há 72 anos, embarcou cerca de US$ 85 milhões em 2006. A empresa confecciona calçados com marca própria e nome de importadores.


O empresário manterá os investimentos em agropecuária. Com fazendas em Mato Grosso do Sul e Goiás, onde cultiva soja, milho e algodão, o grupo vai plantar cana-de-açúcar, visando a produção de álcool.

quinta-feira, maio 31, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 27/05/07

Contra a 'sociologia das ausências' a 'sociologia das emergências' propõe Boaventura de Sousa Santos

“A democracia vive dias de crise. E não pára de crescer a distância entre representantes e representados”. A afirmação é do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos em entrevista ao suplemento Aliás, do jornal O Estado de S.Paulo, dia 27-05-2007.

Boaventura explica como e quando esse processo teria começado, por que vivemos um déficit de democracia e uma abundância de corrupção no mundo, e aproveita para batalhar seus conceitos teóricos. Entre eles, a razão indolente, que justificaria a aceitação do mundo tal como está; a sociologia das emergências, que trata de valorizar experiências humanas “pequeninas”, mas embriões de transformações maiores; e a ecologia dos saberes, que contesta o credo de que só o conhecimento científico salvará o planeta.

Essas reflexões, estão presentes no livro Renovar a Teoria Crítica e Reinventar a Emancipação Social, que a editora Boitempo acaba de lançar no Brasil.

Eis a entrevista.

Já pelo título do seu livro, o senhor parece propor uma ampla revisão de conceitos no âmbito das ciências sociais. É isso mesmo?

As teorias críticas que temos hoje e as formas de emancipação política que herdamos do século 20 não nos servem mais. Teríamos, como alternativa, parar de pensar nessas questões, o que não me parece boa idéia porque as sociedades contemporâneas, mais do que nunca, precisam de pensamento crítico e de princípios. Como precisam urgentemente de alternativas do “viver melhor” num mundo mais justo.

Onde as teorias críticas clássicas nos deixaram na mão?

O vazio crítico aparece em vários níveis, eu poderia identificar alguns deles. Estamos assistindo a uma crise grave dos mecanismos da democracia representativa. Porque representação, em termos teóricos, sempre significou duas coisas: autorização e prestação de contas. ‘Com meu voto, eu autorizo alguém a governar em meu nome e depois peço-lhe contas’. Acontece que a evolução dos sistemas representativos acabou por eliminar a idéia do prestar contas.

Hoje falamos de representação como um sistema de autorização política, por via eleitoral. E ficou bem mais difícil para o cidadão fazer o acerto de contas, a não ser num próximo pleito eleitoral, eventualmente negando seu voto a um determinado candidato. A verdade é que a distância entre representante e representado aumentou demais. Criou-se o que eu chamo de “patologia da representação”, bem como uma “patologia da participação”, pois o cidadão não participa por achar que seu voto não conta. Vê que os partidos, enquanto estão em luta eleitoral, prometem uma coisa, mas, no governo, fazem outra. O eleitor perde a confiança no sistema e deixa de atuar nele. A democracia representativa já não consegue esconder suas debilidades.

Quais seriam?

Tal como a entendemos hoje, a democracia transita por dois “mercados” diferentes, porém muito articulados. O mercado econômico, que é o dos valores com preço, e o mercado político, dos valores sem preço. Por este passam as ideologias, os códigos de ética. O que aconteceu? Nos últimos 20 anos houve uma fusão de “mercados”, sob a égide de um modelo econômico segundo o qual tudo se compra e tudo se vende. Inclusive no mercado político, o que nos leva a essa corrupção desenfreada.

Então, a corrupção seria uma espécie de filha da união entre sistema econômico e sistema político?

Sim. Ambos tinham mecanismos de concorrência distintos. Um batalhava por preços, lucros. Outro, por preferências do cidadão, votos. Juntam-se os mecanismos e surge a corrupção endêmica, que não é um fenômeno do partido A ou do partido B, mas vale para todos.

O senhor chegaria a afirmar que o voto virou mercadoria?

Sim, à medida que os representantes, eleitos pelo voto, permitem-se ser vendidos e comprados. Seja em função dos interesses de um curral eleitoral, de uma região, do país ou simplesmente do bolso do político. Isso começou a acontecer em larga escala a partir dos anos 90, na onda de privatizações dos serviços públicos. Quando estes serviços começaram a ser privatizados, vislumbrou-se uma riqueza enorme, feita de investimento nacional, que passaria a ser gerida por leis do mercado. Mas, quem regula estes serviços? O Estado. Daí as articulações crescentes entre governos e grupos econômicos.

É impressão ou a corrupção no mundo cresceu nos últimos anos?

Cresceu fundamentalmente porque houve uma mudança no padrão ético. A idéia de que o Estado é “diabólico” e a perda dos valores do serviço público, eram sintonizados aos ideais republicanos - como o de que o bem do público prevalece sobre o privado, ou a regra de que eu, funcionário público, necessariamente devo ganhar muito menos do que os que contratam comigo - ora, esses valores foram corrompidos. Fixou-se a idéia de que o que é bom vem da sociedade civil, não do Estado.

Mas, lá trás, viu-se que o Estado centralizador acabava derivando para o Estado paternalista e corrupto.

De fato. Mas tiremos um exemplo do mundo empresarial. Quando uma companhia está mal, reúne-se o conselho de administração para buscar soluções. Ninguém prefere fechar a empresa de cara, certo? Não se fez isso com relação ao Estado. Não se buscou reformá-lo. Ao contrário, disseminou-se a idéia de que ele é “irreformável”. O que vemos hoje? Vemos que essa visão mudou. No momento inicial de imposição do modelo neoliberal, criou-se não só a idéia de que o Estado é corrupto - o que era verdade - mas a de que o Estado era irrecuperável.

Isso, até meados dos anos 90, quando tanto o Banco Mundial quanto o FMI passaram a reavaliar suas posições, chegando à conclusão de que não se pode confiar em Estado fraco. Bom mesmo é o Estado forte, eficiente e transparente. Enterraram a idéia de que não é reformável! Essa mudança aparece claramente no relatório de 1997 do Banco Mundial, com uma análise detalhada do desmantelamento do estado soviético.

Hoje o que se vê hoje na Rússia são infiltrações das máfias em todo o aparelho estatal e na burocracia. Por que aquilo deu nisso?

Porque diante do Estado desacreditado cresceram as organizações mafiosas. Elas ocuparam o vazio de autoridade. Daí os magnatas russos. O senhor Abramovich, por exemplo, é dono do Chelsea, o time inglês que ganhou campeonatos na Inglaterra... E surgiram outros tantos milionários como ele. Ficaram formidavelmente ricos com o encolhimento do Estado. Por isso, proponho rever a política à luz de uma nova teoria crítica. Não devemos detonar a democracia representativa, mas fortalecê-la.

Como intensificar a democracia?

Uma boa opção seria aproximá-la da democracia participativa, que incorpora melhor a prestação de contas.

Professor, o senhor acompanhou com entusiasmo a experiência petista do orçamento participativo em Porto Alegre. Mas o partido acabou sendo derrotado pelo voto.

A idéia não saiu derrotada junto à população, tanto que a prefeitura de Porto Alegre continua a adotá-la. E mais: há orçamento participativo em 1.200 cidades da América Latina. No meu site, no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, mantenho um observatório global das práticas de orçamento participativo e vejo que muitas cidades européias hoje se valem desse mecanismo testado em cidades latino-americanas. Não sou eu quem diz, mas o Banco Mundial: o orçamento participativo, além de ter surtido efeito sobre a distribuição da renda, permitiu que os empréstimos da instituição ficassem mais protegidos da corrupção.

Veja o caso dos conselhos municipais de saúde do Brasil: como funcionam bem, de maneira independente, com poder deliberativo e participação dos cidadãos! Esse modelo não se choca com a representação, apenas se articula com ela. Só que os partidos, de modo geral, não gostam dessa conversa de participação popular, pois a sentem como ameaça... Por essas e outras é que setores da população começam a alimentar um certo fundamentalismo contra os partidos. Reagem dizendo que todos estão podres, todos são vendidos, etc.

Aconteceu esta semana: um ministro da base aliada do governo é envolvido em denúncias de corrupção, entrega o cargo, mas se articula para fazer o sucessor. Esse tipo de manobra não faz com que o cidadão passe a descrer a política?

Evidente. Mas isso não acontece só no Brasil. Na Venezuela, Chávez só consegue fazer o que faz porque, lá trás, os partidos já vinham se degradando. Em compensação, na Itália, nos anos 90,a operação Mãos Limpas levou 630 empresários e líderes políticos para a prisão - só em Milão. Foi um processo de limpeza da corrupção que pegou amplos setores.

O senhor já disse que há mais corrupção no mundo. Em contrapartida, há menos democracia?

Exato. Há um déficit de democracia cada vez maior. Nos últimos 20 anos, agravaram-se os problemas da desigualdade no mundo, como prova o relatório do Pnud de 2000. Os 500 indivíduos mais endinheirados do planeta têm tanta riqueza quanto os 40 países mais pobres do globo, países que somam uma população de 1 bilhão de pessoas. Sendo assim, os países periféricos ficaram incapazes de fazer frente às políticas hegemônicas.

Neste ponto, eu ressalto o papel meritório de Brasil, Índia e África do Sul, ao cobrarem mais seriedade nas negociações internacionais. Veja agora o que aconteceu com Paul Wolfowitz, retirado do Banco Mundial. A maioria dos países-membros do banco pediu a saída dele, por corrupção. Mas Wolfowitz só caiu porque a União Européia (UE) resolveu derrubá-lo. Como no banco o poder de voto é correspondente ao PIB dos países-membros, de nada adiantaria os 180 mais pobres pedirem a cabeça dele. Isso é déficit democrático.

Podemos continuar a análise pensando na ONU, na guerra do Iraque, em Darfur... Se pensarmos em tudo isso vamos, como se diz aqui em Portugal, desfiar um rosário de muitas contas. Quanto à corrupção, ela também é um fenômeno em escala global, mas se dá em graus diferentes. Ela é pequena nos países nórdicos. O mesmo não posso dizer de Portugal, infelizmente. Aqui ela cresce e vejo isso claramente em pesquisas que faço sobre o sistema judiciário. Na África, outra realidade que também estudo, trata-se de problema gravíssimo. Grande parte da ajuda internacional para as nações africanas ou permanece nas mãos dos doadores ou vai para as mãos de líderes políticos locais. Não chega a quem de fato necessita dela.

Em certos países, experimenta-se a democracia direta. O que o senhor acha disso?

Os referendos, como as consultas e os conselhos populares, são mecanismos importantes para garantir participação. Mas não podem ser usados indiscriminadamente, exigem certas condições, inclusive culturais. A Suíça tem uma vastíssima tradição nessa área. Lá os referendos são uma prática incrustada na cultura política do país, e funcionam muito bem. Mas isso depende do grau de informação do cidadão e dos meios disponíveis para impedir a manipulação da opinião pública.

Vamos avaliar o que aconteceu em Portugal. Grupos de alto poder econômico, ligados à Igreja Católica, desviaram a discussão sobre o aborto com anúncios caríssimos, com intervenções televisivas, numa luta desigual. Fora isso, a Igreja intensificou seu trabalho publicitário gratuito nas homilias das missas. Mesmo assim, ao passar por um segundo referendo, o aborto foi legalizado.

O senhor aponta “a razão indolente” como um mal do nosso tempo. O que isso significa?

Ela é como uma pessoa preguiçosa. É a razão que não trabalha, não pensa, não se esforça, acomoda-se na superficialidade das coisas. Anos atrás, o modelo thatcherista foi apresentado como uma idéia acima de qualquer contestação, idéia para a qual não havia alternativa. Foi aceita no mundo inteiro, num movimento passivo, guiado pela razão indolente. Hoje, aceitamos que existem economias e economias, que as européias são diferentes da americana, que esta por sua vez é diferente das latino-americanas, e assim por diante.

A discussão sobre as mudanças climáticas, que hoje se impõe em termos globais, pode decretar o fim da razão indolente?

Sem dúvida. Não escaparemos disso. O meio-ambiente é justamente uma área em que a razão indolente dos Estados têm sido perversa. Evita-se pensar no tema fora dos ciclos eleitorais. Para enfrentar esse problema imenso, que afeta a todos, pede-se uma razão muito mais atenta, muito mais crítica e muito mais cautelosa no sentido de suspeitar daquilo que nos parece natural. Por exemplo: até pouco tempo o governo dos EUA sustentava que não havíamos de nos preocupar com o aquecimento global porque ele não estava provado cientificamente.

Então os países perderam um tempo enorme para reagir ao problema, relaxados numa indolência estrutural e política. Ora, num mundo com risco de colapso ecológico, essa indolência é trágica! As pessoas no Brasil parecem ignorar o ritmo de destruição da Amazônia. É absolutamente preocupante! Não é mais uma questão ambiental, mas de sobrevivência da humanidade. Por que o problema não entra para valer na agenda política? Porque esbarra em interesses econômicos. Voltamos ao ponto inicial.

O senhor enfatiza a necessidade de os países reagirem na chave do multiculturalismo. E condena o “vazio niilista” pós-moderno. Como apoiador de primeira hora do Fórum Social Mundial (FMS), não acha que o slogan “um outro mundo é possível” também é um tanto vazio?

Agradeço esta sua pergunta. Tenho acompanhado o movimento e continuo acreditando que ele é remédio contra o niilismo. Este slogan hoje é repetido em todo mundo exatamente por sua abertura. O movimento não está dizendo que o “outro mundo” é capitalista, socialista ou ambiental. Está dizendo que este sistema atual, que produz desigualdade, catástrofe ambiental e nos mergulha em processos de guerra, não é bom. Queremos outra coisa. O que é? Não sabemos. Vivemos num mundo de perguntas fortes e respostas fracas.

Seu livro opõe duas categorias: a “sociologia das ausências” e a “sociologia das emergências”. Como chegou a essa formulação teórica?

A razão indolente produz ausências. Produz exclusão. Dou um exemplo: a razão indolente acredita que só a ciência é pensamento rigoroso. E todos os outros saberes são irracionais. Acontece que a biodiversidade nos mostra o quão importante é o saber dos índios, o saber dos povos originários de certas regiões. Saberes sem os quais não conseguiremos preservá-la. Portanto, a visão indolente da ciência, como fonte única de saber, produziu, por exemplo, a ausência do pensamento indígena. É simples: se eu quero ir à lua, precisarei do pensamento científico. Mas se eu quero preservar a diversidade amazônica, preciso conhecer o pensamento do índio.

Já a sociologia das emergências é o outro lado disso tudo. É a incorporação de saberes, a inclusão de experiências humanas que, mesmo pequeninas, funcionam como embriões de alternativas. Não é à toa que, hoje, a economia solidária é a sétima do mundo! Microcréditos, mutualidades, cooperativas, projetos populares, programas do Terceiro Setor...não é pouca coisa. Em setembro vou a Belo Horizonte participar do Festival do Lixo e da Cidadania. São catadores que se organizaram em cooperativas e fazem um trabalho incrível para melhorar suas vidas. Trata-se de um movimento absolutamente vibrante e inovador.

Ao se valer dessas duas sociologias, está levando em conta o “fator China”, que pode mudar completamente o jogo no plano mundial?

A China é a prova de que Max Weber errou. O grande sociólogo nos fez acreditar que o capitalismo só se desenvolveria no Ocidente, devido a uma série de fatores. Mas hoje temos uma China pujante em termos econômicos, porém politicamente anômala, uma China que combina economia de mercado com partido único comunista. Claro, este país será um grande jogador global, mas temos de fazer todos os esforços para que ele venha se juntar à comunidade internacional em termos de direitos humanos e democracia.

Atualmente contam-se 100 milhões de operários chineses vagando pelo país, de cidade em cidade, à procura de emprego. Cem milhões de trabalhadores sem nenhum direito, sem garantias, sem nada. São os bóias-frias chineses. Isso é dramático. Tenho trabalhado muito na África e, por lá, meus colegas mostram uma visão muito positiva em relação à China. Porque ela está emprestando dinheiro para os países africanos sem impor condições, apenas interessada em sugar-lhes matéria-prima. É dinheiro alto, que chega sem aquelas condições do Banco Mundial, do tipo “você tem que ser democrático, tem que fazer isso, aquilo...”. Os chineses dão o dinheiro e a liberdade dos beneficiários se desenvolverem como acharem melhor. No contexto africano, isso é altamente emancipatório. A China já é o maior investidor estrangeiro em Angola, por exemplo.

Estamos assistindo à construção de um novo imperialismo?

As opções chinesas hoje se confundem com opções de países capitalistas e, de certo modo, com opções de sistemas coloniais. Ela investe na infra-estrutura de países africanos para garantir a circulação e exportação das matérias-primas de que necessita. A China será absolutamente voraz em termos de recursos naturais.

O que é “ecologia dos saberes”?

Uso a expressão na tentativa de incorporar visões que vão além do conhecimento técnico-científico. Tenho andado pela África. Você não imagina o quanto aprendo sentado embaixo de uma árvore, escutando um ancião daquelas comunidades remotas. É outra fonte de saber.

O senhor morou em favelas no Rio, nos anos 70, para fazer sua tese de doutorado. O que sente quando vê morros cariocas conflagrados na guerra do tráfico?

Quando morei no Rio, em plena ditadura, não havia essa violência toda. Eu me sentia até mais seguro na favela. Hoje o que vejo são respostas violentas e desorganizadas da população ao enfrentar a profunda desigualdade brasileira. Não se esqueça de que o Brasil é um dos países mais injustos do mundo. Esse tipo de resposta social se verifica em outros lugares, também. Johannesburgo tem taxas de violência superiores às do Rio.

Os negros sul-africanos achavam que o fim do apartheid lhes daria uma sociedade melhor, mas os brancos continuam mais ricos e influentes. O que vejo no Brasil é, sobretudo, a situação de desespero da juventude face a uma economia que não a absorve e uma sociedade que a expõe à corrupção todos os dias. Como não apelar para a violência? Como não recorrer ao lucro rápido das drogas? Em termos sociológicos, os jovens estão ausentes do Brasil.

Instituto Humanitas Unisinos - 25/05/07

Indivíduo, política e niilismo. Questões inquietantes sobre a autonomia.

Após ministrar o minicurso A moral após o individualismo, dentro da programação do Simpósio Internacional O Futuro da Autonomia. Uma sociedade de indivíduos? encerrado na tarde de ontem na Unisinos, Paul Valadier proferiu a última conferência do evento. Intitulada O futuro da autonomia do indivíduo, política e niilismo, Valadier iniciou sua conferência afirmando a gratificação por fechar um evento tão importante para a sociedade, mas também lembrou da dificuldade de ter nas mãos esta responsabilidade. “A grande dificuldade, para mim, nesta tarde, é não repetir as propostas e discursos já proferidos neste evento”, comentou.

Ao falar do título de sua conferência, relatou que sua pretensão é mergulhar, de forma rápida, na perplexidade da consideração filosófica. “Perplexidade em relação ao futurismo que o título implica, pois como prever o futuro em tal campo? Quem pode dizer qual é o real futuro da autonomia?”, questionou. Explicou, então, que dividiria suas considerações em três partes: na primeira parte, que durou cerca de uma hora e vinte minutos, apresentou a lógica da autonomia que, segundo ele, é cada vez mais invasora do indivíduo. Nela, Valadier descreveu e mostrou qual é a lógica que se desenvolveu nessa sociedade autônoma. Assim, disse que a autonomia do indivíduo é uma lógica insensível. “Essa lógica tem efeitos inesperados e inevitáveis para toda a sociedade. Ela tem raízes longínquas que não fáceis de perceber”, contou. Nessa primeira parte, Valadier utilizou-se do pensamento de Alexis Tocqueville. “Em ‘Democracia na América’, Tocqueville fala que a democracia é uma revolução tranqüila e irresistível, mas essa democracia é uma fato gerador que engendra progressivamente. Essa descrição também pode ser utilizada para descrever o individualismo, ou seja, a astúcia da razão, como diria Hegel”, apontou Valadier. O sociólogo francês explicou ainda que Tocqueville diferencia individualismo de egoísmo. Individualismo é pacífico, segundo seus relatos, e desinteressado da massa, já o egoísmo é um vício. No entanto, acentuou Valadier, o individualismo pode correr o risco de se tornar egoísmo, pois as novas igualdades são combatidas pela massa.

Na primeira parte, ainda, Valadier citou Hannah Arendt e Pasquali. Para Arendt, o problema do individualismo é que “o homem moderno foi rejeitado dentro de si mesmo”. Já Pasquali afirma que o desespero do homem é remetido a sua solidão e angústia”. Para finalizar esta etapa, Valadier nos deixou uma pergunta: "Será que estamos diante de uma autonomia inevitável?".

Na segunda parte, com duração menor do que a primeira, Valadier tentou explicar quais serão as conseqüências dessa invasão da autonomia na vida do indivíduo. Para ele, a autonomia atualmente é um capricho em beneficio próprio. “Medir a minha vontade em relação à autonomia do outro diminui, recua a autonomia verdadeira”, descreveu Valadier, emendando: “O indivíduo pode voltar-se contra si próprio, acabando com os suportes sociais”. Valendo-se do legado de Nietzsche, Valadier disse que essa autonomia a que estamos chegando é uma decadência da sociedade, ou seja, a perda do todo. Um exemplo disso seria os movimentos em nome da democracia que levaram à guerra o Iraque. Para o sociólogo, só seremos indivíduos autônomos se aprendermos a nos submeter.

Na terceira e última fase da palestra, Valadier indagou sobre a contribuição do cristianismo para essa lógica. Além disso, ele nos forneceu informações, e muitas outras indagações, para discutirmos se o cristianismo possui princípios para reparar esta lógica. “Aliás, a lógica da autonomia é algo que abalou o cristianismo”, salientou.

Valadier é professor de filosofia moral e política na Faculdade Jesuíta de Paris. É licenciado em Filosofia pela Sorbonne, mestre e doutor em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Lyon. Sobre Nietzsche escreveu obras como: Nietzsche et la critique du christianisme (Paris: Cerf, 1974); Essais sur la modernité, Nietzsche et Marx (Paris: Cerf, 1974); Nietzsche, l’athée de rigueur (Paris: DDB, 1989); e Nietzsche l'intempestif, Beauchesne (Paris, 2000). Entre suas obras publicadas em português, destacam-se: Elogio da consciência (São Leopoldo: Editora Unisinos, 2001); Um cristianismo de futuro: para uma nova aliança entre razão e fé (Lisboa: Instituto Piaget, 2001); e A moral em desordem: um discurso em defesa do ser humano (São Paulo: Loyola, 2003).

Instituto Humanitas Unisinos - 25/05/07

IBGE vê 2007 'frio' para emprego

O elevado número de pessoas à procura de uma vaga no mercado de trabalho manteve a taxa de desemprego em 10,1% em abril, mesmo nível apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em março. A manutenção de 1,13 milhão de desempregados em busca de emprego em São Paulo impediu uma queda da taxa na média das seis regiões metropolitanas pesquisadas. A notícia é de Jacqueline Farid e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 25-05-2007.

No total das seis regiões, 2,3 milhões de pessoas estavam desempregadas e em busca de trabalho em abril. O gerente da pesquisa mensal de emprego do IBGE, Cimar Azeredo, avalia que o ano de 2007 'está frio' para o mercado de trabalho e a ocupação não cresce como se esperava. 'Há uma tendência de perda de postos de trabalho num momento em que vagas deveriam estar sendo criadas', disse.

Para Azeredo, a expectativa era de que a queda dos juros e o lançamento do Programa de Aceleração Econômica (PAC) já estivessem mostrando reflexos no emprego. 'Não ocorreu ainda o esperado ponto de inflexão na taxa. Parece que o cenário econômico não está aquecido o suficiente para melhorar o mercado de trabalho', afirmou.

Para ele, 'precisam acontecer grandes obras para gerar uma entrada forte (de pessoas) no mercado de trabalho, para reduzir a taxa de desocupação'. Azeredo ressaltou que a melhora qualitativa do mercado, com aumento da formalidade e do rendimento, continua, mas 'é necessário que haja resultados mais expressivos em termos quantitativos'.

Na comparação com março, o número de ocupados nas seis regiões metropolitanas pesquisadas caiu 0,3% em abril, com menos 68 mil vagas. Para Azeredo, a variação porcentual não é estatisticamente significativa 'mas é preocupante, pois pode significar uma tendência de queda' no momento em que se esperava a geração de vagas.

SÃO PAULO

A região metropolitana de São Paulo, que responde por 40% do emprego nas seis regiões pesquisadas, registrou desemprego de 11,6% em abril, ante 11,5% em março. Azeredo considera que é 'preocupante' que o número de desocupados em São Paulo, que tinha aumentado 10,4% em março em relação a fevereiro, não tenha cedido em abril, mantendo elevado o número dos que procuram uma vaga.

Para ele, o lado positivo do mercado de trabalho paulista é a formalização. Em abril, ante março, o número de empregados com carteira na região aumentou 1,8%. Houve redução de 5,2% dos trabalhadores considerados informais.

Apesar do elevado número de desempregados, o rendimento médio real dos trabalhadores prosseguiu em alta em abril e chegou a R$ 1.114,00, com aumento de 0,3% ante março e 5% na comparação com abril de 2006. Segundo Azeredo, o aumento está relacionado ao reajuste do salário mínimo, que passou de R$ 350 para R$ 380 em abril, à manutenção da inflação em um nível baixo.

Instituto Humanitas Unisinos - 24/05/07

'O capitalismo globalizado está destruindo a capacidade de os indivíduos se tornarem independentes'. Entrevista especial com Robert Castel

“O capitalismo globalizado está destruindo a capacidade de os indivíduos se tornarem independentes.” Esta é uma das conclusões a que o sociólogo francês Robert Castel chegou através de seus estudos sobre a sociedade e a crise da modernidade. Castel é um dos conferencistas do Simpósio Internacional O futuro da autonomia, organizado pelo Instituto Humanitas. A IHU On-Line, com o apoio do professor Benno Dischinger, entrevistou Castel pessoalmente.

Na entrevista, Castel fala em como construir uma sociedade autônoma sem criar indivíduos individualistas, analisa também o futuro da autonomia e as conseqüências da crise na modernidade e o lugar do trabalho e dos suportes sociais. “O indivíduo isolado não chega a lugar algum”, pois precisa de “proteções promovidas por uma sociedade coletiva”, conclui Castel.

Robert Castel é sociólogo e professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, França. É autor de inúmeros livros, dentre eles "As metamorfoses da questão social" (Editora Vozes: Petrópolis, 1998) e "A insegurança social. O que é ser protegido?" (Vozes: Petrópolis, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como construir uma sociedade de indivíduos sem criar indivíduos cada vez mais individualistas?

Robert Castel – Essa é uma questão fundamental, embora muito difícil de ser respondida. A tendência atual é que as pessoas se considerem membros de uma sociedade de indivíduos, ou seja, de uma sociedade individualista. Isso é verdadeiro, pois o indivíduo é de fato um valor de referência para a modernidade, mas ele sozinho não consegue existir positivamente. O indivíduo isolado é, de alguma maneira, levado “pelas águas” e não chega a lugar algum.

O importante é procurar articular esses valores individuais dentro de uma dimensão do coletivo no qual o indivíduo se encontra. Então, somente dentro desse coletivo ele pode se proteger e ser protegido da competição, constante e mesmo louca, que vem existindo. Dentro de um coletivo é que ele consegue conquistar realmente o seu lugar, a sua classe. Como articular a dimensão do indivíduo dentro de um coletivo é uma questão imensa e muitíssimo difícil.

IHU On-Line – É possível pensar na autonomia dentro dessa construção de uma sociedade de indivíduos?

Robert Castel – O indivíduo não é algo que cai do céu com capacidade de decidir sem ajuda externa. Portanto, ele não é um indivíduo autônomo que surge dentro da sociedade de forma inesperada, pois necessita de condições para poder existir. Para se alimentar, por exemplo, ele não é autônomo, isto é, precisa encontrar esse alimento em algum lugar, depende quase sempre de outrem. Ele também tem necessidade de direitos sociais, promovidos por uma sociedade onde ele possa ser amparado por inúmeras proteções, como a aposentadoria. O trabalhador que não tem mais condições de trabalhar e não possui este amparo passa por uma situação terrível, pois não sabe quem vai mantê-lo. Ele está condenado, muitas vezes, a pedir esmola, a quase morrer, a ficar num abrigo de indigentes, entre outras situações devastadoras.

Hoje, a França é um exemplo de país privilegiado em relação a outros, pois nele há o direito a ter uma pensão, e oferece uma aposentadoria àqueles que não tem mais condições ou idade para trabalhar. Este trabalhador aposentado tem um sustento que não vai torná-lo rico, mas lhe permite que tenha condições positivas mínimas, próprias de uma pessoa equilibrada dentro de um contexto social no qual ele se encontra.

No Brasil, esse benefício é apenas para um número limitado de pessoas. Não há direito a um salário mínimo que possa suprir as necessidades básicas dos cidadãos. Na França, a pensão dá condições de uma vida decente.

IHU On-Line – Poderia apontar as conseqüências que a crise na modernidade trará ao futuro da autonomia?

Robert Castel – Nós vivemos uma grande transformação, pois mudamos o regime do capitalismo. Há cerca de 30 anos, saímos do capitalismo industrial, que, entre prós e contras, chegou a um final construído por um compromisso que ele assumiu com a sociedade. De um lado, o compromisso era com os direitos dos empresários, dos investidores, dos produtores e da necessidade do próprio mercado, e, de outro, dava-se garantia ao direito dos trabalhadores, que deveriam ter o mínimo de condições para se manterem, como também poderem ajudar suas famílias. Isso o capitalismo conseguiu satisfazer.

Já com esse capitalismo atual, que é altamente competitivo, corre-se o risco de desfazer aquele equilíbrio que tinha surgido. Este capitalismo, com o desenvolvimento das tecnologias e com sua abrangência cada vez maior (representada pela globalização), está mais está agressivo, investidor. Nesse sentido, ele começa a romper o equilíbrio que o capitalismo industrial tinha obtido e destrói com a possibilidade de um indivíduo dependente, como um trabalhador assalariado, ser autônomo, pois retira desse, cada vez mais, até os direitos básicos. Diante disso, o que diremos do direito de alguém de se tornar autônomo?

IHU On-Line – Qual é o lugar do trabalho e dos suportes sociais dentro dessa construção dessa sociedade autônoma?

Robert Castel – Essa é uma questão bastante difícil também. O que se nota é uma modificação das condições de trabalho, ou seja, uma individualização, no sentido de valorizar o trabalhador com seus direitos individuais e suas iniciativas, aproveitando-as dentro do contexto no qual se insere. Para que isso mude, é preciso formar uma solidariedade coletiva.

De certa forma, há alguma coisa de irreversível nessa evolução do capitalismo globalizado. Essa tecnologia avançada e a concorrência exacerbada precisa sofrer uma certa restrição em relação ao mundo do trabalho. É preciso criar novas legislações, novos dispositivos de administração dessa exploração do trabalho individual, para que haja realmente um equilíbrio. Então, essa nova organização de direitos não pode se apoiar no Estatuto do Trabalhador, porque este perdeu a sua estabilidade. Ela deve se basear em outras dimensões, no sentido que garanta essa busca da capacidade individual do trabalhador. Hoje se nota que a proteção de direito dos trabalhadores está mais ligada à pessoa do trabalhador do que ao Estatuto do Trabalhador, que já é tradicionalmente aceito, mas está enfraquecido.

Há um debate muito interessante atualmente na França entre essas tendências de secularização e as organizações dos trabalhadores e dos sindicatos em geral. Mas um acordo, com toda essa mudança gerada a partir do capitalismo globalizado, é um pouco difícil de acontecer, à medida que as organizações dos trabalhadores têm, dentro de si, o sindicato dos empregadores, que torna muito mais problemático que essas idéias se situem dentro de um contexto equilibrado.

Instituto Humanitas Unisinos - 23/05/07

O herbicida Roundup é tóxico para as células embrionárias

O herbicida mais utilizado no mundo, o Roundup da Monsanto, tem efeitos deletérios sobre células embrionárias e tecidos placentários humanos, e age como um perturbador endocrinológico, segundo um estudo dirigido por Gilles-Eric Séralini (Universidade de Caen), membro do Comitê de pesquisa e de informação independentes sobre o gene genético (Criigen). Estes resultados, publicados aos 4 de maio na revista Archives of Environmental Contamination and Toxicology, completam trabalhos de 2005. “Observam-se os primeiros efeitos tóxicos em doses 10.000 vezes menos concentradas do que a formulação vendida em magazine”, indica M. Séralini. Estes efeitos aumentam no decurso do tempo. O Roudup é, além disso, mais tóxico do que seu princípio ativo, uma vez que a maioria dos testes antes da homologação são conduzidos sobre esta única molécula, o glyphosate, lastima o pesquisador. A notícia é do jornal Le Monde, 21-05-2007.

Instituto Humanitas Unisinos - 23/05/07

O milho transgênico Monsanto 810 produz uma toxina inseticida de maneira errática

A vida sofre o maior mal ao dobrar-se à estandardização. O milho Mon 810 da Monsanto, geneticamente modificado para produzir uma toxina capaz de matar certos insetos predadores, tais como a pirálide e a sesamide, traz em si uma nova ilustração. Dois estudos, um dos quais conduzido por Greenpeace Alemanha, acabam realmente de mostrar que as concentrações da molécula inseticida Cry1Ab, variam de uma planta à outra e também no decurso da estação. A notícia é do jornal Le Monde, 21-05-2007.

Estas taxas diferem “de 1 a 100”, segundo Greenpeace, que fez analisar 619 amostras recolhidas em 2006 na Alemanha e na Espanha. Alguns fragmentos, segundo constata a organização ecológica, não trazem nem sequer vestígios da famosa toxina, originalmente retirada duma bactéria, Bacillus thringiensis (Bt), da qual um gene foi transferido à planta por engenharia genética.

Além da variabilidade observada, as concentrações médias são mais baixas do que aquelas apresentadas pela Monsanto. Segundo o agroquímico americano, a taxa média de toxina é de 9,35 microgramas por grama de matéria fresca nas folhas. Os valores médios referidos por Greenpeace iam de 0,5 a 2,2 microgramas. E aquelas publicadas em abril no Journal of Plant Diseases and Protection por dois pesquisadores alemães eram estabelecidas entre 2,4 e 6,4 microgramas e revelavam também “uma forte variação entre cada planta”.

RECONSIDERAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS

“Tal variabilidade não surpreenderá os biólogos, mesmo se for alegremente quantificada”, assegura Denis Bourguet (INRA Montpellier). Ela fora observada no milho Mon 176, cuja produção de toxina decrescia no decurso da estação, o que havia finalmente acarretado sua retirada. O importante, segundo ele, é que os níveis de toxinas sejam suficientes no momento em que as larvas passam ao ataque. Senão, o risco poderia ser o de selecionar insetos resistentes e tornar inoperantes certas moléculas tiradas de Bt e utilizadas em agricultura biológica. “Até agora, nota ele no entanto, encontram-se muito raramente larvas de pirálide em fim de estação nos campos de Mon 810”.

Para Arnaud Apotheker, de Greenpeace França, estes novos dados revelam “diversos aspectos desconhecidos concernentes ao Mon 810, notadamente ao nível de toxicidade real de Cry1Ab”. Será que a toxina continua eficaz em taxas menos elevadas do que aquelas anunciadas por Monsanto? E, se é este o caso, significa isso que a molécula é mais ativa do que se pensa? Para evitar que mutantes capazes de sobreviver apareçam, a doutrina quer que a dose produzida pela planta se situe a 25 vezes a dose requerida para matar 99% dos insetos alvos. Será que se está sempre neste esquema?

“Estas incertezas mostram a fragilidade global dos processos de avaliação dos OGM. A gente se dá conta que se conhece muito mal sua biologia”, sublinha Arnaud Apotheker. Ele apela, pois, a uma reconsideração dos procedimentos de homologação, no momento em que Mon 810, autorizado há dez anos, e principal OMG cultivado na Europa, deve tornar-se objeto de uma reavaliação. No final de abril a Alemanha decidiu suspender a comercialização destas sementes, na expectativa de um plano de vigilância melhorada exigida à Monsanto, que não nos foi possível acessar para comentar estes novos dados.

Instituto Humanitas Unisinos - 20/05/07

Assentados gaúchos exportam arroz ecológico

Agricultores da região metropolitana de Porto Alegre exportam arroz ecológico produzido em seis assentamentos de Nova Santa Rita, Charqueadas, Viamão, Guaíba, Eldorado do Sul e Tapes. A primeira carga foi enviada aos Estados Unidos na última terça-feira. A reportagem é da Agência de Notícias Chasque, 19-05-2007.

Foram carregadas 20 toneladas de arroz branco e 20 toneladas de arroz integral, em sacos de 25kg da marca “Arroz Ecológico”, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O cultivo possui certificações de produto orgânico para os mercados brasileiro, europeu e norte-americano, emitidas pelo Instituto de Mercadologia Ecológica de São Paulo.

O engenheiro agrônomo Nathaniel Schmid, que presta assistência técnica, relata que os agricultores já exportavam o arroz, mas esta é a primeira vez em que os assentados participaram de todo o processo. No ano passado, conheceram a empresa Fazenda e Casa, de Santa Catarina, e desde então realizam a parceria. Os grãos de arroz saíram da Coopan, cooperativa do MST em Nova Santa Rita, e foram beneficiados e embalados na Coopat, a cooperativa dos assentados de Tapes. A empresa só ficou com a parte de comercialização.

Para os assentados, a exportação de arroz surge como mais uma alternativa econômica, como explica Nathaniel.

"Além de consolidar o mercado local é também tentar criar parcerias com empresas regionais e estaduais para tentar diversificar a comercialização. E é um pouco diferente de comercializar esse arroz com a Conab porque ela compra o arroz convencional e ecológico e mistura as duas qualidades, ela não diferencia as duas qualidades", afirma.

O projeto de produção de arroz ecológico do MST envolve 130 famílias de agricultores da região metropolitana. Na safra que está sendo concluída, foram produzidos cerca de 55 mil toneladas de arroz, em 680 hectares. O cultivo não utiliza nenhum tipo de agrotóxicos e também emprega a técnica da rizipiscicultura, que consorcia a produção de arroz com a criação de peixes. Como os animais fazem o trabalho de eliminar parasitas e plantas invasoras, não é preciso o uso de venenos.

Além de ser exportado, o arroz ecológico é vendido em feiras de agricultores em Porto Alegre e para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal, atendendo escolas, hospitais e comunidades carentes. No entanto, os agricultores não pretendem consolidar a exportação, como conta Nathaniel.

"O objetivo a longo prazo não é consolidar a exportação e querer exportar mais e mais. O objetivo é consolidar o mercado regional e divulgar o produto, fazendo com que esse arroz agroecológico e saudável fique aqui no país, que a população realmente aproveite esse arroz aqui. Mas, por enquanto, para segurar uma renda e um retorno econômico desse arroz, estamos exportando", diz.

O próximo carregamento deve ocorrer no dia 29. Serão 80 toneladas de arroz.