"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, agosto 17, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 17/08/07

Chávez propõe a jornada de trabalho de seis horas

Entre as 33 modificações que Hugo Chávez, presidente da Venezuela, propôs ontem para a reforma da Constituição de 1999, está a de revisar o artigo 90 que estabelece a jornada de trabalho em oito horas diárias diminuindo-a para seis horas. Ele negou, durante um pronunciamento de cinco horas, transmitido por uma cadeia de rádio e televisão, que isso incentivaria a preguiça. Pelo contrário, ele opina que uma tal jornada impulsionará a produtividade pois, “os trabalhadores terão mais tempo para estar com suas famílias e para se formarem”. A notícia é do jornal Página/12, 17-08-2007.

Instituto Humanitas Unisinos - 17/08/07

Pra que suar tanto? O tempo de trabalho no século XXI é o mais longo da história
O tempo de trabalho no século XXI é o mais longo da história. A despeito do avanço tecnológico, da modernidade, dos ganhos de produtividade e do estágio atual da ciência, nunca se trabalhou tanto. Desafia-se a letra da lei em todo o mundo, com cargas diárias de 16, 18 horas. O trabalhador de hoje deveria ter inveja da jornada comum nos primórdios do capitalismo. A reportagem é de Jorge Félix e publicada pelo jornal Valor, 17-08-2007.
O aquecimento global, novas doenças e até mesmo - ou principalmente - a violência urbana passaram a constar da lista de desdobramentos da legitimação do trabalho intensificado. O assunto é debatido em países como França, Venezuela e Estados Unidos, nos quais a jornada vai de 35 a 39 horas por semana. No Brasil, onde foram necessários 50 anos para se chegar à jornada de 44 horas, pesquisadores e sindicalistas conduzem a discussão sob várias óticas. Afinal, é possível trabalhar menos?
O tempo de trabalho é o conceito básico da economia, tradicionalmente. Uma coisa só tem valor de acordo com a quantidade de suor humano despendido para sua produção. Dito assim, a teoria pode insinuar uma falsa simplicidade. Desde os fisiocratas, no século XVIII, há polêmica em torno da geração de riqueza. François Quesnay acreditava que apenas o tempo do trabalho agrícola deveria ser considerado, pois a indústria e o comércio atuariam de maneira "estéril". Adam Smith cravou sua bandeira na teoria do valor-trabalho. Uma mercadoria valeria, para ele, o tanto de trabalho ali "contido". David Ricardo defendeu o montante de tempo de trabalho "demandado" para a produção. Karl Marx sentenciou que o valor é a "quantidade de trabalho socialmente necessário".
Este "socialmente", como se sabe, é que faz toda a diferença. Foi interpretado de inúmeras formas: "cristalizado", "médio", "contido". Este conceito transforma o autor de "O Capital" em escritor de nossos tempos. O "socialmente" é aquele quantum de trabalho referendado por uma sociedade, em determinado país, em determinado tempo, sob tais e tais condições de produção. A teoria marxista sobrevive, portanto, porque considerou as transformações da sociedade. Quais transformações? Qualquer uma originada no processo de produção capitalista. Seja qual for, será absorvida no "socialmente necessário". No planeta de relações globalizadas, essas condições ora provocam um efeito de homogeneidade entre os países, ora de concorrência diante da possível mobilidade dos fatores de produção (máquinas, matérias-primas, instalações, ciência-técnica ou pesquisa, organização empresarial e mão-de-obra). Ou seja, produzir onde há mais competitividade. E esta, como reza a teoria, é fruto do trabalho.
No saco sem fundo da competição, todo o tempo de trabalho será pouco para garantir condição de sobrevivência no mercado mundial. É por isso que os acadêmicos estão pensando a redução do tempo trabalhado com base em outros objetivos. Esqueça-se a pregação do ócio criativo do pensador italiano Domenico de Masi ou da diminuição das horas no arcaico cartão de ponto com a meta de criar mais postos de trabalho - embora os sindicatos ainda afirmem isso. O alvo agora é a própria razão de viver. Portanto, torna-se uma opção da sociedade, sem relação com as chances de escolha de cada trabalhador.
O economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea e professor da Unicamp, embora defenda a redução do tempo de trabalho, afirma que o caminho tem sido inverso. As empresas impedem até o empregado de acessar a internet ou controlam o tempo do cafezinho. Há um esforço "insano", define Pochmann, no mundo corporativo, para "reduzir a porosidade do tempo de trabalho". Os próprios funcionários vigiam-se uns aos outros, comprometendo ainda mais a sociabilidade. Enquanto a tecnologia e os novos processos - quase todos, desdobramentos do fordismo, do toyotismo ou do taylorismo - catapultaram os índices de produtividade para patamares nunca antes imaginados, o trabalho ganhou intensidade.
"A produtividade é muito maior do que os dados demonstram, mas não é compartilhada, o que obriga a um maior tempo de trabalho", afirma Pochmann. Em 1990, de acordo com a pesquisa industrial do IBGE, um trabalhador produzia 100 unidades de produto e hoje, com o mesmo tempo trabalhado, produz 213. A participação da massa salarial no PIB em 1990 era de 45% para empregados, 7% para autônomos e 15% para impostos. Em 2003, essas proporções passaram, respectivamente, para 36%, 5% e 17%, enquanto a participação do excedente nacional bruto (lucros) saiu de 33% para 43% no mesmo período. "Ou seja, além do setor privado, o governo também se apropria cada vez mais da produtividade, sem devolvê-la em serviços ou investimentos em infra-estrutura", afirma Pochmann.
Contudo, é preciso pensar no que as pessoas irão fazer com o tempo livre. Essa é outra linha de análise dos especialistas. Seria necessário, então, ao menos em tese, organizar a sociedade para que todos - pais, mães e filhos - desfrutem do ócio ao mesmo tempo. Não aquele determinado pela vontade de cada indivíduo ou cada empregador.
O economista Hélio Zylberstajn, da Universidade de São Paulo (USP), defende um dia único de descanso na semana. "É fundamental determinar que domingo não tem trabalho e ponto final. É um dia para a vida social, para a família", afirma. E aí chega-se ao segundo desafio. "Se as pessoas forem para dentro de um shopping, a batalha estará perdida", critica Pochmann. "O tempo livre não pode ser para mais compras, para fazer com que a pessoa tenha mais dívidas e, logo, precise trabalhar mais."
Outros acadêmicos acreditam que, no atual estágio do capitalismo, com a produção totalmente integrada na lógica do capital financeiro, pensar em redução da jornada soa como uma tese de Thomas More, autor de "Utopia", ou Paul Lafargue, com seu "Le Droit à la Paresse" (O direito à preguiça). "Como bem demonstrou Marx já no século XIX, este tema não é técnico, pois a extensão da jornada não deriva da produtividade e sim da luta entre o capital e o trabalho por sua partilha", afirma a professora Rosa Maria Marques, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "Somente será possível trabalhar menos se as condições que determinam a jornada forem radicalmente alteradas. O referencial de jornada, salário e direitos passou a ser o trabalhador chinês", observa.
"O fato de se ganhar produtividade não conduz obrigatoriamente a aumentar custos. Vivemos, sim, numa competitividade sem fronteiras, de competição aberta, que impede a empresa de se comprometer com aumentos na folha de pagamentos", reconhece Dagoberto Lima Godoy, presidente do conselho de relações do trabalho e desenvolvimento social da Confederação Nacional da Indústria (CNI). "É preciso lembrar que o governo apropria-se de boa parte dessa produtividade, com uma carga tributária de quase 40% do PIB, sem devolvê-la em serviços ou investimentos", afirma.
O economista Cássio Calvete, do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), provou em sua tese de doutorado o impacto, no custo das empresas, da redução da jornada para 40 horas semanais: apenas 1,99%. De acordo com seus cálculos, em menos de seis meses esse custo estaria compensado com mais produtividade. Calvete lamenta que o governo Lula tenha abandonado a reforma sindical e trabalhista, que certamente implicaria o debate do tema. "Em 2002, víamos como uma possibilidade. Agora não. Este governo não entra em polêmica. Mas seria natural, com o crescimento econômico, a inflação em queda. Seria uma tendência viável", afirma o economista do Dieese.
Embora dependa, em boa parte, de mudanças na sociedade de consumo, no modelo financista ou em termos de vontade política, a luta pela redução da jornada de trabalho continua na agenda dos sindicatos. Nos próximos meses, o debate estará na pauta das categorias mais importantes. Mesmo debilitadas por suas vinculações com o governo Lula, as centrais sindicais prometem uma estratégia eficaz para garantir a redução da jornada. Há algumas dificuldades. Nos bastidores, os especialistas reconhecem que a diminuição das horas trabalhadas tem pouca repercussão na geração de novos postos, mas, de toda forma, o argumento de que se criam mais empregos será mantido na campanha unificada das centrais sindicais. Caso contrário, o trabalhador hesitaria em aceitar a tese.
"Há o risco de se repetir o que ocorreu na França. Quando a obrigação de gerar emprego caiu, a redução da jornada significou intensificação, o trabalhador trabalhou mais naquele curto tempo e voltou-se contra a própria lei", explica Ana Cláudia Cardoso, técnica do Dieese e doutora pela USP e Universidade de Paris VIII, com tese sobre o tema. Em sua opinião, é importante considerar um novo conceito de jornada: o tempo dedicado. "Hoje, trabalha-se mais não só por estarmos sempre conectados, à disposição da empresa, mas porque antes se levava-trabalho para casa fisicamente e agora se leva na cabeça, porque é sempre exigido pensar em idéias, sugestões ou preocupações."
As centrais sindicais (CUT, Força Sindical e a nova UGT) decidiram mudar a tática em relação ao movimento de 2004. Em lugar de uma campanha nacional, as batalhas serão por setores. "As categorias de ponta, como metalúrgicos, bancários e químicos, já têm uma jornada menor, mas ainda se pode negociar fora dos centros de produção mais dinâmicos, porque esta não é uma realidade de todas as categorias e muito menos de todo o país", afirma João Carlos Gonçalves, secretário-geral da Força Sindical.
No comércio, setor em que estão os menores salários e os maiores percentuais de horas trabalhadas, a negociação promete ser dura e a intenção é justamente derrubar o acordo que permite o trabalho aos domingos. Zylberstajn, porém, vê um risco em incorporar a tese da redução na pauta de reivindicações das datas-base. "Acaba sempre servindo de moeda de troca. A verdade é que as categorias têm conseguido um percentual de reajuste acima da inflação e os sindicatos precisam agora melhorar a situação de trabalho e não somente o salário, mas se usarem isso como pressão correm o risco de desmoralizar a tese", alerta.
O inglês Guy Ryder, secretário-geral da Confederação Sindical Internacional (CSI), concorda. Em visita ao Brasil, em julho, Ryder defendeu uma reivindicação para valer. "A luta pela redução do tempo de trabalho extrapola as categorias e as reivindicações, como no passado. Agora é universal e filosófica. Deve levar em conta a necessidade da empresa e também da sociedade", disse Ryder.
Estudiosos apontam as exigências hedonistas e futuras, acirradas sob o fenômeno da longevidade, como uma das razões de se trabalhar em excesso. "A redução do tempo de trabalho, o tempo livre e o processo de individualização levaram à multiplicação dos temas e conflitos ligados ao tempo. Às contradições objetivas da sociedade produtivista se justapõe agora a espiral das contradições existenciais", afirma Gilles Lipovetsky, autor de "Os tempos hipermodernos". "A modernidade se construiu em torno da crítica à exploração do tempo de trabalho. A hipermodernidade é contemporânea da sensação de que o tempo se rarefaz", completa.
O economista Eduardo Giannetti acompanha Lipovetsky em vários aspectos das escolhas intertemporais como determinantes da qualidade de vida. "Existe algo profundamente errado com a idéia de transpor para o emprego do tempo a lógica maximizadora da utilidade e do dinheiro", escreve em "O Valor do Amanhã". Como o tempo de trabalho esgarçado é democrático, sem distinguir gênero ou classe social - altos executivos reclamam tanto quanto cortadores de cana - Giannetti alerta: "A partir de certo nível de renda que permita atender às necessidades básicas, o uso do tempo passa a depender muito mais das prioridades e valores do indivíduo do que do imperativo de obter uma renda - ou aumentá-la - a qualquer custo".

Instituto Humanitas Unisinos - 17/08/07

Quatro milhões de hectares de milho em risco
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) desconsidera estudos científicos que comprovam a impossibilidade de coexistência entre o milho transgênico e o crioulo e aprova liberação em favor das grandes empresas de biotecnologia. A nota é da ASPTA e da Via Campesina e nos foi enviada por email.
Não bastou todos os clamores dos pequenos agricultores que querem permanecer com seu direito de plantar milho crioulo. Não bastou os diversos estudos que mostravam que a coexistência entre o milho transgênico e o crioulo são impossíveis, apresentados por alguns dos próprios integrantes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Nesta tarde (16/08), o lobby das empresas foi mais forte, mesmo que isso possa significar o fim da semente de milho crioula, ou até mesmo quadros de riscos à saúde humana. E assim mesmo, sem nenhuma garantia de que o milho transgênico possa coexistir com as diferentes formas de agricultura (convencional, transgênica, orgânica e agroecológica) que a CTNBio aprovou as normas de coexistência e monitoramento para a plantação de milho transgênico.
No momento da votação, manifestantes organizados na Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos carregaram cartazes que denunciam a irresponsabilidade da comissão em aprovar o milho geneticamente modificado sem que haja um estudo sobre seus impactos do no meio ambiente ou um plano de monitoramento pós-comercialização e regras para coexistência entre plantações transgênicas e não-transgênicas. Também como forma de protesto, cientistas contrários à liberação se retiraram da sala no momento da votação, pois consideram um golpe a forma como tudo foi discutido.
"Não se permitiu a discussão do plano de monitoramento, pôs-se a voto e confrontou-se todo o trabalho de pesquisa feito no último mês com uma resumida resolução normativa que já havia sido proposta. O nosso documento não teve nenhuma utilidade. Eu li meu documento, fruto de uma longa pesquisa, e novamente se põe em votação com uma posição que já vem trazida e que foi já decidida. Como eles são maioria, não tem discussão cientifica que suporte", denuncia a representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário e professora universitária, Magda Zanoni.
Riscos
O cruzamento do milho é do tipo aberta, ou seja, o vento, as nossas roupas, tudo pode levar o pólen transgênico e contaminar as outras sementes. O risco de perda do material genético original e a própria perda do direito de escolha do consumidor são seriamente comprometidos com essa aprovação.
Os movimentos camponeses defendem a agroecologia e o direito de todos e todas ao acesso a alimentos saudáveis e de qualidade, e alertam que a solicitação de liberação do milho transgênico no Brasil é feita somente por quatro transnacionais, o que pode levar a um monopólio de produção de sementes de milho no Brasil.
Com essa decisão da CTNBio, são mais de quatro milhões de hectares de plantações de milho crioulo que foram colocados em xeque em 30 minutos de intervenção e 5 minutos de votação. Agora, o pequeno agricultor só terá a proteção de 100 metros de distância entre o milho OGM e o crioulo para que seu produto não tenha contaminação. "Já existem estudos que mostram que é 1000 metros, 12 quilômetros, 20 quilômetros e até 71 quilômetros. Já tem 11 países que tiveram seu milho orgânico contaminados com o milho transgênico. A soja do Paraná já está se contaminando. Isso por que a soja é uma planta mais difícil de se contaminar", disse Zanoni.
O mais grave é que, com essa aprovação, abrem-se as porteiras para a perda da soberania das sementes de milho, já que as que são transgênicas são patenteadas por basicamente quatro empresas multinacionais. "Eu pergunto qual é o pequeno agricultor que contaminando que vai continuar comprando sementes das multinacionais? A semente é patenteada e se tiver uma planta transgênica em sua produção, vai ter que pagar para a multinacional que a patentiou", explica a representante do MDA.

Instituto Humanitas Unisinos - 17/08/07

Empresas já encolheram US$ 273 bi
A turbulência financeira já reduziu em US$ 273,6 bilhões o valor de mercado das empresas com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), entre 19 de julho e ontem. Só o setor bancário, com participação de 26 companhias abertas, contribuiu com 22,3% do prejuízo do mercado acionário, segundo levantamento da empresa de informações financeiras Economática, com 316 companhias de capital aberto. A reportagem é de Renée Pereira e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 17-08-2007.
Em valores, a desvalorização das instituições financeiras somou US$ 60,9 bilhões. No período de um mês, o Bradesco, o maior banco privado do País, viu suas ações caírem 13,5%. Os papéis do Itaú despencaram 14,43% e os do Unibanco, 10,09%. Já o preço do estatal Banco do Brasil caiu 13,95%. Com as desvalorizações, o valor do setor financeiro na Bovespa recuou para US$ 156,8 bilhões.
O segundo lugar no ranking da Economática ficou com as companhias de petróleo e gás. O valor de mercado das seis empresas do setor, incluída a estatal Petrobrás, recuou US$ 38,2 bilhões, de US$ 139,5 bilhões para US$ 101,3 bilhões. O setor de mineração, com três empresas listadas na Bolsa, aparece em seguida e contribuiu com 11,6% do prejuízo total do País. As companhias do segmento, lideradas pela Vale do Rio Doce, tiveram perda de US$ 31,8 bilhões no preço de mercado. Juntos, os três setores (financeiro, petróleo e gás e mineração), que têm 35 companhias, responderam por quase 50% da queda da Bovespa no período calculado pela Economática.

Instituto Humanitas Unisinos - 17/08/07

Turbulências tiram do país capital externo especulativo
A maior parte do capital especulativo já deixou o país, na avaliação do governo federal. Mas ainda há US$ 41 bilhões em recursos de investidores estrangeiros aplicados em ações e títulos públicos que continuarão a alimentar as turbulências no mercado financeiro. A reportagem é de Alex Ribeiro e Cristiano Romero e publicada pelo jornal Valor, 17-08-2007.
Desde maio, após os primeiros sinais de problemas nos mercados, os investidores estrangeiros já vinham desmontando posições no Brasil. Na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), a posição dos investidores internacionais em dólar caiu de US$ 17,826 bilhões para US$ 1,328 bilhões, de maio a agosto.
Os bancos também fizeram uma redução drástica nas captações de curtíssimo prazo, que estavam financiando operações de arbitragem entre as altas taxas de juros domésticas e no exterior. A posição vendida dos bancos em câmbio passou de US$ 15,790 bilhões para US$ 2,740 bilhões entre maio e julho. A legislação mais dura imposta em junho pelo Banco Central, restringindo o risco, reduziu a preocupante especulação de algumas instituições financeiras no mercado.
Estrangeiros também aplicaram fortemente em títulos públicos. O fluxo líquido de investimentos, de fevereiro de 2006 até agora, é de US$ 23,554 bilhões, sobretudo em papéis de longo prazo. Esse capital pode sair. O governo conta, porém, com pressões apenas localizadas nesse segmento. O mercado secundário continua pouco líquido, mas o perfil dos investidores mudou. A isenção do Imposto de Renda atraiu investidores institucionais estrangeiros, interessados em aplicações de prazos mais longos. Os investidores nacionais, por sua vez, passaram a comprar com mais apetite. A volatilidade desses papéis tem sido bem mais baixa do que foi em 2006.
Para o governo, o cenário mais provável, com 70% de chances, é um longo período de instabilidade, com subidas e descidas no mercado, mas sem conseqüências permanentes para a economia.
A volatilidade imperou ontem nos mercados. O dólar chegou a subir 4,93% frente ao real e terminou o dia com ganho de 3,15%, em R$ 2,0940. Depois de cair quase 9%, a Bolsa de Valores de São Paulo recuperou-se e fechou em baixa de 2,58%. A Bovespa seguiu a Bolsa de Nova York, que caiu quase 2% no início da tarde mas terminou com perda de 0,12%.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, 17-08-2007, a puxada do câmbio vem sendo alimentada pela forte saída de capitais estrangeiros dos mercados de renda variável e renda fixa. Em contrapartida, o fluxo de investimentos estrangeiros diretos para o País não foi interrompido pela crise internacional. 'Esta modalidade de investimento é toda estruturada tendo com horizonte prazos sempre mais longos. Eles não são muito afetados por flutuações diárias do mercado', disse a fonte.
Outro amortecedor da crise tem sido o comportamento dos exportadores. 'Com o câmbio em alta, os exportadores estão procurando antecipar a entrada de seus dólares no País para ter algum ganho com a desvalorização do real', comentou um analista de mercado. Em apenas oito dias de agosto, essas contratações chegaram aos US$ 6,066 bilhões, uma média diária de US$ 758,2 milhões.

quinta-feira, agosto 16, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 16/08/07

BCs do mundo estariam considerando o 'moral hazard'?

A atual crise dos mercados traz uma novidade: a atuação conjunta de pelo menos seis bancos centrais importantes - Europeu, EUA, Inglaterra, Austrália, Japão e Canadá. E, nesse contexto, destaca-se, mais do que nunca, a questão do “moral hazard”, que recomenda que os agentes, principalmente os públicos, norteiem suas decisões baseadas no incentivo à ética e indução ao comportamento responsável dos agentes. “Sob este prisma, é difícil defender a ajuda de bancos centrais”, avalia Alexandre Póvoa, da Modal Asset. Afinal, como justificar o fato de que quando o mercado está ganhando os lucros são privados e quando ocorrem perdas o prejuízo é socializado, já que as intervenções dos BCs sempre têm um custo, representando uma espécie de subsídio? Por que motivar os investidores a continuarem não tendo seletividade em suas aplicações? A reportagem é de Sonia Racy e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 16-08-2007.

Apesar da relevância dessa discussão, porém, Póvoa considera que o verdadeiro limite deste debate se encontra na influência negativa da crise financeira na economia real. “Com todo o respeito aos defensores legítimos do ‘moral hazard’, dificilmente os BCs deixarão de intervir caso se fortaleça a tese de que a atual tensão dos mercados vai se traduzir em recessão econômica daqui a alguns trimestres.” Como o efeito riqueza negativo na economia americana - com a queda no preço dos imóveis e das ações - é um fenômeno provável caso os mercados continuem na direção negativa, Póvoa acredita que os BCs mundiais vão tentar, sim, manter a liquidez equilibrada.

E, ao que parece, o mundo está apenas iniciando um processo de reprecificação originado no aumento generalizado de aversão a risco, considera o economista. Em um momento em que os prejuízos começam a se espalhar pelos diversos portfólios no mundo, fica difícil defender qualquer ação de gestão baseada em “bons fundamentos brasileiros”. “Parece aquela história do sujeito que, para adivinhar a localização do fundo do poço, coloca a mão na trajetória de uma faca que está caindo com a ponta voltada para baixo: a chance de uma mão perfurada é enorme!”

quarta-feira, agosto 15, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 15/08/07

Pochmann propõe reforma do Estado, que não pode ser 'raquítico'

O país precisa fazer uma reforma do Estado e ganhar capacidade de acompanhar as políticas públicas, como a construção de infra-estrutura e a expansão do atendimento educacional e de saúde, defendeu o novo presidente do Ipea, Márcio Pochmann, ao tomar posse, ontem, na principal instituição da Secretaria de Planejamento de Longo Prazo, comandada pelo filósofo Roberto Mangabeira Unger. "Não há razões técnicas que possam justificar a existência de um Estado raquítico", discursou Pochman, ao defender "gestão e coordenação" para o governo. A reportagem é de Sergio Leo e publicada pelo jornal Valor, 15-08-2007.

"Atualmente o corpo de funcionários públicos não chega a constituir 8% do total da população ocupada, enquanto em 1980 ultrapassava 12%", comentou o economista, para informar que, nos Estados Unidos, essa proporção chega a 18%, e é de 25% na Europa. Nos países escandinavos, "modelo de democracia com Justiça social e competitividade avançada", esse índice é de 40%, lembrou. "Não se trata de necessidade de contatar pessoal", ressalvou Pochmann, ao ser perguntado se estava defendendo aumento do funcionalismo público.

Pochmann lembrou o acidente com as obras do metrô de São Paulo, para argumentar que faltam engenheiros para acompanhar com qualidade as obras previstas nos planos oficiais e professores e escolas para atender a objetivos de inclusão de jovens nas escolas. "Temos um programa de sucesso que é o Saúde da Família, médicos, paramédicos, todos contratados fora do Estado", exemplificou. "Como justificar isso? Não sei se o custo é equivalente, superior ou inferior ao que seria se estivessem na função pública. Esse é um debate que precisa ser revisitado."

Pochmann recebeu elogios da única ministra presente à posse (além de Mangabeira Unger), Marta Suplicy, do Turismo, que o elogiou pela "capacidade de planejamento a longo prazo, com experiência prática". Pochmann, segundo Marta Suplicy, "montou, do nada, uma secretaria" para administrar o bem-sucedido programa de renda mínima em São Paulo. Mangabeira elogiou Pochmann como um "visionário realista", e explicou: "É fácil ser realista, se se aceita tudo e ser visionário quando não se realiza. O Ipea deverá aceitar pouco e enfrentar muito."

Segundo Mangabeira Unger, o Ipea não poderá ter uma "agenda interna que se sobreponha às forças políticas e às correntes da vida nacional". No seu discurso e em reuniões que tem feito com os dirigentes do Ipea, ele tem tentado eliminar os temores de que subordinará o instituto a suas visões políticas e deu garantias de que quer manter a independência dos técnicos do órgão.

"Temos de encontrar uma maneira de definir uma vocação republicana: não servir a um consenso, mas organizar o dissenso de que precisa o país", discursou, em uma das inúmeras frases de efeito com que saudou o novo auxiliar. "Que o Brasil desbrave o caminho do novo conflito ideológico, centrado no contraste entre formas alternativas de economia de mercado, de democracia política e da sociedade civil livre", defendeu.

Unger elogiou Márcio Pochmann, por ser livre do "fatalismo", que na opinião dele, domina discussão intelectual no país. O Ipea precisa ser "muito mais que uma assessoria técnica" ao governo no poder, mas não é viável que tenha uma agenda própria, descolada das forças políticas, acredita o secretário, que tem status de ministro. Ele elogiou a capacidade do Ipea de fornecer quadros técnicos para o governo e disse ver condições de levar o instituto "ao centro do debate nacional". Antecipou que pretende aproveitar o instituto para buscar colaborações intelectuais de todas as regiões do país.

Mangabeira Unger deu autonomia a Márcio Pochmann para fazer as trocas que considerar necessárias no instituto. Pochmann afirmou pretender uma gestão "de continuidade" e afirmou não ter planos de mudança, mas informou que passará os próximos dias em reuniões com os diretores, discutindo os planos para o órgão.

Pochmann, no seu discurso, disse que não será possível obter a modernização do Estado brasileiro sem a federalização e a alteração da fragmentação setorial "consolidada pela rigidez do processo orçamentário público". Ele criticou a divisão das ações públicas em "caixinhas" nos ministérios e informou que quer "descentralizar" as ações do Ipea, para acompanhar mais de perto as ações nos Estados e municípios. Ele pretende reunir-se com os ministros do governo, para ouvir avaliações e propostas sobre a atuação do Ipea.

Professor da Unicamp, com longa militância em causas sociais e políticas ativas de de redistribuição de renda e acesso a serviços públicos, Márcio Pochmann foi recebido com apreensão por alguns grupos de economistas do Ipea, de linha mais liberal. Ele garantiu que deseja trabalhar com diversidade e pluralidade de opiniões e que dará liberdade às manifestações pessoais dos pesquisadores. Mas indicou que quer discutir, com os técnicos do Ipea, as posições oficiais da instituição.

Instituto Humanitas Unisinos - 15/08/07

A bomba e o banheiro. Artigo de José Luís Fiori

“Para os governos e os economistas que pensam no longo prazo, seria bom que prestassem atenção nos desdobramentos geopolíticos da conjuntura atual para não serem surpreendidos, como no célebre caso do cidadão que estava no banheiro na hora da bomba atômica americana, e atribuiu a explosão e a bolha sobre Hiroshima, à válvula sanitária que acabara de utilizar”. O alerta é de José Maria Fiori, professor titular do Instituto de Economia da UFRJ em artigo publicado no jornal Valor, 15-08-2007.

Eis o artigo.

"Tudo quanto vemos esconde alguma coisa." - René Magritte

Segundo a maioria dos analistas econômicos internacionais, a explosão da "bolha imobiliária" americana não se transformará numa crise sistêmica. Será limitada e atingirá apenas a credibilidade dos títulos e dos fundos de segunda linha, inchados pelo excesso de crédito e pela exuberância especulativa dos investidores imobiliários americanos. Além disto, os bancos centrais da Europa, Estados Unidos, Japão e Canadá reagiram de forma rápida e coordenada e fizeram intervenções superiores às do 12 de setembro de 2001. E o que é mais importante: a explosão da bolha já era esperada faz muito tempo, e aconteceu num momento extraordinário da economia mundial, com uma previsão de crescimento do seu PIB de mais de 5% e do seu comércio, de cerca de 10%, ainda em 2007. Até o momento, não existem grandes bancos na linha de tiro e quase todas as economias emergentes parecem a salvo, resguardadas por suas reservas acumuladas no período recente de crescimento global. Por fim, o Banco Central da China, e o próprio Banco da Inglaterra, não participaram da operação conjunta de injeção de recursos nos mercados ressecados, caracterizando uma situação de estresse concentrado no eixo euro-dólar, onde chama atenção o papel decisivo que vem sendo cumprido pela Alemanha, como emprestador em última instância. Assim mesmo, do ponto de vista estritamente financeiro e bursátil, segundo estes analistas, a nova crise se restringiria à uma turbulência passageira de ajuste de mercados que perderam o sentido do risco.

Mas existe uma outra maneira de olhar para estes mesmos acontecimentos, quando se sabe que por trás de todo título ou hipoteca existe uma dívida e uma moeda, e que a as moedas não são apenas um meio de pagamento ou de troca do mercado. E menos ainda, no caso das moedas de referência dos Sistemas Monetários Internacionais, como a libra, o dólar ou o euro. Na verdade, as moedas nacionais são uma criação e uma imposição soberana do poder dos Estados modernos. E as moedas internacionais seguem sendo moedas nacionais, que lograram se impor fora das suas fronteiras junto com o poder dos seus Estados e dos seus capitais privados. Neste sentido, todos as moedas internacionais vitoriosas, ademais do seu papel básico, cumprem a função de "fronteira" do território político-econômico supranacional dos seus Estados. Como conseqüência, se pode falar da existência de uma hierarquia de moedas que corresponde mais ou menos à hierarquia de poder dos seus Estados emissores e dos seus capitais de investimento. E também se pode dizer que as moedas são um instrumento de poder na luta entre as nações pela supremacia mundial. Por isto, seu grau de aceitação externa é sempre um bom índice do poder internacional acumulado pelo seu Estado emissor. E por isso também, os sistemas monetários internacionais podem ser lidos como um retrato bastante fiel da correlação de forças existente, num determinado momento, entre as grandes potências. Foi assim, no caso do "padrão ouro-libra", e no caso do "sistema dólar-ouro" de Bretton Woods. E segue sendo assim no sistema monetário internacional "dólar-flexível", que se consolidou depois do fim da Guerra Fria, com base apenas na "credibilidade" do poder americano. Deste ponto de vista, a crise financeira dos últimos dias pode ter uma dimensão menos visível à primeira vista e menos relevante para os especuladores, mas de efeitos mais prolongados.

Senão vejamos: durante a década de 90, no auge da globalização financeira, o dólar se transformou numa moeda internacional quase global ou imperial. Mas desde 2003, o poder americano vive um verdadeiro pesadelo, depois do seu fracasso no Oriente Médio. De uma só vez, os Estados Unidos ficaram sem um projeto estratégico para o Oriente Médio e sem capacidade de impor sua vontade - unilateralmente - em outros pontos conflitivos, do cenário internacional. O mundo convive hoje sem a liderança dos Estados Unidos e já absorveu a idéia de mais um ano de imobilismo do governo Bush. Deste ponto de vista, a grande novidade dos últimos dias foi a descoberta de que uma possível vitória democrata, nas eleições de 2008, não mudará a agressividade e o belicismo da administração Republicana, e aumentará o protecionismo econômico com relação à administração Bush. Talvez, por isto mesmo, se multiplicam por todos lados, neste momento, as forças e os países que colocam sobre a mesa, de forma cada vez mais explícita, suas reivindicações expansionistas. No mesmo dia da crise da bolha imobiliária a aviação russa sobrevoou a base militar americana de Guam, no Pacífico, pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria. E na mesma semana, colocou uma bandeira russa de titânio no leito do mar do Ártico, num gesto simbólico de disputa territorial, energética e militar com o Canadá, Noruega, Dinamarca e Estados Unidos. Quase na mesma hora em que anunciava sua decisão de reiniciar a corrida armamentista com os Estados Unidos, a China, a Grã-Bretanha e a França, e de forma menos explícita, com a Alemanha e o Japão. Esta mesma disputa territorial e competição energética e militar se repete, neste momento, na Ásia Central, no Sudeste Asiático, na África e mesmo na América Latina. Numa linha de deterioro das relações internacionais, que passa pela crise das instituições multilaterais, pela competição e pela militarização cada vez mais rápida dos territórios, mares e espaços. Por isto, não seria de estranhar que esta competição já estivesse alcançando o mundo das moedas internacionais. Alguém já disse alguma vez que toda crise monetária esconde sempre uma disputa entre várias moedas com pretensões internacionalizantes, e que estas lutas monetárias, por sua vez, escondem sempre o aumento da tensão entre seus poderes emissores.

Para os economistas de jornal e de banco estes fatos não têm maior importância e não devem alterar suas análises e investimentos. Mas, para os governos e os economistas que pensam no longo prazo, seria bom que prestassem atenção nos desdobramentos geopolíticos da conjuntura atual para não serem surpreendidos, como no célebre caso do cidadão que estava no banheiro na hora da bomba atômica americana, e atribuiu a explosão e a bolha sobre Hiroshima, à válvula sanitária que acabara de utilizar.

Instituto Humanitas Unisinos - 15/08/07

Contágio é visível, diz PauloNogueira Batista Jr.

O economista Paulo Nogueira Batista Junior, representante do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), avaliou ontem que a crise do mercado imobiliário dos Estados Unidos já começou a contaminar outros segmentos. 'O contágio para outros segmentos já é visível. Houve a contaminação de fundos importantes.' Segundo ele, ainda não é possível saber 'a quantidade de problemas potenciais' que a crise pode provocar na economia mundial, mas, ao contrário de alguns analistas, acredita que a crise americana pode afetar a economia real. A reportagem é de Renata Veríssimo e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 15-08-2007.

O representante do FMI disse que é difícil prever a duração da crise e avaliou que o Brasil 'viverá de susto em susto'. 'Não existem estatísticas adequadas e os supervisores não sabem todos os riscos envolvidos e a cadeia de ligação desse mercado', afirmou.

Embora tenha admitido que o Brasil esteja mais sólido que no passado, Nogueira Batista disse estar preocupado porque o País já passou por maus momentos. 'O Brasil tem uma posição mais forte, com reservas maiores e uma queda da relação entre dívida e PIB, mas se a crise for muito grave terá que se preparar.' Para ele, é importante que o Banco Central (BC) mantenha a política de aumento das reservas internacionais e uma posição fortalecida no balanço de pagamentos.

Mas disse que a crise tem um lado positivo: reduzir o processo de valorização do real. 'Foi preciso que o mundo viesse abaixo para resolver a questão do câmbio no Brasil. Espero que pelo menos esse benefício, de ter uma desvalorização moderada, a crise traga.' Nogueira Batista acredita que o BC pode contribuir para a desvalorização do real dando continuidade à redução das taxas de juros e intervindo no mercado para enxugar o volume de dólares.

Instituto Humanitas Unisinos - 15/08/07

Medo de recessão nos EUA faz dólar atingir o maior valor em 3 meses

O temor de que a crise imobiliária americana jogue a maior economia do mundo em uma recessão voltou com força ontem e derrubou novamente os mercados mundiais. No Brasil, o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) fechou na mínima pontuação do dia, em queda de 2,90%. O dólar subiu 2,16%, para R$ 1,985, maior valor desde 14 de maio. A reportagem é de Leandro Modé e publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 15-08-2007.

O nervosismo no mercado de câmbio foi tamanho que, pela primeira vez desde setembro do ano passado, o Banco Central (BC) não fez leilão de compra da moeda americana.

Três fatores foram determinantes para a agitação de ontem. A Wal-Mart, maior varejista do planeta, reduziu sua projeção de lucro anual por causa da piora do ambiente econômico nos Estados Unidos. Segundo a companhia, a crise dos imóveis, as taxas de juros mais altas no país e os elevados preços da gasolina prejudicaram a demanda por produtos de casa e vestuário no 2º trimestre. A empresa acrescentou que esses efeitos devem reduzir as vendas também no 3º trimestre.

A Home Depot, maior varejista dos EUA no segmento de decoração e produtos para reforma, anunciou lucro 14,5% menor no 2º trimestre e previu condições difíceis no mercado de casas até o ano que vem. 'Acreditamos que o mercado imobiliário e de artigos domésticos seguirá fraco em 2008', disse o executivo-chefe da companhia, Frank Blake.

As ações da Wal-Mart despencaram 5,1% e as da Home Depot, 4,88%. O Índice Dow Jones recuou 1,57% e a bolsa eletrônica Nasdaq, 1,70%. Na Europa, o Índice FTSE 100 da Bolsa de Londres perdeu 1,2% e o CAC-40 da Bolsa de Paris, 1,6%.

O terceiro fator que assustou os investidores foi a notícia de que o fundo Sentinel Management Group congelou os resgates. O fundo, de US$ 1,5 bilhão, informou que não tem conseguido atender ao volume significativo de pedidos de resgates feitos por seus clientes. 'Pensamos inicialmente que o mercado voltaria a mostrar ordem e imaginamos que nossos clientes não entrariam em pânico. Infelizmente, não foi este o caso', disse, em nota, a instituição.

E HOJE?

Newton Rosa, economista-chefe da Sul América Investimentos, também prevê a manutenção das oscilações. 'É difícil saber até onde vai e qual será o desfecho.' O ponto positivo, afirmou, é que 'o momento da economia mundial é benigno, com bom crescimento na Ásia, Europa e nos emergentes'.

Hoje, os analistas estão de olho no Índice de Preços ao Consumidor de julho nos EUA. A expectativa é de alta de 0,1% para o índice cheio e de 0,2% para o núcleo, que exclui alimentos e energia. Ontem, saiu o Índice de Preços ao Produtor, cujo número cheio avançou 0,6% e o núcleo, 0,1%. 'Foi uma boa notícia, que o mercado ignorou por causa da tensão', observou Daniel Gorayeb, economista da corretora Spinelli.

A edição eletrônica do jornal Financial Times alertou que hoje é um dia chave para a turbulência, pois 'é a última chance para investidores (de fundos hedge) apresentarem demandas para resgatar seus recursos no fim de setembro'. Segundo o FT, uma eventual nova onda de vendas pode tornar os mercados 'irracionais'.

terça-feira, agosto 14, 2007

Le Monde Diplomatique Brasil - Maio 07

O Bem, o Mal e o Terrorismo

Quatro livros recém-lançados examinam o recurso à violência pessoal, a pretexto de obter reivindicações políticas. Entre os debates necessários, uma pergunta incômoda: que distingue o terror dos "inimigos" do que é praticado pelos "aliados"?

Eric Rouleau

O terrorismo permanece como uma abstração conceitual. A comunidade internacional não conseguiu, até agora, atribuir-lhe uma definição. Desde 1937, a Liga das Nações tenta adotar uma convenção para previni-lo e reprimi-lo, por falta de um acordo entre os Estados-membros, Pelo mesmo motivo, a ONU, apesar dos diversos debates, ao longo de 60 anos de existência, não pôde determinar sua natureza. Recentemente, durante sua criação, em 1998, o Tribunal Penal Internacional teve que excluir o terrorismo internacional de suas competências, ainda que seja encarregado de sancionar um largo elenco de crimes, que inclui até o genocídio.

Não é por menos que o tema pautou a imprensa. Sistemas repressivos foram instaurados num grande número de Estados, com o pretexto de resistir a uma ameaça julgada existente. Raramente na história da edição, tal quantidade de livros, eruditos ou não, foram consagrados a um fenômeno que conduziu à "guerra" proclamada pelo presidente George W. Bush no dia seguinte aos atentados do 11 de setembro de 2001.

Washington tem motivo para se regozijar: inúmeros Estados concluíram convenções de "cooperação" com os Estados Unidos — o que nem mesmo a resistência ao "comunismo internacional" foi capaz de fazer, na época. Melhor: os EUA dos neoconservadores pôde reunir a União Européia e a Rússia à sua causa, e fechou uma aliança antiterrorista com elas, no início de abril de 2007. Mas se trata de uma convergência repleta de pensadores contrários, e não de um consenso, como pode ser tentador acreditar.

E se os "civilizados" matam cem vezes mais que os "terroristas"?

Há pouco tempo, nos EUA, um conferencista evitaria analisar as causas políticas e sociais da violência, por temer ser suspeito de justificar o terrorismo. A ordem oficial exigia que considerássemos o planeta ameaçado pela raiva irracional contra a democracia. Politólogos e jornalistas evitavam, prudentemente, alinhar-se na contracorrente. No entanto, a onda de contestação que eclode, em seqüência aos escândalos explosivos que atingem o governo Bush, varre progressivamente os tabus e as idéias prontas, como atestam diversas obras publicadas recentemente. Elas não justificam o terrorismo, mas analisam suas causas e sugerem o remédio.

Autor de diversos livros dedicados aos conflitos mundiais, Matthew Carr faz, com seu livro Unknow soldiers [Soldados desconhecidos] [1], o contraponto aos neoconservadores, demonstrando que o terrorismo não é mais do que uma política servida (ou desservida), exclusivamente ou não, pela violência. Ele banaliza o fenômeno, ao apontar os atentados e assassinatos cometidos na Rússia, no século 19, pelas organizações que reclamavam da Revolução Francesa de 1789, assim como pelos anarquistas dos dois lados do Atlântico (na França notadamente, depois do massacre dos integrantes da Comuna de Paris em 1870). No século passado, uma loucura morticida tomou conta dos Bálcãs (1900-1913), da Irlanda do Norte a partir de 1919. Eram países colonizados que se levantaram contra as potências ocupantes.

Estas últimas justificam o desencadeamento das sangrentas repressões demonizando os combatentes pela liberdade. Matthew Carr disse que esses “terroristas” foram qualificados por seus opressores como bandidos, criminosos de direito comum, seres malfeitores, monstros, serpentes e parasitas. Os Mau Mau do Quênia, por exemplo, foram apresentados, nos anos 1950, como membros de uma “seita demoníaca” pelo governo e colonos britânicos. E o respeitável New York Times explicava, doutoralmente, a sublevação queniana como “frustrações de um povo de selvagens incapaz de se adaptar aos progressos da civilização”. Os números oficiais indicariam, mais tarde, que aqueles que foram acusados de ser “sedentos de sangue”, na realidade, mataram, durante os sete anos de sublevação, 32 colonos e 167 membros das forças de ordem — dentre os quais, 101 africanos. Em contrapartida, mais de 20 mil integrantes do movimento foram massacrados pelas forças de segurança e milhares de quenianos foram feridos, mutilados e retirados de suas casas. Carr, que evoca, entre outros, o caso argelino, conta que todos os conflitos coloniais encontraram seu epílogo com a ascensão ao poder de líderes “terroristas”: Jomo Kenyatta no Quênia, Nelson Mandela na África do Sul, Ahmed Ben Bella na Algéria, Menahem Begin em Israel, Anouar El-Sadat no Egito, para não citar outros.

Para os poderes estabelecidos, os terroristas jamais têm motivações legítimas; suas frustrações tanto quanto suas reivindicações políticas ou sociais, não são dignas de ser levadas em consideração (salvo sob pressão). E o uso da violência não é mais do que a expressão de seu “fanatismo” ou de sua “loucura”. Matthew Carr contou que, nos anos 1970, as autoridades da Alemanha Oriental retiraram os cérebros dos cadáveres dos membros da Baader-Meinhof para determinar as origens genéticas de sua mentalidade criminal. Um psiquiatra alemão foi capaz de “descobrir” uma disfunção patológica em um dos órgãos que examinou.

Chomsky considera "espantosa" a investigação de Phil Rees

Outras teorias foram espalhadas por intelectuais americanos de grande prestígio. Samuel Huntington, professor de ciências políticas na Universidade de Harvard, previu, desde 1993, um “conflito de civilizações” entre o Ocidente e o Islã, enquanto o historiador Bernard Lewis explicou que, desde 1964, a confrontação árabe-israelense se explica pela incapacidade do Islã em se adaptar à modernidade. Nada admirável, já que Lewis se tornou um dos gurus mais apreciados pelos neoconservadores e dos ultra-sionistas americanos. Uma obra singular desse gênero contribuiu fortemente na desmistificação dos fantasmas guardados sobre as motivações dos terroristas. Dining with terrorists [Jantando com terroristas] [2] foi escrito por Phil Rees, célebre jornalista investigativo laureado com diversos prêmios internacionais com seus livros, documentários e artigos na imprensa. Durante anos, ele percorreu o planeta para “jantar” com os responsáveis pelas organizações praticantes da violência. A proeza consistia em se introduzir e se infiltrar no coração de movimentos clandestinos em países tão diferentes como Colômbia, Argélia, País Basco, Indonésia, Camboja, Sri Lanka, Afeganistão, Líbano, Irã, Egito, Irlanda, Iugoslávia, Caxemira, Paquistão e Palestina. A coleta dessas investigações, complementada por fotografias, é julgada com toda razão como “espantosa” por Noam Chomsky. A face humana que emerge dos combatentes, e a força de suas convicções, encorajam a imaginar outros meios que não a força para chegar ao fim de sua violência, ainda que ela possa parecer atroz.

Contador de histórias sem igual, Phil Rees nos entrega narrativas de suas aventuras e desventuras, perfis surpreendentes de seus interlocutores. Nenhum deles se considera um terrorista, todos sustentam que se opõem à violência — à violência de seus opressores. São raros aqueles que esperam uma vitória militar. Alguns desejam obrigar o inimigo a negociar um compromisso e outros se contentam em difundir uma “mensagem política”. Assim, Matthew Carr classifica certas atividades dos palestinos nos anos 1970 (notadamente o desvio de aviões) na categoria de propaganda.

Para Rees, os palestinos são resistentes do mesmo naipe que os sionistas durante o mandato britânico (1922-1948) e os franceses sob a ocupação nazista. Em 1997, ele conheceu um dos fundadores do Hamas, um intelectual diplomado em universidades norte-americanas, professor de engenharia na Universidade Islâmica de Gaza e autor de diversos livros de tecnologia e política. Ismail Abou Shanab contou que reuniria voluntários aos acordos de Oslo, se pensasse que Israel aceitaria a criação de um Estado palestino digno desse nome. “Face aos tanques, com os bombardeios dos aviões F-16, com mísseis de helicópteros Apache do exército de ocupação, o que nós poderíamos fazer a não ser enviar nossos filhos para se matar em Israel?”, disse tristemente a Rees. É, também, para ele um modo de lançar um apelo angustiado à opinião pública mundial.

O essencial: como resolver as questões que dão pretexto ao terror

Abou Shanab, com 47 anos de idade, permaneceu como militante apesar dos oito anos de confinamento que acabava de cumprir nas prisões israelenses, dos quais ele passou dois anos numa minúscula cela subterrânea. Seis anos mais tarde, em 2003, enquanto dirigia seu carro, o foguete de um helicóptero israelense o decapitou e estraçalhou seu corpo, um espetáculo ao qual Phil Rees assistiu, aterrado, enquanto via, por acaso, a reportagem difundida por um canal de televisão via satélite.

Abou Shanab não é, hoje, como notou o repórter, mais do que a 138ª vítima da política israelense dita de "assassinatos pontuais" em dois anos. Ele poderia ter acrescentado que as execuções extrajudiciais são crimes de guerra aos olhos das leis internacionais. O Hamas – que é também, e sobretudo, um partido político majoritário em um parlamento democraticamente eleito – é severamente sancionado como uma “organização terrorista” tanto pelos Estados Unidos quanto pela União Européia, os quais cortaram a ajuda ao governo palestino após sua vitória em eleições democráticas.

Phil Rees não teme atravessar a Colômbia de uma ponta à outra, adentrando sucessivamente as zonas controladas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e as bases das milícias contra-revolucionárias (onde, freqüentemente, uns e outros praticam seqüestros e assassinatos não apenas de concidadãos suspeitos de simpatia por um ou outro campo, mas também estrangeiros de passagem). Phil transtorna-se, mas estima que é contraprodutivo trajá-los com a qualificação infame de “terroristas". Para promover a paz, sustenta que deveríamos excluir a injúria e levar em conta os interesses e o que está em jogo em ambas as partes em conflito. Aliás, ele complementa, citando antigos embaixadores americanos na América Latina: a política de Washington seria menos “terrorista” [3]?

No país basco, Rees não esconde os crimes cometidos pelo movimento independentista ETA, mesmo que censure o governo de Madri (e incidentalmente aos Estados Unidos e União Européia) por denunciar esse “terrorismo” abstendo-se de se engajar num diálogo sério com aquilo que reclama como sendo a história, a cultura, a identidade basca. Ele lembra que na Irlanda do Norte, um conflito antigo de diversas décadas — que é apresentado obrigatoriamente como de essência religiosa, e por isso irredutível —, pôde ser controlado graças às longas e cansativas negociações com o Exército Republicano Irlândes (IRA).

Wright ouve 483 agentes ou testemunhas dos atentados da Al-Qaeda

A situação é bastante diferente para a Al-Qaeda que, em perfeita harmonia com o presidente Bush, julga que a confrontação entre o Ocidente “cristão-judaico” e o Islã é de ordem existencial. Nenhuma negociação, compromisso e coexistência pacífica — que poderiam ser estabelecidas, por exemplo, com “O Império do Mal” soviético —, é viável nesse caso. A guerra santa, o “jihad” de Osama Bin Laden é tão intransigente quanto a “cruzada” levada adiante pelo presidente Bush depois dos atentados do 11 de setembro. Como, aliás, compor com uma nebulosa entranhada nas montanhas do Afeganistão e do Paquistão, sem estruturas globais, sem raízes internacionais, que se contenta em incitar seus partidários à violência contra o império norte-americano e seus partidários locais? Como lidar com células de militantes disseminadas pelo mundo, que funcionam de maneira autônoma como elétrons livres, com motivações diferentes de um país para outro?

As respostas a essas questões, bem como outras, são fornecidas por uma obra consagrada à Al-Qaeda, sem dúvida uma das melhores publicadas recentemente, The looming tower [4], de Lawrence Wright, que acaba de ganhar o Prêmio Pulitzer. Wright, universitário, cronista na revista New Yorker, cujo trabalho foi premiado várias vezes, baseia-se em informações de primeira mão: documentos inéditos redigidos por dirigentes da Al-Qaeda, entrevistas que feitas com 483 agentes ou testemunhas (das quais ele fornece a lista), incluindo os próximos de Bin Laden, terroristas arrependidos, especialistas em Islã, antigos membros da CIA e do FBI. Sua pesquisa o levou, em cinco anos, à Arábia Saudita, Egito, Afeganistão, Paquistão, Sudão, Iêmen e também vários países ocidentais. Ele descreve em detalhes as origens da organização transnacional, sua ideologia, suas lutas internas, suas ilusões e desilusões.

Os retratos que ele nos deixa dos dirigentes e seus ambientes sociais e familiares, revelam os motivos de seus comportamentos. A personalidade de Bin Laden, descrita por aqueles que o conhecem bem, é dissonante: marginal no seio de uma família de milionários, de uma extrema modéstia, ele leva uma vida monástica no fundo de cavernas; atencioso com respeito às suas quatro esposas, das quais duas concluíram doutorado — uma em psicologia infantil, outra em lingüística. Pai irrepreensível de uma quinzena de crianças; nacionalista saudita antes de se tornar globalmente anti-norte-americano, passa por ter capacidade intelectual limitada, daí a influência que exerce, sobre ele, o egípcio Ayman al-Zawahiri — seu adjunto e cabeça pensante da Al-Qaeda — sobre ele. Seu credo comum é aquele de seu mestre pensador, o ideólogo egípcio Sayed Qutb, enforcado sob o regime de Nasser, segundo o qual “o homem branco dos Estados Unidos e da Europa esmaga o povo colonizado”. O mundo para Sayed Qutb se divide em dois campos antagonistas, o Islã e a jahiliyyah (período pré-islâmico pagão e decadente), referente aos regimes “desertores” sujeitos ao imperialismo.

O Islã condena os atentados de 11/9. A mídia silencia sobre isso

Sem dúvida, não é fato do acaso se a organização transnacional iniciou suas atividades por volta dos anos 1990, enquanto a maior parte dos movimentos islâmicos (nacionais) renunciavam à violência (da qual eles sofriam conseqüências negativas), para se integrar à vida política de seus respectivos países. O abismo entre as duas correntes se manifesta durante o atentado contra as torres gêmeas e o Pentágono. A quase totalidade dos movimentos islâmicos, legais ou clandestinos, e todas as autoridades religiosas muçulmanas, condenaram os crimes cegos dos jihadistas, assim como sua ideologia, denunciada como contrária aos preceitos do Alcorão. O cisma foi largamente ocultado pela mídia, mas o acontecimento não impede a islamofobia de se espalhar pela opinião pública ocidental. Esta tende a se confundir com auxílio do vocabulário da mídia e dos antigos preconceitos – Islã, islamismo, fundamentalismo, jihadismo e terrorismo.

A caricatura do profeta Maomé coberto por uma bomba, publicada em um jornal dinamarquês, não é nada mais do que a expressão eloqüente desse amálgama. Os debates legítimos que se seguiram sobre o “direito de criticar o islã” [5], ocultaram uma outra discussão necessária, sobre as múltiplas causas do terrorismo, as frustrações e as cóleras sucessivas suscitadas pela hegemonia norte-americana, pelos regimes ditatoriais que proíbem toda liberdade de expressão, pela corrupção e as injustiças sociais, pela crise de identidade dos imigrantes. As elites “judaico-cristãs” bem sabem que o Islã, como todas as outras religiões, comporta ingredientes que podem ser explorados politicamente para justificar tanto o bem quanto o mal.

Estrategistas norte-americanos previram que, na era pós-soviética, o Islã tomaria o lugar do comunismo como ameaça existencial. A dimensão geopolítica do acontecimento é medida por Adrian Guelke, professor no Centro para Estudos de Conflitos Étnicos, em Belfast, em seu livro Terrorism and Global Disorder [O Terrorismo e a Desordem Global] [6]. Ele sustenta que o governo norte-americano, seguida por vários politólogos, não tem razão em considerar os atentados contra as torres de Nova Iorque e contra o Pentágono como uma guinada na história contemporânea.

Para Guelke, foi a queda da União Soviética que abriu caminho a uma nova forma de resistência à hegemonia todo-poderosa dos Estados Unidos — a saber, o terrorismo internacional. A importância política dos acontecimentos do 11 de setembro foi aumentada para justificar as “guerras” do presidente Bush? Esse acusa a Al-Qaeda de tentar “estabelecer um império islâmico da Espanha à Indonésia”.

Os atentados do 11 de setembro constituiriam uma “divina surpresa” para os neoconservadores. Permitem-lhes a retomada de seu programa imperial: ocupação do Afeganistão e do Iraque, que irá preceder a do Irã; reforço da presença militar na Ásia Central e no Golfo Pérsico; colocar sob tutela as fontes petrolíferas; “democratização” ou relocação dos regimes recalcitrantes à “nova ordem internacional”. Tudo em nome da “guerra contra o terrorismo”, planetária, total e de duração ilimitada.

Tolerância frente a "nossa" violência favorece o terror

Tendo, enfim, consciência das implicações negativas dessa apelação, o Foreign Office tem, em uma circular difundida em abril, recomendado aos diplomatas britânicos não utilizá-la. Sem dúvida, a extraordinária audácia dos seqüestradores dos aviões, a amplitude pavorosa do número de suas vítimas, a emoção suscitada pelo mundo, contribuíram para empurrar – ao menos inicialmente – a “comunidade internacional” para a tábua escorregadia sobre a qual se encontram pendurados os Estados Unidos. As conseqüências, sabemos, foram catastróficas.

A implosão do Estado iraquiano, a anarquia em paralelo aos sucessos militares dos talibãs no Afeganistão, a colocada em xeque dos exércitos norte-americanos em ambos os países não são mais que os resultados espetaculares do aventureirismo neoconservador. O balanço real é muito mais pesado. O governo Bush lucra com a conjuntura multiplicando as leis repressivas, lembrando o clima da época macartista. Ainda aprova o comportamento dos Estados policiais quando esses reprimem a oposição ou minorias oprimidas. Aos olhos de Washington, são terroristas os movimentos que resistem à hegemonia norte-americana; já os que aceitam essa hegemonia, não.

O terrorismo de Estado é tolerado e encorajado, se exercido segundo o interesse norte-americano. São fatores que favorecem os partidários da violência. Os seguidores da Al-Qaeda (que contava com menos de cem membros ativos, há dez anos) implantam-se no Iraque, e multiplicam-se em diversos países, notadamente na África do Norte e na Europa.

Podemos concluirk com a leitura das obras citadas, que, em um mundo unipolar, o terrorismo permanece como a única arma de que os fracos dispõem para assediar os poderosos em conflitos assimétricos. Somente um tratamento político do fenômeno é capaz de atenuar sua sorte.

Tradução: Elisa Andrade Buzzo
elisabuzzo@gmail.com

[1] Matthew Carr, Unknown Soldiers. How Terrorism Transformed the Modern World, Profile Books, Londres, 2006

[2] Phil Rees, Dining with Terrorists. Meetings with the World’s most wanted militants, Macmillan, Londres, 2005

[3] Exemplo mais atualizado: a liberação sob fiança, em 11 de abril, nos Estados Unidos, de Luis Posada Carriles. Cubano anticastrista que participou da tentativa de invasão da baía dos Porcos (15 de abril de 1961), por muitos anos agente da CIA, ele é, entre outros crimes, autor intelectual do atentado a bomba que em 1976 destruiu em vôo um avião da Cubana de Aviación, causando a morte de 73 passageiros. Retornando ilegalmente aos Estados Unidos em 2005, foi acusado apenas de ter violado as leis de imigração, o que o colocou em segurança em relação às demandas de extradição enviadas por Cuba e pela Venezuela (de onde decolou o vôo em questão).

[4] Laurence Wright, O vulto das torres, Companhia das Letras, 2007.

[5] Ler Agnès Callamard, "Temos o direito de dizer tudo?”, Le Monde Diplomatique - Brasil, abril de 2007.

[6] Adrian Guelke, Terrrorism and Global Disorder. Political Violence in the Contemporary World, I.B. Tauris, Londres, 2006

Instituto Humanitas Unisinos - 14/08/07

A ‘biopolítica’ e os corpos na sociedade contemporânea

“A biopolítica é um modo interessante de pensar, não só os extremos do fascismo, mas também, no contexto atual, as políticas de avaliação, de regulação e sanitárias”, que segundo Mario Goldenberg, são também “políticas sobre o corpo”.

“A segurança, preocupação dominante nos tempos da globalização, tem de algum modo essas características: por preservar a segurança se pode fazer uso da violência sobre os corpos, como aconteceu no recente massacre num colégio de Beslán (Rússia), onde as forças de segurança terminam matando não só os seqüestradores, mas as trinta crianças que estavam reféns”, continua o psicanalista da Escola de Orientação Lacaniana e professor da Universidade de Buenos Aires. Nesta linha, o que deveria a princípio ser uma política de proteção, acaba sendo o seu oposto.

Segue a íntegra do artigo de Mario Goldenberg publicado no Página/12, 28-07-2007. A tradução é do Cepat.

Michel Foucault, em seu primeiro seminário de 17 de abril de 1976, introduziu o termo “biopoder”, entendido como o modo como “o poder político é exercido sobre o homem como ser vivo”. Até então, a filosofia política havia apontado antes para os direitos do sujeito frente ao Estado e a Lei. O termo “biopolítica”, desenvolvido entre outros pelo filósofo napolitano Roberto Esposito (autor, entre outros livros, de Inmunitas e Communitas, publicados por Amorrortu), inclui no discurso político um elemento diverso que é o bios, o corpo. A biopolítica é a política que se exerce sobre os corpos.

Isto permite a Esposito uma abordagem inédita do nazismo, que já Foucault havia denominado de racismo de Estado. A política do Terceiro Reich foi uma tanatopolítica: uma política de pureza racial sobre a vida, que, utilizando o discurso biológico, procurou limpar a raça ariana da infecção judaica. E não se tratava de um uso metafórico: é conhecida a participação dos médicos na seleção e outros dispositivos dos campos de extermínio. O próprio Hitler foi chamado de “o grande médico alemão” que, seguindo a tradição de Pasteur e Koch, havia descoberto o vírus que infectava a nação ariana. Na Argentina tivemos uma variante desta tanatopolítica, já não com um discurso racial, mas o de “curar a pátria da infecção subversiva”, que incluía práticas de extermínio e, também, a apropriação de corpos de bebês como despojos de guerra.

A biopolítica é um modo interessante de pensar, não só os extremos do fascismo, mas também, no contexto atual, as políticas de avaliação, de regulação e sanitárias: também são políticas sobre o corpo.

Esposito pensa a comunidade a partir de um não há nada em comum: uma ruptura da idéia fechada e orgânica do corpo político, a favor da multiplicidade da existência variada e plural; uma política entendida como produção contínua da diferença a respeito de toda prática identitária; uma conjugação inédita entre a linguagem da vida e a forma política. Quer dizer: uma biopolítica afirmativa, não sobre a vida mas da vida.

Mas também coloca a noção de immunitas, na qual, a partir da biologia, se apresenta o “inmunitário” como uma infecção atenuada para prevenir uma maior. O imunitário permite manter uma comunidade: mas nesta época se põe em jogo através de guerras preventivas, de sistemas de segurança onde o aparato repressor atenta contra a integridade dos corpos. Esposito menciona o caso do Afeganistão, onde os mesmos aviões que jogavam víveres atiravam bombas. O filme A queda mostra como o aparato imunitário do nazismo em seus últimos dias pôs em jogo contra eles mesmos o gozo exterminador: os próprios alemães, caso não fossem suficientemente fortes, deviam ser destruídos.

A segurança, preocupação dominante nos tempos da globalização, tem de algum modo essas características: por preservar a segurança se pode fazer uso da violência sobre os corpos, como aconteceu no recente massacre num colégio de Beslán (Rússia), onde as forças de segurança terminam matando não só os seqüestradores, mas as trinta crianças que estavam reféns. Nesta linha, a proteção imunitária, que se apresenta como o mecanismo que protege a vida combatendo aquele que a nega, é expressa de forma mais acabada – coloca Esposito – pela figura do phármakon, com seu duplo sentido intrínseco de remédio e veneno. Este mecanismo, cujo objetivo é conservar a vida, termina por negá-la.

Para Jacques Lacan, não há continuidade de gozo: no que se poderia chamar de bios lacaniano, a maneira de gozar é singular. A lógica imunitária tende a apagar o bios no sentido de forma de vida, onde podemos situar o pulsional. A lógica identitária, por sua vez, tenta nomear os sintomas a partir do discurso da ciência e do mercado, para riscá-lo em seu sentido e singularidade: temos assim um mundo de anorexias, drogados, terroristas, bulimias, depressivos, panic attacks, novos nomes onde o imunitário exclui a diferença.

Instituto Humanitas Unisinos - 14/08/07

Que se vai fazer com os sacos plásticos?. Artigo de Washington Novaes

“Que se vai fazer com os sacos plásticos?” é o que pergunta Washington Novaes, em artigo publicado em 10 de agosto de 2007 no jornal O Estado de São Paulo. O Brasil está num verdadeiro impasse quanto à utilização desse material. Enquanto o Estado de São Paulo vetou projeto que exigia a adoção de sacolas plásticas oxibiodegradáveis afirmando que se tratava de uma “marotice política”, a Câmara Municipal de Curitiba aprovou um projeto semelhante e em Lajeado, no Rio Grande do Sul, a prefeitura promoveu uma campanha para substituir as sacolas de plástico por sacolas de pano. Washington Novaes trata, neste artigo, sobre esta controvérsia.

Confira o artigo.

A controvérsia está sobre a mesa. O governador José Serra vetou projeto aprovado pela Assembléia Legislativa que exigia a adoção, pelo comércio, de sacolas plásticas oxibiodegradáveis, que, segundo o deputado Sebastião Almeida, autor da proposição, aceleram a decomposição do material numa velocidade até cem vezes maior (o plástico comum levaria dezenas de anos para se degradar).

Segundo o secretário estadual de Meio Ambiente, tratava-se de um 'engodo plastificado e uma marotice política' (Folha de S. Paulo, 27/7), também já vetado antes pelo prefeito paulistano. Porque, diz ele, a tecnologia que produz essas sacolas, se permite que o plástico modificado se degrade mais rapidamente que o plástico comum, em contrapartida contamina o meio ambiente 'de forma agressiva, em razão dos catalisadores empregados, derivados de metais pesados como níquel, cobalto e manganês'; e as partículas produzidas no processo de decomposição, quando atacadas 'pela ação de microorganismos, irão liberar, além de gases do efeito estufa, como CO2 e metano, metais pesados e outros compostos inexistentes no plástico comum; pigmentos de tintas, utilizados nos rótulos, também se misturarão ao solo'. Já os fabricantes das sacolas usadas atualmente acrescentam que as partículas do plástico fragmentado 'infiltram-se no solo e contaminam lençóis freáticos'. Segundo eles, há outros plásticos que poderiam ser utilizados em substituição aos atuais sacos - mas são mais caros.

O autor do projeto vetado retruca que o plástico oxibiodegradável já é utilizado em mais de 40 países, entre eles Inglaterra, França e Portugal. Que o argumento da liberação de gases não pode ser invocado, já que o plástico comum, derivado do petróleo, também se decompõe em moléculas de carbono e hidrogênio no solo. E que o preço mais alto dos oxibiodegradáveis é compensado por suas vantagens, já que eles economizam aterro - e os sacos plásticos seriam hoje responsáveis por 18% do lixo paulistano, segundo o secretário do Meio Ambiente (e menos de 1% desse lixo é reciclado em usinas).

Mas a controvérsia não é só paulista. No mês passado, a Câmara Municipal de Curitiba aprovou projeto semelhante. Na discussão, lembrou-se que o Estado do Paraná consome 80 milhões de sacos de plástico por mês (que equivaleriam a 'uma montanha de 20 toneladas'). No Rio de Janeiro, o secretário estadual de Meio Ambiente já enviou ao governador projeto da mesma natureza (com substituição gradativa dos sacos pelo comércio, que em princípio não se opõe a ela). Também lá um dos argumentos mais fortes é numérico: o Estado consome 1 bilhão de sacos plásticos por ano e 900 milhões de garrafas PET; o governo gasta R$ 15 milhões por ano para dragar rios entupidos por lixo, grande parte de sacos plásticos. No Rio Grande do Sul, a prefeitura de Lajeado lançou, com apoio do comércio, campanha para substituir o plástico por sacolas de pano.

Nem é só brasileiro o tema. Em São Francisco, nos Estados Unidos, foi proibida a utilização desses sacos em supermercados e farmácias. Igual caminho está sendo discutido em Boston, Oakland, Portland, Santa Mônica, Annapolis. Na Europa, vários países - Alemanha e Dinamarca, entre outros - já evitam a entrega gratuita de sacos pelos supermercados à clientela.

Segundo estimativas, o consumo anual de plásticos no Brasil está em 19 quilos por habitante (100 nos Estados Unidos, 70 na Europa). Diz o deputado autor do projeto vetado pelo governador paulista que o consumo do País está em 210 mil toneladas de plástico filme por ano, a matéria-prima dos sacos, que representariam 10% do lixo total do País.

O ex-superintendente do Meio Ambiente do Paraná, Cícero Bley Jr., autor dos planos diretores de limpeza urbana de várias cidades (Vitória, Brasília e Angra dos Reis, entre outras), uma das pessoas que mais entendem do tema no País, acha que os sacos oxibiodegradáveis podem ser vantajosos, já que ao material hoje usado - polietileno de alta densidade - se adicionam agentes primários que aumentam a resistência, mas impedem a reciclagem. A nova tecnologia não abre caminho para a reciclagem, mas permite que o plástico se degrade muito mais rapidamente. E quanto aos metais pesados que se espalhariam na decomposição, diz ele que 'só se forem usados nas tintas; se usar tinta solúvel ou não usar tinta nenhuma, o problema não existirá'.

Seja como for, é um tema muito relevante para São Paulo. A capital paulista está gerando 13 mil toneladas diárias de lixo domiciliar e comercial (fora lixo industrial, resíduos da construção, lixo de estabelecimentos de saúde, lixo tecnológico e outros). Só não está em situação mais grave graças aos catadores de lixo, que, segundo as estimativas, encaminham às recicladoras 30% do papel e papelão e 20% dos plásticos e dos vidros.

Se o plástico de fato significar 18% do lixo total, evitar que vá para os aterros (graças a sacolas degradáveis) significará uma economia significativa. Não apenas de aterros, mas do próprio custo da coleta. Mesmo com a atual disputa entre a Prefeitura e as concessionárias da limpeza urbana, o poder público está pagando R$ 16 milhões por mês pela coleta (quase R$ 40 por tonelada), ou cerca de R$ 500 mil por dia (Estado, 23/3); 18% disso significará quase R$ 100 mil economizados por dia.

E, no final das contas, ainda será apenas uma pequena contribuição para que se reduza o incrível total de sacos plásticos descartados no mundo - 1 milhão por minuto, ou quase 1,5 bilhão por dia, mais de 500 bilhões por ano. Que são um dos fortes componentes do entupimento da drenagem urbana e dos rios e córregos. Além de contribuírem poderosamente para a formação de zonas mortas de até 70 mil quilômetros quadrados no fundo dos oceanos.

Instituto Humanitas Unisinos - 14/08/07

Chaves para entender o problema das subprime

Não é fácil compreender como uma pequena crise hipotecária nos Estados Unidos, ao menos pelo volume de fundos, pôde causar a queda mundial das bolsas e o pânico generalizado entre entidades financeiras e investidores. O certo é que a quebra de alguns bancos, cujo principal negócio é outorgar créditos aos clientes com menos garantias, desatou uma tormenta financeira e obrigou os três grandes bancos centrais a intervir.

A análise é de Ramón Muñoz e está publicada no jornal espanhol El País, 11-08-2007. A tradução é do Cepat.

Estas são algumas chaves para entender o que aconteceu:

— O que são os créditos subprime? São empréstimos concedidos a pessoas que não acreditam suficientemente seus ingressos, não dispõem de bens que possam garantir a devolução ou têm, em geral, um baixo histórico bancário de crediário. Para compensar este alto risco, os juros são muito mais elevados do que num empréstimo normal e se aplicam multas e comissões extras. Em sua forma mais simples, são créditos rápidos por pequenas quantidades para pessoas com baixas entradas. Mas também há hipotecas subprime para proprietários de uma casa sem garantias ou que são novamente hipotecados com a única garantia do incremento esperado do valor de seu imóvel.

— Há hipotecas subprime na Espanha? Não, estritamente falando. Todas as entidades exigem certas garantias mínimas para conceder créditos hipotecários. No entanto, o boom imobiliário e os baixos tipos de juros fizeram com que se rebaixem essas condições. O Banco da Espanha considera que 1,27% do total de créditos hipotecários está em mãos de pessoas com garantia de crédito (morosos) duvidosa.

— Qual foi o desencadeamento da crise nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha? Os créditos subprime têm um risco maior, mas o nível de inadimplência até 2005 era relativamente baixo. Contudo, a forte competência que se desatou entre as entidades dedicadas a este negócio, às quais se uniram outros grandes bancos como HSBC, fez com que se rebaixassem as condições de concessão. Em particular, se reduziram as taxas de juro que se cobravam nos dois ou três primeiros anos para torná-los mais atrativos. O boom atingiu seu teto em 2005, quando o volume de hipotecas de alto risco alcançou os 600 bilhões de euros, aproximadamente 10% do mercado hipotecário norte-americano.

Então, a coincidência da alta dos tipos de juro e o estancamento do mercado imobiliário nos Estados Unidos provocou um considerável aumento da inadimplência. Os embargos cresceram 58% no primeiro semestre e as pessoas estão presas porque ninguém compra sua casa devido à crise.

— Que entidades se viram diretamente afetadas? As primeiras foram os bancos especializados em subprime. O primeiro alarma soou no dia 02 de abril passado quando o New Century, o rei das subprime dos Estados Unidos, suspendeu pagamentos. Outras 30 entidades a partir de então seguiram o mesmo caminho. A última foi o American Home Mortgage, o décimo maior banco hipotecário dos Estados Unidos.

— Como essa crise passou para o sistema financeiro e as Bolsas? As entidades subprime emitiam títulos no mercado financeiro, com as hipotecas de alto risco como respaldo, que eram adquiridos por fundos e bancos de investimento. Ao vir abaixo essa garantia, os fundos perderam quase todo o seu valor ou não podem garantir seu reembolso àqueles que o subscreveram. A crise mais grave foi a quebra dos fundos do Bear Stearns, avaliados em 1,1 bilhão de euros. Outros bancos afetados são MacQuarie (Austrália), BNP (França), Commerzbank e IKB (Alemanha). Os problemas destes fundos desataram, por sua vez, uma onda de desconfiança geral. Os investidores começam a se retirar da Bolsa, com a conseqüente queda.

— O que é uma crise de liquidez e por que os bancos centrais tiveram que intervir? As entidades financeiras emprestam dinheiro entre si todos os dias a um juro ligeiramente mais elevado que o oficial (4%). No entanto, devido à desconfiança geral, nos dois últimos dias, os bancos que tinham dinheiro não se mostraram dispostos a emprestá-lo aos que necessitavam dele, o que disparou o juro. Para solver a situação, os bancos centrais (europeu, norte-americano, japonês e australiano) tiveram que facilitar esse dinheiro com empréstimos a um dia e a juro oficial. No total, mais de 200 bilhões de euros entre a quinta e a sexta-feira.

— Os bancos espanhóis serão afetados? Não diretamente pela crise das subprime porque, ainda que não haja dados oficiais, se estima que seu nível de investimento em fundos respaldados por estes produtos é baixo. Não obstante, seu problema pode ser maior se os piores prognósticos se realizarem e se estourar a bolha imobiliária, já que concederam créditos hipotecários em valor acima de um bilhão de euros. As caixas econômicas e a banca média e pequena seriam as mais prejudicadas devido à expansão que tiveram nos últimos anos no mercado hipotecário graças a condições vantajosas, como juro baixo ou alongamento dos créditos até inclusive 50 anos.

Outro risco vem da grande quantidade de dinheiro emprestado a construtoras e imobiliárias.

Instituto Humanitas Unisinos - 14/08/07

Depois de um dia de calma, Bolsas em queda e volta o medo

“Bolsas em queda, volta medo”, é o título principal do jorna La Stampa. Segundo o jornal italiano, volta o medo por causa da crise do mercado imobiliário dos EUA e o Banco Central Europeu está pronto a injetar nova liquidez. A mesma notícia inunda os portais dos principais jornais do mundo na manhã de hoje, 14-08-2007.

O dia de calma foi o resultado da injeção de mais de US$ 72 bilhões no mercado financeiro do Banco Central Europeu, do Banco Central dos EUA e do Japão.