"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, novembro 23, 2013

Parece, mas não é

Revista do Idec – nov 2013

IMAGEM DE DESTAQUEPercorremos diversos supermercados em busca de alimentos que não são o que parecem ser. E chegamos a uma lista de produtos que vai surpreender você

"O que é o que é: parece cachorro, tem focinho de cachorro, late como cachorro... Mas não é cachorro?". "Cachorra" é a resposta a essa manjada charada infantil. Sim, é quase irritante constatar a banalidade por trás da brincadeira. Mas é mais ou menos a mesma lógica que permeia a política de alguns fabricantes de alimentos e bebidas. Por meio de jogos de palavras, comunicação visual ambígua e posicionamento dos itens nas gôndolas dos supermercados, eles fazem seus produtos parecerem o que não são.
Também há os casos em que os alimentos são enxertados com ingredientes mais baratos (quase sempre de baixo valor nutricional), a fim de "engrossar o caldo" da receita e, claro, reduzir custos. "Quando nada disso é informado claramente, estamos diante de uma tentativa velada de ludibriar o consumidor", afirma Eduardo Vicente, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), vinculado ao governo do Estado de São Paulo.
Basta uma simples passada de olho nas miúdas letras da relação de ingredientes para a máscara dos alimentos impostores cair: azeite de soja, muçarela de búfala com leite de vaca, requeijão com amido...
O Idec foi às compras e escolheu os dez casos que mais chamaram a atenção de nossa equipe. O critério foi apenas um: a discrepância entre o que são de fato e o que aparentam ser. Não se trata de uma denúncia, já que nenhum dos itens escolhidos desrespeita a legislação vigente (talvez a legislação é que seja por demais permissiva). Critérios nutricionais tampouco balizaram esse levantamento – embora o consumo em excesso de praticamente todos os itens não seja aconselhável.
Confira a lista a seguir. É provável que você encontre outros casos na sua cesta de compras. Depois disso, talvez seja o caso de passar a ler com mais atenção as informações do rótulo.

X-sabor picanha IMAGEM DE DESTAQUE
Pra começo de conversa, esses hambúrgueres congelados normalmente não são grande coisa. Não passam de um bolo de cortes de carne nada nobres (bovina e de frango), proteína de soja (e você que achava que não gostava de carne de soja...) e gordura, muita gordura. Agora, quando se pensava que a imaginação dos engenheiros de alimentos tinha limite, eis que vem ao mundo o inacreditável X-picanha congelado! É só deixá-lo por uns dois minutos no micro-ondas e, pronto, surge um "suculento" sanduíche feito com essa carne que exala brasilidade. Exala literalmente, pois de picanha só se sente no máximo o cheiro. Pelo menos é o que sugere a descrição da embalagem, impressa com comedido tamanho de fonte: "sanduíche de hambúrguer de carne bovina e de carne de frango sabor picanha e queijo processado sabor cheddar congelado" (sic). Leia novamente a frase e veja que "frango" e "sabor picanha" estão na mesma sentença. Um "tutti-frutti" versão carnívora!
Mostarda, pero no mucho
"Se está no inferno, abraça o capeta", diz a voz do povo. Pois então, quem se aventurar a degustar o tal X-picanha pode muito bem banhá-lo com mingau de mostarda (a terminologia oficial é "molho de mostarda"). É, amigos, aqueles potinhos amarelos podem esconder papas arenosas compostas de água, vinagre, açúcar, amido e apenas um pouquinho de sementes de mostarda.
"Tipo" calabresa IMAGEM DE DESTAQUE
As ambiguidades que a língua pode proporcionar são uma bela fonte de inspiração a poetas, escritores e outros profissionais que fazem uso dela, como a turma do marketinge os redatores de regulamentos técnicos de produção de alimentos. Vejamos o caso de praticamente todas as marcas de calabresa defumada: suas embalagens vêm com a inscrição "tipo calabresa".
Ora, um mais incauto leitor provavelmente faria a seguinte interpretação: "se é 'do tipo' calabresa, é porque não é toscana, portuguesa, ou seja lá o que for. Portanto, a palavra 'tipo' está especificando o 'tipo' de linguiça". Bom, a bizarra lista de ingredientes das calabresas defumadas, no entanto, diz o seguinte: "carne suína, carne mecanicamente separada de aves (...), proteína de soja (...)". Bingo! A ambiguidade agora salta aos olhos: tipo assim, tipo calabresa é porque não é uma calabresa original; é como se fosse calabresa, saca?
Um regulamento técnico do Ministério da Agricultura prevê essa prática, desde que a denominação seja "tipo calabresa" (e não apenas "calabresa"). Mas e aí, você quer carne de porco, de aves, de soja ou tipo tudo junto e misturado?

Requeijão à base de amido
O mundo dos derivados de leite é um prato cheio para pegadinhas. Quase sempre tem algum caroço no angu. Analise, por exemplo, os rótulos de requeijão. Verá que os de algumas marcas são feitos não apenas com derivados de leite, mas também com derivados de vegetais, como amido e gordura vegetal. O problema é que os potes são muito parecidos e ficam todos reunidos na mesma seção do supermercado. Para identificar os picaretas, procure umas letras miúdas na parte da frente do rótulo que indicam a presença de amido e afins.
Muçarela de búfala ou de vaca? IMAGEM DE DESTAQUE
As bolotas de queijo brancas e macias conquistaram o seu espaço no cenário gastronômico nacional. Acompanhadas de rúcula e tomate seco, formam uma bela salada. Só que nem sempre esse queijo em forma de ovo é feito com leite de búfala. Preste atenção na geladeira do supermercado: provavelmente você vai encontrar, no meio de legítimas muçarelas de búfala, embalagens de marcas que usam bastante leite de vaca. O teor pode chegar a 80%. A mesma atenção deve ser mantida em restaurantes e pizzarias. Aliás, na Itália, a receita original da mozarela é exclusivamente com leite de búfala. Foi cá em terras latinas que inventamos a muçarela amarelinha, com leite de vaca.
Soro com chocolate
Quando a fome aperta repentinamente, um bom leitinho gelado com chocolate vem bem a calhar. Mas os "leites" com chocolate vendidos já prontos (naquelas caixinhas longa vida) na verdade não são leites. São "bebidas lácteas". Não se trata de preciosismo linguístico, não. Em vez de leite em si, eles são uma mistura de soro de leite com leite em variadas formas (reconstituído e em pó, por exemplo). "Eles são nutricionalmente piores e não substituem o leite. Têm teor de cálcio menor, por exemplo", alerta Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec. Além disso, podem ter adição de água e até gordura vegetal. E você achando que só os combustíveis eram batizados...
Mel, mas não de abelha IMAGEM DE DESTAQUE
Lá está o consumidor na frente da prateleira em que várias marcas de mel estão expostas. Até que algumas um pouco mais baratas despertam a sua atenção. Na correria, ele não hesita e, zupt, escolhe um dos potes de preço menor. No dia seguinte, feliz da vida por poder derramar o divino néctar de abelha sobre a sua torrada matinal, ele olha o rótulo da embalagem: "alimento à base de glicose" ou "melado de cana", e então descobre que levou gato por lebre. De acordo com a nutricionista do Idec, Ana Paula Bortoletto, o melado é o "menos pior", nesse caso. "O melado de cana tem alguns minerais e não é tão ruim quanto o alimento à base de glicose, que é ultraprocessado e contém muito açúcar. Mas também não é tão bom quanto o mel", diz.

Azeite quase sem azeitona
As imagens impressas nas embalagens revelam imensos campos de oliveiras e até uma rapariga portuguesa, que supostamente colhe azeitonas. As latas dos produtos se encontram nas gôndolas onde há diversas marcas do mais puro óleo de oliva. E os nomes dos produtos são bastante sugestivos: "Olívia", "Maria", "Salada"... Tudo nos leva a crer que estamos diante de, oras, azeites. Mas, calma, é bom ler melhor o rótulo: "óleo composto de soja e oliva". Pois é, o bom e velho azeite nem sempre é azeite: o ingrediente principal pode ser óleo de soja (entre 85 e 90%).
Para não azeitar sua salada com óleo de fritar batatas, fique atento. Atenção que também deve ser mantida em restaurantes. Não é incomum que alguns estabelecimentos reaproveitem frascos de azeite. Nada contra o uso sustentável da embalagem, muito pelo contrário. O que é inadmissível é entupir o vidro velho com óleo que não seja de azeitona.
Cerveja de milho IMAGEM DE DESTAQUE
O Reinheitsgebot, a lei alemã da pureza das cervejas, de 1516, restringe os ingredientes da bebida a água, malte de cevada e lúpulo. Quase quinhentos anos já se passaram e estamos a milhares de quilômetros do país germânico, de modo que, hoje, a cevada não é o único ingrediente principal das cervejas brasileiras. Repare na lista de ingredientes das principais marcas daqui: lê-se claramente a expressão "cereais não maltados". O que os fabricantes não revelam é o nome específico desse cereal misterioso. Cientistas das universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp) foram atrás dessa informação: um teste realizado no ano passado concluiu que quase todas as cervejas daqui têm teores de milho de quase 50%.
Usar outros cereais (que não a cevada) em cervejas é permitido por lei. A instrução normativa 54/01, do Ministério da Agricultura, prevê a adição de "adjuntos cervejeiros", desde que seu uso não passe de 45% em relação ao malte ou extrato de malte. O malte, vale dizer, é a cevada germinada artificialmente e, em seguida, seca. Especialistas na bebida costumam afirmar que as melhores cervejas são as feitas exclusivamente com malte de cevada. Mas gosto é gosto. O mínimo que poderíamos esperar, no entanto, é que os nomes e teores dos cereais fossem devidamente informados.
Iogurte aguado
Nem tudo o que está na gôndola de iogurte é iogurte: preste atenção e verá que tem muita "bebida láctea fermentada" no meio. Os iogurtes são mais consistentes; os "falsos iogurtes" são mais líquidos, pois, a exemplo do "leite" com chocolate de caixinha, têm soro de leite em sua composição. O Ministério da Agricultura exige que conste do rótulo a frase "bebida láctea não é iogurte". Mas você já viu essa frase?

Não é só em supermercado
Comer em restaurantes ou doçarias também exige atenção. Um caso que beira o folclore é o da "chuchureja", chuchu cortado em formato de cereja (o gosto do marasquino joga uma cortina de fumaça). Sob orientação do chef Cássio Prados, consultor de restaurantes, selecionamos outros casos clássicos de receitas feitas com ingredientes alternativos (para não dizer mais baratos):
• Sashimi: muitas vezes o tradicional salmão é substituído por truta. Para que elas fiquem rosadas, são alimentadas com ração aditivada com corante. Surge então a truta salmonada.
• Tiramisù: o doce italiano deve ser feito com queijo mascarpone. Aqui no Brasil, no entanto, é comum se utilizar catupiry. "A maioria não conhece bem o doce, então é fácil fazer essa mudança", diz Prados.
• Crème brûlée: sobremesa francesa que consiste em um "creme queimado". Creme de leite, diga-se. Só que tem gente que coloca amido de milho na fórmula.
• Pesto genovês: o famoso molho é feito com manjericão triturado e pinhole, semente de um tipo de pinheiro da região do Mediterrâneo. Aqui no Brasil, no entanto, essa semente comumente dá lugar a nozes ou castanha de caju.

quinta-feira, novembro 21, 2013

Geógrafo diz que a crise mundial ampliou a concentração da riqueza e critica gastos do Brasil com copa e olimpíada

Folha de São Paulo – 20 nov 2013

ENTREVISTA - DAVID HARVEY

'Privatização de tudo' gerou protestos, que vão continuar

ELEONORA DE LUCENADE SÃO PAULO

O projeto neoliberal é privatizar e "commoditizar" tudo. No seu fracasso em realizar promessas de eficiência estão as raízes dos protestos que eclodem pelo mundo e no Brasil. Partidos convencionais, reféns do capital internacional, não conseguem canalizar a raiva das ruas. Não há ideias novas, e as manifestações vão continuar.

A análise é do geógrafo marxista britânico David Harvey, 78. Professor da Universidade da Cidade de Nova York, ele ataca os "oligarcas globais" e afirma que os bilionários foram os que mais ganharam com a crise.

Crítico de megaeventos como Copa e Olimpíada, ele diz que os governos são muito influenciados pelo capital financeiro: "Esses eventos são sobre a acumulação de capital através de desenvolvimento de infraestrutura. Os pobres tendem a sofrer, e os ricos tendem a ficar mais ricos".

A partir de sexta Harvey irá a debates no Brasil sobre o lançamento de seu livro "Os Limites do Capital" e da coletânea "Cidades Rebeldes".

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Folha - Qual sua avaliação sobre a situação mundial?
David Harvey - É muito mutante e volátil. Está tão perigosa quanto sempre foi. O que me surpreende é que não há novas ideias. As receitas propostas aprofundam o modelo neoliberal ou tentam desenvolver alguma forma de keynesianismo. Ambas opções me parecem muito frágeis.

O sr. disse à Folha em 2012 que a crise deveria aprofundar a concentração de capital e as desigualdades. Isso ocorreu?
Sim. Todos os dados mostram que o número de bilionários cresceu no mundo. Foi o grupo que melhor se saiu melhor na crise, enquanto todos os outros ou permaneceram estagnados ou perderam. O crescimento principal está sendo canalizado para o 1% mais rico da população mundial. É preciso haver uma redistribuição de renda globalmente e entre classes. O clube dos bilionários é que é o problema. Oligarcas globais controlam potencialmente ¾ da economia global. Meu ponto é: vamos para crescimento zero, sem canalizar o crescimento para eles e, ao mesmo tempo, devemos fazer uma redistribuição.

Nesse cenário haveria uma guerra, não?
Olhando para o que está acontecendo nas ruas se pode pensar que esse tipo de coisa não está tão longe assim.

Qual sua visão dos protestos pelo mundo? O sr. defendeu a criação de um "partido da indignação" para lutar contra o "partido de Wall Street". Como essa ideia evoluiu?
Os movimentos não estão indo muito bem. O poder político se moveu rapidamente para tentar reprimir os protestos. Há também muitas divisões entre os movimentos. Sobre o futuro, é muito difícil prever. A situação é muito volátil para os movimentos.

E sobre os protestos no Brasil?
Existe uma desilusão generalizada do processo político. As pessoas estão começando a discutir como modificar os piores aspectos da exploração capitalista. Há também uma alienação, que leva a alguma passividade, que é interrompida ocasionalmente por explosões de raiva. O nível de frustração por todo o mundo está muito alto agora. Não surpreende que essas manifestações ocorram. O problema é canalizar essa raiva para movimentos políticos que tenham um projeto. Prevejo mais explosões de raiva nos próximos anos --no Egito, na Suécia, no Brasil etc.

Há conexão entre esses movimentos?
Sim, cada um tem suas demandas específicas, mas há problemas de base provocados pela natureza autocrática do neoliberalismo, que virou um padrão para o comportamento político. Ele não é satisfatório para a massa da população e fracassou em entregar o que prometeu. Há uma crise na governança democrática e uma raiva contra as formas tomadas pelo capitalismo. No norte da África os protestos foram parcialmente sobre a alta nos preços da comida. Isso diz respeito ao poder do agronegócio e à especulação com as commodities, causas da alta dos preços.

No Brasil os protestos estouraram por causa da alta nas tarifas de ônibus. Como especialista em questões urbanas, como o sr. avalia o problema?
O projeto neoliberal é privatizar e "commoditizar" tudo. Tudo vira objeto das forças do mercado. Dizem que essa é a forma mais eficiente de prover bens e serviços para uma população. Mas, na verdade, é uma maneira muito eficiente de um grupo da população reunir uma grande soma de riqueza às custas de outro grupo da população --sem entregar, de fato, bens e serviços (transporte, comida, casas etc.). Essa é uma das razões do descontentamento da população. Por isso, explodem manifestações de raiva em diferentes lugares e em diferentes direções políticas. Há uma situação de fundo que dá uma visão comum às batalhas, embora cada uma delas seja específica e diferente. No Brasil foi o custo do transporte. Em outros lugares é preço da comida, da habitação etc.

Em São Paulo há também a discussão sobre o aumento do imposto sobre propriedade urbana. Isso também evidencia uma luta social?
Vamos chamar de luta de classes. Ela está mais evidente, mas muitas pessoas não gostam de falar sobre isso.

Partidos tradicionais foram pegos de surpresa no Brasil. Mas os movimentos não têm organização própria. Como isso pode se transformar em forças políticas organizadas?
Se eu tivesse essa resposta, não estaria falando com você agora. Estaria lá fora fazendo. A situação agora reflete a alienação das pessoas em relação a praticamente todos os partidos políticos e a sua desilusão com o processo político. Nos EUA, o Congresso tem uma taxa de aprovação de 10%. Nessa circunstância, as pessoas não vão canalizar o seu descontentamento para o processo político, pois não enxergam esperança nisso. Por isso, há essa raiva. E assim as coisas vão continuar.

O sr. concorda com a visão de que partidos de todos os matizes caminharam para a direita e que a esquerda se diluiu em ONGs e estruturas voláteis?
Há internacionalmente uma ortodoxia econômica, que é reforçada pelos movimentos do capital internacional. Os partidos políticos convencionais se tornaram reféns desse poder.

Isso acontece com o PT?
Isso é para o julgamento de seus leitores. Noto que há uma desilusão sobre o PT entre seus próprios integrantes.

O sr. está escrevendo um livro sobre as contradições do capitalismo. Qual é a principal?
Estão mais restritas as condições que o capital tem para crescer. É muito difícil achar novos lugares para ir e novas atividades produtivas que possam absorver a enorme quantidade de capital que está buscando atividades lucrativas. Em consequência muito capital vai para atividades especulativas, patrimônio, compra de terras, commodities. Criam-se bolhas.

O sr. escreveu que é cada vez mais difícil encontrar o inimigo. Quem é o inimigo?
O inimigo é um processo, não uma pessoa. É um processo de circulação de capital que entra e sai de países. Quando decide entrar, há um "boom"; quando decide sair, há uma depressão. Por isso é necessário controlar esse processo de circulação. O Brasil tem possibilidades limitadas, porque o capital pode simplesmente desaparecer.

No início o Brasil parecia estar indo bem na crise. Agora estamos travados. O que deu errado?
Houve mudanças modestas no Brasil no sentido de redistribuir renda, como o Bolsa Família. Mas é necessário fazer muito mais. Muito dos gastos em enormes projetos de infraestrutura ligados à Copa do Mundo e à Olimpíada são uma perda de dinheiro e de recursos. As pessoas se perguntam por que o país está fazendo todos esses investimentos para a Fifa ter um grande lucro. Para o resto do mundo é surpreendente ver brasileiros se revoltando contra novos estádios de futebol.

Copa e Olimpíada não fazem bem para o país?
A Grécia está em dificuldades em parte por causa do que foi feito em razão da Olimpíada de Atenas. Muitas cidades olímpicas nos EUA entraram em dificuldades financeiras.

Como o sr. explica o poder da Fifa e do COI?
É como qualquer poder monopolista: extrai o máximo do que se tem a oferecer. Os governos são muito influenciados pelo capital financeiro. Esses eventos são sobre a acumulação de capital através de desenvolvimento de infraestrutura, de urbanização. Envolvem também despossuir pessoas, removendo-as de suas residências para abrir espaço aos megaprojetos. Os pobres tendem a sofrer, e os ricos tendem a ficar mais ricos.

Como o sr. analisa a situação política na America Latina?
Politicamente houve, na superfície, um tipo de política antineoliberal. Mas não houve nenhum verdadeiro grande desafio para o grande capital. Há discursos anti-FMI. Mas, de outro lado, o Brasil está ofertando a exploração de seu petróleo para empresas estrangeiras, por exemplo. Não é profunda a tentativa de ir realmente contra as fundações do capitalismo neoliberal. É uma política antiliberal só na superfície, na retórica. Mas há alguns elementos, como o Bolsa Família, que não fazem parte da lógica neoliberal. Mesmo a Venezuela não vai muito longe em realmente desafiar os interesses do capital.

Os EUA não perderam posições na região?
Os EUA estão mais fracos na América Latina, em parte porque o crescimento da região foi mais orientado para a o comércio com a China, que ampliou o seu papel imensamente. De muitas formas, a economia na América Latina é muito mais sensível ao que ocorre na economia chinesa do que na norte-americana.

OS LIMITES DO CAPITAL
AUTOR David Harvey
EDITORA Boitempo (2013)
QUANTO R$ 79 (592 págs.)

CIDADES REBELDES
AUTORES David Harvey, Ermínia Maricato, Mike Davis, Ruy Braga, Slavoj Zizek e outros
EDITORA Boitempo
QUANTO R$ 10 (112 págs.)

Perpetuação da crise ajuda ricos, aponta geógrafo marxista

Foha de São Paulo - 26/02/2012 – 07h33

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ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

As políticas de austeridade perpetuam o desastre econômico. E há uma lógica por trás disso: as pessoas ricas e poderosas se beneficiam da crise, que provoca mais concentração de renda e de poder político. A análise é do geógrafo marxista David Harvey, 76.

Professor de antropologia da Universidade da Cidade de Nova York, ele fala da ascensão do pensamento de direita e espera a emergência mais sólida de movimentos contra a desigualdade. "Até pessoas muito ricas, como Warren Buffet, reconhecem que a desigualdade foi longe de mais", diz.

Nesta entrevista, concedida por telefone na última quinta-feira, Harvey defende a saída da Grécia do euro e prevê que a crise migrará para a China.
Harvey estará no Brasil nesta semana para debates em São Paulo e no Rio e para o lançamento de seu livro "O Enigma do Capital".

Na segunda-feira ele estará às 19h30 no Tuca /USP; na terça às 18h30 na FAU/USP e na quarta no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ às 18h.

Folha - Como o sr. analisa a crise atual?
David Harvey As crises não são acidentes, mas fundamentais para o funcionamento do sistema. O capital não resolve as crises, mas as move de um lugar para o outro. Elas mudam geograficamente. Muda também a parte da economia que a crise atinge.

Que mudanças ocorrerão?
China e emergentes, como Brasil, têm se saído bem. América do Norte e Europa não vão bem. Ninguém sabe quanto tempo essa situação vai perdurar. Minha hipótese é que a China está além do limite e terá problemas difíceis em breve, o que significa que a crise pode se mover da América do Norte para a China. Lá há superprodução, superinvestimento e vai começar a haver pressões fortes de inflação.

A Grécia virou um protetorado das finanças depois desse acordo?
Não parece que esse acordo possa ser implantado. A Grécia terá que declarar moratória e deixar o euro. Sair do euro pode ser traumático no curto prazo. A Argentina decretou moratória e voltou mais forte. É preciso sair do euro para fazer o que a Argentina fez: desvalorizar a moeda, o que tornaria a Grécia facilmente competitiva nos mercados internacionais.

Qual o impacto dessa crise na política?
A visão da direita é muito nacionalista. Há a emergência do nacionalismo não só na Grécia, mas em outras partes, o que pode se mover para ditaduras. A saída da esquerda é muito mais voltada para a tentativa de reavivar a economia através de projetos sociais, o que não é possível com o pagamento dessa enorme dívida.

A direita quer a ditadura?
Eles não vão dizer isso, mas é a única maneira que terão de estabelecer a alternativa deles. Tudo vai depender do balanço das forças que existem no país.

Divulgação

O geógrafo britânico David Harvey, que faz conferências no Brasil nesta semana

O geógrafo britânico David Harvey, que faz conferências no Brasil nesta semana

Quem vai ganhar e quem vai perder?
Quem esta perdendo até agora é o povo. Há uma transferência de riqueza do povo para os bancos. O povo está nas ruas em muitos países, inclusive nos EUA, contra a maneira pela qual os governos estão favorecendo os bancos, não o povo.

Nos seus livros o sr. diz que o capitalismo provoca concentração de renda. Essa crise aumentará as diferenças entre ricos e pobres?
A qualidade cresce numa crise, não decresce. Nos EUA os dados mostram que a desigualdade cresceu de forma notável nos últimos três ou quatro anos, no curso dessa crise. Não é apenas desigualdade de renda que cresce, mas a desigualdade de poder político. Desigualdade política segue desigualdade de renda e se tem um círculo vicioso.

O aumento da desigualdade social é desestabilizador para os mercados; há um limite econômico para a desigualdade. Mas também há um limite político. Vivemos hoje movimentos contra os níveis de desigualdade social que existem em todo o mundo.

Mas a direita cresce como vemos na Espanha, em Portugal, na Finlândia, não é?
Sim. O curioso é que não é só a direita que está crescendo, mas um movimento nacionalista que também existe na esquerda. Diz que o grande problema que temos é a economia global na qual as grandes corporações e a classe capitalista levam vantagens.

Uma das respostas políticas é tentar cortar as ligações entre a globalização e os mercados globais e tentar sair com um programa de autonomia local e de autodeterminação local --uma demanda que está na esquerda e na direita. É parte das respostas à desigualdade social tremenda que foi em parte produzida pelos mercados livres e pelo livre comércio mundial.

O nacionalismo vai crescer não importa a coloração política?
É preciso distinguir entre movimentos por autonomia local ou regional ou autonomia nacional. Esses movimentos ficarão muito fortes. Se vão se tornar totalmente nacionais é uma pergunta em aberto. Há uma versão de direita dessa autonomia local e uma versão de esquerda. No início a antiglobalização era um dos slogans da esquerda.

Isso pode levar o mundo no rumo de uma guerra?
Gerará mais tensões. Podemos ver conflitos militares regionais. Há muitas tensões políticas regionais no mundo hoje que podem eclodir como conflitos militares. A possibilidade de conflitos é forte em áreas como o Oriente médio.

Mas não há hipótese de uma guerra mundial.

Vejo conflitos locais, não o tipo de guerra que tivemos nos anos 1940. Por exemplo, o Brasil tem uma versão disso nos conflitos nas favelas do Rio de Janeiro. Historicamente nacionalismo leva a lutas políticas entre Estados-Nações. Os conflitos serão locais e localizados nas cidades. Vejo um novo tipo de conflito político que é o conflito para ver quem controla a cidade.

Qual sua previsão para as eleições neste ano nos EUA, na França e no México?
É extremamente imprevisível. Não temos idéia para onde o processo político vai se mover. É como a Bolsa _não se sabe quando vai para o alto ou para baixo. Politicamente não se sabe se vai para a direita ou para a esquerda. Em todos esses casos é difícil prever.

Mesmo no caso dos EUA? Obama não vai vencer?
Não tenho certeza disso. Não creio que as pessoas saibam o que fazer para enfrentar a crise. Dizem qualquer coisa para tentar se eleger. Há uma falta de idéias de como lidar com essa situação de crise.

E o que deve ser feito para enfrentar a crise?
É preciso que haja um movimento político que enfrente a questão sobre o que deve ser o futuro do capital. Não vejo nenhum movimento fazendo isso de forma coerente. É isso que tento estimular com os meus escritos e as minhas falas.

E o que o sr. defende?
Há dois elementos cruciais. Primeiro, acredito que os trabalhadores precisam ter o controle do seu processo produtivo. Trabalhadores deveriam se auto-organizar em fábricas, locais de trabalho, nas cidades.

A ideia é que associação de trabalhadores possa regular a sua própria produção e as tomadas de decisão. A segunda parte é que as associações de trabalhadores precisam coordenar suas atividades entre si para definir o que cada um deve produzir. Isso requer um mecanismo de coordenação, o que é diferente dos mercados. Isso requer uma espécie de organização racional para a tomada de decisões sociais, divisões de trabalho. Como organizar isso é uma grande questão.

Isso não é uma tarefa do Estado?
Historicamente o Estado tem que fazer isso, mas muitas pessoas não confiam no Estado. E há boas razões para não confiar no Estado. É preciso pensar numa forma alternativa de coordenação e organização.

Isso porque a experiência de controle do Estado não foi muito boa na antiga URSS e em outros países?
Isso não é inteiramente verdade. Muitas coisas correram bem mesmo na URSS. A China tem uma boa direção central para a economia e vai muito bem em termos de desenvolvimento. É interessante notar que no capitalismo a Coreia do Sul e Taiwan, que tem mecanismos de planejamento centralizado muito fortes, estão bem. Não é verdade que o planejamento central não funciona.

Então por que o sr. não acha que o Estado seria o instrumento para organizar a economia?
É preciso alguma coisa como o Estado. Mas o Estado contemporâneo é muito corrupto na maior parte do mundo. Segundo, ele foi desenhado essencialmente para benefício do capital, não em benefício do povo. É preciso redesenhá-lo de forma completamente nova.

No seu livro "O Enigma do Capital" (2010) o sr. propõe a criação de um "partido da indignação" contra um "partido de Wall Street". Qual a situação da sua proposta? O que pode ser mudado pelas pessoas que protestam nas ruas?
Há muitas diferenças entre os movimentos pelo mundo em termos da sua força e dos seus objetivos. No Chile o movimento é muito forte e concentrado nos estudantes. Nos EUA o movimento Occupy é pequeno e fragmentado e não está maduro em termos de força política. Nos próximos seis meses isso poderá ser mudado e teremos a chance de ver uma forma diferente de política emergindo nos EUA, baseado no movimento Occupy.

O sr. pode explicar melhor?
Temos um sério problema de democracia e o movimento Occupy está preocupado com uma forma democrática alternativa democrática de tomada de decisões. Há dificuldade de transformar a noção de uma assembleia numa escala nacional. Deverá ocorrer uma convenção dos movimentos Occupy nas cidades americanas no verão.

Esse movimento poderá ser usado pelos democratas nas eleições?
Sim. Os democratas têm o problema interessante: como usar o movimento Occupy sem chegar muito perto, porque seria muito radical.

No seu livro "O Novo Imperialismo" (2003) o sr. fala da questão da hegemonia norte-americana. Também diz que o consumismo é a regra de ouro da paz americana. Como vê essa questão hoje, quando o consumismo está abalado pela crise? Como o imperialismo se expressa hoje?
A questão do imperialismo não pode ser muito conectada com a da hegemonia. Não é certo dizer que os EUA são hoje o único poder imperial. Há muitos diferentes poderes que estão exercitando um papel hegemônico, às vezes em regiões.

Um exemplo é o Brasil, que é muito poderoso e hegemônico na América do Sul. Isso significa que o Brasil é imperialista? Há alguns sinais que põem ser conectados dessa forma, de ter políticas imperialistas. Mas prefiro chamar de exercício de hegemonia. A questão é de como essa hegemonia se exercita.

O consumismo é ainda a chave de outro para a paz social nos EUA?
Austeridade reduz o padrão de vida e o consumo cai. Há um problema real de demanda no mercado. Por causa disso a produção não cresce. E porque a produção não cresce o emprego não cresce e o desemprego aumenta. O que a austeridade faz é tornar as coisas ainda piores.

Há muitas evidências disso na crise de 1930. As políticas da austeridade naquele período foram um desastre. Mas EUA e na Europa estão engajados na política da austeridade e isso está perpetuando a crise. Mas há uma lógica por trás na perpetuação da crise: as pessoas poderosas e influentes se beneficiam da crise.

Os ricos estão indo muito bem na crise. Portanto, perpetuar a crise é uma forma de perpetuar seu crescente poder e sua crescente riqueza. Dessa perspectiva de classe a crise não é nada ruim. De um ponto de vista racional de organização da economia capitalista, austeridade é simplesmente maluco.

No seu livro "The Limits to Capital" (1982) o sr. descreve a dinâmica e as contradições do capital. Como analisa isso hoje? O poder das finanças vai crescer com a crise?
Sim. O capital financeiro é hoje importante como nunca foi. A medida geral de como uma economia está se recuperando ou não é muito dada pelo valor dos bancos e de como eles estão se saindo. A recuperação financeira é absolutamente crucial, o que significa fornecer mais ativos para o setor bancário.

Há limites para o capital?
Um dos comentários interessante que Karl Marx fez sobre o dinheiro é que ele pode aumentar sem limites. Então quando é preciso mais dinheiro o Fed aparece com um trilhão de dólares e joga no mercado. Portanto não há limite para a capacidade de criar o poder do dinheiro. Há limites em muitas outras áreas: recursos naturais, produção de commodities etc. Mas não há limite para o dinheiro, o que significa que não há limite para o poder do capital financeiro.

Qual sua visão do Brasil e do governo de Dilma Rousseff?
É um país muito dinâmico e tem havido algumas tentativas --com Lula e acho que continuadas por Dilma_ para atacar as questões de desigualdade. Mas há um longo caminho pela frente. De um lado há essa política de tentar aliviar a desigualdade. De outro há a política de repressão, de ocupação e militarização das favelas.

Em "O Novo Imperialismo" o sr. diz que a privatização é o braço armado da acumulação por espoliação. O Brasil recentemente privatizou aeroportos. O que pensa disso?
Depende das condições da privatização. Em geral, patrimônio publico dado ao setor privado de alguma forma beneficia o setor privado. Não obter o valor real desse patrimônio para o domínio publico, abrir mão de um patrimônio comum por uma quantia muito baixa faz os capitalistas acumularem valor com base nisso. De certa forma é um presente ao capital.

E sobre o processo no Brasil?
A privatização depende muito da condição, da forma de fazer. Na maior parte do mundo o movimento pela privatização ocorreu em áreas como fornecimento de água, eletricidade, aeroportos. Para mim é apenas uma forma de apoiar o capital provendo novas formas de o capital obter mais lucros.

Para o governo é a única forma de ampliar aeroportos a tempo da Copa.

Quando se tem um Estado que é muito burocrático e corrupto talvez seja melhor transferir para o setor privado.

Como marxista como explica que o neoliberalismo continue sendo dominante, mesmo após a crise?
Há sinais de mudança. Sinais de um pensamento progressivo. Mesmo os círculos conservadores começam a ver que não podemos mais continuar do mesmo jeito. Há maior interesse pelas idéias sociais, por Marx. Mas há um longo caminho pela frente.

É uma questão de quem tem o poder de produzir e controlar o discurso dominante, a academia, a mídia. A mídia nos EUA nunca publica [temas marxistas] porque considera antipatriótica a linha marxista. Então há muita repressão a essas idéias. Na Europa é diferente.

As ideias sobre igualdade não são vistas como utópicas?
Pode ser. Mas mesmo o pensamento dominante está começando a reconhecer que o nível de desigualdade que hoje existe não pode ser sustentado, que alguma coisa precisa ser feita para mudar. Mesmo os muito ricos, como Warren Buffet, reconhecem que a desigualdade foi longe de mais. É o início de uma mudança na opinião dominante.

Como o sr. avalia a posição do Brasil no mundo?
O Brasil exerce muita influência no mundo. Na América Latina em geral houve uma experiência de neoliberalismo e um descontentamento geral. Há mais abertura na América Latina para as mudanças progressistas do que em outras partes do mundo. O que acontece aqui é muito excitante, mas é muito diferente de país para país. Há Hugo Chávez, o movimento no Chile, Evo Morales. Há um movimento geral na direção de desenvolver uma via alternativa, na qual o capital funciona mais preocupado com justiça.

O que o sr. acha de Chávez?
Não sou muito fã. Acho que é muito autoritário e personalista. Mas muitas coisas progressistas acontecem na Venezuela, muitas estão acontecendo na Bolívia.

E na Argentina?
Perón é um fenômeno complicado. E Kirchner é parte disso. Mas não se vê o discurso de austeridade. Os EUA estão dominados por esse discurso bobo sobre austeridade.

E qual o resultado disso?
O futuro da América Latina caminha para um poder regional. Não é que a América Latina tenha se tornado anticapitalista, mas busca uma forma diferente de operar o capitalismo, mais preocupada com o social. Kirchner, por exemplo, está investindo em educação, ciência e tecnologia de uma forma que não acontecia no passado. E é muito positivo.

O sr. está otimista?
Sou otimista no sentido de que acredito que as pessoas em algum ponto vão reconhecer que há limites sérios sobre como o capitalismo pode funcionar e que é preciso considerar alternativas de modo de vida. Otimista no sentido de que há um senso de justiça e equidade por aí que deve ser capitalizado politicamente.

E há a emergência de movimentos sociais que começam a dizer "basta" e que precisamos reconstruir o mundo com um novo modelo social de como se viver. De outro lado, a volatividade de hoje é tão grande que as pessoas podem tomar direções malucas no lugar de sensíveis. É possível ver isso politicamente em muitos países europeus e nos EUA também.

E para onde isso pode levar?
Autoritarismos de vários tipos e sérias rupturas na economia. Isso já está prolongando a crise por razões desnecessárias, por causa da ideologia neoliberal da austeridade.

O poder nos EUA vai diminuir no século 21?
Não há dúvida de que os EUA continuarão a ser um poder significativo para o mundo, mas não da forma que foi nos anos 1970 e 1980. Haverá poderes hegemônicos regionais. O Brasil será um deles. China, Índia, Alemanha serão outros. Esses poderes regionais competirão entre si e os EUA serão um desses hegemônicos regionais.

Qual o seu projeto profissional hoje?
Acabei de lançar "Rebel Cities", que trata de movimentos revolucionários urbanos. Fiz uma campanha sobre o 1º volume de "O Capital" e agora estou trabalhando no 2º volume e partes do 3º. Pretendo transformar esses textos mais compreensíveis para estudantes e outras pessoas que tentam entender do que Marx tratava. Estou muito contente. Entre os alunos há pessoas do movimento social. Fiquei muito impressionado com a resposta.

Recebi o email de um sindicalista de 79 anos que me disse que esteve toda a sua vida na política e que sempre quis ler "O Capital". Agora que está aposentado, com o meu curso, finalmente conseguiu.

terça-feira, novembro 19, 2013

Tese alerta para uso indiscriminado de anabolizantes entre jovens

Jornal da Unicamp - Campinas, 28 de abril de 2013 a 04 de maio de 2013 – ANO 2013 – Nº 559

Pesquisa demonstra que prática da musculação é feita,
na maioria das vezes, sem orientação

Estudo desenvolvido na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) revela que a prática de musculação por parte de adolescentes em academias tem sido feita sem orientação de profissionais especializados e, por isso, se caracteriza pela predisposição ao consumo indiscriminado de esteroides androgênicos anabolizantes. Ainda que os adolescentes entrevistados afirmassem não saber o que são essas substâncias, a maioria deles declarou assumir o risco de sua utilização para alcançar uma estética corporal perfeita. “Em outras palavras, isto quer dizer que, na busca pelo corpo perfeito, os adolescentes estão associando a prática da musculação na academia como instrumento de obtenção rápida da aparência corporal, e isto pode ser considerado um fator preponderante no uso dos anabolizantes”, alerta o professor de educação física Ubirajara de Oliveira.
Em sua opinião, trata-se de um problema de saúde pública em razão da falta de conhecimento sobre os reais efeitos que o uso dessas substâncias pode provocar. “E a academia tem sido o lugar propício para este tipo de envolvimento, pois o culto ao corpo leva à prática da musculação que, por sua vez, predispõe o uso de anabolizante. Isto diminui o espaço entre a saúde e a doença”, afirma Oliveira, que teve orientação do médico José Martins Filho para realizar o seu estudo.
O professor de educação física lembra que os esteroides androgênicos anabolizantes são substâncias proibidas no Brasil, uma vez que seus efeitos colaterais são nocivos. “Já existem comprovações do mal causado pelos anabolizantes. O que preocupa, no entanto, é a forma como esses garotos chegam à decisão de usá-los. Por isso, quis investigar”, explica.
O estudo, de caráter epidemiológico, contemplou entrevistas com 3.150 adolescentes, com idade entre 15 e 20 anos e praticantes de musculação. Para conseguir resultados específicos, Ubirajara Oliveira aplicou os questionários apenas junto aos voluntários do sexo masculino, matriculados em escolas do município de São Paulo. O professor de educação física contou com a colaboração dos professores da rede pública de ensino para colher as informações. “O número de entrevistados foi bastante significativo e, com isso, conseguimos uma amostragem representativa, o que sugere um sinal de alerta tanto para as autoridades como para os pais desses adolescentes sobre uma das práticas cada vez mais frequentes entre os mesmos adolescentes”, declara.
Para Oliveira ficou claramente demonstrado na pesquisa que a maioria dos adolescentes desconhece os prejuízos à saúde decorrentes da utilização dos anabolizantes. Sobre o comportamento dos garotos em relação ao culto do corpo perfeito, explica, os dados da pesquisa apontam que, apesar das porcentagens altas de satisfação em todas as questões sobre imagem corporal, eles se contradizem, pois mesmo satisfeitos estão predispostos ao uso dos anabolizantes com objetivo estético.
O estudo indicou ainda que muitos deles frequentam locais considerados inadequados para a prática da musculação e, por isso, não contam com profissionais especializados para orientação. “A concepção de academia é subjetiva. Muitos locais indicados pelos adolescentes não seguem um padrão de qualidade com aparelhos modernos e aulas com conteúdo. Pelo contrário, são espaços inadequados, inclusive no que diz respeito à frequência”, lamenta.
Ubirajara de Oliveira leciona em uma universidade e dá aulas de musculação em academias. Seu envolvimento com a formação de professores e a prática da musculação sempre trouxe um questionamento sobre a relação que a atividade poderia ter com o uso de esteroides anabolizantes. O culto ao corpo, em que o estilo, forma, aparência e juventude contam como atributos indispensáveis, segundo ele, remetem à ideia de que o corpo pode ser remodelado por meio da utilização de esteroides. “A dimensão mais valorizada do corpo, na contemporaneidade, é a aparência, pois o corpo belo, jovem e magro tornou-se objeto de consumo, sendo exaltado, sobretudo, pelos meios de comunicação e pela publicidade. É um discurso perigoso de exaltação ao corpo, que atinge, principalmente, os adolescentes”, declara.
Publicação
Tese: “O uso de esteroides androgênicos anabolizantes entre adolescentes e a sua relação com a prática da musculação” Autor: Ubirajara de Oliveira Orientador: José Martins Filho Unidade: Faculdade de Ciências Médicas

O uso de anabolizantes também está diretamente relacionado à mídia. Hoje se tornou comum mulheres musculosas aparecerem como modelos de "corpo sarado". 
Várias rainhas de escolas de samba se adequam a este modelo. Até mulheres anteriormente com medidas invejáveis como Sabrina Sato, aderiram a esta masculinização do corpo feminino. 

segunda-feira, novembro 18, 2013

EUA estudam cortar importação de etanol do Brasil

Estadão - domingo, 17 de novembro de 2013

Medida atende lobby da indústria americana; refinarias terão de reduzir a quantidade de combustíveis renováveis nos produtosCláudia Trevisan


Principal destino das exportações brasileiras de etanol, os Estados Unidos anunciaram na sexta-feira que pretendem reduzir em 2014 o volume de biocombustíveis que as refinarias do país devem misturar à gasolina e ao diesel, em uma vitória do lobby que defende os interesses da indústria do petróleo.
Proposta divulgada sexta-feira prevê que as refinarias terão de acrescentar 15,2 bilhões de galões de combustíveis renováveis nos produtos que venderem no próximo ano, 2,95 bilhões a menos que os 18,15 bilhões previstos originalmente na legislação sobre biocombustíveis aprovada em 2007. O volume também é inferior aos 16,55 bilhões de galões fixados para 2013 e representa o primeiro corte nos patamares desde que a mistura foi aprovada.
No ano passado, o Brasil exportou ÜS$ 1,5 bilhão de etanol para os Estados Unidos, o equivalente a 68% dos embarques totais do produto. De acordo com Leticia Phillips, representante da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica) na América do Norte, o etanol brasileiro respondeu por 3% dos biocombustíveis consumidos no país em 2012.
A principal justificativa para a revisão das metas é a queda no consumo de gasolina, provocada principalmente pelo uso de carros menores e mais eficientes. Segundo o Departamento de Energia, os americanos usaram 0,6% menos gasolina na primeira metade deste ano em relação a igual período do ano passado.
A legislação estabelece um limite de 10% para adição de etanol no combustível vendido no país, mas as metas da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) são fixadas em volume e não como um porcentual do consumo. Com a redução nas vendas de gasolina, os 18,15 bilhões de galões previstos originalmente ultrapassariam o limite de 10% fixado como teto para a mistura de biocombustíveis, conhecido como E10.
"A produção de combustíveis renováveis cresceu rapidamente em anos recentes. Ao mesmo tempo, avanços na eficiência energética de veículos e outros fatores econômicos levaram o consumo de gasolina a patamares bem inferiores aos que antecipávamos quando o Congresso aprovou os Padrões para Combustíveis Renováveis em 2007", justificou nota da EPA.
Barreiras. O encontro dos dois movimentos provocou o que a agência chamou de "barreira da mistura E10", o ponto no qual a oferta de etanol pode transbordar o limite de 10% fixado pela legislação.
A solução alternativa à redução da meta para o próximo ano seria a ampliação do teto de adição de combustíveis renováveis para 15%, decisão que enfrenta oposição ferrenha da indústria de petróleo, que gostaria de ver a mistura de etanol totalmente cancelada.
Nos próximos dois meses, representantes das indústrias de petróleo e dos biocombustíveis vão se enfrentar para tentar influenciar a decisão final do governo. Mas, por enquanto, o lobby do petróleo ganhou.

Lembro-me de quando Bush veio ao Brasil e conversou com o Lula sobre a formação de uma “OPEP” do etanol. É nisso que está dando a coisa, principalmente após a morte do Hugo Chaves.

TOR-M2 Otimiza Capacidades de Defesa Aérea.

sábado, 16 de novembro de 2013

 

TOR M2E lançando um interceptador 9M331. O míssil é capaz de destruir aerodinâmicamente alvos em manobras a alcance entre sete e 10km

A corporação de defesa russa Almaz-Antey desenvolveu uma versão avançada do sistema de defesa aérea Tor- M2 (nome do relatório da OTAN SA-15 Gauntlet ) , utilizando um novo míssil interceptador que melhorou o desempenho , duplicou a capacidade de munição e permitiu disparar com a capacidade de movimento .

De acordo com Sergei Druzin , chefe de pesquisa e desenvolvimento da Almaz-Antey , a versão melhorada representa um " sistema de defesa aérea único em sua classe , com uma precisão espantosa de alcance. " O sistema Tor é um sistema de mísseis de baixa e média altitude de curto alcance terra- ar projetado para interceptar aeronaves, mísseis, munições guiadas com precisão, veículos aéreos não-tripulados e alvos balísticos .

O TOR M2 melhorado é anunciado por oferecer uma capacidade de lancamento dos seus mísseis instantaneamente após sua parada. O TOR M2K atual necessita de pelo menos 3 minutos para ser montado.

O Tor-M1K e variantes do Tor-M2U , armados com mísseis 9M331 , estão atualmente em serviço no exército russo. O novo sistema, equipado com novos mísseis 9M338, foi testado com sucesso no final de outubro de 2013. "Fizemos cinco lançamentos alvos drones altamente manobráveis.

Três dos alvos foram atingidos de frente, enquanto os outros dois foram destruídos por estilhaços da explosão das ogivas. É um excelente resultado , e a precisão impressionantes " , disse Druzin .

Além disso, o tamanho menor dos 9M338 comparados com o seu antecessor, permitiu que a capacidade de carga do lançador fosse dobrada, passando de oito para 16 mísseis.

O funcionário disse que as melhorias nos sistemas Tor-M2 e mísseis 9M338 foram aprovadas por uma comissão de estado para produção em massa . "Podemos agora começar a produzir esses mísseis em quantidades que atendam a demanda do exército russo", disse Druzin.

Mísseis 9m331 são carregados em dois casulos de 4 mísseis cada.

O sistema de mísseis Tor-M2E também foi exportado para Azerbaijão, Bielorrússia, Ucrânia , China, Venezuela e Iran. As versões anteriores ( M1) também foram exportados para Grécia, Chipre e Egito.

De acordo com Druzin , o próximo passo na melhoria do sistema seria para o lançamento de mísseis contra alvos adquiridos enquanto estiverem em movimento. "O [lançador móvel ] para atualmente por dois ou três segundos para lançar um míssil, mas isso poderia ser feito em um movimento , sem parar ", disse Druzin.

A versão de exportação conhecida como TOR M2E também está armada com o interceptador 9M331, é concebido como um sistema de defesa aérea de curto alcance, capaz de interceptar movimentações aéreas e as manobras de alvos em intervalos de 1-12 km e altitudes do nível do solo (10 metros) até 10 km.

Mísseis de cruzeiro e aeronaves não tripuladas poderiam ser destruídos em intervalos de 1,5 km até 7 km no máximo com armas guiadas de precisão interceptadas a uma distância mínima de 50 metros e alcance máximo de seis quilômetros. Velocidade máxima até o alvo é de 700 m / s (2.520 km / h).

A M2E Tor pode enquadrar quatro alvos simultaneamente , com até oito mísseis-ar. (quatro guiados ativamente) .
Tradução e Adaptação do Texto Defense Update
Aloizio Gomes Veterano Fuzileiro Nava

Por que tem que mudar a legislação penal

Landro Oviedo - Megalupa - nov 2013

Há um ranço de uma pseudoesquerda que diz que todo a criminalidade tem origem na questão social, o que equivaleria a dizer que todos os pobres são criminosos em potencial e que temos cerca de 60 milhões abaixo da linha da pobreza que podem, a qualquer momento, sair a praticar furtos e roubos. Alto lá.
O PT, que já deixou de ser esquerda há muito tempo, usa esse mantra abaixo da linha de raciocínio para não mexer na legislação penal e assim proteger seus corruptos do atacado e do varejo. Com isso, quem perde é a população, que está totalmente desprotegida em matéria de segurança pública. Basta ver que quem tiver sido furtado ou roubado vai realizar um boletim de ocorrência apenas para fins de estatística, mas jamais terá de parte dos órgãos de segurança qualquer suporte, até porque eles estão deliberadamente sucateados para não se voltarem contra os donos do poder.

A legislação penal, tanto do direito material quanto do processual e da execução das penas, tem que mudar para acabar com o paternalismo com a bandidagem, levado ao extremo pelo atual Congresso e pelo governo. É preciso acabar com a prescrição, que beneficia criminosos pela inércia estatal,
e com a progressão das penas, que já foram individualizadas dosimetricamente na fixação. O corporativismo entre criminosos de “colarinho branco” e os da arraia miúda faz com que a população pague tributos apenas para colocar o pescoço na guilhotina. Ou para perder a vida na banalização da violência, que pune somente os familiares das vítimas.


Passaporte especial é título de nobreza na República petista

Landro Oviedo - Megalupa - nov 2013

O Brasil passou da monarquia para o sistema republicano, mas a verdade é que os governantes e as elites brasileiras continuam a mandar e a desmandar, com privilégios odiosos e inaceitáveis. Exemplos? Vamos lá.
Pela atual Constituição federal, os ministros dos tribunais superiores são nomeados pelo presidente da República e também são nomeados pelo Congresso Nacional os ministros dos tribunais de contas, que normalmente são parlamentares derrotados nas eleições e que acabam recebendo um prêmio de consolação.

Em escala estadual, os governadores escolhem os desembargadores dos tribunais. Isso ocorre para que a Justiça (com j ou J?) possa ser controlada por
quem está no poder, de modo que o sistema todo funcione a favor dos poderosos. Tais casos são constitucionalmente previstos, sem falar naqueles privilégios que nem base legal têm, como as pensões para ex-governadores e os atos secretos do Senado.
As distinções nobiliárquicas para a casta dominante não param por aí. O governo do PT concedeu um passaporte especial para o ex-ministro Nélson Jobim, assim como já o fez com os filhos de Lula e com dezenas dos seus apaniguados.
Agora, ele não precisará esperar nas filas nos aeroportos internacionais, como são obrigados a fazer os simples mortais que não têm ligações de apadrinhamento com esse governo corrupto e gabola. Nota-se que há muito tempo não temos barões, duques, reis e rainhas, mas, na prática, temos gente agindo como se os fossem. “Todos são iguais perante a lei.” Bem, há quem acredite que todos são iguais perante Papai Noel.


domingo, novembro 17, 2013

Redescobrindo o Berço da Humanidade

Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 09 de novembro de 2013.

História da Companhia de Jesus

(Padre Serafim Leite)

É notável, em particular, a sagacidade e instruções que dá para a agricultura amazônica, hoje ultrapassadas, mas verdadeiro tratado de economia agrícola, bem superior às ideias do seu tempo; refere-se já à indústria hidráulica aplicada, utilização dos ventos; sobre os índios e crendices populares (os homens marinhos) e sobre a etnografia de inúmeras tribos, tatuagem, relações sociais, culto indígena e ciumeira dos maridos, variadas notícias, produto de inigualável observação, direta e amena. Além disto, indicações locais, geográficas e históricas, que, ao menos no tocante aos fatos de seu tempo, se constituem genuínas fontes para a história geral do grande Rio. João Daniel enquadra-se no grupo admirável de escritores que deixaram o seu nome ligado à história do Amazonas. Em todas as partes do Mundo os Jesuítas manejaram a pena. De poucas terão deixado tantos monumentos escritos como desta. (LEITE)

A partir da virada do século tive a oportunidade de ler inúmeras citações de vários pesquisadores sobre interessantes trechos do “Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas”, de autoria do Padre João Daniel. Em 2004, visivelmente fascinado com tudo que lera até então, adquiri a obra editada pela Livraria Contraponto e fiquei mais extasiado ainda com a riqueza de detalhes desta verdadeira Enciclopédia Amazônica considerada, por muitos, como a “Bíblia Ecológica da Amazônia”.

-  Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas

Fonte: César Benjamin (Editora Contraponto)

A versão manuscrita do Tesouro Descoberto tem 766 páginas. Desde 1810 as cinco primeiras partes, de um total de seis, estão depositados nos acervos da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, para onde foram trazidas, em 1808, por Dom João VI, preocupado em evitar a captura do precioso texto pelos exércitos de Napoleão Bonaparte que avançavam sobre Portugal. A sexta parte, dividida em duas, foi perdida e depois reencontrada na Biblioteca de Évora. Somente em 1976 a Biblioteca Nacional estabeleceu a versão completa e definitiva do manuscrito, inclusive com a parte depositada em Évora, recebida em microfilme.

-  Padre João Daniel

Eu gemendo e chorando opresso com o peso da minha cruz, submergido, e enterrado vivo no funesto sepulcro, e subterrânea cova da minha prisão vou pedindo a Deus piedade, e misericórdia: e que com a sua se digne santificar a minha cruz. (DANIEL)

João Daniel nasceu em Travassos, Província de Beira Alta, Portugal, em 24 de julho de 1722. No dia 17 de dezembro de 1739, em Lisboa, Portugal, ingressou na Companhia de Jesus, e dois anos depois foi enviado para o Maranhão e Grão-Pará, onde completou sua formação no Colégio Máximo São Luís, dez anos depois. Viveu seis anos na fazenda Ibirajuba, considerada, na época, a melhor possessão dos jesuítas onde conviveu com nativos de diversas aldeias.

João Daniel, durante os 16 anos de sua permanência na Amazônia, realizou um metódico e profundo trabalho interdisciplinar, coletando dados sobre a região. Este material foi arquivado em incontáveis anotações e gravado na sua memória prodigiosa que, mais tarde, se tornariam fonte inspiradora de sua monumental obra.

Em 1757, o Marquês de Pombal determinou que todos os jesuítas fossem presos e deportados. O Padre João Daniel foi encarcerado no Forte Almeida, Portugal, de 1758 a 1762 e, depois, na Torre Julião, até o dia de seu falecimento em 19 de janeiro de 1776. Na sua reclusão o Padre redigiu seus comentários com a ponta de alfinete no papel de “embrulho das quartas de tabaco, das folhas mancas dos Breviários que ia arrancando, do registro dos Santos e das Bulas feitas em tiras”. Sua obra, escrita durante os 18 anos em que permaneceu cativo, revela com riqueza de detalhes incomparável três temas fundamentais: a terra, o homem e a cultura da Amazônia do século XVIII.

-  Relatos Pretéritos

Barbosa Rodrigues, Gonçalves Tocantins e Henri Coudreau mencionam nos seus relatos, sobre a Cosmogania Mundurucu, uma certa Maloca Acupari (Cupari) e a origem das raças que se originaram de cavernas ou fendas.

Henri Coudreau (1895)

Um dia, diz a lenda Mundurucu, os homens apareceram sobre a terra. Ora, os primeiros homens que os animais das florestas viram por entre as selvas e as savanas foram os que fundaram a Maloca de Acupari. Certo dia, entre os homens daMaloca de Acupari, surgiu Caru-Sacaebê, o Grande Ser. (...) Em seguida, olhando para as plumas que plantara em redor da Aldeia, ergueu a mão de um horizonte ao outro. A este apelo, moveram-se as montanhas, e o terreno onde se localizava a antiga Maloca tornou-se uma enorme caverna. (...) Aí, como Pompeu, bateu com o pé no chão. Uma larga fenda se abriu. O velho Caru dela tirou um casal de todas as raças: um de Mundurucus, um de índios (porque os Mundurucus não pertencem à mesma raça que os índios, mas são de uma essência superior), um casal de brancos e um de negros. (COUDREAU)

João Daniel (1758-1776)

Embora o Padre João Daniel faça relatos distintos a respeito de dois monumentos naturais na Bacia do Tapajós alguns pesquisadores, dentre eles eu e o Padre Sidney Augusto Canto, advogam a possibilidade de que se trate do mesmo local. João Daniel, certamente, coletou estes relatos de fontes diferentes, daí a divergência na indicação da localização correta dos referidos monumentos naturais ora junto à catadupa do Rio Tapajós denominado Convento ou Fábrica ora no Rio Cupari citado como uma Igreja.

Junto à catadupa do Rio Tapajós, acima da sua Foz pouco mais de cinco dias de viagem, está uma fábrica, a que os portugueses chamam “Convento”, por ter o feitio dele. Consiste este em um comprido corredor com seus cubículos por banda, e com suas janelas conventuais em cada ponta do corredor. É “Fábrica”, segundo me parece das poucas notícias que dão os índios brutais em cujas terras estão, de pedra e cal, e conforme a sua muita antiguidade, mostra ser feito por mãos de bons mestres. É todo de abóbada, e muito proporcionado nas suas medidas, e não é feito, ou cavado em rochedo por modo de lapa, ou concavidade, como são os templos supra, mas obra levantada sobre a terra.

Alguns duvidam se toda a “Fábrica” consta de uma só pedra, porque não se lhe vêem as junturas: famoso calhau se assim é e, na verdade, só sendo um inteiro calhau parece podia durar tanto, pois segundo o ditame da razão se infere que ou é obra antes do universal dilúvio, ou ao menos dos primeiros povoadores da América que, por tão antigos, ainda se não sabe decerto donde foram, e donde procedem. A tradição, ou fábula, que de pais a filhos corre nos índios, é que ali moraram, e viveram nossos primeiros pais, de quem todos descendem, brancos e índios; porém que os índiosdescendem dos que se serviam pela porta, que corresponde às suas Aldeias, e que por isso saíram diferentes na cor aos brancos, que descendem dos que tinham saído pela porta correspondente à Foz, ou Boca do Rio; será talvez a principal e ordinária serventia do palácio, e a outra uma como porta travessa; outros dizem que naquele “Convento” moraram os primeiros povoadores da América e que, repartindo a seus filhos e descendentes aquelas terras, eles bulharam (discutiram irracionalmente) entre si sobre quem havia de ficar senhor da casa, e que finalmente só se acomodaram desamparando a todos.

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Entre os mais Rios e Ribeiras que recolhe o Tapajós é um o Rio Cupari, a pouca mais distância de três dias e meio de viagem da banda de Leste no alegre sítio chamado Santa Cruz; é célebre este Rio, mais que pelas suas riquezas, de muito cravo, por uma grande lapa feita, e talhada por modo de uma grande “Igreja”, ou “Templo”, que bem mostra foi obra de arte, ou prodígio da natureza. É grande de cento e tantos palmos no comprimento; e todas as mais medidas de largura e altura são proporcionadas segundo as regras da arte, como informou um missionário jesuíta, dos que missionavam no Rio Tapajós, que teve a curiosidade de lhe mandar tomar bem as medidas. Tem seu portal, corpo de “Igreja”, Capela-mor com seu arco; e de cada parte do arco, uma grande pedra por modo de dois Altares colaterais, como hoje se costuma em muitas Igrejas; dentro do arco e Capela-mor, tem uma porta para um lado, para serventia da sacristia. O missionário que aí quiser fundar missão já tem bom adjutório (auxílio) na Igreja, e não o desmerece o lugar, que é muito alegre. (DANIEL)

-  Georreferenciando o Berço da Humanidade (4°09’32,8”S/55°25’O)

Quando estive no Tapajós pela primeira vez, em janeiro de 2011, tentei chegar por água ao “Berço da Humanidade”, subindo o Rio Cupari. A tentativa foi frustrada por uma queda d’água impossível de ultrapassar com a voadeira que nos transportava. Quando aportamos na margem direita do Rio, preparando-nos para voltar, ouvi o som de motores de caminhão nas proximidades e georreferenciei a posição. Retornando à Santarém localizei a posição marcada no Google Earth e verifiquei que a mesma ficava muito próxima da Rodovia Transamazônica (BR-230), decidi, então, realizar uma nova tentativa pela estrada. No dia 02.02.2011, emblematicamente no dia de “Nossa Senhora dos Navegantes”, encontrei, ainda que parcialmente encoberta pelas águas, estávamos no inverno amazônico, as cavernas mencionadas pelo Padre João Daniel e presentes na Cosmogonia Mundurucu. Determinado a reconhecê-las, programei uma ida, na estiagem, para realizar nova investida.

-  Berço da Humanidade (4°09’32,8”S / 55°25’O)

Realizei este ano a tão aguardada navegação pelo Tapajós, em pleno verão amazônico com o intuito de pesquisar, novamente, o local na vazante do Rio Cupari. No dia 04.10.2013, visitei a área acompanhado de meus caros amigos expedicionários, do Grupo Fluvial do 8º BEC, Cabo de Engenharia Mário Elder Guimarães Marinho e o Soldado Eng Marçal Washington Barbosa Santos e conduzidos pelo motorista do Sub-Cmt do Batalhão – TCel Eng Artur Clécio Aragão de Miranda, o Sd Eng Ademario César Guerra Costa Neto.

Chegamos por volta das onze horas e, mesmo em jejum, não consegui ingerir qualquer alimento tal era minha ansiedade. Tomei um copo de refrigerante, desci célere pela trilha até as cavernas e fiquei satisfeito com o que vi – as águas estavam suficientemente baixas para que pudéssemos adentrar nas cavernas de montante, submersas em 2011. A grande lapa mencionada por Daniel é uma grande caverna de arenito calcário contendo grandes quantidades de óxido de ferro que há milhares de anos sofreu infiltração d’água (ele menciona que a formação é depedra e cal) criando estalactites e estalagmites de beleza singular de cor avermelhada em virtude da presença do óxido ferroso.

As grandes colunas e corredores de calcário de tons avermelhados suavemente matizados, magnificamente torneados estimularam nossos sentidos e fizeram emergir de nosso íntimo os sentimentos mais elevados e, evidentemente, esta sensação não deve ter sido diferente da experimentada pelos observadores pretéritos. É lógico, portanto, que a grandiosidade e perfeição destas formações naturais tenham estimulado a imaginação das pessoas produzindo relatos fantásticos que, por fim, chegaram aos ouvidos atentos do Padre João Daniel.

-  Estalactites e Estalagmites

As formações que partem do teto da caverna para baixo são denominadas estalactites, e estalagmites quando crescem a partir do chão para cima. Ambas são produzidas pelo gotejamento d’água através das fendas das paredes das cavernas de rocha calcária, carregando consigo parte deste calcário. Um ínfimo anel de calcita, quando em contato com o ar, precipita-se na base de cada gota. Cada uma dá origem a um novo e diminuto anel, consolidando formas cônicas e pontiagudas denominadas estalactites. As estalagmites, por sua vez, possuem forma mais grosseira, mais arredondada e menos pontiaguda com a tendência de se unir à estalactite dando origem a uma coluna.

O processo de crescimento destes elementos é demorado e ininterrupto variando entre 0,01 mm a 3 mm por ano dependendo da quantidade d’água, velocidade de gotejamento, pureza do calcário e temperatura. Quando as estalactites seguem as frestas do teto da caverna atingem dimensões bem maiores como as que observamos no Berço da humanidade, formando verdadeiros corredores.

–  Fontes:

COUDREAU, Henri Anatole. Viagem ao Tapajós – Brasil – Rio de Janeiro – Companhia Editora Nacional, 1940.

DANIEL, João. Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas – Brasil – Rio de Janeiro – Versão Digital (objdigital.bn.br) – Vol. 95 – Anais da Biblioteca Nacional, 1975.

LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus Brasil – Rio de Janeiro – Civilização Brasileira, 1945.

09 - jan 2011 - georreferenciando09 - nov 2013 - Rio Cupari09 a - fev 2011 e nov 201309 b - fev 2011 e nov 201309 c - nov 201309 d - nov 201309 e - nov 201309 f - nov 201309 g - nov 201309 h - nov 201309 i - nov 201309 j - nov 201309 k - nov 201309 l - nov 201309 m - nov 201309 n - nov 201309 o - nov 201309 p - nov 201309 q - nov 201309 r - nov 201309 s - nov 201309 t - nov 201309 u - nov 201309 v - nov 201309 x - nov 2013

–  Livro do Autor

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado,em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS. Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:

http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Pesquisador do Departamento de Cultura e Ensino do Exército (DCEx);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional;

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).

E-mail: hiramrsilva@gmail.com