"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, junho 28, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 28/06/07

Reichert também fechará curtume

Outros 16 funcionários da Calçados Reichert, de Campo Bom, assinaram a rescisão de contrato [ante]ontem à tarde, informa reportagem da Zero Hora, 27-06-2007.

Confirmado há um mês, o fechamento de 20 unidades da maior exportadora de calçados do Rio Grande do Sul está previsto para ocorrer até a metade de agosto.

Na noite de segunda-feira, Ernani Reuter, um dos administradores da empresa, confirmou que o curtume, localizado no município, também será fechado e que a continuidade das atividades na fábrica de componentes é incerta. Se verificado o encerramento das duas unidades - além da matriz -, serão fechadas cerca de 800 vagas na cidade de 58,5 mil habitantes. Só o curtume, que estaria em negociação, emprega 300 trabalhadores.

Outra tradicional indústria de calçados de Campo Bom, a Fillis, também prevê demissões. Em torno de cem dos 300 funcionários devem ser desligados em aproximadamente um mês. Com 50% da produção voltada ao mercado interno e a outra metade ao Exterior, a empresa fundada há 57 anos pretende encerrar as exportações.

quarta-feira, junho 27, 2007

Le Monde Diplomatique Brasil - 21/06/07

Um banco pelos direitos humanos?

Em meio à crise do FMI e do Banco Mundial, países latino-americanos preparam-se para lançar o Banco do Sul. Seu caráter ainda não está definido, mas algumas propostas farão dele, se aprovadas, uma instituição revolucionária

Eric Toussaint, Damien Millet

Punido! Como poderia o todo-poderoso Banco Mundial aceitar, em 2005, que o jovem ministro equatoriano da economia, Rafael Correa, tomasse a decisão de revisar a utilização dos recursos petroleiros, reduzir o ritmo do reembolso da dívida e aumentar as despesas sociais, sob pretexto de que o país estava passando por uma crise político-social de extrema gravidade? O banco suspendeu imediatamente um empréstimo de 100 milhões de dólares prometido ao Equador e, com a ajuda de alguns amigos, ocupou-se seriamente da carreira do ministro em questão. “Os donos do petróleo, os Estados Unidos, o Fundo Monetário Internacional [FMI], o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID] pressionaram o presidente [Carlos Mesa]”, contaria Rafael Correa mais tarde. “Eu perdi a sua confiança, seu apoio [1]”. Ao se ver desautorizado, o jovem economista optou então por se demitir.

Eleito presidente da República, em 3 de dezembro de 2006, Correa ainda mantém vivo o episódio, na memória, nos seus mínimos detalhes — inclusive as atitudes de desprezo com a soberania do país. Em 20 de abril de 2007, num gesto espetacular, ele mandou declarar persona non grata no Equador o representante do Banco Mundial, Eduardo Somensatto. Além disso, confrontado com uma dívida pública de US$ 10,5 bilhões, decidiu que a parte do orçamento dedicada ao seu reembolso cairá de 38%, em 2006, para 11,8% em 2010. Alguns dias depois, a Venezuela anunciou que está deixando o FMI e o Banco Mundial. Já a Bolívia divulgou que não reconhece mais a autoridade do Centro Internacional para a Solução dos Litígios relativos aos Investimentos (Cirdi), um dos instrumentos do Banco Mundial.

Desde os anos 1950, as intervenções do Banco Mundial e do FMI na América Latina têm sido influenciadas pelas prioridades da política externa de Washington. As instituições de Bretton Woods proporcionaram sustentação ao ditador nicaragüense Anastásio Somoza durante cerca de trinta anos, até a sua derrubada em 1979 [2]. Na Guatemala, em 1954, essas instituições boicotaram o governo progressista de Jacobo Arbenz, e se apressaram a apoiar a junta militar que o derrubou.

FMI e Banco Mundial: um currículo de saque e apoio a ditaduras

Na América do Sul, as determinações de Bretton Woods sabotam os regimes democráticos que empreendem reformas destinadas a reduzir as desigualdades. No Brasil, a partir de 1958, fizeram oposição ao presidente Juscelino Kubitschek, que recusou as condições determinadas pelo FMI, e boicotaram o seu sucessor, João Goulart, quando esse anunciou uma reforma agrária e a nacionalização do petróleo, em 1963. Em contrapartida, a partir da instalação do governo militar, em abril de 1964, o FMI e o Banco Mundial apoiaram o governo. Fizeram o mesmo no Chile, em setembro de 1973, depois da derrubada e da morte de Salvador Allende. Em março de 1976, na Argentina, o FMI ofereceu ajuda à ditadura do general Jorge Videla. Em 2002, o Fundo foi a primeira instituição (junto com os Estados Unidos e a Espanha, então governada por José Maria Aznar) a oferecer seus serviços ao breve governo que assumiu o poder em decorrência da derrubada do presidente venezuelano Hugo Chávez.

Em toda parte, as classes dominantes locais encontraram nas instituições de Bretton Woods um apoio à sua resistência às reformas. Vale acrescentar que o Chile de Pinochet e a Argentina de Videla funcionaram como verdadeiros laboratórios para as políticas neoliberais que, sob formas adaptadas, seriam aplicadas mais tarde nos países mais industrializados — começando pela Grã-Bretanha de Margaret Thatcher, a partir de 1979, seguida pelos Estados Unidos de Ronald Reagan, depois de 1981.

O Banco Mundial e o FMI incentivaram deliberadamente a América Latina a se endividar. Entre 1970 e 1982, o conjunto da dívida externa pública da região passou de US$ 16 bilhões para US$ 178 bilhões [3]. Em 1982, quando a crise da dívida tomou conta da região, as duas instituições utilizaram a arma do super-endividamento para impor as políticas que seriam codificadas mais tarde no âmbito do Consenso de Washington: ajustes estruturais, privatizações, abertura econômica, abandono dos controles sobre o câmbios e os movimentos de capitais, redução das despesas sociais, aumento das taxas de juros locais etc. Os capitais que haviam afluído para a região, sob a forma de empréstimos, voltaram a migrar rumo aos países industrializados como reembolso da dívida e fuga de capitais.

Numa nova conjuntura, espaço para posturas independentes

Ao tomarem o lugar das juntas militares, a partir da segunda metade da década de 1980, os governos democráticos aplicaram docilmente as instruções neoliberais. O resultado dessa política é devastador. Da revolta popular de abril de 1984, na República Dominicana, ao “argentinazo” de dezembro de 2001 contra o governo de Fernando de la Rua, passando pelo “caracazo” de 27 de fevereiro de 1989, contra o presidente venezuelano Carlos Andrés Pérez, os motins se multiplicam. A rejeição do Consenso de Washington e dos seus instrumentos acabou provocando uma guinada para a esquerda a partir da eleição de Hugo Chávez à presidência da Venezuela, em 1998.

Depois da derrubada do presidente Fernando de la Rua, em dezembro de 2001, as autoridades argentinas, sob a pressão do descontentamento popular, desafiaram abertamente o FMI e o Banco Mundial ao suspenderem, até março de 2005, o pagamento da dívida pública externa junto aos credores privados e ao Clube de Paris. Embora os sucessivos governos peronistas de Rodríguez Saa, Eduardo Duhalde e Nestor Kirchner evitem a ruptura direta com as instituições de Bretton Woods (que seguem recebendo os seus pagamentos…), também contribuem para enfraquecê-las. Demonstram que é possível suspender o pagamento da dívida, dar um novo impulso ao crescimento econômico, e impor um acordo aos credores. Estes aceitaram, numa proporção de 76%, uma redução de mais da metade das quantias reclamadas.

A partir de 2005, uma mudança conjuntural da situação econômica mundial alterou, de maneira favorável, as relações da maioria dos países em desenvolvimento com seus credores. As cotações das matérias-primas e de certos produtos agrícolas tendem a subir, enquanto as taxas de juros e os prêmios de risco pagos para obter empréstimos sofrem uma queda histórica. Na América Latina e Caribe, o aumento das exportações permite ampliar as reservas em dólares e outras divisas: entre 2002 e 2007, elas passaram de US$ 157 bilhões para mais de US$ 350 bilhões. Vários governos -– Argentina, Brasil, México, Uruguai, Venezuela, além da Tailândia, Indonésia e Coréia do Su — tiraram proveito da situação para saldar as suas pendências com o FMI.

Alguns dos movimentos favoráveis ao cancelamento da dívida criticam os governos, afirmando que esta atitude “legitima” a diva e desperdiça capitais que seriam úteis para conduzir políticas sociais. Os governantes rebatem, afirmando que tais reembolsos lhes permitem recuperar liberdade em relação a uma instituição que impõe políticas impopulares.

O risco: esterilizar as reservas, emprestando dinheiro aos ricos

O que os governos têm feito, até agora, na sua maioria, com as suas reservas de câmbio? Depois de utilizar uma parte para reembolsar certos organismos internacionais, aplicam o restante sob a forma de bônus do Tesouro norte-americanos, ou depósitos em bancos dos Estados Unidos (e, marginalmente, de outros países industrializados). Emprestam, portanto, o dinheiro público do Sul para potências do Norte, em particular para o principal país que os domina.

Além disso, a aplicação das reservas sob forma de bônus do Tesouro, sejam norte-americanos ou de outros países, pode se combinar, surpreendentemente, com a captação de novos empréstimos no mercado interno ou internacional. A remuneração das reservas aplicadas em bônus dos Tesouros estrangeiros ou em bancos privados é sempre inferior aos juros pagos sobre os novos empréstimos. O desfalque amplia-se porque os Estados Unidos os reembolsam as aplicações em dólares, moeda que tem sofrido uma desvalorização constante, ao longo dos últimos anos.

Deter reservas importantes em divisas fortes desencadeia outro mecanismo perverso: os bancos centrais dos países que se encontram nesta situação compram os dólares obtidos pelos exportadores, oferecendo em troca títulos da dívida pública. E remuneram estes papéis com altas taxas de juros, o que representa um custo suplementar para o Tesouro público [4].

Longa costura política leva a Assução, onde surgirá o novo banco

A relativa abundância de reservas à disposição dos governos da América Latina trouxe mais água para o moinho do presidente Chávez, que vem propondo, há alguns anos, a criação de um fundo humanitário internacional e, desde 2006, a fundação de um Banco do Sul. Ao anunciarem, em fevereiro de 2007, o nascimento dessa instituição, a Argentina e a Venezuela deram um passo decisivo para a sua viabilização. Sem demora, a Bolívia, o Equador e o Paraguai associaram-se à iniciativa. O Brasil, que se manteve hesitante durante três meses, acabou assinando a declaração de Quito de 3 de maio, por ocasião de uma reunião de cúpula dos ministros das Finanças da Argentina, da Bolívia, do Brasil, do Equador, do Paraguai e da Venezuela. Uma cúpula que reunirá os ministros da Economia desses países, a ser realizada em Assunção, em 28 e 29 de junho, deverá marcar oficialmente o lançamento do Banco do Sul.

Várias opções ainda são tema de discussões, mas um consenso parece ter se desenhado em relação a vários pontos. Esse organismo financeiro reunirá, ao menos, esses seis países da América do Sul (a porta permanecerá aberta para os outros) e terá por função financiar o desenvolvimento da região. Existe, também, vontade de criar um fundo monetário de estabilização [5]. Já existe um Fundo Latino-Americano de Reserva (FLAR), do qual fazem parte cinco países andinos (Bolívia, Peru, Colômbia, Equador, Venezuela) e um país da América Central, a Costa Rica. Essa entidade poderia ser transformada ou, caso isso se revele impossível, um novo fundo poderá surgir. Seu objetivo seria de fazer frente a ataques especulativos e a outros choques externos por meio de um caixa comum, no qual os países-membros compartilhariam uma parte das suas reservas de câmbio.

Trata-se, portanto, de dispensar os serviços do FMI, com uma ambição suplementar: implantar uma unidade de conta que poderia, um dia, desembocar numa moeda comum. Ou seja, criar uma divisa equivalente ao que era o ECU europeu antes da criação do euro. Atualmente, as operações comerciais entre países da América do Sul são pagas em dólares. Mas Argentina e Brasil acabam de afirmar a intenção de pagar suas transações mútuas — um valor anual de US$ 15 bilhões — em pesos argentinos e em reais.

As propostas que podem significar grande inovação

Durante a reunião de Quito, a delegação do Equador apresentou uma concepção revolucionária do Banco do Sul (e do Fundo). Segundo seus autores, a instituição deveria funcionar a partir de uma base democrática, diferentemente dos modos de funcionamento do Banco Mundial, do FMI e do BID. Seria um instrumento encarregado, entre outros, de zelar pela aplicação dos tratados internacionais relativos aos direitos humanos, sociais e culturais, ao passo que o Banco Mundial considera não ter obrigação nenhuma em relação a esses tratados. O Banco do Sul deverá financiar projetos públicos, enquanto as instituições existentes privilegiam o setor privado.

Além do mais, se os chefes de Estado chegarem a um acordo a esse respeito, o Banco do Sul deverá estar fundamentado no princípio de “um país, um voto”. Atualmente, no Banco Mundial, FMI e BID, o direito de voto dos países depende da sua contribuição financeira inicial. Os Estados Unidos são detentores, por si só, de mais de 15% dos votos, o que lhes confere um direito de veto de fato. Além disso, os dirigentes e funcionários do Banco do Sul seriam responsáveis perante a Justiça, diferentemente dos do Banco Mundial, protegidos por imunidade total, suspensa apenas se a instituição o desejar. Os arquivos pertenceriam ao domínio público (a regra contrária está em vigor no FMI e no Banco Mundial). Por fim, o novo estabelecimento financeiro não se endividaria no mercado dos capitais. O seu capital seria formado pelos países-membros, que o financiariam por meio de uma contribuição inicial, de empréstimos, e ainda por meio de tributos – por exemplo, sobre transações com capital especulativo, do tipo Tobin. [6]

Ainda é cedo para conhecer o destino que a proposta terá. Os governos brasileiro e argentino mostram-se mais interessados em criar um banco que venha reforçar suas grandes empresas privadas ou de economia mista, no âmbito de um bloco econômico e político a ser construído segundo o modelo de uma União Européia dominada pela lógica capitalista. Mas o debate ainda não foi concluído. De qualquer forma, não há como negar: na América Latina, o FMI e o Banco Mundial não ditam mais a lei.

Tradução: Jean-Yves de Neufville
jeanyves@uol.com.br



[1] Maurice Lemoine, “Nos bastidores da vitória de Rafael Correa”, Le Monde Diplomatique-Brasil, janeiro de 2007.

[2] Para uma apresentação detalhada do apoio do Banco Mundial e do FMI às ditaduras, ler Eric Toussaint, Banco Mundial: o Golpe de Estado permanente. A agenda oculta do Consenso de Washington, CADTM-Syllepse, Liège-Paris, 2006.

[3] Banco Mundial, Global Development Finance, Washington D.C., 2006.

[4] Ibid.

[5] A adesão da Venezuela não está garantida porque, inicialmente, Hugo Chávez queria que o Banco do Sul acumulasse as funções de banco de desenvolvimento e de fundo monetário de estabilização.

[6] Este tributo incidiria sobre as transações envolvendo câmbio, efetuadas nos seis países

Le Monde Diplomatique Brasil - Nov 05

Sessenta anos de armas nucleares

A história do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) revela: por jamais cumprirem as cláusulas que prevêem seu desarmamento, e por buscarem uma ordem abertamente desigual, as cinco grandes potências nucleares estimulam na prática a corrida rumo às armas atômicas

Georges Le Guelte

A polêmica dos mísseis, em Cuba, estimulou uma política de não-proliferação: Washington e Moscou constataram que se outra potência tivesse armas nucleares, talvez não fossem capazes de controlar uma crise

Quanto maior o número de países que dispõem de armas nucleares, maior o risco de que elas sejam deliberadamente utilizadas não para dissuadir, mas para aniquilar, ou que um conflito seja desencadeado por engano, ou que um país bombardeie preventivamente as instalações de seus adversários, ou ainda que armas ou matérias físseis caiam nas mãos de grupos criminosos.

A proliferação nuclear é, portanto, um dos perigos mais graves para o futuro da humanidade. No entanto, não foi essa preocupação que inspirou as primeiras medidas tomadas para evitá-la. Desde o lançamento de seu programa nuclear militar, em 1942, os Estados Unidos proibiram a divulgação de qualquer informação concernente à energia atômica, para evitar que a Alemanha nazista fosse a primeira a possuir a bomba. Após 1945, essa restrição foi mantida para atrasar os trabalhos dos soviéticos. Em 1954, depois que a União Soviética experimentou seu primeiro engenho termonuclear, o segredo foi abandonado em benefício de uma política denominada “Átomos para a paz”: os países que desejavam desenvolver seus trabalhos na área nuclear poderiam obter ajuda dos Estados Unidos, com a condição de se comprometerem a utilizá-la para fins pacíficos, ao mesmo tempo que continuariam livres para desenvolver um programa militar se pudessem realizá-lo sozinhos. Vários países beneficiaram-se dessa ausência de regulamentação internacional geral para satisfazer suas ambições militares. Foi assim que, em 1960, sete dos oitos países que atualmente dispõem de um arsenal tinham adquirido os elementos indispensáveis à sua realização1.

Foi sobretudo a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, que levou ao estabelecimento de uma política global de não-proliferação: Washington e Moscou constataram, então, que se uma outra potência que dispusesse de armas nucleares entrasse em confronto com elas, talvez não tivessem possibilidade de controlar o desenvolvimento da crise. Originalmente, portanto, o principal objetivo do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) era para que as duas superpotências mantivessem seu controle sobre os países de seu campo. Concluído em 1º de julho de 1968, o TNP divide o mundo em dois: de um lado, os “Estados dotados de armas”, que fizeram explodir algum engenho antes de 1º de janeiro de 1967, aos quais foi demandado não ajudar outro país a adquiri-los2 ; do outro, todos os outros Estados, que deviam se comprometer a não tentar obtê-las e a colocar todas as suas instalações nucleares sob o controle da Agência Internacional para a Energia Atômica (AIEA), encarregada de garantir que respeitem suas obrigações.

Um “atentado à soberania”

Com suas falhas e suas lacunas, o Tratado de Não-Proliferação contém os elementos necessários para impedir a disseminação das armas e, se tivesse sido integralmente aplicado, somente cinco países ainda possuiriam um arsenal nuclear. Seu êxito exigiria sua universalidade, ou seja, que todos os Estados aderissem a ele, que existisse um mecanismo de controle perfeitamente eficaz e que, em caso de violação, medidas enérgicas fossem tomadas para acabar com a infração e dissuadir os outros Estados de imitarem o delinqüente.

Inicialmente, o Tratado foi considerado por diversos países um atentado inaceitável à sua soberania: a Alemanha, o Japão, a Itália, que foram seus primeiros alvos, no começo recusaram-se a se submeter a ele. Se entrou em vigor em 19703, foi graças à assinatura de países como Irlanda, Dinamarca, Suécia e México, que com ele viam um meio de reduzir os riscos de um suicídio coletivo; Estados politicamente muito próximos dos Estados Unidos ou da União Soviética; e também países que nem pensavam ter, algum dia, os meios para fabricarem bombas. Entre os primeiros signatários, encontram-se o Iraque, o Irã e a Síria.

Entre os primeiros signatários do TNP, estão o Iraque, o Irã e a Síria

Em meados da década de 1970, com o aumento dos movimentos antinucleares inicialmente nos Estados Unidos e, sobretudo, com a primeira explosão na Índia em 1974, houve uma mudança importante. A opinião pública se alarmou com os riscos que a segurança no mundo corria com a disseminação, e um grande número de Estados considerou que sua segurança ficaria mais garantida se seus vizinhos não dispusessem de armas. Graças às pressões exercidas pelos Estados Unidos e ao mesmo tempo pela União Soviética, esse movimento permitiu um rápido aumento do número de signatários, aos quais se juntaram os grandes países industrializados – Alemanha, Japão, Itália, Suíça, Holanda. No final de 1979, o número de países que aderiu ultrapassava uma centena. A onda de adesões continuou nos anos seguintes e, apesar da fragmentação da União Soviética, foi ampliada com o fim da guerra fria. Em 1995, os países signatários que decidiram manter o Tratado em vigor por tempo indeterminado já eram 178.

No entanto, por diversos motivos, as grandes potências fizeram o esforço necessário para convencer Índia, Israel e Paquistão a se juntarem a elas. Como sempre tinham se recusado a aderir ao Tratado, esses três países puderam construir seus arsenais sem faltar com suas obrigações. Atualmente, isso não seria mais possível: o tratado conta com 189 países que a ele aderiram4, ou seja, quase todos os Estados, e nenhum país poderia mais fabricar uma arma explosiva sem violar seus compromissos internacionais.

Brasil, Argentina, África do Sul

No final de 1979, o número de países que aderiu ultrapassava uma centena. A onda de adesões continuou nos anos seguintes, apesar da fragmentação da União Soviética

Entre esses 189 países, encontram-se a Argentina e o Brasil que, nos anos 1970 e 1980, tinham lançado programas de pesquisa cujo objetivo era nitidamente militar. Como na época eles não tinham assinado o Tratado de Não-Proliferação, seus trabalhos não entravam em contradição com suas obrigações internacionais. A Argentina e o Brasil abandonaram seus projetos militares no final dos anos 1990 e aderiram ao TNP, a Argentina em 1995 e o Brasil em 1998. Renunciaram a seus projetos não porque sua segurança externa estivesse então mais garantida do que no passado, mas porque um regime democrático substituiu as ditaduras militares no poder.

O mesmo aconteceu na África do Sul, que fabricou uma meia dúzia de armas nos anos 1970 e 1980, sem ter cometido infração e sem que a AIEA pudesse intervir. Pretória desmantelou suas armas exatamente no momento em que abandonou o regime do apartheid e aderiu ao TNP em 1991.

Em meados da década de 1990, os Estados Unidos quis completar o TNP com um Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (Treaty of Complete Prohibition of the Nuclear Tests) e uma convenção proibindo a produção de urânio enriquecido e de plutônio de qualidade militar. Os dois acordos visavam unicamente a Índia e o Paquistão, mas os americanos pensavam que esses dois países iam aderir facilmente a um tratado universal.

Na verdade, os dois acordos não têm o menor sentido para os outros países: 184 Estados assumiram o compromisso de não adquirir armas; no que diz respeito à promessa de não explodir as armas que não tinham fabricado não representava um progresso muito significativo! Os cinco países dotados de armas interromperam suas experiências, e a França, que desmantelou o polígono do Pacífico, não poderia mais retomá-las. Quanto aos interessados, a Índia e o Paquistão, que tinham explodido suas armas em 1998, continuaram a produção de matérias físseis militares e se recusaram a aderir ao Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares e à convenção.

É preciso acrescentar que a impossibilidade de realizar experiências jamais impediu um país de adquirir armas: Israel jamais fez alguma desses testes, mas todos os especialistas reconhecem seu arsenal militar; oficialmente, a África do Sul jamais fez experiências e, no entanto, detinha uma meia dúzia de armas; a existência de vários engenhos no Paquistão era incontestável antes mesmo de 1998. Em suma, esse projeto de tratado que os Estados Unidos se recusam a ratificar não tem outro interesse a não ser a afeição simbólica que lhe concede a opinião pública.

As dificuldades da AIEA

Foi a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que ficou encarregada de controlar o respeito às obrigações contraídas pelos países. Teve de fazê-lo, desde o início, dentro de condições muito complicadas. Os inspetores podiam ir apenas aos países membros do Tratado que tinham assinado com a AIEA e ratificado um acordo particular que especificava seus direitos e seus deveres. É por essa razão, por exemplo, que não puderam entrar na Coréia do Norte antes do mês de abril de 1992, embora a existência do reator e da instalação de retratamento em que foi produzido o plutônio norte-coreano fossem conhecidas pelo menos desde 1990.

Em seguida, o acesso dos inspetores às diferentes instalações foi limitado por inúmeras disposições administrativas: por exemplo, deviam inicialmente solicitar um visto cuja obtenção podia ser mais, ou menos, longa. Além disso, eram autorizados a fiscalizar uma usina somente durante um tempo minuciosamente calculado de acordo com a natureza das atividades e a quantidade de urânio ou de plutônio que nela se encontravam.

Todas as regras às quais os inspetores deveriam se submeter foram definidas em 1971, não por funcionários da Agência que poderiam especificar o que precisavam para realizar sua missão, mas pelos representantes dos governos e, sobretudo, os dos países que, na época, eram os mais avançados na área nuclear. Tomaram muito cuidado para limitar o máximo possível as obrigações que os controles ocasionariam por si só e, sobretudo, a seus industriais. O mecanismo de controle foi assim criado com base no postulado de que programa nuclear não podia ser conduzido clandestinamente, sendo a única fraude concebível o desvio, para usos militares, do urânio ou do plutônio que teriam de continuar no setor civil. Portanto, os inspetores tinham acesso somente às instalações declaradas por cada Estado, e sua tarefa consistia em garantir que todas as matérias físseis que ali fossem introduzidas fossem bem utilizadas para fins pacíficos. Não tinham de fiscalizar se existiam instalações no país que não lhes tivessem sido declaradas.

Na década de 1990, os EUA quiseram completar o TNP com um Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares e uma convenção proibindo a produção de urânio enriquecido

Essas limitações não eram totalmente absurdas, se levarmos em conta algumas técnicas da época. Elas exigiam, sobretudo para a produção de urânio enriquecido, usinas de dimensões enormes, com formas características, que absorviam quantidades consideráveis de energia e cuja construção e o funcionamento seriam inevitavelmente detectados. É preciso acrescentar que, no início dos anos 1970, somente os países industrializados avançados podiam pensar em atividades nucleares importantes.

Ora, tratava-se de países democráticos, onde as informações circulam livremente e em que a decisão de se dotar de um arsenal não podia continuar clandestina. Com os limites que lhe foram assim impostos, o sistema de controle funcionou de maneira adequada, uma vez que desde 1945 nenhuma arma nuclear explosiva foi fabricada em uma instalação sob a vigilância da AIEA. Não que os controles sejam infalíveis, mas até o presente foram muito eficazes para que os fraudadores prefiram não correr o risco de serem surpreendidos pelos inspetores.

No entanto, logo após a guerra do Golfo, em 1990-1991, foram descobertas instalações, no Iraque, que teriam permitido ao país, poucos anos depois, dispor de um verdadeiro arsenal. Saddam Hussein tinha dados provas de que, pelo menos em um país submetido a um regime ditatorial feroz, atividades nucleares clandestinas são totalmente possíveis. Para isso, os iraquianos haviam utilizado o método de enriquecimento do urânio por centrifugação, uma técnica adotada na Europa em meados da década de 1970, que permite instalações muito menores, podendo ser escondidas em construções de aparência banal, consumindo muito menos energia e que os serviços de informações secretas têm poucas chances de detectar, salvo quando dispõem de informantes no local.

Protocolo Adicional não é garantia

Para tentar adaptar os mecanismos de controle a esse novo tipo de fraude, a AIEA adotou, em 1997, um Protocolo Adicional5 , que dá aos inspetores poderes de investigação sensivelmente mais extensos, mas que também deve ser assinado e ratificado por cada Estado antes de lhe ser aplicável6 . Os meios assim acrescidos dados à Agência já permitiram resultados consideráveis7 , e poderão dar aos inspetores os meios de detectar a existência de atividades mantidas secretas em um país. No entanto, não se trata de uma panacéia e, salvo se têm muita chance, é pouco provável que os inspetores descubram o lugar em que uma instalação clandestina foi construída, a não ser que lhes tenha sido apontado por um serviço de informações secretas.

Uma organização internacional como a AIEA não é uma oficina de espionagem, não dispõe de meio algum para obter informações secretas e deve respeitar os acordos assinados com o país controlado. A localização precisa de uma usina continua a ser de responsabilidade dos serviços de informações, cabe a eles dar à Agência os elementos de que ela precisa.

Desde cerca de quarenta anos até hoje, os cinco países dotados de armas, que são também os principais exportadores de armas convencionais

Nenhum dos cinco Estados dotados de armas assinou esse protocolo adicional: se os inspetores chegassem à conclusão de que existem nos Estados Unidos ou na França, por exemplo, em lugares aliás perfeitamente conhecidos, instalações nucleares militares, não seria uma descoberta muito impressionante. No entanto, a França assinou simbolicamente uma versão adocicada para tratar com prudência a suscetibilidade dos outros membros da União Européia, muito sensíveis à diferença de tratamento entre as duas categorias de Estados.

Da mesma maneira, nenhum tratado proíbe a um desses cinco países fabricar novos tipos de armas: certamente, seria contrário ao espírito do artigo VI do TNP sobre o desarmamento nuclear. Isso não é inteiramente contrário ao texto do Tratado que, muito hipocritamente, faz uma certa ligação entre desarmamento nuclear e desarmamento geral e completo. Desde cerca de quarenta anos até hoje, os cinco países dotados de armas, que são também os principais exportadores de armas convencionais, evitam incitar um desarmamento geral e invocam a ausência de progresso sobre essa questão para ignorar cinicamente os acordos de desarmamento nuclear que fizeram.

Novas armas em Washington

Os Estados Unidos falam regularmente em fabricar novas armas nucleares. Trata-se de uma obsessão para os fabricantes de armas que, há décadas, buscam todos os argumentos possíveis para desenvolverem suas atividades. Esses projetos não têm o menor alcance operacional real, mas concentraram a atenção da opinião pública e ocultaram completamente transformações infinitamente importantes previstas pela Nuclear Posture Review (Revisão da Postura Nuclear) de janeiro de 2002. Particularmente, as armas nucleares não constituem mais uma categoria separada do arsenal norte-americano, são integradas no conjunto das armas ofensivas que o presidente pode, conseqüentemente, utilizar de acordo com sua vontade da mesma maneira que qualquer outra arma, de acordo com a natureza da missão a realizar.

O mesmo documento prevê o recrutamento de uma nova geração de especialistas em armas para substituir aquela que vai se aposentar, a substituição dos mísseis intercontinentais em 2020, dos submarinos em 2030 e dos bombardeios em 2040. Ou seja, o armamento nuclear norte-americano é concebido para um tempo indefinido ou, pelo menos, até o fim do século.

Se a AIEA constata que um Estado não respeitou suas obrigações, ela encaminha o caso para o Conselho de Segurança da ONU, único habilitado a tomar as medidas necessárias para acabar com a infração. A ONU tratou duas vezes de uma violação dos tratados de não-proliferação, e os ensinamentos que podemos tirar dessas experiências foram mitigados. No caso do Iraque, cujas atividades clandestinas só foram descobertas após a guerra do Golfo, em 1991, quando o país foi militarmente vencido e obrigado a aceitar as condições impostas pelo Conselho de Segurança, a AIEA pôde destruir todas as instalações construídas de maneira ilícita.

A República Popular Democrática da Coréia (RPDC; Coréia do Norte) também deu provas, em 1992, de ter violado os acordos que assumiu ao assinar o Tratado. Ela muito rapidamente declarou que considerava qualquer sanção um ato de guerra, e a China se apressou em declarar que a crise deveria ser resolvida por meio de negociações. A atitude de Pequim e o medo de uma guerra que, na península, corria o risco de fazer um considerável número de vítimas na Coréia do Sul, levaram em 1994 a um acordo assinado entre Pyongyang e Washington, segundo o qual a Coréia do Sul deveria construir no Norte dois enormes reatores produtores de eletricidade em troca de uma suspensão das atividades norte-coreanas. Esse acordo foi mantido até que os Estados Unidos decidiram acabar com ele no final de 2002; os norte-coreanos retiraram-se, então, do Tratado de Não-Proliferação, expulsaram os inspetores da Agência, separaram a quantidade de plutônio necessária à fabricação de uma meia dúzia de armas e afirmaram poucos meses depois que, a partir de então, dispunham de armas nucleares.

O acordo com a Coréia do Nortefoi mantido até que os Estados Unidos decidiram acabar com ele no final de 2002

Nenhuma dessas decisões suscitou a menor reação do Conselho de Segurança e de outros países, se excetuarmos as ameaças terríveis e sem efeito proferidas pelo presidente dos Estados Unidos. Desde então, e de acordo com as resoluções da China, negociações reuniram as duas Coréias, os Estados Unidos, a China, o Japão e a Rússia8 . No final de uma declaração comum assinada em 19 de setembro de 2005, a RPDC prometeu abandonar seus programas nucleares e os cinco países citados anteriormente, em troca, prometeram fornecer uma ajuda energética e garantias relativas à segurança. Mudando de opinião, Pyongyang questionou todavia esse acordo no dia seguinte, exigindo ter reconhecido seu direito de utilização pacífica da energia nuclear antes de moderar sua posição em seguida. Da mesma maneira, em uma resolução adotada por consenso entre 139 Estados membros, no dia 30 de setembro, a AIEA aclamou o anúncio pela RPDC relativo a sua intenção de renunciar à arma nuclear.

No que diz respeito ao Irã, onde nenhuma infração pôde ser constatada, se contentarmos como a AIEA tem o dever de fazê-lo, de uma interpretação literal do Tratado. Mas se as discussões em curso com a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha não tiverem êxito, os Estados membros poderão encaminhar a questão para o Conselho de Segurança, baseando-se não em uma interpretação jurídica do texto, mas em um julgamento político.

O papel dos neoconservadores

A política de Não-Proliferação foi profundamente enfraquecida desde a Conferência de 1995, no momento em que o objetivo parecia quase atingido. A necessidade de interromper a disseminação de armas foi atacada nos Estados Unidos pelos neoconservadores que contestavam que seu país mantivesse qualquer obrigação internacional; em seguida, por outros para quem a não-proliferação pertencia à lógica da guerra fria e não tem mais razão de ser desde que ela acabou. Para estes, a resposta às ameaças de disseminação das armas reside na fabricação de defesas antimísseis, que todos os países deveriam comprar dos Estados Unidos. Outros, talvez mais numerosos ou mais influentes, consideram que a proliferação nuclear não é condenável se for feita por países aliados aos Estados Unidos.

O Tratado de Não-Proliferação também é objeto das mais vivas críticas. Há muito tempo vozes se elevam contra um sistema que permite que cinco países possuam as armas mais poderosas e proibam ao outros adquiri-las. Freqüentemente considerada inevitável durante a guerra fria, essa desigualdade de tratamento é muito menos suportada desde o desmantelamento da União Soviética. Ainda mais porque o Tratado contém também disposições que prevêem um desarmamento nuclear que os cinco países dotados de armas ignoram com a maior hipocrisia. Conservando, hoje, arsenais tão importantes quanto em meados dos anos 1970, símbolos de sua potência e de seu prestígio, os cinco países só podem incitar os outros a imitá-los.

Essa falta de ligação com a idéia de não-proliferação manifestou-se de maneira marcante durante a Conferência para análise do Tratado em junho de 2005: em vez de expressar uma reprovação unânime em relação aos fraudadores, os Estados participantes se dividiram sem conseguir chegar a um acordo sobre qualquer questão, refletindo um mundo dividido, desencantado, desorientado. No entanto, esse regime criticado, mas ao qual nenhuma solução de substituição jamais pôde ser proposta, continua em vigor, e talvez a saída das crises norte-coreana e iraniana decidam seu futuro.

Se a Coréia do Norte e o Irã renunciarem às suas ambições militares, assim como um bom número de países fez antes deles, os países que ficarem tentados a imitá-los sem dúvida hesitarão em se lançar em um projeto oneroso e condenado ao fracasso. Se, ao contrário, eles alcançarem seus objetivos, é possível que vários outros países decidam produzir suas próprias armas.

(Trad.: Wanda Caldeira Brant)

1 - A União Soviética experimentou sua primeira bomba A em 1949 e sua primeira bomba H em 1953; a Grã-Bretanha fez explodir sua primeira arma nuclear em 1952 e sua primeira bomba termonuclear em 1957; para a França, as datas são 1960 e 1968; para a China, 1964 e 1967. Além disso, a França forneceu a Israel, em 1956, o reator e a usina de retratamento de Dimona, de onde saiu o plutônio de suas primeiras armas, e o Canadá forneceu à Índia, em 1955, o reator com água pesada que produziu o plutônio das primeiras bombas indianas.
2 - Em ordem cronológica a partir da primeira explosão: os Estados Unidos, a União Soviética (da qual a Rússia é hoje a sucessora), a Grã-Bretanha, a França e a China. Ao contrário de uma idéia amplamente difundida, não há a menor ligação entre o status de membro permanente do Conselho de Segurança e o de Estado dotado de armas nucleares. Os primeiros são os países vencedores da II Guerra Mundial, definidos pela Carta da ONU assinada em 26 de junho de 1945, data na qual nenhum país, nem mesmo os Estados Unidos, dispunha de uma arma nuclear. Os países “dotados de armas” são aqueles que as possuíam por ocasião da assinatura do Tratado.
3 - O texto do Tratado prevê que ele entrará em vigor quando tiver sido assinado e ratificado por 40 Estados.
4 - Essa cifra deveria ser reduzida a 188 se a decisão tomada pela Coréia do Norte, em janeiro de 2003, de se retirar do tratado fosse levada em conta. No entanto, os outros países consideram que essa retirada é inaceitável, pois não se conforma às exigências formuladas pelo tratado para que um Estado possa exercer esse direito.
5 - O título completo é “Protocolo adicional ao acordo entre o Estado de … e a AIEA, relativo à aplicação de garantias”.
6 - O Irã o assinou, mas não o ratificou, e o novo Parlamento certamente não está disposto a aprovar esse documento. Os dirigentes iranianos afirmam às vezes se submeterem a ele voluntariamente, mas apenas parcialmente, com muitas reticências.
7 - Foi assim que, em 2004, os inspetores estabeleceram que a Coréia do Sul e Taiwan, no passado, tinham feito clandestinamente pesquisas sobre as técnicas de enriquecimento do urânio e de separação do plutônio. Esses trabalhos permaneceram secretos, tanto é que esses dois países não aderiram ao Protocolo adicional.
8 - Nessa ocasião, Washington, que até então o recusava, aceitou um diálogo bilateral com Pyongyang.

Instituto Humanitas Unisinos - 27/06/07

Barbárie à vista? Artigo de Anna Veronica Mautner, psicanalista

"Os pais, como todos os adultos, são sim responsáveis pelas violências perpetradas por jovens, que ocorrem cada vez com maior freqüência. Somos todos culpados ou pelo menos temos a ver com o que está ocorrendo. Deixamo-nos influenciar, sem reagir, pelos efeitos da difusão de uma psicanálise fora do contexto", escreve Anna Veronica Mautner, psicanalista, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 27-06-2007.

Eis o artigo.

"Se não estivéssemos imbuídos da idéia de que a origem do erro está lá atrás, na infância, como culpar pais, monitores, babás só por terem acreditado na falácia de que dor, desconforto, vergonha, humilhação etc. são sempre letais ao ego em formação e por isso devem ser evitados a qualquer preço?

O lema é: ninguém deve se ressentir de nada, muito menos seres em formação devem ser magoados. A conseqüência dessa ideologia de tortas raízes vai, passo a passo, gerando seres incapazes de empatia, incapazes de reconhecer o outro como seu semelhante.

Pouco familiarizados com dores, vão infligi-las, sem saber o quanto vai doer. Quero dizer que é preciso sentir que a vergonha, por exemplo, que me machuca, machuca ao outro também. Assim, se eu quiser, até posso humilhar alguém. Mas pelo menos sei o que estou fazendo. E posso calcular a intensidade que eu quero. Quando superpreservamos crianças e jovens de todo medo, de toda frustração, de qualquer fracasso, da humilhação e da vergonha, estamos impedindo que aprendam o quanto dói uma saudade, um fora, uma pancada.

Quando diante de alguém diferente, um outro, desconhecido, de outra galera, ignoramos o que eles têm de semelhante a nós, a agressividade e a violência encontram um campo fértil para aparecer. É aí, onde as pessoas se estranham, que aparecem vigorosos os maus colegas, o mau patrão, o mau chefe e o violento em geral.

Quando alguém se sente ameaçado, reage. É natural. O que surpreende é a discrepância entre estímulo e resposta. E mesmo que ele estranhe algumas coisas nesse outro, existem entre dois seres humanos mais semelhanças do que diferenças. A violência desabrocha onde as pessoas se estranham. Quando estranhamos, pomo-nos a espernear, a bater, para eliminar o ameaçador. A violência é sempre uma resposta ao medo do desconhecido.

Quando se transforma em brincadeira, leviandade, estamos diante de uma patologia. Juntando que as novas gerações foram preservadas da maioria dos desconfortos naturais da vida, é natural que tenham muito mais medo de tudo o que é estranho, já que conhecem muito menos do que seria desejável.

Quem estranha muito tem muito medo e perde fácil a estribeira. Estamos a um passo da violência. Barbárie à vista?

Instituto Humanitas Unisinos - 27/06/07

MST exporta arroz ecológico para os EUA

Pequenos grupos de assentados da reforma agrária no Rio Grande do Sul, que trabalham a terra de forma coletiva, estão começando a exportar arroz ecológico para os Estados Unidos. A reportagem é de Roldão Arruda e publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 27-06-2007.

O primeiro carregamento, de 40 toneladas, foi despachado para Chicago, Illinois, onde funciona uma central de distribuição dos chamados orgânicos. De lá, o arroz é redistribuído para supermercados, que registram um crescimento acelerado na venda de alimentos produzidos com respeito ambiental.

O arroz dos assentados gaúchos sai dos banhados ao redor de Porto Alegre sem nenhum agrotóxico. “O controle das pragas é feito com o manejo da água nos quadros de arroz e a adubação é totalmente orgânica”, explica Carlos Alberto de Souza, de 38 anos, diretor da Cooperativa de Produtos Agropecuários de Nova Santa Rita.

A produtividade é menor que nas plantações com herbicidas e adubos químicos: enquanto os sem-terra obtêm a média de 85 sacas por hectare, os vizinhos chegam a 120 sacas. Mas, segundo Souza, vale a pena: “Não despejamos produtos químicos nos rios, preservamos a saúde dos agricultores, que não ficam expostos aos venenos, e os custos são menores.”

Numa área experimental, os sem-terra também cultivam o arroz com a ajuda de carpas. Soltos nos quadros com água , os peixes comem as ervas daninhas e revolvem a terra. “Elas fazem o trabalho de máquinas”, explica Souza.

A cooperativa funciona no Assentamento Capela. Em 1993, quando ele foi criado, 70 das 100 famílias levadas para lá optaram por cultivar a terra de modo individual. Outras 30, estimuladas pelo MST, optaram pela propriedade coletiva da terra e criaram a cooperativa.

Experiências semelhantes ocorreram em outros cinco assentamentos na região metropolitana de Porto Alegre. São quase 130 famílias que uniram forças para obter escala na produção de arroz. Na safra atual, elas totalizaram 55 toneladas.

Até agora os assentados vendiam para o governo, que utiliza o arroz na merenda escolar, restaurantes e no Mercado Municipal de Porto Alegre. A venda para os EUA foi articulada por uma exportadora especializada em orgânicos.

O carregamento saiu do assentamento de Tapes, que foi visitado pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, em 2005. Na ocasião, ele atacou os EUA, dizendo que já nasceram com “ânsia imperialista”. Os sem-terra fizeram uma encenação, na qual o Tio Sam sufocava pequenos agricultores.

Instituto Humanitas Unisinos - 27/06/07

A entrada de capital especulativo aumentou quase cinco vezes neste ano

O fluxo de capital especulativo ao Brasil aumentou quase cinco vezes nos primeiros quatro meses do ano e se tornou a principal fonte de dólares do país, segundo dados do Banco Central. Entre janeiro e abril, o total de financiamentos de curto prazo captados por bancos no exterior somou US$ 24,147 bilhões, contra US$ 4,842 bilhões nesse período de 2006. A reportagem é de Ney Hayashi da Cruz e publicada no jornal Folha de S. Paulo, 27-06-2007.

Os números se referem a empréstimos com prazo inferior a um ano que os bancos conseguem no mercado internacional para aplicar no Brasil. Ou seja, é um tipo de dinheiro que pode deixar o país rapidamente em caso de forte turbulência.

Os dados indicam que, ao contrário do que defende o BC, a valorização do real está sendo influenciada pelos elevados juros do Brasil, não só por fatores como o bom desempenho da balança comercial - o volume de dinheiro de curto prazo que entrou no país entre janeiro e abril equivale a quase o dobro do saldo da balança no período.

"Isso [a entrada de capital de curto prazo] tem a ver com o nível na taxa de juros, que ainda é muito alto", disse a economista-chefe da Mellon Global Investments, Solange Srour. Ou seja, os bancos que atuam no Brasil conseguem empréstimos de curto prazo a juros baixos no exterior e podem colocar os recursos em aplicações atreladas à taxa Selic, hoje em 12% ao ano.

Segundo Srour, o Brasil deve receber US$ 30 bilhões em empréstimos de curto prazo ao longo de 2007, o que representaria um aumento de 54% em relação a 2006. "É um valor alto, mas não acho que isso traga muito risco. Estamos falando de um fluxo total que pode chegar a US$ 75 bilhões neste ano."

Ainda assim, os valores registrados até agora fizeram com que o BC obrigasse os bancos a adotar limites mais rígidos nas suas operações com câmbio. Com as mudanças, anunciadas há três semanas, as instituições financeiras passaram a ter que apresentar um volume maior de capital como garantia para suas transações com dólares.

A idéia era desestimular as operações com capitais especulativos. "O BC tomou as medidas para tornar esses capitais o menos volátil possível. Isso traz mais sustentabilidade ao balanço de pagamentos", disse o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes.

Em outras palavras, os limites mais rígidos buscam evitar que as contas externas dependam muito de recursos de curto prazo. Por enquanto, os números disponíveis mostram que o balanço de pagamentos continua no azul, fazendo até com que o BC aumente suas projeções para este ano.

No mês passado, a conta de transações correntes teve saldo positivo de US$ 1,821 bilhão, levando o resultado acumulado até abril a US$ 3,515 bilhões.

Esse indicador inclui a balança comercial, a balança de serviços e rendas (pagamento de juros, gastos com viagens internacionais, despesas com fretes, entre outros itens) e as transferências unilaterais (dinheiro enviado ao Brasil por residentes no exterior e vice-versa).

Ontem, o BC elevou de US$ 7,7 bilhões para US$ 10,7 bilhões sua projeção para o superávit em transações correntes do ano. A revisão ocorreu por causa da alta, de US$ 37 bilhões para US$ 40 bilhões, na projeção do superávit comercial.

terça-feira, junho 26, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 26/06/07

17 povos indígenas vivem na 'iminência' de extinção, alerta Cimi

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) acredita que existem 17 povos indígenas isolados vivendo “na iminência de extinção”. Eles ficam no Acre, Amazonas, Mato Grosso e Rondônia. A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo, 24-06-2007.

Um dos casos envolvendo denúncia de genocídio ocorreu entre os povos isolados do Rio Pardo, nos Estados do Amazonas e Mato Grosso. De acordo com denúncia no Ministério Público Federal, houve massacres nos municípios de Apuí e Colniza, no fim de 2004 e início de 2005. Segundo o Cimi, um grupo de madeireiros, com participação de um ex-delegado de polícia de Mato Grosso, invadiu a área indígena e matou os índios.

Em outubro de 2005, a Frente de Proteção Etno-Ambiental Madeirinha, da Funai, fez contato visual com um grupo de três índios sobreviventes. A terra indígena foi interditada por duas portarias, mas, segundo o Cimi, “falta fiscalização da área”.

Para o Cimi, grupos de extermínio agem a serviço de grileiros de terras, madeireiros e fazendeiros, que tentariam eliminar “qualquer vestígio de presença indígena para inviabilizar a demarcação de suas terras, liberando-as para a apropriação privada, exploração dos recursos naturais, pecuária e agronegócio”.

Os riscos vão além dos conflitos. A história dos matises é um bom exemplo de como o contato com o branco pode ser desastroso. No início da década de 70, eles não tinham contato com outras culturas e eram aproximadamente mil. Com a chegada da Funai, e após os madeireiros (2002), eram 216. Em meados de 90, eram 100 apenas. Voltaram a crescer após o isolamento dos rios Ituí e Itaquaí, em 1996, pela Funai.

Instituto Humanitas Unisinos - 26/06/07

Bioenergia é vantajosa até 2013, diz técnico

A energia gerada a partir da biomassa, a bioenergia, é a mais barata que o Brasil poderá produzir até 2013 para passar incólume pelo período crítico, quando não terá novos projetos de hidreletricidade para oferecer em leilão. Mário Veiga, presidente da PSR Consultoria, vê uma "janela de oportunidade" para a bioeletricidade com a escassez de novos projetos hidrelétricos em oferta no país. A reportagem está publicada no jornal Valor, 16-06-2007.

Segundo ele, a biomassa - principalmente de sobras da industrialização da cana-de-açúcar - pode ser uma alternativa eficiente para sustentar o crescimento do consumo de energia elétrica. Considerando a expansão da área plantada até 2012, de 425 milhões de toneladas (ton) para 728 milhões/ton e a construção de novas usinas, Veiga calcula que se forem instaladas caldeiras mais eficientes para processar o bagaço de cana adicional, poderiam ser gerados 3 mil MW de energia. E mais, se um terço das usinas existentes modernizasse seus equipamentos, poderiam gerar mais 1.200 MW, superando a geração prevista nas usinas do Rio Madeira. Isso tudo a um custo relativamente baixo, já que seria necessário apenas comprar caldeiras mais eficientes para as usinas.

Além do volume expressivo de energia, os cálculos da PSR mostram que a bioeletricidade custaria R$ 109 por megawatt/hora (MW/h), mais barato que a hidreletricidade (R$ 112), que as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), R$ 110 MW/h, as térmicas movidas a GNL (R$ 131 MW/h) e até carvão (R$ 145 MW/h) e óleo combustível (R$ 175 MW/h), que são grandes poluentes. Outro detalhe é que a bioeletricidade não substituiria a energia hídrica porque o período de safra é complementar ao regime hidrológico.

Instituto Humanitas Unisinos - 26/06/07

'Nuclear é opção de desespero', diz Goldemberg

O professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-secretário de Meio Ambiente de São Paulo, José Goldemberg, é um ferrenho opositor da energia nuclear. 'E olha que eu sou do ramo', diz o físico nuclear por formação. 'Energia nuclear é opção de desespero. A Alemanha vai desativar seu parque nuclear até 2020. Estão trocando pela matriz eólica, mais limpa e barata.' A reportagem é de Andrea Vialli e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 26-06-2007.

Para Goldemberg, a energia nuclear é viável em países de territórios menores, sem abundância de recursos naturais. 'O Brasil tem outras opções. Podemos explorar o potencial imenso da biomassa da cana, por exemplo.'

Segundo ele, o aproveitamento da cana para produzir energia é uma opção cada vez mais viável. ' Brinco que, se houver apagão no Brasil, não vai haver em São Paulo, por causa da cana.'

Instituto Humanitas Unisinos - 25/06/07

‘A imagem pode ser o novo ópio do povo’, afirma Marc Augé

Sua formação foi literária e filosófica. Marc Augé disse (Poitiers, 1935) que a antropologia, no final dos anos 1950, não tinha um programa acadêmico bem definido. Chegou a isso na década seguinte, quando mergulhou no continente africano. Na seqüência chegou à América do Sul e hoje este professor e ex-diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris sorri ao afirmar, em perfeito castelhano, que ele foi mudando “com a própria mundialização”. Sua perspectiva atual o levou a destilar conceitos da vida contemporânea como o dos não lugares para referir-se a aeroportos ou estradas. Seu último livro, El oficio de antropólogo (Gedisa), empreende uma defesa apaixonada e argumentada de sua vocação.

Segue a íntegra da entrevista que o antropólogo Marc Augé concedeu ao jornal espanhol El País, 23-06-2007. A tradução é do Cepat.

É a antropologia mais necessária do que nunca?

O presente sempre é uma paisagem que é preciso estudar. A Antropologia é um lugar, num momento. Seu objeto de estudo é a relação entre seres humanos num dado grupo, tomando em conta o contexto. É muito difícil pensar no tempo a partir da ideologia do presente.

E o passado de sua disciplina?

O contexto é que está mudando. A mudança é parte do objeto. Não perdemos as sociedades primitivas, mas tudo está se transformando. Não estamos para festejar os paraísos perdidos, que nunca o foram em caso algum. Não é preciso alimentar a nostalgia porque não faz parte do ofício de antropólogo, é uma ilusão. A antropologia tem um papel e é útil para a observância do mundo atual.

Fala de supermodernidade, da multiplicidade de coisas e da aceleração do tempo, do império do tempo sobre o espaço na era da internet.

É uma tensão que atravessa o mundo inteiro. A homogeneização e a globalização econômica e tecnológica produzem a ilusão de que podemos nos comunicar com o mundo inteiro. A reação a isto é o nacionalismo e os proselitismos religiosos como o evangelismo ou o lado mais tradicional do Islã, que está estreitamente vinculado a regimes políticos não democráticos que impõem a opressão de indivíduos e uma ideologia sobre todo tipo de problemas, como a desigualdade das mulheres. As democracias devem combater a diferença cultural.

Procura a antropologia o fator comum a todos os homens?

O objeto intelectual são as relações de parentesco ou o poder econômico. A simbolização destas relações é um fato comum, patente na educação das crianças. A alienação do indivíduo a esta estrutura é necessária para ser saudável de espírito. O homem que se aliena consente em viver num mundo com relações preexistentes. Qualquer regime político é uma tensão entre o sentido social e a liberdade. Lyotard propõe dois tipos de mitos: a cosmogonia do passado e os mitos do futuro e do progresso do século XVIII. Todos fracassaram.

Outro grande relato da história?

Não temos ferramentas para entender o que está acontecendo. Esquecemos as ferramentas intelectuais. Não somos capazes de pensar o tempo. Há uma denominação da linguagem do espaço. O binômio local-global não é equivalente a particular-universal. O local pode ser uma réplica do global ou uma exceção e o particular tem coisas que se relacionam com o universal de forma dialética. Daí surge o termo glocal.

Disse que o real se esforça para ser ficção.

Sim, é a ilusão do indivíduo frente à sua contemporaneidade. Toda a história do mundo em seu computador. Selecionar e utilizar a ilusão da liberdade porque as coisas são representadas a partir do consumo.

Expandem-se os não lugares?

Esta é uma noção que se opõe ao lugar entendido em seu sentido antropológico, quer dizer, como espaço no qual se plasmam as próprias relações sociais. O não lugar é uma realidade empírica. Muita gente não tem ali nada para negociar, mas isto não é uma distensão absoluta: é um não lugar para uns e um lugar para outros, por exemplo, para aqueles que trabalham num aeroporto. Produziu-se um desenvolvimento destes espaços por todo o planeta; espaços organizados através de códigos que não foram pensados para a comunicação. Têm uma organização muito sofisticada, mas não incorporaram os elementos simbólicos das relações sociais.

Os meios de comunicação substituem, ganham terreno a outros espaços sociais?

A imagem pode ser o novo ópio do povo. Vivemos num mundo de reconhecimento, não de conhecimento. Vive-se realmente através da tela. Os meios de comunicação devem ser objeto de educação, não apenas um canal de informação. Você apenas entende a manipulação das imagens ao fazer um filme. Devemos aprender a ler e escrever e também a ler e a fazer imagens.

Instituto Humanitas Unisinos - 25/06/07

Trabalho escravo. Onde os bois vivem melhor que os trabalhadores

No sul do Pará, ainda existe animal vivendo melhor do que gente. Foi o que constatou uma operação do grupo móvel do Ministério do Trabalho encerrada esta semana, que libertou 27 trabalhadores rurais em condição análoga à de escravos. O resgate, acompanhado pelo jornal O Globo, em reportagem, 23-06-2007, de Fellipe Awi, impressionou os fiscais do Trabalho e agentes da Polícia Federal por uma cena emblemática: os bois de uma das fazendas recebiam mais cuidados que homens.

Em Brejo Grande do Araguaia, quase na divisa do Pará com Tocantins, o grupo móvel encontrou 12 trabalhadores da Fazenda São José morando no meio do mato, num barraco de palha, parcialmente coberto e em condições lastimáveis.

Contrastava com a estrutura de madeira e com telhados de cerâmica destinada aos bois, bem no início da fazenda. De igual, apenas a água que as pessoas e os animais bebem, ambas proveniente de um igarapé, que é de barro puro quando chove.

- As boas condições em que se encontra o gado são mais um agravante, porque tiram do fazendeiro o argumento de que não pode cuidar melhor de seus funcionários – afirma o auditor do Trabalho Calixto Torres.

Jornada das 5h às 18hs, de segunda-feira a sábado

A fazenda São José reunia características clássicas do trabalho escravo. Os trabalhadores foram aliciados em Tocantins por um intermediário, chamado de gato na região, que lhes prometeu “fazer um bom dinheiro” roçando terra no Pará. Os mais antigos, com três meses de trabalho, só receberam até agora R$ 150,00, a título de adiantamento.

- Como vou voltar para casa sem dinheiro? Não posso nem pegar uma condução – disse Josenil Ferreira, que saiu de Augustópolis, em Tocantins. Ele trabalhava com uma ferida profunda na perna, mas não pôde deixar o roçado porque seria descontado, embora seja de um dinheiro que ainda nem viu.

Comida (arroz e feijão todo dia), sabão, ferramentas, botas e outros itens serão descontados, e os preços cobrados são quase o dobro do mercado. Para comer carne, os trabalhadores caçam jabuti, tatu e paca na mata. Outros bichos, no entanto, causam medo: onça e cobra já foram vistas perto do alojamento. Não há nem vela para iluminar o lugar à noite.

- De noite faz um frio aqui que a gente nem consegue dormir. Se eu soubesse que era assim, não tinha deixado a minha casa – conta José Filho Vieira, morador de Ananás (TO).

Na fazenda Ladeirão, em Pacajá, os auditores do ministério encontraram 15 trabalhadores acampados num terreno acidentado, também em condições subumanas. A comida era descontada, e o salário nunca era pago integralmente. No período de chuvas, é praticamente impossível cruzar os 54 quilômetros que separam a fazenda da cidade.

- Uma vez fiquei doente aqui, não recebi remédio e tive de ir em cima de um burro. Na volta, vim a pé. Levei um dia inteiro – contou o trabalhador rural Raimundo Gomes.

A operação nas duas fazenda resultou em indenização por danos morais, estabelecidas pelo Ministério Público do Trabalho, em cerca de R$ 35 mil, verba que será usada para equipar hospitais da região. Os proprietários das duas fazendas fiscalizadas tiveram de pagar quase R$ 50 mil de direitos trabalhistas, fora as multas, cujo valor ainda será calculado.

- O trabalho escravo está ligado à ausência do Estado e à falta de informação dos trabalhadores, que nem sequer conhecem seus direitos. São lugares de difícil acesso, o que dificulta a fiscalização – disse a procuradora do Trabalho Guadalupe Turos, que acompanhou a operação.

O Pará é campeão nacional do trabalho escravo, segundo o Ministério do Trabalho. O estado é responsável por mais de 31% de todos os trabalhadores resgatados ano passado pelo grupo móvel do ministério. Foram 1.062 pessoas entre os 3.342 brasileiros encontrados nessa situação.

Para a Organização Mundial do Trabalho (OIT), que também põe o Pará no topo da desonrosa lista, a situação do estado ainda é mais grave porque ele concentraria 70% dos trabalhadores que ainda vivem como escravos, estimados em 30 mil. O problema está concentrado no arco do desmatamento na Floresta Amazônica, pois o Pará é seguido de Maranhão, Mato Grosso e Tocantins.

Instituto Humanitas Unisinos - 25/06/07

Rio São Francisco. União aplica só 1,5% da verba para sua recuperação

Em pé de guerra com movimentos ambientalistas e boa parte da Igreja Católica, o governo deve iniciar, nesta semana, as primeiras escavações dos canais previstos no projeto de transposição do Rio São Francisco. Quatro batalhões de engenharia do Exército já estão com canteiros instalados em Cabrobó e Floresta, em Pernambuco. A reportagem é de Daniel Rittner e publicada pelo jornal Valor, 25-06-2007.

Opositores da obra questionam os efeitos que ela terá sobre a sustentabilidade do rio. Argumentam que a retirada de vazão tende a agravar problemas como a salinização da foz do São Francisco e lembram que há problemas imediatos a resolver, como o elevado fluxo de esgoto despejado ao longo do caminho e a perda quase completa da vegetação às margens do rio.

O governo diz que não pode esperar a recuperação total do São Francisco, um estrago feito em décadas, para começar as obras da transposição. Mas considera prioritário revitalizar o rio e destinou, no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), R$ 1,3 bilhão em programas com essa finalidade. Apesar do reforço nas verbas, os ministérios envolvidos - Integração Nacional e Meio Ambiente - não têm conseguido aplicar a maior parte dos recursos para revitalização que já estavam programados no Orçamento Geral da União de 2007.

Levantamento realizado pela organização não-governamental Contas Abertas aponta que, até a semana passada, foi empenhado somente R$ 1,960 milhão dos R$ 124,2 milhões previstos para este ano em "revitalização de bacias hidrográficas em situação de vulnerabilidade" - a rubrica orçamentária que reúne esse tipo de ação. Isso equivale a 1,57% dos recursos programados. Quase todas as verbas da rubrica destinam-se à Bacia do Rio São Francisco.

Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente informou que é responsável pela aplicação de R$ 23 milhões e empenhou R$ 1,9 milhão.

De acordo com o ministério, o baixo empenho é resultado da demora na implementação de convênios com governos estaduais, mas não há contenção de gastos e a expectativa é acelerar essas despesas ao longo do segundo semestre, de modo que todos os recursos previstos sejam aplicados.

Para amenizar a situação, o governo executou R$ 11,4 milhões de restos a pagar de 2006. Mas vários programas tiveram investimentos ínfimos neste ano. Um exemplo é o monitoramento da qualidade da água na Bacia do São Francisco, que recebeu míseros R$ 975 até junho. Somados os restos a pagar, o valor chega a R$ 124 mil - ainda assim, fica muito abaixo da dotação autorizada para este ano, de R$ 1,7 milhão.

A recuperação das matas ciliares, uma das principais preocupações dos ambientalistas, também vive uma escassez de recursos. Até junho, foram aplicados somente R$ 4,5 mil no reflorestamento de nascentes, margens e áreas degradadas do São Francisco. Houve ainda o pagamento de R$ 885 mil de restos do ano passado - mais uma vez, longe do investimento prometido para 2007, de R$ 4,8 milhões. O apoio a projetos de controle da poluição por resíduos, que previa a aplicação de R$ 2 milhões, ainda não recebeu um centavo sequer.

Apesar da dificuldade de execução orçamentária nos últimos meses, o Ministério da Integração Nacional informa que já foram investidos R$ 192 milhões nos programas de revitalização do São Francisco, entre 2004 e 2006. As ações consistem em obras de saneamento básico e ambiental, coleta e tratamento de esgoto, macrodrenagem, resíduos sólidos e contenção de desmoronamento de barrancas, controle de processos erosivos e melhoria da navegabilidade.

Desde o início do mês, soldados e engenheiros do Exército estão prontos para começar os trabalhos de terraplenagem e as escavações para os dois canais de aproximação, que vão ligar o rio às estações de bombeamento das águas nos dois futuros eixos da transposição: Norte e Leste. Em Cabrobó, será um canal de três quilômetros; em Floresta, de seis quilômetros. O uso do Exército foi a estratégia adotada pelo governo para ganhar tempo nas obras, enquanto espera o resultado da megalicitação em curso.

Os canais são necessários para "chupar" a água do rio, no volume definido pela Agência Nacional de Águas (ANA), e transportá-la para duas barragens, de onde serão bombeadas para toda a rede de canais. As duas barragens, tecnicamente chamadas de reservatórios de passagem, também serão construídas pelo Exército. O custo total é estimado em R$ 85 milhões, e as obras têm duração prevista de um ano e dois meses.

Por enquanto, os militares estão fazendo a topografia para delimitar as áreas onde haverá supressão de árvores. Nos próximos dias, concluirão o inventário florestal para identificação de espécies e o resgate de fauna e flora das áreas a serem desmatadas. Quando isso estiver pronto, provavelmente até sexta-feira, vão iniciar as escavações. Até o fim de julho, a expectativa do governo é começar a anunciar os vencedores dos primeiros lotes da licitação de R$ 3,3 bilhões para as obras civis.

Instituto Humanitas Unisinos - 25/06/07

Biocombustíveis: plantar para quê e para quem?

O Brasil está diante de uma grande oportunidade que pode tornar-se referência mundial na produção de biocombustíveis. Uma oportunidade que vem acompanhada de um desafio que exige escolhas estratégicas. O desenvolvimento de um programa nacional de bioenergia pode repetir experiências do passado, concentradoras de terra e capital, com forte impacto social e ambiental, ou pode trilhar novos caminhos, aliando a criação de uma nova matriz energética com políticas de distribuição de renda, geração de trabalho e combate à pobreza rural. Essa foi uma das principais conclusões do debate “Etanol e Biodiesel na Agricultura Familiar”, promovido pela Carta Maior, sexta-feira à noite, 22-06-2007, em Porto Alegre. A oportunidade e os desafios identificados pelos debatedores surgem em um cenário mundial marcado pelo fim da era de combustíveis fósseis, com pesadas implicações sociais, econômicas, políticas e ambientais. A reportagem é de Marco Aurélio Weissheimer e publicada pela Agência Carta Maior, 23-06-2007.

O debate realizado no Hotel Embaixador expressou, sob diferentes inflexões, a seguinte pergunta: a produção de fontes energéticas como biodiesel e etanol deve ter estar subordinada a um projeto de desenvolvimento mais amplo, gerador de trabalho e renda, e ambientalmente sustentável, ou deve ficar subordinada à lógica do grande capital global, que já olha para o Brasil como um novo Eldorado? O ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, o consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Marcelo Guimarães, e o engenheiro de produção, Algacir Goron, defenderam a primeira alternativa. “Reproduzir, no início do século XXI, modelos de séculos passados que, historicamente, concentraram renda, produziram desigualdades sociais e destruição ambiental seria uma estupidez e um retrocesso”, resumiu Rossetto.

A ameaça da “estrangeirização” do território nacional

A articulação do programa de bioenergia com um projeto de desenvolvimento endógeno enfrenta, entre outras coisas, o apetite voraz de grandes investidores internacionais que começam a exercer uma grande pressão sobre terras brasileiras. Em outras palavras, começam a comprar, direta ou indiretamente, uma grande quantidade de terras brasileiras, abrindo a possibilidade de uma significativa “estrangeirização” do território nacional. Esse processo concentra-se, fundamentalmente, em torno do processo de produção do etanol. Ao abrir o debate, o mediador Bernardo Kucinski apresentou alguns números que dimensionam o tamanho desse mercado. O Brasil possui hoje mais de 330 destilarias de álcool em funcionamento, com outras 19 projetadas para entrar em funcionamento nos próximos dois anos e mais 65 em fase de projeto e desenvolvimento.

O Brasil é hoje o segundo maior produtor mundial de etanol (cerca de 17,5 bilhões de litros/ano), ficando atrás apenas dos Estados Unidos (cerca de 20 bilhões de litros/ano). Em 2005, o Brasil foi responsável por cerca de 55% do etanol comercializado internacionalmente. Com as novas usinas que devem entrar funcionamento nos próximos anos, a produção nacional de etanol deve aumentar em pelo menos 7 bilhões de litros até 2010. Essas usinas são proprietárias de cerca de 70% da área de cana plantada no país. Os 30% restantes estão nas mãos de médios e pequenos proprietários. Como a demanda mundial de biocombustíveis deve crescer exponencialmente nos próximos ano, em virtude da forte demanda de EUA, União Européia, China, Japão e Índia, entre outros países, o Brasil tende a aumentar significativamente a área de cana plantada.

A exigência da regulação: por um Plano Diretor rural

Hoje, essa área é de aproximadamente 6,3 milhões de hectares, sendo cerca de 2,6 milhões para etanol. A estimativa para o período entre 2010 e 2013 é de um aumento de 63% dessa área, chegando a aproximadamente 10,3 milhões de hectares. Uma parte considerável desse aumento está associada ao fato de que grandes investidores e fundos de investimento estrangeiros estão comprando terras e financiando a construção de usinas no Brasil. A Ethanol Pacific, de Bill Gates, por exemplo, já anunciou a intenção de investir US$ 200 milhões para viabilizar a criação de um canal permanente de exportação de álcool para os EUA. Como evitar que esse crescente internacional resulte em um processo que aumente a concentração fundiária e expulse milhares de agricultores familiares de suas terras? Para Miguel Rossetto, o programa brasileiro de biocombustíveis exige opções regulatórias claras para impedir que isso ocorra. Sem regulação, adverte, o modelo será concentrador, repetindo erros do passado.

“Vivemos um momento que abre enormes possibilidades para a produção de combustíveis renováveis, através de um programa que alie a questão energética ao combate à pobreza rural. Mas sem um marco regulatório, teremos concentração de terra e renda e não geração e distribuição de renda”, resume o ex-Ministro do Desenvolvimento Agrário. Rossetto enfatiza a importância da idéia de limite que já foi incorporada no contexto do desenvolvimento urbano, mas que ainda enfrenta resistências no meio rural. E fala da necessidade de uma espécie de Plano Diretor para o campo brasileiro. “A sociedade urbana já aceitou a idéia de limite e, através do Plano Diretor, estabelece regras para delimitar a altura de prédios, preservar áreas verdes, etc. Precisamos avançar na direção da construção de um Plano Diretor para as áreas rurais para superar a lógica de vale-tudo e suas conseqüências negativas”.

Uma revolução industrial tropical

Na mesma direção de Rossetto, Marcelo Guimarães defende que o grande desafio de um programa nacional de biocombustíveis é criar empregos na área rural. “Essa é uma questão crucial para o Brasil. O futuro é agora ou nunca mais. Se o gigante adormecido acordar amarrado, fracassaremos”. Para Guimarães, vivemos um período análogo ao da Revolução Industrial, quando o aproveitamento do carvão mineral desencadeou um profundo processo de transformações políticas, econômicas e sociais. Ele ilustra esse paralelo histórico e suas implicações: 90% das jazidas de carvão estão situadas acima do Trópico de Câncer e, não por aças, 90% dos países industrializados estão acima do Trópico de Câncer. Cerca de 90% das reservas de petróleo também estão acima desse trópico. A energia fóssil acima do Trópico de Câncer gerou a cidade industrial. Agora, são os países tropicais, abaixo do Trópico de Câncer que têm as melhores condições energéticas, sendo o Brasil, o melhor deles pelas características de seu território”.

Para Guimarães, a produção de biocombustíveis como etanol e biodiesel só faz sentido se melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro. Ele observa que a megalópole é o maior câncer que o país tem hoje. Grandes e caóticos aglomerados urbanos que têm, em suas periferias pobres, milhares de pessoas que foram expulsas do campo por um modelo produtivo concentrador. O debate sobre etanol e biodiesel, reforça Algacir Goron, deve ser orientado por um sentido de desenvolvimento, que fortaleça a agricultura familiar e o desenvolvimento regional, e não pela lógica de querer, acima de tudo, transformar o Brasil em um grande exportador de combustíveis. Os três debatedores concordaram também que não existe solução para os problemas urbanos do Brasil sem melhorar a qualidade de vida no campo. Assim, a questão crucial não seria debater se o etanol é melhor que o biodiesel, se deve-se plantar isto ou aquilo, mas sim “plantar para que e para quem”?. Essas questões, por sua vez, estariam subordinadas a uma pergunta mais geral: qual padrão de desenvolvimento e de consumo a sociedade brasileira deseja?

Instituto Humanitas Unisinos - 23/06/07

Jornadas de trabalho acima de 48 horas atingem um de cada quatro trabalhadores no mundo, segundo OIT

Cerca de um quarto da mão-de-obra mundial (22%), ou seja, 614,2 milhões de pessoas, trabalha em média mais de 48 horas por semana. Esta é a conclusão de um estudo publicado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em Genebra, em 7 de junho, sobre o tempo de trabalho no mundo, o primeiro no gênero. A reportagem é de Maguy Day para Le Monde, 8-06-2007. A tradução é do Cepat.

O estudo se concentrou sobre os desníveis constatados entre a legislação e a realidade em 54 países, interessando-se mais particularmente pelos países em desenvolvimento e em transição. Para além das importantes diferenças de um país para outro, o estudo revela também importantes disparidades em função do setor de atividade, do sexo ou da idade.

Muitas mudanças estruturais da economia mundial nestes últimos trinta anos explicam o resultado paradoxal de um número tão elevado de horas trabalhadas apesar da generalização de quadros legislativos com vistas à redução do tempo de trabalho.

Primeiramente, o desenvolvimento do setor de serviços nos países industrializados afetou igualmente numerosos países em desenvolvimento que viram a parte dos empregos nos serviços aumentar. Ora, nos setores do atacado e do varejo, da hotelaria, da conservação e asseio, as semanas de trabalho são mais cheias, e o trabalho noturno ou de fim de semana é mais freqüente. Para a maioria dos países estudados, o setor de transportes, abastecimento ou das comunicações apresenta um número recorde de horas semanais trabalhadas. A título de exemplo, é de 51,8 horas na Malásia e chega inclusive a 53,7 horas no Chile.

Círculo vicioso

Em conseqüência, numerosas atividades econômicas são “informalizadas”. Aquelas que saem do campo da lei representam ao menos a metade dos empregos dos países em desenvolvimento, e 75% são realizados por trabalhadores independentes que têm em comum, além de trabalharem muito, o fato de pertencerem ao mundo industrializado ou transição. “Um grande número de trabalhadores não qualificados é obrigado a se auto-empregar por falta de um trabalho remunerado”, nota o relatório.

Os especialistas da OIT destacam também que as mulheres, que se vêem às voltas com uma dupla obrigação, não se encontram nas mesmas condições que os homens. Elas devem efetuar trabalhos domésticos, prover o abastecimento de água e de lenha, mas também se ocupar das crianças, das pessoas idosas ou de aidéticos.

Para as mulheres ativas nos países em desenvolvimento, a economia informal, apesar dos maus salários e da ausência de cobertura social, apresenta a vantagem de conciliar renda e responsabilidades familiares e domésticas. Assim, mais de um quarto dos empregados independentes não trabalham mais de 35 horas por semana. “Sua capacidade de contribuir para a alta da produtividade horária para a economia em seu conjunto está, portanto, seriamente limitada”, explica Jon C. Messenger, um dos autores do relatório.

Um círculo vicioso se forma, no qual, em razão dos baixos salários, os trabalhadores acumulam as horas para equilibrar o orçamento e onde as empresas confrontadas com uma baixa produtividade horária, devem solicitar sempre mais seus empregados para alcançar os objetivos de produção.

As motivações variam segundo os níveis de desenvolvimento do país. Os autores descobriram que entre os países industrializados, a França conta com a porcentagem mais elevada de trabalhadores independentes que trabalham mais de 48 horas por semana. Em torno de 60,2% das pessoas por conta própria trabalham além deste patamar, considerado como excessivo pela OIT, contra somente 28,5% nos Estados Unidos.

Enfim, contrariamente ao caso dos países em desenvolvimento, trata-se aqui de uma população mais especializada, mais idosa, com um nível de educação superior. “Eles trabalham longas horas para maximizar suas rendas, o que é uma escolha de vida mais que uma obrigação”, precisa Jon Messenger.