O agronegócio da madeira no Paraná
Jelson Oliveira e Rogério Nunes, ambos da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Paraná, descrevem a destruição ambiental do estado do Paraná resultante do agronegócio da madeira. A exploração do bioma do auraucária no Estado e sua substituição pela cana-de-açucar, soja e pinus trouxeram miséria e violação dos direitos dos trabalhadores. Recebemos o artigo no dia 01-02-2007..
"A Lumber Corporation vai fazer, e já está fazendo de nossas terras,
de nosso planalto verde um deserto. Dia virá em que alguém
vai à procura de um pinheiro e não vai encontrar nenhum pra remédio"
(fala do Monge José Maria, no romance Demônios do Planalto, de Aracyldo Marques).
O Paraná tem se caracterizado historicamente pelo esgotamento de seus recursos naturais pelo setor agrícola e pecuário. Muito além da problemática de outros cultivos, como a cana-de-açúcar, que tem sido uma das vedetes do chamado agronegócio, o setor de reflorestamento talvez seja o que maior destruição ambiental e violação de direitos provocou e continua provocando na história do Estado.
Essa atividade teve início com a exploração das florestas de araucárias nativas que cobriam o Estado. Em 100 anos o Estado derrubou 80% de sua cobertura vegetal, trazendo enormes prejuízos para o meio ambiente e para a população. Da enorme riqueza de floresta de araucária, árvore símbolo do estado que, inclusive, inspira o nome da capital, Curitiba, terra de muitas araucárias, resta apenas 1%. A área total de floresta natural no Estado é aproximadamente de apenas 17.800 km2.
É do conhecimento de todos que a retirada da cobertura vegetal de uma localidade aquece e empobrece o solo, aumenta a poluição e o assoreamento dos rios, reduz a biodiversidade, altera a velocidade dos ventos, aumenta a temperatura do ar e modifica de forma irreversível o clima local. Sem as árvores não existem mais aves e sem elas, aumentam as pragas, que levam ao uso indiscriminado de agrotóxicos, tal como se vê no Estado. Com os agrotóxicos chegam as empresas do agronegócio e a crise da agricultura camponesa. Este é o modelo que vem sendo implantado no Paraná nos últimos anos.
A madeira sempre se constituiu como a grande riqueza do Paraná. Quando da chegada das primeiras expedições em busca de ouro. Em 1780 inicia-se o ciclo da madeira (principalmente araucária e imbuia), da qual Curitiba dependeu para crescer, já que os empresários da madeira enriquecidos em torno de pólos como Ponta Grossa e Palmas, resolveram investir no centro do poder. Enquanto isso, a população do Estado se miscigenava e criava uma identidade a partir do respeito à natureza e de maneira especial às árvores, incluindo a erva-mate, as quais lhes forneciam alimentação e subsistência. Esse é o enfoque, por exemplo, da luta do Contestado, que tem por trás também a disputa pela madeira, considerada o ouro-verde do Paraná.
A partir de 1906 há um processo de ocupação das áreas consideradas inóspitas pelo governo, mas ocupadas tradicionalmente pelo povo Kaingang, transformando a região norte na "menina dos olhos" do Estado, dando início ao ciclo do café, pautado, também ele, sobre a destruição das florestas nativas para dar início às lavouras cafeeiras.
Vale lembrar que a construção de estradas já no final do século XIX favoreceu imensamente a exploração da madeira, principalmente a araucária ou o pinheiro paranaense (Araucaria angustifolia), exportado fartamente neste período porque durante a Primeira Guerra Mundial o pinus teve sua comercialização proibida.
A partir de 1950, com o governo de Moisés Lupion (avô do atual expoente da bancada ruralista, o deputado federal Abelardo Lupion), acelera-se o processo de corrupção na titulação de terras e de destruição ambiental do que ainda restava de floresta nativa, principalmente na região oeste do Estado. Este período é marcado por dois grandes conflitos que marcam a história da luta social do Paraná: a Revolta dos Colonos, na região sudoeste e a Revolta dos posseiros de Porecatu. No início da década de 50, com o término da Segunda Guerra Mundial, o ciclo da araucária chegaria ao fim, com o esgotamento da maior parte das florestas nativas exploradas de forma insustentável.
O governo militar passa, na década seguinte, a favorecer o plantio de árvores de reflorestamento, com o surgimento de grandes áreas de terras reflorestadas. Na década de 1970 registra-se a criação da Companhia Florestal Paranaense, na localidade de Borda do Campo, atual região metropolitana de Curitiba, dando continuidade e força para este ciclo em torno da silvicultura, impulsionada pelo aumento da demanda internacional.
Este setor encontra-se em plena e assustadora expansão no Brasil e em especial no Paraná, em sua absoluta parte financiada pelos cofres públicos: "O Governo Federal destinou cerca de US$ 466.846.200,00 ao setor celulósico-papeleiro entre 1974 e 1980[1], não só mediante financiamentos do por meio do BNDE[2] (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), mas também pela participação acionária do BNDE e de estatais com a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) em empresas de papel e celulose"[3].
O caso da Klabin no Paraná é exemplar, com a liberação de quase dois bilhões de reais para esta que é uma das gigantes do ramo e que está aumentando sua unidade no município de Telêmaco Borba com ampla propaganda na mídia em torno do progresso e da geração de emprego no município, também ameaçado, diga-se de passagem, pela construção da Usina Hidrelétrica de Mauá, no Rio Tibagi, o qual recebe boa parte dos efluentes poluidores da empresa de papel.
Estima-se que a unidade de Telêmaco passará de 680 para 1,1 milhão de toneladas de papéis e cartões por ano. A empresa também expandirá em 34 mil hectares o cultivo de florestas de pinus e eucalipto entre 2006 e 2008, incluindo a criação de um viveiro no Estado de Santa Catarina, onde pretende cultivar 30 milhões de mudas de eucalipto por ano, a exemplo do que vem sendo feito no Rio Grande do Sul, São Paulo, Espírito Santo e outros Estados da federação, que já vêm denunciando a expansão incontrolada do chamado "deserto verde" do reflorestamento.
Toda esta realidade de expansão da indústria da madeira (e do agronegócio em geral) tem sido financiada com dinheiro público: em 2005, os grandes produtores receberam mais de 39,5 bilhões de investimentos, enquanto que os pequenos agricultores receberam apenas 7 bilhões. Segundo o jornal Folha de São Paulo (09.08.06) o BNDES liberou R$ 1,74 bilhão para a Klabin, sendo este o quinto maior financiamento da história do banco.
O exemplo de Telêmaco Borba, com a Klabin, demonstra a confusão em torno da noção de desenvolvimento propagado pelo marketing oficial, já que os projetos se dão em localidades até então abandonadas pelas políticas públicas e repentinamente colocadas na rota da expansão de empresas que têm como único objetivo a obtenção de lucratividade em cima da violação dos direitos ambientais e sociais das populações locais.
Basta ver que, no caso da madeira, a expansão se dá justamente nas regiões que apresentam os menores índices de desenvolvimento humano do Estado. Como tem sido amplamente divulgado pela imprensa (cf. jornal Gazeta do Povo de 29.01.07) Telêmaco Borba tem vivido o "encantamento" do falso desenvolvimento: sobram notícias sobre o progresso, a aceleração econômica, a geração de emprego, o crescimento do setor imobiliário, etc.
Estima-se que este pequeno município do interior do Paraná, hoje com 65 mil habitantes, vá receber cerca de 5 mil novos habitantes nos próximos dois anos com a expansão da Klabin, elevando em 7,6% a população local. Fecha-se os olhos sobre a capacidade do município garantir a esta nova população os serviços básicos assegurados pela Constituição Brasileira. Ignora-se o impacto deste projeto sobre a Bacia do Rio Tibagi, um dos mais importantes rios do Paraná. Escamoteia-se os impactos sobre a terra transformada em deserto, sobre a água poluída, sobre a biodiversidade e sobre o clima. Nada interessa aos paladinos do progresso senão o lucro fácil apoiado na ignorância da população carente.
Em Telêmaco as notícias da hidrelétrica de Mauá da Serra somam-se à onda de otimismo que toma conta da população, comprovando que a visão de desenvolvimento se implementa através de projetos faraônicos financiados com dinheiro público e transformados em espetáculo pela mídia. O projeto da hidrelétrica e a indústria da madeira colocam-se na direção da destruição dos recursos hídricos. As árvores sugam a água da terra[4]. Os muros da barragem matam os peixes e transformam o rio das muitas cachoeiras (Tiba-gy, na língua indígena) num poço sem vida.
Segundo pesquisadores da área, o setor florestal é responsável por 4% do PIB nacional e 4,46% do PIB paranaense (em 2005 o Brasil exportou 5 bilhões de dólares em produtos de base florestal, dos quais 1,1 bilhão foi de origem paranaense), sendo que o Paraná é o terceiro no ranking das áreas plantadas, principalmente com pinus e eucalipto, espécies que abrangem uma área de 638 mil hectares (mais de 15% de todas as florestas plantadas no Brasil) e o triplo da área ocupada pela cana-de-açúcar no Estado, por exemplo.
Mas o grande forte do Paraná é o plantio de pinus, somando 36% de toda a plantação deste gênero no Brasil (que atinge cerca de 2 milhões de hectares, dos quais 1,2 milhão encontram-se nas regiões sul e sudeste) e tendo a maior área do país. As duas espécies mais freqüentes plantadas no Estado são de origem norte-americana, raiz do imperialismo profanando o coração da terra brasileira. Hoje o setor representa bem mais de 20% do total nacional de exportações e um dos fatores que geram interesse pelo estado do Paraná é a existência do Porto de Paranaguá, que facilita a exportação.
Não se pode esquecer que estas imensas áreas de terra, além de impedirem o desenvolvimento da biodiversidade, trazem como conseqüência a abundância de pragas e promovem, por isso, o uso intensivo de agroquímicos ou mesmo de alternativas biológicas que levam à propagação de novos agentes. Vale lembrar ainda que o Paraná também possui um forte pólo moveleiro, com mais de 400 empresas situadas principalmente no Norte do Estado.
A VIOLAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA
A violação da legislação ambiental, o desmatamento desenfreado, o assoreamento e poluição dos rios, a morte das matas e dos animais nativos e de toda a biodiversidade, somados à violação da legislação trabalhista com inúmeros casos de trabalho escravo denunciados e fiscalizados, fazem do setor madeireiro um dos maiores vilões sociais da atualidade. Qualquer crítica ou questionamento, punição ou responsabilidade social e ambiental efetiva, entretanto, provocam forte reação de seus representantes, que vêm acusando o governo e entidades ligadas ao meio ambiente de praticar o que eles chamam de eco-ditadura.
No Paraná existem mais de 3 mil empresas envolvidas neste setor e mais de 200 delas atuam com exportação. Segundo dados do Sindicato das Indústrias Madeireiras do Paraná, juntas essas empresas empregam mais de 100 mil pessoas.
A situação desses funcionários, entretanto, chama atenção pela precariedade. São acampamentos improvisados no meio das árvores com péssimas condições de higiene e alimentação, sujeitos a vários tipos de doenças, principalmente as provocadas por insetos e pequenos animais (como é o caso da hantavirose). Além disso, são inúmeros os casos de acidentes de trabalho, de falta de registro em carteira e violação de inúmeros outros direitos trabalhistas.
Mas a face mais terrível dessa realidade vem sendo, pouco a pouco, desvelada com o crescimento das denúncias de irregularidades. Ao lado de Curitiba (a glosada capital do Estado) o Ministério do Trabalho libertou no ano passado 49 trabalhadores, em 3 casos de trabalho escravo nos municípios de Bocaiúva do Sul, Rio Branco do Sul e Campo Magro. Vale lembrar que em 2005 foram libertados 85 trabalhadores na mesma região.
O NEGÓCIO DO CARBONO
O Protocolo de Kyoto, assinado por 141 países (menos os estados Unidos, Austrália e Canadá), o qual prevê a redução da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, deve transformar o Brasil num dos maiores mercados mundiais de venda de créditos de carbono. Ocorre que os chamados países poluidores devem reduzir em 5,2% as emissões feitas em 1990 e para que isso se efetive foi criado o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), o qual possibilita a esses países a compra de créditos de carbono gerados pelos países pobres, como o Brasil. Várias ONG´s, patrocinadas por empresas como General Motors, Texaco e American Eletric Power, têm entrado neste negócio que favorece ainda mais a expansão do capitalismo e incrementa a colonização dos países pobres.
Para isso foi criado um Banco de Projeto de Redução de Emissões e um Mercado Brasileiro de Redução de Emissões. O próprio Banco Mundial já aponta o Brasil como responsável por mais de 13% das transações com crédito de carbono. Ninguém seja ingênuo: trata-se de um mercado bilionário.
Para se ter uma idéia do quanto, em Chicago, uma tonelada de carbono é vendida pela bagatela de 2,85 milhões de dólares, valor considerado baixo. Mas esta bolsa tem um diferencial: atrai o interesse das empresas de papel e celulose que têm interesse em vender os seus créditos, como a Klabin, a Aracruz, a Votorantim e a Suzano Bahia. Calculando a quantidade de carbono capturado pelas florestas do deserto verde e em projetos de transporte hidroviário, uso da biomassa, etc. essas empresas ainda lucrarão neste promissor mercado que transformou também o ar numa mercadoria negociada nas Bolsas de Valores do empreendimento capitalista neo-liberal.
Dada a gravidade da situação, cabe aos movimentos, pastorais e organizações do campo no Paraná conhecer e denunciar este processo extremamente acelerado e perverso de expansão do monocultivo da madeira no Paraná e seus impactos negativos sobre o meio ambiente e os trabalhadores/as. Este processo anula a possibilidade e os esforços de construção de um outro modelo de agricultura e de desenvolvimento, amplamente discutido e já implementado pelos trabalhadores paranaenses através da produção agroecológica, da soberania alimentar, da partilha da terra e do respeito à água e à biodiversidade e da construção de relações humanas mais fraternas. Ou isso, ou seremos engolidos rapidamente pelo deserto da fome, das doenças, da escravidão e da destruição da vida.
Curitiba-Paraná-Brasil, 31 de janeiro de 2007.
Comissão Pastoral da Terra do Paraná