"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, julho 06, 2007

Le Monde Diplomatique Brasil - 29/04/07

Ora, a democracia

Publicado em dezembro, o Manual de Contra-insurgência dos EUA para o Iraque flerta com a tentação de “liquidar” a guerra por meio de uma nova onda de violência

Helena Cobban

Em 10 de janeiro de 2007, o presidente George W. Bush dignou-se a reagir ao relatório elaborado pelo Grupo de estudo sobre o Iraque [http://www.usip.org/isg/iraq_study_group_report/report/1206/ind">1]]. Esse é presidido por James Baker e Lee Hamilton, e integrado por responsáveis americanos bem mais sábios e experientes do que o presidente. Ele rejeitou, sem cerimônia, a recomendação principal do relatório: a necessidade de uma iniciativa diplomática que envolva os vizinhos do Iraque, inclusive a Síria e o Irã (a esse respeito, ler o artigo de Ibrahim Warde). Em contrapartida, defendeu a idéia de que uma campanha - baseada, principalmente, no uso da força - contra a insurreição poderia, por si só, proporcionar a vitória na guerra no Iraque.

No papel de um arcanjo que apresenta sua mensagem ao Congresso e desce sobre os campos de batalha iraquianos, encontramos o general David Petraeus. Personagem chave do exército americano, é dotado de uma sólida reputação de intelectual e sabe como ninguém se auto-promover. Ele foi promovido general de exército e acaba de ser nomeado comandante do contingente americano e das tropas da coalizão no Iraque. Já atuou em dois cargos de comando nesse país. Primeiro, em março de 2003, à frente da 101ª Divisão Aerotransportada e, depois, dirigindo a equipe encarregada de supervisionar o treinamento das “novas” forças iraquianas de segurança .

Petraeus pertence à nova geração de oficiais que foram orientados, pelo exército, a cursar grandes universidades. Em 1987, ele apresentou, em Princeton, dissertações de mestrado e doutorado na área de relações internacionais. Tema: “O exército americano e as lições do Vietnã”.

Recentemente, seu grande orgulho foi ter supervisionado a redação de um novo manual de contra-insurreição. Esse foi redigido conjuntamente pelo exército e a marinha – uma colaboração inédita entre esses dois corpos das forças armadas que são notórios rivais - e publicado em dezembro de 2006. O texto retrata a primeira atualização, em mais de 20 anos, dessa doutrina de contra-insurreição (COIN, para “counterinsurgency”) [http://usacac">2]].

A contradição central da ocupação

O manual COIN prova que os seus autores têm consciência da contradição central da ocupação. A estratégia de combate à insurgência tem caráter coercitivo, enquanto o discurso por meio do qual Bush e os seus partidários tentam camuflar seus projetos apela para a libertação e democracia. Busca resolver essas tensões, ao menos no nível teórico. Mas a realidade literal - amplamente conhecida pelo general - demonstrará que essas contradições são insolúveis.

A nomeação do general Ray Odierno como adjunto de Petraeus e responsável pelas operações no terreno mostra que os impass poderiam ser “resolvidos” por um retorno ao uso cego da força. Odierno comandou a 4ª Divisão de Infantaria no Iraque entre março de 2003 e abril de 2004. O jornalista do “Washington Post” Thom Ricks evocou: “Nós utilizamos os Paladins (um sistema de canhão de 155 milímetros) durante todo o tempo em que estivémos no local. À noite, procedemos a bombardeios que eu chamo de ‘pró-ativos’”. Conclusão: "A artilharia desempenha um papel significativo nas operações de contra-insurreição [3]”. Mas esses bombardeios à distância resultam em perdas civis pouco compatíveis com a idéia de conquistar os corações e as mentes…

Dentre os 34 textos citados como “clássicos” ou “temas especiais” na bibliografia do manual, figura um livro escrito em 1890. Esse trata das operações da Grã-Bretanha no Afeganistão e África do Sul, realizadas na época. Nove títulos se referem ao Vietnã, três à Argélia e dois à experiência britânica na Malásia. Outros remetem à era colonial britânica ou às operações francesas em outras regiões do globo. Contudo, um dos aspectos importantes da doutrina do COIN e de toda a visão norte-americana é que as atuais operações são realizadas no exterior; além disso, elas se beneficiam do apoio efetivo e legitimidade do governo da “nação anfitriã”, que solicitou a intervenção dos norte-americanos.

Legitimidade aparente? Quem legitima o quê?

No Iraque, como há 35 anos, no Vietnã , o governo da “nação anfitriã” apoiado por Washington não goza de uma forte legitimidade política. É contestado por uma ampla fração da população - a intervenção norte-americana no terreno solapa essa autoridade. O governo da nação-anfitriã é enfraquecido, provocando um dilema de legitimidade quase insolúvel.

No capítulo I, intitulado “A legitimidade é o principal objetivo”, os autores do manual concluiram: “A obtenção de resultados duradouros com a estratégia COIN depende da aceitação da autoridade do governo pela sua população”. E acrescentaram: “A vitória só é possível se a população der o seu consentimento ao governo (…)”. Enquanto a campanha COIN não for vencida, o governo, provavelmente, será privado de um elemento determinante para sua legitimidade democrática: o consentimento dos governados.

Segundo o manual, a entrega da governança efetiva a um governo legítimo é o primeiro objetivo da operação de contra-insurreição. E esse propósito pode ser alcaçado por meio do uso equilibrado de meios militares e não militares. Não cabe aos comandantes norte-americanos avaliar se a legitimidade - com todas as interpretações possíveis - do governo do país: “Os comandantes e os seus estados-maiores devem se perguntar permanentemente o que significa a legitimidade para a população da nação anfitriã. O ponto mais importante é a atitude da população. Em definitivo, é ela quem determina o derradeiro vencedor”.

É, ainda, sugerido que um dos elementos determinantes da legitimidade de um governo provém da sua capacidade de garantir a segurança da população civil. “O Estado de direito é uma condição essencial para a aceitação da autoridade de um governo, e, por conseguinte, da sua legitimidade. O respeito das regras preexistentes pode ser a chave para alcançar ampla legitimidade e apoio duradouro da sociedade civil”. Desse ponto de vista, as autoridades iraquianas sofrem um grave déficit de legitimidade. Isso é conseqüencia direta dos vínculos estreitos com o exército e a administração norte-americana e de suas próprias falhas - infrações flagrantes ao Estado de direito, maus-tratos infligidos (Abu Ghraib e no centro de detenção de Guantánamo).

Uma longa série de liberdades violadas

A própria doutrina COIN representa uma infração a inúmeras normas do Estado de direito: presunção de inocência, respeito de certas disposições legais e necessidade de um controle do militar pelo civil. O manual apresenta uma visão muito complicada do emprego da força letal. Em vários momentos do texto, reconhece explicitamente que a verdadeira batalha é travada nas mentes da população “anfitriã”, e que o emprego indiscriminado da força apresenta o risco de ser contraproducente. Nos capítulos 7 e 8, admite que o recurso à força é limitado pelo direito da guerra. O episódio da Argélia exemplifica o tema sobre o uso da tortura. Conclui-se que “o não-respeito das limitações morais e legais da tortura enfraqueceu consideravelmente os franceses e contribuiu para a sua derrota, apesar de várias vitórias militares determinantes”.

No entanto, o documento acaba adotando uma atitude fundamentalmente permissiva: “o êxito da contra-insurreição pode implicar na eliminação dos extremistas cujas crenças não lhes permitem reconciliar-se com o governo” (capítulo 1, parágrafo 4). Alguns parágrafos adiante, é explicitado que as forças americanas envolvidas em operações num terreno estrangeiro deveriam considerar a eliminação de insurretos como “necessária, principalmente no que diz respeito aos extremistas” (os autores acrescentam: isso por si só não seria suficiente para vencer a insurreição).

Em relação ao Iraque, uma apresentação em Power Point foi divulgada pela Casa Branca no dia em que o presidente Bush revelou a sua nova política para o Iraque. Subentendeu-se que a real mudança consistia em passar de uma situação onde as “regras de envolvimento restritivas” limitavam as operações das forças americanas no terreno, a uma situação na qual “os dirigentes iraquianos (são) obrigados a observar regras de envolvimento permissivas”.

No que diz respeito ao princípio do controle do poder civil sobre o militar, a abordagem defendida no manual constitui uma violação. Sob a rubrica “Unidade do esforço”, no parágrafo 1-121, é dito: “Em condições ideais, um único centro de direção da contra-insurreição deve ter a autoridade sobre as agências governamentais envolvidas nas operações. Por via de regra geral, entretanto, os comandantes militares devem se empenhar em unir os seus esforços, criando laços com dirigentes de numerosas agências não militares…”. Esse parágrafo mostra que o general Petraeus preferia que o comandante norte-americano no terreno fosse o único e absoluto responsável por todos os aspectos das operações. O embaixador local e o governo da “nação anfitriã” deveriam seguir sob as suas ordens.

Quando fracassam "os melhores e mais inteligentes"

Na sua tese de doutorado, David Petraeus aprova as ressalvas que haviam sido apresentadas pelos comandantes veteranos do Vietnã em relação ao escalão político da época: “Enquanto o exército ainda aceita totalmente a disposição da Constituição relativa ao controle das forças armadas pelo poder civil, a guerra do Vietnã deixou persistirem dúvidas em relação às capacidades e às motivações dos responsáveis políticos e daqueles que eles nomeiam para postos chaves. A experiência vietnamita lembra dolorosamente que, durante os conflitos, é o exército que assume em geral o fardo mais pesado, e não aqueles que ocupam passageiramente as mais altas funções”. Ele deplora, também, que durante essa guerra, a opinião pública norte-americana não tivesse tido paciência e vontade para apoiar o exército até a vitória final.

Vinte anos mais tarde, em janeiro de 2007, o general se apresentou perante o Comitê dos serviços armados do Senado para defender a política de aumento do número de soldados diante dos senadores, cada vez mais céticos. Nessa ocasião, o falcão “democrata independente” Joe Lieberman o interrogou sobre um ponto preciso: será que as dúvidas apresentadas abertamente por membros do Congresso a respeito dos objetivos da guerra e da vitória final não iriam prejudicar a campanha conduzida pelo exército americano no Iraque? No ínicio, Petraeus concordou com o ponto de vista de Joe Lieberman. Sem demora, foi alvo das críticas do republicano John Warner, experiente senador do Estado da Virgínia. Esse o intimou a não dizer nada que delata-se sua pretensão de limitar o direito de controle do Senado.

O historiador David Halberstam escreveu, em 1972, um livro pungente, “The Best and the Brightest”. Explica que foram “os melhores e os mais inteligentes” membros da elite política norte-americana que conceberam a política desastrosa conduzida no Vietnã. Será o general David Petraeus “o melhor e o mais inteligente” do corpo de oficiais do exército norte-americano que conduzirá à derrota no Iraque?

Tradução: Jean-Yves jeanyves@uol.com.br

[1] [Leia também->http://www.usip.org/isg/iraq_study_group_report/report/1206/index.html

[2] O exército americano teve pressa em divulgar o [texto integral->http://usacac.army.mil/CAC/Repository/Materials/COIN-FM3-24.pdf

[3] Fiasco: The American Military Adventure in Iraq, Peguin, New York, 2006.

Instituto Humanitas Unisinos - 06/07/07

China pressiona Bird a mudar estudo. 750 mil chineses morrem por ano por causa de poluição

Todo governo às vezes gostaria de varrer algumas informações embaraçosas para debaixo do tapete. Felizmente, isso é difícil de fazer quando organizações internacionais como o Banco Mundial estão envolvidas. Exceto, ao que parece, se o governo em questão é o da China. Segundo um relatório publicado na edição de terça-feira do jornal britânico Financial Times, o governo chinês pressionou o Banco Mundial (Bird) para retirar estatísticas potencialmente prejudiciais de um relatório sobre poluição no país. A reportagem é da revista alemã Der Spiegel e traduzida pelo jornal O Estado de S. Paulo, 6-07-2007.

Entre os cortes supostamente feitos estaria a revelação de que cerca de 750 mil pessoas estão morrendo prematuramente todos os anos em razão dos altos níveis de poluição do ar e da qualidade ruim da água. Outra supressão teria sido a de um mapa particularmente condenatório da China, mostrando quais partes do país sofreram mais mortes relacionadas à poluição.

Autoridades chinesas pediram ao Bird que suprimisse a informação quando um esboço foi concluído em 2006, segundo o jornal. “O Banco Mundial foi informado de que não poderia publicar essa informação. Ela era muito sensível e poderia causar agitações sociais”, disse ao jornal um dos participantes do estudo. Consultores disseram que o Banco Mundial concordou “com relutância” em suprimir a informação.

O relatório “The Cost of Pollution in China” (O custo da poluição na China) ainda não foi oficialmente publicado, mas uma versão apresentada numa conferência em Pequim, em março, está disponível na internet.

O Bird reagiu à reportagem dizendo que o texto ainda não fora concluído. “Esse é um projeto de pesquisa feito em conjunto com o governo e as descobertas sobre os custos econômicos da poluição ainda estão sendo avaliadas”, disse o escritório do banco em Pequim em nota. “O relatório final, que deve sair em breve, será uma série de trabalhos resultantes de toda a pesquisa sobre a questão.”

Na sua edição de quarta-feira, o Financial Times fez uma crítica contundente ao governo chinês. “Mesmo numa China que é mais capitalista do que nunca, a resposta oficial instintiva a uma má notícia é suprimi-la com toda a força disponível do Estado nominalmente comunista. (...) Pequim precisa aceitar que em 2007 esse tipo de reação é tão fútil e perigosa quanto era em 2003, quando as autoridades fizeram segredo da disseminação do vírus mortal da Sars.”

O porta-voz do Ministério de Assuntos Exteriores, Qin Gang, desmentiu ontem a suposta ocultação de dados ao Bird. “O relatório mencionado ainda não foi concluído”, afirmou.

Instituto Humanitas Unisinos - 06/07/07

Aracruz quer instalar terminal portuário na Lagoa dos Patos

Para facilitar o escoamento da produção da nova fábrica que será instalada no Estado, a Aracruz estuda a implantação de um terminal portuário em São José do Norte. O presidente da empresa, Carlos Aguiar, salienta que a questão ainda está sendo avaliada, mas a estimativa é de que seja necessário investimento de cerca de US$ 80 milhões. A notícia é do Jornal do Comércio, 6-07-2007.

A Aracruz também realizará uma parceria com a Votorantim Celulose e Papel (VCP) para instalar um terminal de produtos florestais no município do Rio Grande. Como Rio Grande já conta com infra-estrutura portuária desenvolvida, o investimento para o projeto é menor e estimado pela Superintendência do Porto do Rio Grande (Suprg) em US$ 36,84 milhões. A iniciativa deve ter também a participação da Stora Enso.

A idéia da Aracruz é de que o complexo de São José do Norte receba a produção da empresa transportada por barcaças pela hidrovia e Rio Grande concentre o material deslocado por caminhões. A companhia estuda ainda a realização de outros projetos de terminais hidroviários em Rio Pardo, Cachoeira do Sul e Guaíba. As estruturas de Rio Pardo e de Cachoeira do Sul seriam utilizadas para o transporte de madeira para a fábrica da Aracruz localizada em Guaíba. O terminal a ser instalado em Guaíba seria usado para receber a madeira e escoar a celulose para Rio Grande.

Até novembro, a Aracruz deve decidir sobre os empreendimentos. A empresa avalia quais são as melhores opções, mas o que está determinado é que a hidrovia terá um papel importante para a logística da Aracruz. Hoje, toda a madeira da Aracruz é transportada por rodovias e a celulose, por barcaças. No futuro, a perspectiva é de que 50% do volume de madeira sejam movimentados por hidrovia.

A produção da Aracruz em Guaíba é de cerca de 450 mil toneladas de celulose ao ano e saltará para 1,75 milhão de toneladas com a nova unidade que será implementada no município. Se não houver problemas com o licenciamento ambiental e com os estudos de logística, a expectativa é de que, no início de 2010, a nova planta comece a operar. O investimento é de US$ 1,5 bilhão.

Quanto ao Zoneamento Ambiental da Silvicultura, que indicará as possíveis áreas para o plantio de florestas no Estado, Aguiar acredita que o processo esteja seguindo uma direção racional. "A sustentabilidade tem que levar em conta o meio ambiente e o homem, que para se desenvolver precisa da economia", afirma o empresário, que participou, nesta quinta-feira, do IV Agrimark Brasil, realizado no Hotel Plaza São Rafael, em Porto Alegre. Aguiar diz que o processo de licenciamento ambiental tem andado em um ritmo normal.

quarta-feira, julho 04, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 04/07/07

O planeta, sem férias
O turismo, que aumenta significativamente nas férias, é responsável pelo aumento da poluição e do esbanjamento dos recursos naturais, diz reportagem de David Fernández para o El País, 03-07-2007. Por conta disso, o turismo pode “converter o ócio das férias em verdugo e vítima do meio ambiente: verdugo por sua contribuição ao aquecimento do planeta e vítima porque sofrerá os efeitos da mudança climática”, diz. A tradução é do Cepat.
Estamos de acordo que a matemática não é para o verão. No entanto, às vezes convém desempoeirar a calculadora para dar-se conta de certos perigos, como o impacto das férias sobre o meio ambiente. Só um exemplo: a DGT prevê que em julho e agosto se produzirão na Espanha 90 milhões de deslocamentos por estradas. Numa clássica viagem de carro entre Madri e Valência se libera em média 0,106 tonelada de CO2, segundo o sistema de medição da empresa NativeEnergy. Se se multiplica esta cifra pelos deslocamentos previstos, os veículos emitirão no mínimo 9,54 milhões de toneladas de CO2 neste verão.
A cifra é relevante, assim como o peso da indústria turística na economia, já que emprega 20 milhões de pessoas na União Européia e representa 10% do PIB comunitário. E é exatamente seu forte crescimento – para 2020 a Organização Mundial do Turismo espera 1,6 bilhão de turistas em todo o mundo frente aos atuais 870 milhões – o que pode converter o ócio das férias em verdugo e vítima do meio ambiente: verdugo por sua contribuição ao aquecimento do planeta e vítima porque sofrerá os efeitos da mudança climática.
“O turismo é um depredador de energia, já que a cultura do descanso e as férias se identificam com viajar”, adverte Yayo Herrero, da Ecologistas em Ação. O transporte turístico supõe 8% das emissões de CO2 da União Européia. 50% desta quantidade corresponde ao transporte aéreo (A AENA [Aeroportos Espanhóis e Navegação Aérea, correlata da ANAC brasileira] prevê para este verão 399.832 vôos na Espanha) e 41% às estradas. O Tourism Sustainability Group, um grupo de trabalho criado pela Comissão Européia em 2004 para promover o turismo sustentável, exige que os políticos e as empresas “trabalhem juntos para fomentar o uso de formas de transporte menos danosas para o meio ambiente, como o trem, os ônibus ou as bicicletas”. Para alentar estas alternativas se devem “aplicar impostos ambientais, dar mais informação, investir em infra-estrutura e serviços e melhorar as conexões”.
À parte a contaminação, outra ameaça do turismo é o esbanjamento de recursos escassos. O caso Benidorm é um exemplo. Durante as férias chega a quadruplicar sua população e na praia há momentos em que é impossível abrir um guarda-sol a mais, com picos de 25 mil pessoas. Tal quantidade de turistas levou o Município a adotar uma medida impopular: “Tivemos que retirar as duchas da praia porque está comprovado que todo o mundo voltava a se banhar nos seus hotéis ou apartamentos”, explica Josefa María Pérez, responsável por praias e meio ambiente de Benidorm.
Um turista num hotel, segundo a Agência Européia de Meio Ambiente, gasta um terço a mais de água que o habitante dessa cidade. “É preciso conscientizar as pessoas de que não podemos baixar a guarda. Não é lógico que se o consumo médio de água de um habitante que é de 200 litros/dia possa chegar em alguns casos até os três mil litros/dia”, enfatiza Julio Barea, do Greenpeace. Outro problema, como lembra o Tourism Sustainability Group, “é que determinadas formas de turismo em crescimento são particularmente demandadoras de água, como os campos de golfe e a produção artificial de neve nas estações de esqui”.
A costa está toda ela asfaltada e calçada. E vai continuar assim. No último ano, os municípios do litoral espanhol projetaram quase três milhões de novas moradias, 200 mil praças hoteleiras, 316 campos de golfe e 112 praças esportivas, segundo dados do Greenpeace. Esta organização acredita que a Espanha deve reformular seu modelo turístico para evitar não só que paragens singulares sejam engolidos pelas calçadas, mas também para que se adie a desaceleração das entradas dos visitantes que se viu em 2006. “As pessoas querem cada vez mais espaços naturais e menos massificação urbanística. Se continuarmos com o mesmo modelo, a migração de turistas para outros destinos, como o Adriático ou o norte da África, continuará”, vaticina Barea.

Instituto Humanitas Unisinos - 04/07/07

Nestlé é processada por 'maquiar' 44 produtos

O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, abriu processo administrativo contra a Nestlé por 'maquiagem' de produtos. Segundo o DPDC, a empresa reduziu a quantidade de 44 produtos (biscoitos, cereais, alimento infantil, chocolates em barra, sorvetes e rações) sem avisar previamente os consumidores. A Nestlé foi notificada na semana passada pelo DPDC, que deu 10 dias de prazo para que ela apresente explicações. Se for considerada culpada, a empresa pode ser multada em até 3.000 Ufirs (pouco mais de R$ 3 mil) por produto 'maquiado'. A notícia é do jornal O Estado de S. Paulo, 4-07-2007.

terça-feira, julho 03, 2007

Instituto Humanitas Unisinos - 03/07/07

Índios da Amazônia recorrem contra a venda de seu DNA. Reportagem é desmentida
A reportagem de Larry Rohter, publicada no jornal New York Times e traduzida pelo jornal Folha de S. Paulo, 21-06-2007 é contestada por Anna Cruz de Araújo Pereira da Silva. advogada. que leu o texto nas Notícias do Dia e nos enviou a mensagem apontando os erros de cada parágrafo da notícia.
Agradecendo o envio dos esclarecimentos, publicamos na íntegra a mensagem.
"Apontarei os erros de cada parágrafo da notícia do Sr. Larry Rohter, "Índios da Amazônia recorrem contra a venda de seu DNA", reproduzida em seu portal no dia 21 de junho, para tornar mais fácil a leitura:
1) "Em 1996, uma nova equipe os visitou, prometendo remédios caso eles doassem mais sangue...". Em primeiro lugar, não se trata de uma "nova" equipe, mas de uma *completamente diversa* equipe. Enquanto que o grupo liderado pelo Dr. Black tinha o propósito de coletar material para pesquisa, a equipe de 1996 tinha como objetivo produzir um documentário ("Into the Unknown: the Giant Sloth", Canal Discovery, 1997) entre os Karitiana. Assim, frise-se, não houve coleta de material para pesquisa em 1996.Hilton Pereira da Silva acompanhava, na condição de antropólogo, os cinegrafistas britânicos que filmavam o documentário. Entretanto, sendo ele também médico, viu-se diante de uma situação de emergência, em função do precário estado de saúde dos índios Karitiana, e prestou-lhes atendimento por solicitação destes.
Não houve em 1996 uma relação transacional entre sangue e oferta de medicamentos; houve a solicitação de atendimento médico, o que foi feito, voluntária e gratuitamente, em circunstâncias emergenciais;
2) " Quando a equipe entrou na reserva, porém, um médico brasileiro, Hilton Pereira da Silva, e sua mulher começaram a conduzir pesquisas médicas sem autorização...".
Por solicitação dos Karitiana, após as filmagens do documentário, Dr. Hilton prestou atendimento médico emergencial, o que é totalmente diferente de "pesquisa médica", conforme insinuado na reportagem. O sangue coletado pelo médico destinou-se exclusivamente à tentativa de estabelecer um diagnóstico mais específico de doenças como, por exemplo, anemias, hepatites, doenças do colágeno, doenças sexualmente transmissíveis, HIV, doenças de origem genética , sendo este procedimento propedêutico corriqueiro na prática clínica (prática inclusive familiar aos próprios Karitiana para investigação de malária, que é endêmica na região), e este material nunca saiu do Brasil: esteve de 1996 a 1998 (quando foi requisitado e entregue às autoridades de Rondônia) depositado na Universidade Federal do Pará.
Ademais, a pessoa referida como esposa do Dr. Hilton não é profissional de saúde, nem tampouco é sua esposa. Ela participou do documentário e desenvolveu apenas atividades lúdicas com as crianças.
Finalmente, sobre a necessidade de autorização da FUNAI, crê-se que era desnecessária naquele momento, pois: a) configurava-se uma emergência médica, e o atendimento do médico era mandatório frente o imperativo legal do art. 135 do Código Penal e as recomendações éticas dos arts. 57, 58 do Código de Ética Médica; b) não sendo mais os índios "tutelados", admite-se que sua solicitação por atendimento é de todo válida e suficiente; c) o Chefe do Posto da FUNAI foi consultado e concordou com o pedido dos Karitiana.
3) "Se alguém adoecer, enviaremos remédios, muitos remédios". Em 1996, não houve promessa de futuros envios de remédios, nem poderia haver, pois esta é uma atribuição do Poder Público além de configurar uma tarefa inviável para um médico sozinho, enquanto pessoa física.
4) "Eles tiraram sangue de quase todo mundo, incluindo as crianças. Mas, assim que conseguiram o que queriam, não nos mandaram remédio algum" . Em 1996, coletou-se sangue apenas das pessoas que mais necessitavam para complementação de diagnóstico. Seria uma impossibilidade "tirar sangue de todo mundo", pois Dr. Hilton não estava preparado para atender toda uma etnia, dispondo somente de um kit de emergências para si e para seu grupo, equipamento que carrega consigo sempre que viaja a campo.
5) "Em comunicado, Pereira da Silva diz que explicou os propósitos de sua pesquisa "em linguagem acessível" e que prometeu que "quaisquer possíveis benefícios que resultem do trabalho com o material recolhido reverterão integralmente às pessoas que o doaram"".
Dr. Hilton jamais esteve em contato com os senhores Larry Rohter ou com o responsável pela tradução da notícia para o português, até porque não foi procurado por nenhum dos dois.
Dr. Hilton também não emitiu qualquer comunicado nos termos apresentados. Em carta aos Karitiana datada de 20 de fevereiro de 1997, o médico afirma que "da parte dos pesquisadores da Universidade Federal do Pará, que correntemente detêm as amostras de sangue Karitiana que eu coletei, está sendo desenvolvido um documento que garantirá que qualquer benefício econômico ou outro advindo por ventura da pesquisa com material biológico, de qualquer origem, seja repassado na sua totalidade para a comunidade ou grupo de onde o material foi coletado. Desta forma, não haverá qualquer perigo que material biológico coletado para fins de pesquisa seja destinado a objetivos comerciais agora ou no futuro".
O documento mencionado estava sendo elaborado pelos pesquisadores daquela Universidade, para todas as amostras das quais dispunham – não especificamente às Karitiana -, tratando-se de documento institucional e não de sua autoria.
Muito obrigada pela oportunidade de repor a verdade.
Outros esclarecimentos e as repercussões jurídicas do caso podem ser encontrados em http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/18451 .
Cordialmente,
Anna Cruz de Araújo Pereira da Silva
Advogada
OAB/Pa 12.530

Instituto Humanitas Unisinos - 03/07/07

Juro alto é determinante na valorização do real, diz Iedi
Ao contrário do que diz a equipe econômica do governo, o Brasil vive hoje um boom de ingresso de capitais atraídos pelos juros altos que têm tido papel determinante no processo de valorização do real. O governo argumenta que o saldo comercial tem sido o principal responsável pelo dólar baixo. A informação é de Guilherme Barros e publicada no jornal Folha de S. Paulo, 3-07-2007.
A conclusão é do Iedi, com base nos dados das contas externas brasileiras de janeiro a abril divulgados recentemente pelo Banco Central. Segundo o Iedi, o resultado do balanço de pagamentos nesses primeiros meses do ano não deixa dúvidas de que, apesar da relevância do superávit comercial, o ingresso de fluxos de capitais teve um papel preponderante na oferta de moeda estrangeira no mercado de câmbio.
De acordo com o Iedi, o ingresso líquido de capitais na conta financeira atingiu, entre janeiro e abril, US$ 30,8 bilhões, quase nove vezes superior aos US$ 3,5 bilhões do saldo em conta corrente no mesmo período. O saldo em conta corrente contabiliza o que entrou para o mundo real da economia, o que não foi destinado ao mercado financeiro.
O economista Edgard Pereira, do Iedi, atribui esse volume recorde de ingresso de capital externo no mercado financeiro neste ano, em primeiro lugar, ao fato de o Banco Central ter, em janeiro, reduzido o ritmo de corte de juro da Selic de 0,5 para 0,25 ponto percentual.
"O mercado logo concluiu que o juro iria continuar alto e o câmbio iria se valorizar ainda mais e isso fez com que se intensificasse o ritmo de envio de dinheiro de fora para aplicações financeiras", afirmou o economista do Iedi.
Outro motivo desse boom de fluxo de capitais é a expectativa de o país ser promovido a grau de investimento pelas agências internacionais de "rating". O Brasil está somente uma nota abaixo da classificação.
Segundo o Iedi, os investidores estão aumentando a remessa de recursos para aplicação seja em ações ou em renda fixa porque sabem que os juros internos vão cair significativamente depois de o Brasil obter o grau de investimento.

Instituto Humanitas Unisinos - 03/07/07

Chávez e Ahmadinejad lançam parceria em usinas de US$ 1,4 bi
O presidente venezuelano, Hugo Chávez, deixou ontem o Irã depois de assinar um pacote de 17 acordos de cooperação com o país e lançar, ao lado do aliado Mahmoud Ahmadinejad, a pedra fundamental de uma usina binacional de metanol -investimento de US$ 700 milhões. A notícia é do jornal Folha de S. Paulo, 3-07-2007.
O Irã terá 51% da unidade, na cidade de Assaluyeh (sul); o restante ficará com a Venezuela. Segundo os governos, a planta produzirá 1 milhão de toneladas de metanol/ano. Uma segunda usina, de US$ 700 milhões, será construída no país de Chávez.
Os presidentes falaram ontem da importância da parceria para o desenvolvimento de "nações livres num mundo multipolar". "Washington vai ficar com muita raiva quando nos vir de mãos dadas", disse Chávez.
O venezuelano tem sido um aliado de Ahmadinejad desde sua eleição, em 2005. Além da retórica anti-EUA e dos interesses comuns por conta das grandes reservas de petróleo (o Irã é o segundo exportador do mundo; a Venezuela, o quarto), Chávez defende enfaticamente o programa nuclear de Teerã, questionado pela ONU, Europa e EUA.
O venezuelano acusou o "imperialismo" dos EUA de apresentar os iranianos como "uns bárbaros que buscam a bomba atômica". "Bárbaros são os que ocuparam e destroçaram o Iraque [...], são os que atacam o povo palestino", disse.
Venezuela e Irã já desenvolvem projetos juntos. Um deles, de cooperação em infra-estrutura, está sob investigação pelo Ministério Público venezuelano por causa de acusações de desvio de dinheiro. Antes do Irã, Chávez passou pela Rússia.

Instituto Humanitas Unisinos - 03/07/07

O Senado sangra. Quase metade dele é alvo de algum tipo de processo na justiça
"Desconforta assistir ao espetáculo protagonizado pelo presidente do Senado, mas, de certa forma, sua arrogante ousadia não deixa de ter lá suas vantagens. Propicia à platéia uma visualização mais nítida do cenário político, lança luz sobre condutas, revela práticas, exibe vícios, nos confronta com a realidade." O comentário é de Dora Kramer, jornalista, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 3-07-2007.
Segundo ela, "o Senado sangra e, pelo que tem sido mostrado neste último mês, é bom que sangre. Em função da abertura das veias desmontou-se a mistificação em torno dessa associação de amigáveis cavalheiros tidos como nobres se comparados ao populacho da Câmara, o vilão do Parlamento de onde, acreditava-se, se originavam todas as deformações".
E continua:
"Quase metade deles é alvo de algum tipo de processo na Justiça; a quase totalidade deles abre mão da própria capacidade de discernir entre o certo e o errado em nome do espírito de corpo, como demonstrou a fila da solidariedade ao senador Renan Calheiros aos primeiros acordes do escândalo ainda em cartaz.
Todos eles aceitam como legítima na condução de sessões de votações importantes a presença de um presidente que lhes falta com a verdade na apresentação de documentos de defesa, que lhes desrespeita a autonomia parlamentar ao manipular os trabalhos do Conselho de Ética, que lhes afronta as reputações com ameaças de dossiês e retaliações.
A impertinência do presidente do Senado também serviu para revelar como a lógica da farsa é bem aceita pela Casa, cuja reação só se manifesta aos poucos e a poder de muita pressão da opinião pública. Não fosse ela, o caso estaria morto e enterrado desde a composição do epitáfio do senador Cafeteira.
O atrevimento do presidente do Senado mostrou-se útil para revelar a dubiedade de partidos valentes quando em jogo estão seus destinos eleitorais, mas covardes quando se trata de preservar posições e conveniências internas.
O Democratas levou três semanas para se aperceber da necessidade de respaldar a posição do senador Demóstenes Torres e o PSDB levou quatro para condenar as manobras protelatórias. Mas, ainda assim, nada fez a não ser repetir a exigência tonitruante e vazia de investigação “séria e transparente”.
E conclui:
"A petulância do presidente do Senado estendeu a agonia e, com isso, permitiu também que o partido com pretensões e chances de voltar ao poder mostrasse o quanto está em dissonância com as ruas, pois a opinião pública já condenou, a crise já se aprofundou e a instituição parlamentar já se deixou carregar".

Instituto Humanitas Unisinos - 03/07/07

Realizada a maior libertação de trabalhadores em condições análogas à escravidão no país
1.106 trabalhadores da cana no Pará foram resgatados pelo grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho em condições análogas ao trabalho escravo. Na fazenda, localizada no município de Ulianópolis, os trabalhadores dormiam em alojamentos superlotados com esgoto a céu aberto, recebiam comida estragada e água sem condições de consumo, além de salários que chegavam a R$ 10,00 por mês. A reportagem é de Iberê Thenório e Leonardo Sakamoto para a agência de notícias Repórter Brasil, 02-07-2007.
O grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) flagrou, no último sábado (30), 1106 trabalhadores que se encontravam em condições análogas à escravidão. Eles faziam a colheita e plantio da cana para a fazenda Pagrisa (Pará Pastoril e Agrícola S.A.), no município de Ulianópolis (PA), localizado a 390 km de Belém. A ação contou com a participação do Ministério Público do Trabalho, representado pelo procurador Luis Antônio Fernandes, e da Polícia Federal.
De acordo com o auditor fiscal do trabalho e coordenador da ação, Humberto Célio Pereira, havia trabalhadores que recebiam apenas R$ 10,00 por mês, já que os descontos ilegais realizados pela empresa consumiam quase tudo o que havia para receber de salário. O auditor informa ainda que a comida fornecida aos trabalhadores estava estragada e havia várias pessoas sofrendo de náuseas e diarréia.
A água para beber, segundo relato dos empregados na fazenda, era a mesma utilizada na irrigação da cana e, de tão suja, parecia caldo de feijão. O alojamento, de acordo com Humberto, estava superlotado e o esgoto corria a céu aberto. Vindos em sua maioria do Maranhão e do Piauí, não havia transporte à disposição dos trabalhadores para levá-los da fazenda ao centro de Ulianópolis, distante 40 quilômetros.
Os auditores ainda se encontram na propriedade para realizar o pagamento da rescisão contratual, que deverá ser feito nesta terça-feira, dia 03.O diretor da Pagrisa, Fernão Villela Zancaner, informa que ainda aguarda uma notificação oficial do MTE sobre as irregularidades trabalhistas para poder se pronunciar. "Cem por cento dos nossos funcionários têm carteira assinada. Sempre sofremos fiscalizações e nunca tivemos problemas. Estamos surpresos com essa fiscalização que não é corretiva, mas punitiva", afirma. O grupo produz cerca de 50 milhões de litros de álcool a cada ano em Ulianópolis. E mantém no mesmo local uma usina de açúcar com produção de 200 quilos por dia. O principal comprador de etanol da empresa é a Petrobras.
Se os números se confirmarem, esta será a maior libertação de trabalhadores realizada no país. Desde que os grupos móveis de fiscalização foram criados, em 1995, a maior libertação havia acontecido na Destilaria Gameleira, em junho de 2005, quando 1003 pessoas foram libertadas. Apesar da cana figurar entre as maiores libertações, esta não é a atividade que mais usa trabalhadores escravos no país - posto esse que pertence à criação de gado bovino.
O Pará é recordista no número de trabalhadores libertados da escravidão - foram mais de 8,7 mil desde 1995. Essa é uma das primeiras ações envolvendo a cana-de-açúcar no estado. A pecuária bovina, a produção de carvão para siderurgia, a extração de madeira e o cultivo de pimenta-do-reino são atividades nas quais a incidência de trabalho escravo no Pará tem sido mais freqüente.

Instituto Humanitas Unisinos - 02/07/07

Pobreza no mundo diminui de modo desigual
A pobreza diminui no mundo, mas as desigualdades aumentam, em razão da má repartição do crescimento econômico nos países em desenvolvimento. Essa situação é mais marcante na América Latina e na África Subsaariana. A constatação é da ONU, num balanço sobre os objetivos do milênio para o desenvolvimento. A reportagem é do jornal Valor, 02-07-2007.
O relatório que será apresentado hoje no Conselho Econômico e Social da ONU, em Genebra, confirma que a proporção de pessoas vivendo com menos de US$ 1 por dia caiu de um terço da população para 19% (1,25 bilhão para 980 milhões) entre 1990 e 2004. Se essa tendência continua, a meta será alcançada.
Mas o resultado é repartido de maneira desigual. Na Ásia, a pobreza diminuiu na China e na Índia, mas aumentou no Paquistão e em outros países da parte ocidental. A má repartição do crescimento ocorre dentro e entre os países.
A extrema pobreza também subiu nas ex-repúblicas soviéticas e nos ex-comunistas do Leste Europeu, mas começa a baixar para os níveis de 1980. A parcela da população atingida pela fome diminui, principalmente na China. A América Latina também apresentou boa melhora.
Vários objetivos correm o risco de não serem alcançados. Metade da população dos países em desenvolvimento continua sem sistemas sanitários de base. O combate a tuberculose é lento. Mais de 1 milhão de mulheres morrem anualmente por complicações no parto.
A ONU prevê também conseqüências sociais e econômicas graves com o aquecimento do clima, que entravam o alcance dos objetivos de desenvolvimento.Por outro lado, uma iniciativa da ONU, a "Global Compact", atrai companhias a assumirem responsabilidade social e ambiental em suas estratégias, e combater a corrupção. Cerca de 4 mil empresas participam da iniciativa.
O Brasil tem o quinto maior numero de participantes, com 188 companhias, mais que os EUA. Os americanos são céticos sobre a iniciativa. Outra iniciativa tenta atrair o setor financeiro. As constatações são de que os chamados "fundos éticos" em geral geram retorno baixo.

Instituto Humanitas Unisinos - 01/07/07

Na Amazônia, sai a floresta, entra a soja
Reportagem do jornal O Globo, 01-07-2007, revela a expansão da soja no oeste do Pará.
Para os moradores de Belterra, o cemitério de Tracuá representa, acima de tudo, a morte da floresta. Abandonado, cercado de plantação de soja por todos os lados, é um retratto da expansão da fronteira agrícola de grãos na Amazônia, principal fator de desmatamento e do surgimento de comunidades fantasmas no oeste do Pará, ao longo da BR163 (Cuiabá-Santarém).
A zona rural de Belterra e Santarém apresenta um cenário praticamente único: com floresta ao fundo, enormes plantações de soja e arroz a perder de vista. Entre elas, casas abandonadas e árvores frutíferas de quintal, como mangueiras e jambeiros.
Seus antigos habitantes são pequenos agricultores que hoje, estão em geral, nas periferias urbanas de Santarém ou se mudam para áreas mais distantes da floresta, provocando mais desmatamento.
O panorama é usado pelo Ministério Público Federal, por grupos ecológicos e sociais, como o Greenpeace e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), para apontar os sojeiros como maiores vilões desta parte da floresta.
Estes, por sua vez, alegam que a soja se ocupou principalmente de áreas já desmatadas e tem levado benefícios econômicos para a região.
- A chegada da soja trouxe grilagem e conflito de terra, que não existia em Santarém, diz o procurador-chefe do MPF em Belém, Felício Pontes.

Instituto Humanitas Unisinos - 01/07/07

Sem controle, agronegócio é a mais atrativa lavanderia
O agronegócio brasileiro camufla uma poderosa rede de lavagem de dinheiro. Cobiçada pelas quadrilhas devido à quase completa falta de controle, as lavanderias rurais deixam mais branco os recursos originados da corrupção em órgãos públicos, do tráfico de drogas e do contrabando. Segundo especialistas, os canais de escoamento são múltiplos: terras, bois, sêmen de animais, cavalos de raça, produção de grãos ou a organização de uma empresa com atividades diversificadas, que vão de um sofisticado haras a uma bucólica fazenda. A reportagem é de Vasconcelo Quadros para o Jornal do Brasil, 01-07-2007.
Não há dúvida de que as lavanderias rurais, no mínimo, acompanham o crescimento do agronegócio no país. - Talvez a proporção da lavagem seja maior. Um indício está no fato de que a criminalidade organizada de natureza econômica vem crescendo muito - diz o juiz Odilon de Oliveira, titular da 3ª Vara Federal de Mato Grosso do Sul, justamente a capital nacional do agronegócio, o mais importante segmento de produtos brasileiros nas exportações. Em apenas dois anos, o juiz já seqüestrou, em processos de enriquecimento ilícito na área rural, 365 mil hectares de terra, cujo valor extrapola a cifra de R$ 1 bilhão.
Envolvido no combate à lavagem por pressão internacional, o Brasil não tem uma cultura de controle sobre o setor. Falta entrosamento entre os órgãos de investigação, a lei de repressão favorece a malandragem e a ação das quadrilhas cresce sem controle. A atividade agropecuária é um colossal desafio às políticas de repressão e prevenção.
- O agronegócio é a atividade mais atrativa no momento pela simples razão de que não há sinergia entre os órgãos públicos encarregados de investigar, e o controle dos produtos é meramente formal - afirma o juiz aposentado Walter Fanganiello Maierovitch, especialista no tema e presidente do Instituto Giovanni Falconi. - As transações são efetivadas apenas nos cartórios de registro e, a rigor, cada um declara o que e como quer.
Em relação aos produtos agropecuários, as transações se dão entre a propriedade rural e as secretarias estaduais de fazenda. Preocupado com a sanidade das mercadorias e com a qualidade do que vai para o consumo, o Ministério da Agricultura é um mero receptor de dados regionais. Um dos magistrados que mais têm combatido a lavagem de dinheiro no país, o juiz federal Odilon de Oliveira diz que está mais do que na hora de o governo e os órgãos de repressão olharem para o agronegócio também como um nicho atrativo para a ilegalidade.
O juiz acrescenta que, se quiser, o criminoso pode até simular o arrendamento de terras para forjar produção de grãos ou carne. - É facílimo falsificar documentos sobre negócios na área rural - declara o magistrado, que já perdeu a conta de quantos produtos fictícios acabam virando dinheiro vivo e limpo nas mãos dos criminosos.
- A soja-papel, por exemplo, pode lavar dinheiro de diversas origens. O trabalho é só preencher a nota fiscal e o documento pertinente ao transporte, recolher os impostos e pronto: o dinheiro guardado debaixo da cama está limpo.
Oliveira lembra que a falta de controle sobre o que é lícito ou ilícito também gera falsas estatísticas sobre a realidade rural brasileira. Muitos dados apresentados como oficiais, segundo o juiz, podem esconder erros gritantes sobre o desempenho da economia rural na geração de emprego, no tamanho do rebanho, nos números que amparam os sucessivos recordes de produção de carne e grãos ou na renda do próprio setor.
- Quando a gente analisa os documentos sobre a extensão de terra de determinadas propriedades, descobre que há Estados de cinco ou seis andares - ironiza Maierovitch.

Instituto Humanitas Unisinos - 01/07/07

O outro assalto das ruas. A apropriação privada do espaço público. Entrevista com José Guilherme Cantor Magnani
“Vivem em lugares protegidos e querem impor, pela prepotência e pela força, uma lógica privada no espaço que é público”. A afirmação é de José Guilherme Cantor Magnani, professor do departamento de Ciências Sociais da USP, procurando explicar a agressão a doméstica Sirlei Dias de Carvalho.
Como antropólogo e há décadas estudando a dinâmica das cidades, evita generalizações ao máximo, mas insiste que a construção do urbano ainda é uma experiência fascinante de ser vivida e compartilhada. Autor de vários títulos, prepara-se para lançar pela editora Terceiro Nome o livro Jovens na Metrópole. Contém dez estudos etnográficos feitos entre rappers, skatistas, adeptos do hip-hop, pichadores e outras denominações juvenis.
A entrevista foi concedida a Laura Greenhalgh no jornal O Estado de S. Paulo, 01-07-3007.
Eis a entrevista.
Diante das manifestações de violência mais comentadas na semana, pergunto: a vida humana vem perdendo valor na metrópole?
Não sou especialista em violência. Mas, vendo uma mulher sozinha num ponto de ônibus, de madrugada, apanhar de cinco rapazes desconhecidos, ou ao ser informado da morte de um casal num farol de São Paulo, ou ainda me deparando com duas dezenas de mortes, fruto da ação policial num morro carioca, é muito tentador cair nas generalizações. No entanto, seria simplificar tratar questões tão diversas utilizando a mesma chave da violência. O que se pode fazer é uma reflexão em torno da “rua” como elemento que estrutura o espaço público.
Como assim?
Meus alunos e eu trabalhamos com a cidade na escala da metrópole. Ou seja, a metrópole é portadora de uma dinâmica tal que não pode ser explicada como totalidade. Nem em São Paulo, nem no Rio, nem em qualquer outra grande cidade brasileira, podemos olhar os jovens apenas como uma faixa etária, porque eles são diferentes, fazem escolhas diferentes, criam pontos de encontros particulares nos quais se reconhecem, compartilhando estilos e valores. Não estão confinados, ao contrário, percorrem a cidade em deslocamentos constantes e percursos próprios. Onde é que a rua entra nisso? Ela representa a possibilidade do encontro entre os diferentes. Nela, o indivíduo não tem informação sobre as origens e a história do “outro”, mas existe uma norma estabelecida para o reconhecimento mútuo.
Essa é a idéia de rua como espaço de negociação?
É isso. Muita gente só vive a experiência da rua física, a rua como espaço de rolagem, de passagem de pedestres e automóveis. Por outro lado, há quem faça do shopping center a sua rua. Na estação Conceição do metrô de São Paulo, meus alunos pesquisaram um fenômeno interessantíssimo: jovens descendentes de japoneses fazem street dance, dividindo espaço com jovens negros de periferia, que dançam break. Ali se encontram, se olham, se estranham e trocam experiências. Na Barra Funda, um bairro paulistano de classe média baixa, verificamos o jeito que as crianças dos cortiços inventaram para ir, em relativa segurança, rumo a um decaído centro desportivo da região, onde fazem atividades: elas vão em bando, com uma educadora, cantando alto e chamando a atenção das pessoas, porque perceberam que assim a travessia é mais segura. Elas negociaram com a metrópole.
Que tipo de experimentação da rua faz um grupo de rapazes de bom nível sócioeconômico, que costuma perseguir prostitutas?
Isso é o que eu chamo de apropriação privada do espaço público. Esses rapazes impõem pela força seus valores. São os donos da rua. Não querem compartilhar o espaço, que é público, com prostitutas ou mendigos. Demonstram um perfil complicado, de quem não admite o diferente, seja pela atividade que este exerça, pela raça, pela orientação sexual, assim por diante. Ferem uma característica essencial da rua como espaço de troca. Porque isso é viver em metrópole. Não se pode admitir que grupo algum impeça, ainda mais pela violência, as pessoas de utilizar o espaço público.
Esse tipo de comportamento reflete uma visão de classe?
Certamente. Mas o que estou ressaltando é a perspectiva individualista que nega ao outro o direito à cidade. Estes rapazes se valem de uma lógica particular, individualizada, que tem a ver com o meio em que foram criados. Só que a casa é um espaço privado, protegido por lei, enquanto a rua é de todos. Por isso trabalho muito com a noção de “pedaço”, algo intermediário entre a “casa” e a “rua”. Pedaço é a apropriação social do espaço. “Aqui é o meu pedaço”, você diz para justificar este sentir-se em casa sem excluir ninguém. Fizemos um trabalho de campo nas Grandes Galerias, ao lado do Teatro Municipal, no centro de São Paulo. Ali você encontra material para grafiteiro, skatista, profissionais que fazem trancinhas para visual black, há gente que vai só para comprar disco, enfim, cada nicho do edifício é um “pedaço” no qual os jovens provam essa sensação de pertencimento. Na periferia, esse processo existe e está associado à vizinhança.
Seria uma confluência de tribos urbanas?
Não gosto de utilizar o conceito de “tribo” quando analiso as metrópoles, porque trata-se de uma metáfora equivocada. Na etnologia indígena, tribo é a representação de uma grande aliança, ao passo que nos estudos de metrópole, o conceito tem sido usado de modo restritivo. Tribo vira algo menor, sinônimo de grupo fragmentado, com freqüência relacionado à violência. Sempre é melhor falar em circuitos de jovens - e como é interessante analisar os mapas de sua movimentação! Mas, veja o que acontece nos Estados Unidos, o país mais rico do mundo: jovens bem nutridos, bem educados e com alto padrão de vida também formam grupos autoritários, muitas vezes com repercussões dramáticas. Basta lembrar as chacinas em escolas. De tão fechados, viram fundamentalistas Até o momento não podemos compará-los a um grupo de hip-hop de uma grande cidade do Brasil, que é bem mais flexível. Agora, que existe radicalismo na metrópole, não há como negar. É o preço que se paga de viver em um ambiente de alta diversidade.
Existe uma tendência geral de privatização do espaço público?
Não sei se é tendência. O pichador se apropria do espaço público? Depende. Um aluno meu já estudou esse fenômeno e diz que “pichador nem a mãe gosta”. Claro, quem vai gostar de alguém que se diverte riscando parede? Mas não me parece que o pichador queira apropriar-se do espaço público, mas deixar uma marca nele. Uma inscrição que nem sempre entendemos, significando algo como “estive aqui”.
Não é uma análise complacente demais?
Tenho de levar em conta todos os atores envolvidos. Se quero entender a lógica do grafiteiro, terei de entender a lógica do proprietário do imóvel. Considero tudo, o sentimento do dono do muro, a atuação do poder público, o pichador, as instituições envolvidas etc. O olhar etnográfico procura identificar todos os atores. Sem tomar partido. E acabamos por demonstrar que as coisas são um pouco mais complexas do que as aparências indicam.
Voltando ao caso da Sirlei. O que se pode dizer de uma metrópole onde uns querem deixar sua marca e outros são marcados?
Esta moça é a parte frágil da relação. Sendo elemento mais fraco, deveria contar com maior amparo do poder público. Ela deve ter o direito de esperar pelo transporte público, sozinha, independente de que hora for, num local melhor equipado e policiado. Uma vez que a agressão já aconteceu, deve ter ampla possibilidade de defesa, porque os rapazes, até pelo poder econômico dos pais, terão condições de contratar bons advogados. Quer dizer, Sirlei poderá continuar sozinha nessa história e seus agressores, bem amparados. Esta é a diferença. Então, o que se espera do poder público? Que seja capaz de, em situações assimétricas, criar o equilíbrio. Numa sociedade democrática, o mais fraco tem de ser o mais amparado.
Em cidades como São Paulo, Rio ou Brasília, o jovem da classe média ou alta circula numa seqüência de espaços protegidos: a casa, a escola, o clube, o shopping center, o carro com vidros escuros, o saguão com câmeras, e assim por diante. Mas, ao sair pela madrugada e encontrar a cidade “nua”, parece bater uma vontade de assaltar o espaço público. Como se explica isso?
Para impor sua lógica, repito. Não há outra explicação. Só que o freqüentador do oásis de segurança perde de vista que a rua é pública, já tão acostumado que está a interagir com os iguais. A “geração shopping center” circula de espaço protegido em espaço protegido de tal forma que não sabe como se comportar no espaço público. Não tem nem postura corporal para isso. É uma geração sem cultura urbana. Ora, se você é uma estudante universitária, bem informada, mas não aceita a vida de uma prostituta, ao menos a respeite e comporte-se no espaço público. É o mínimo. O que justifica queimar uma pessoa que dorme num banco de praça, como fizeram com um índio em Brasília? A rigor, é mais coerente pensar que nós deveríamos nos sentir mais protegidos no espaço público, que, afinal, é de todos. E não o contrário.
O senhor aplicaria esta afirmação às favelas do Complexo do Alemão, no Rio, onde se trava uma guerra urbana há 50 dias?
Nos morros, os traficantes também constituíram seus “oásis” protegidos, na medida em que circulam por espaços nos quais o poder público não entra ou não se faz presente. São donos absolutos do pedaço.
Ações de vandalismo, violência e apropriação indevida da cidade são muitas vezes praticadas no chamado “tempo livre” de jovens. É impressão ou o lazer, nas metrópoles, virou vizinho da delinqüência?
Creio que não. Tenho estudado há um bom tempo o lazer, seja na periferia, seja no centro, com jovens ou não. Como a gente sabe, o tempo livre tende a continuar aumentando na sociedade contemporânea, deslocado que está da noção de trabalho. Até um tempo atrás, ele era a antítese de trabalho. Não é mais. Tornou-se um fim em si mesmo. Daí tanta gente cultivando a forma física, buscando suportes para a alma, viajando e estabelecendo novos vínculos. Não vivemos mais aquele tempo ditado por uma regra básica da produção industrial, segundo a qual o indivíduo tem direito ao descanso justamente para repor energias físicas e psíquicas, antes de voltar a ser consumido como força de trabalho. Hoje, com a terceirização, a possibilidade de trabalhar à distância e as ocupações temporárias, o tempo livre aumenta. Devemos encará-lo como espaço para o desenvolvimento de novas sociabilidades, e isso, numa cidade como São Paulo, é uma experiência fascinante. Na verdade, o fato de a metrópole funcionar como funciona, com suas possibilidades e deficiências, é maravilhoso. É o grande milagre. O que destoa é a investida autoritária de um e outro grupo.
As pessoas criam seus arranjos, a metrópole funciona, mas a violência faz surtir o efeito de má exemplaridade. Tanto que ela se reproduz no cotidiano, das mais diferentes formas, em qualquer hora do dia, em qualquer ponto da cidade.
Precisamos sair da análise do espaço público para avaliar as instituições do poder público. Onde estão? Como agem? Falo não só das instituições voltadas para a segurança, mas as da educação, saúde, e tantas outras. Episódios de violência seriam exemplares, sim, se houvesse respostas firmes e rápidas contra eles. Isso não existe. Além disso, há outro problema grave. Estamos vendo um sem-número de mazelas das classes dirigentes, que nos passa essa terrível sensação de impunidade permeando a sociedade. Isso tem reflexos na vida da metrópole. Se para “eles” tudo é possível, por que eu tenho de pagar impostos e cumprir minhas obrigações como cidadão? Quando um policial é pego num episódio de corrupção, justo ele que deveria contê-la, causa uma tremenda confusão lógica na cabeça do cidadão: ele não só se sente desamparado, como à mercê de um ator social do qual não conhece a verdadeira face.
Esta é uma pergunta que muitos pais se fazem: mais tempo livre, mais tempo para transgredir?
Não penso assim. Se tenho tempo livre, posso ler um livro, não preciso sair por aí barbarizando. A deliquência não é alternativa. Ela é resultado de uma complexa gama de fatores. E, aproveitar o tempo livre não é privilégio de quem tem dinheiro. Na periferia, há propostas de lazer muito interessantes e até baratas. Como o skatismo.
A ação da polícia no Rio, na semana que passou, além do saldo de mortos, mostra como o cidadão está vulnerável. Mata-se primeiro, depois verifica-se se é traficante ou não. Parece que todo mundo é criminoso, todo mundo mente, todo mundo tem droga.
É a lógica de metonímia, tomar a parte pelo todo. Há um grupo protegido, que são os traficantes, e o ônus de suas conexões criminosas é distribuído para a população local, gente que trabalha, que obedece normas.
E qual é a visão que se tem de poder público nas periferias?
É reconhecido como poder de repressão, mais do que como poder de mediação. O Estado se faz presente nesses lugares na figura do policial, que surge lá como a última instância do poder público, quando tudo mais falha. Quando um policial dá carona a uma gestante que está para dar à luz, vira herói, sai no noticiário, é algo fora de série. Porque é a derradeira face do poder público naquele lugar! Na verdade, não se deveria poupar investimento na sua formação. Melhorar nossas forças policiais não significa obrigatoriamente comprar mais armas e viaturas. Significa dar qualificação, informação, salário melhor, condição de trabalho. Como é importante um policial aprender o que é diversidade, saber como deve lidar com a mulher, a criança, o pobre, o negro, o homossexual, o idoso, ter, enfim, uma idéia de polidez.
O senhor propôs aos seus alunos na USP fazer a etnografia da ocupação da reitoria. Quais são as primeiras conclusões?
Cedo para dizer, ainda estamos trabalhando sobre os dados. Propus aos calouros das Ciências Sociais, que mal chegavam à universidade e caíram nessa confusão, que fizessem um trabalho levando em conta o lugar da ocupação, os personagens e a mudança de regras. No começo, foram vistos com certa desconfiança pelo comando da greve. Mas, convenceram. Não sei o que virá. E nem quero influenciar os resultados. Antropologia é isso.

Instituto Humanitas Unisinos - 01/07/07

"Nossa sociedade está doente". Entrevista com Nancy Cardia
“Nossa sociedade está doente”, diz a professora da Universidade de São Paulo Nancy Cárdia em entrevista ao Estado de S.Paulo, 01-07-2007, ao analisar a reação dos jovens que, tentando justificar a agressão à empregada doméstica Sirley Dias Carvalho Pinto no Rio de Janeiro. Segundo ela, desenvolveu o conceito de que setores carentes da população são considerados excluídos morais, não sujeitos de direitos. Nancy Cárdia é coordenadora-adjunta do Núcleo de Estudos da Violência da USP
Eis a entrevista.
Como jovens, como esses que agrediram a doméstica, pode chegar a tão alto grau de agressividade?
Há padrões de desvio que ocorrem universalmente em certa faixa de idade. Quem fizer uma pesquisa com adolescentes de 12 a 16 anos verá que, em algum momento, eles mentiram, furtaram alguma coisa no supermercado, usaram o transporte público sem pagar, fizeram alguma grafitagem. Mesmo aqueles considerados bem comportados e que vão muito bem na escola terão feito alguma coisa nesse período. Dos 12 aos 16 anos, é considerado universal cometer pequenas transgressões.
Qualquer criança está sujeita a esse tipo de comportamento?
Muitas dessas situações ocorrem com mais freqüência com aquelas crianças que vêm de ambientes com violência dentro de casa, violência entre os pais. E violência que não fica restrita à esfera dos pais, pois extravasa para as crianças. Começa a haver agressão entre os irmãos e se estende à escola e às brincadeiras na rua. As crianças vão aprendendo que essa pode ser uma maneira aceitável de interagirem.
No caso dos agressores de Sirley, não se trata mais de crianças.
Os agressores de Sirley são jovens adultos, todos acima de 19 anos. Pelo menos quatro deles já passaram pelo ritual de entrada na universidade. Não estamos falando de adolescentes, de meninos. Não são mais crianças, ao contrário do que disse o pai de um deles. Presume-se que esses jovens não vêm de casas onde a violência seja uma rotina, onde os pais vivam às turras, onde eles tenham sido vítimas de agressões sucessivas. É uma coisa muito mais perturbadora, porque se imagina que, nessa idade, exista capacidade de julgamento, de discernir o que é certo e o que é errado. O fato é que fizeram isso e já vinham fazendo há algum tempo, como as notícias agora fazem supor. Outros casos devem ter ocorrido, pois agiram com a maior tranqüilidade e sem nenhum receio de serem pegos. A surpresa está no fato de que foram pegos. Não esperavam. Provavelmente , com expectativa de impunidade. E todos conhecem o epílogo.
Como será o epílogo?
Não vai ser muito diferente do que ocorreu com um índio em Brasília (o índio Galdino Pataxó, queimado vivo há dez anos por jovens ricos de Brasília) ou com meninas ou moças violentadas e assassinadas por jovens de ditas boas famílias, com os quais não se passou muita coisa. Alguns desses casos jamais foram esclarecidos. Fica em nossa sociedade a sensação de que tem pessoas e pessoas. Algumas pessoas são merecedoras de justiça, de bons tratos e têm seus direitos respeitados, porque elas são iguais a nós. Terão de ser tratadas como nós. E existem os outros, aqueles que a gente não tem certeza de que sejam humanos. É quando dizem: 'Pensamos que era uma prostituta.' Ou como disseram os meninos em Brasília: 'Pensamos que o índio era um mendigo'. Então prostituta e mendigo não pertencem ao nosso mundo. Por isso, não têm de ter as mesmas proteções, os mesmos direitos que nós temos. Nossa sociedade está doente.
Ao dizer que são crianças, o pai de um agressor de Sirley não estaria pedindo punição menos rigorosa?
Todos aqui esperam uma punição menos rigorosa, diferente. A gente tem foro especial! Por que tem foro especial? É 'normal', entre aspas, que esse pai tenha essa expectativa num lugar em que se criam isenções para diferentes indivíduos. Quem tem diploma universitário não vai para o xadrez comum. Deveria ir. Talvez as condições de nossas penitenciárias fossem menos brutais.
O que vai ocorrer no caso Sirley?
É só pegar os dados mais objetivos. Têm condição de pagar um bom advogado? São réus primários? Vão para tribunal de júri, por tentativa de homicídio? Se forem julgados só por um juiz, com quem o juiz vai ter empatia? Qual é a pena mínima? A julgar pelo passado, a gente sabe que não dá para esperar que sejam condenados.
O exemplo de cima influencia?
A maior parte dos grupos que deveriam estar dando exemplo de comportamento às crianças e aos jovens apresentam sinais no mínimo ambivalentes do que é aceitável ou inaceitável em nossa sociedade. Quando se liga a TV e se assiste um noticiário local e nacional, o que é que a gente vê? A expressão dos responsáveis por serem a voz e o rosto do telejornal é de desânimo. Os relatos são de transgressão em cima de transgressão. Estamos já num estágio em que, quando um dirigente nosso se comporta de maneira digna, a gente fica surpreso. Deveria até virar manchete.
A senhora falou que a sociedade está doente. Só a nossa?
Temos aqui incapacidade de aplicar as leis. Por todos os cantos, há pessoas reclamando da falta de aplicação das leis e da incerteza, do mal-estar que isso gera. É avassalador. Vêem-se pessoas que ocupam espaço e destroem o ambiente e não acontece nada. Vê-se o indivíduo retirando recursos do Estado para benefício próprio e fica tudo por isso mesmo. Surgem explicações sem pé nem cabeça e não dá em nada. É patético.