"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, dezembro 16, 2006

Instituto Humanitas Unisinos - 16/12/06

Ártico fica sem gelo no verão em 2040, diz grupo

O oceano Ártico pode perder virtualmente todo o seu gelo marinho no verão por volta de 2040 -40 anos mais cedo do que se imagina-, diz um grupo de cientistas. Segundo eles, a aceleração na perda de gelo marinho vista nos últimos anos na região não será nada perto do degelo maciço que pode ser iniciado em 20 anos.Simulações em computador usando como base o registro do gelo marinho no Ártico mostram que as crianças nascidas hoje assistirão ao primeiro verão sem gelo do Ártico. Até agora, achava-se que isso só fosse acontecer em 2080. A notícia é do jornal Independent e foi traduzida pelo jornal Folha de S. Paulo, 12-12-2006.
A perda do gelo marinho pode levar a outros efeitos desastrosos, diz Marika Holland, do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica dos EUA, autora principal do estudo. "À medida que o gelo se retrai, o oceano transporta mais calor para o Ártico e a água aberta absorve mais luz solar, acelerando o aquecimento e levando à perda de ainda mais gelo", afirma.

Instituto Humanitas Unisinos - 16/12/06

Briga entre emergentes. Os eficientes ganham, os ineficientes sucumbem
Num mundo inundado por capital barato e ávido por competitividade, deixou de ser surpresa a aquisição de empresas oriundas de economias desenvolvidas por concorrentes dos chamados países emergentes. Em junho, a indiana Mittal comprou a européia Arcelor por 18 bilhões de dólares. Há cerca de dois meses, a brasileira Vale do Rio Doce incorporou a canadense Inco, após uma oferta também bilionária. Agora, porém, o que se vê é uma nova fase desse processo - a concorrência feroz e aberta entre empresas de países emergentes pelas barganhas do mercado global. O marco inicial desse processo é a disputa entre a brasileira CSN e a indiana Tata pela Corus, conglomerado anglo-holandês que ocupa a oitava posição na lista das maiores siderúrgicas do mundo. A reportagem é da revista Exame, edição 20-12-06.
A negociação - transformada num eletrizante leilão envolvendo alguns bilhões de dólares - é reflexo do avanço da globalização, na qual os mais eficientes (estejam eles onde estiverem) ganham escala, enquanto os ineficientes sucumbem. "Existem determinadas áreas em que não há alternativas. A única opção é comprar e crescer ou ser engolido pela concorrência", diz Rubens Barbosa, presidente do conselho de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
E em setores como o de siderurgia, escala e sobrevivência compartilham o mesmo significado. Foi essa máxima que fez com que, há cerca de um mês, Benjamin Steinbruch, controlador da CSN, decidisse atravessar os entendimentos para a venda da Corus à Tata. Até a data de fechamento desta edição, o jogo de sedução junto aos acionistas da Corus continuava, com Steinbruch e Ratan Tata, dono do conglomerado indiano, aumentando sucessivamente suas ofertas - devidamente suportadas por alguns dos maiores bancos de investimento do mundo.
O embate entre duas siderúrgicas de nações emergentes pela Corus sintetiza o atual estágio do processo de internacionalização das grandes empresas de países em desenvolvimento. Impulsionadas por vantagens como mão-de-obra qualificada de baixo custo, disponibilidade de matéria-prima e grande liquidez internacional para investimentos, essas empresas alcançaram um grau de competitividade difícil de ser acompanhado por concorrentes de países desenvolvidos. A comparação da Corus com a Tata e a CSN, nesse caso, é exemplar. O grupo anglo-holandês fatura 17,4 bilhões de dólares por ano e é quatro vezes maior que cada uma das duas candidatas à sua compra. A Corus tem tamanho, mas não eficiência. Segundo dados da consultoria americana World Steel Dynamics, especializada no setor siderúrgico, sua rentabilidade é de 41 dólares por tonelada de aço produzida, ante 325 dólares por tonelada da Tata e 399 dólares por tonelada da CSN. (A empresa de Steinbruch é a segunda melhor do mundo nesse critério, perdendo apenas para a argentina Tenaris, com rentabilidade de 696 dólares por tonelada de aço produzida.)
Essa brutal diferença de competitividade levou o setor siderúrgico a um dos mais impressionantes deslocamentos de produção do mundo. Em 1990, os países emergentes eram responsáveis por 31% da produção global de aço. Em 2000, passaram a responder por 52% e a expectativa é que detenham 58% da produção em 2010. Trata-se de um fenômeno que deve se repetir progressivamente em outras áreas. "A exemplo da siderurgia, o setor têxtil será dominado pelas economias emergentes. E nessa área China e Índia disputarão todas as oportunidades", diz Ricardo Amorim, diretor de estratégia para América Latina do banco alemão WestLB. A China produz hoje 32% dos têxteis do mundo e é a líder nesse tipo de indústria. O governo da Índia, segunda colocada no ranking do setor, com 8,1% do total, está investindo 10 bilhões de dólares na modernização da indústria têxtil. Com esses recursos, espera-se que as exportações de têxteis indianos cresçam dos atuais 13,5 bilhões para 50 bilhões de dólares em dez anos, performance que garantiria às empresas indianas musculatura para compras mundo afora. O movimento, nesse caso, tem pouco a ver com linhas de produção.
Os indianos buscam, basicamente, marcas de prestígio, capacidade de distribuição em grandes mercados e sinergia no uso de uma matéria-prima abundante, o algodão. O Brasil tenta ir na mesma direção. Apesar das dificuldades enfrentadas pela concorrência com os asiáticos no mercado local, companhias como Coteminas e Santista Têxtil, do grupo Camargo Corrêa, têm demonstrado fôlego para disputas - e compras - internacionais. Recentemente, a Santista fundiu-se com a espanhola Tavex Algodonera, criando a maior fabricante de índigo do mundo, com faturamento anual de 1,4 bilhão de dólares. No ano passado, a Coteminas uniu-se à americana Springs, formando a Springs Global, com vendas de 2,4 bilhões de dólares. O embate entre as grandes companhias emergentes - principalmente de países como China, Índia, Rússia, Brasil e México - deve acontecer na medida em que as oportunidades rarearem e a pressão por escala crescer.

Instituto Humanitas Unisinos - 16/12/06

Impasses na lógica global? Um artigo de Gilberto Dupas

"Parece que uma diminuição do nível de emprego no mundo não-asiático e uma convergência geral dos salários globais em direção a um nível inferior, puxado pela Ásia, é uma das alternativas concretas de médio prazo. Isso significaria redução geral de renda, pressão contínua para rebaixamento de proteção social e mais uma forte diluição das classes médias tradicionais; e, como conseqüência, resistências cada vez maiores à imigração nos países mais ricos, ou seja, menos oportunidades para latino-americanos, cidadãos do Leste Europeu, africanos, etc", escreve Gilberto Dupas, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, é autor de vários livros, entre os quais O Mito do Progresso (Editora Unesp) em artigo publicado, hoje, 16-12-2006, no jornal O Estado de S. Paulo.

Eis o artigo.

"Uma das certezas que movem a lógica global é a de que a China e a Índia manterão as trajetórias atuais de estabilidade política e altas taxas de crescimento econômico. As projeções de longo prazo supõem uma contínua melhora de renda dos 2,4 bilhões de chineses e indianos - que constituem 25% da população mundial -, mantendo o vigor do capitalismo globalizado.
É curioso como não aprendemos com a História e com nossos inúmeros erros de previsão; a arrogância não nos deixa perceber que é preciso suportar um futuro freqüentemente além da nossa percepção, tantas são as variáveis que nele influem. Lidamos com o tempo que virá de forma pouco responsável. Na verdade, não agüentamos não saber. E, por isso, transformamos meras hipóteses em certezas, deixando na beira da estrada justamente as dúvidas que nos poderiam salvar. Basta verificar que boa parte das projeções de mais de dez anos, feitas durante o século 20, foram equivocadas. Crises imprevistas são inerentes ao capitalismo, que delas se nutre, renovando-se em meio a cinzas e sucatas; Schumpeter incluiu-as na necessária “destruição criativa”.
Se analisarmos com um mínimo de profundidade o complexo quadro atual, não é difícil enxergar graves impasses estruturais que o mundo pode ter de enfrentar ainda na próxima década. Alguns são decorrentes justamente do padrão de inserção da China e da Índia numa lógica global que se aproveita deles para um casamento de interesses, à primeira vista, virtuoso. Suponhamos, em primeiro lugar, que essas duas nações apenas pretendam atingir, em dez anos, um padrão de vida equivalente à média atual do Brasil e do México, que ainda são pobres. Na verdade, a maioria dos analistas internacionais espera muito mais que isso. Vamos tentar indicar - de maneira simplificada - que impactos isso poderia causar. Utilizemos para medir “padrão de vida” a Paridade de Poder de Compra (PPP em inglês), um índice internacional que expressa o padrão de consumo dos cidadãos em diferentes países, já balanceado pelas diferenças nos preços relativos.
A renda anual média de cada brasileiro, medida pelo Banco Mundial (2005) em PPP, é de US$ 8.195 e a do mexicano, de US$ 9.803. Ou seja, a média dos dois é de US$ 8.999. Pelos mesmos critérios, a China tem hoje US$ 5.896 por habitante/ano e a Índia, US$ 3.139, o que dá uma média de US$ 4.518. Para que esse valor atinja o de Brasil e o México em dez anos será necessário adicionar US$ 4.518 a cada cidadão chinês e indiano; se multiplicarmos esse valor pelos seus 2.375 milhões de habitantes, teremos um total de US$ 10.647 bilhões. Este é o montante de produto (ou renda, ou consumo) que a economia global terá de gerar a partir de China e Índia para que eles atinjam apenas o nível médio de vida de Brasil e México. Ora, esse imenso valor, a ser criado em apenas uma década, seria próximo do PIB norte-americano (US$ 11.641 bilhões), que responde hoje por 28% do total mundial.
Imagine-se o impacto brutal que isso significaria em recursos naturais, matérias-primas, poluição ambiental e efeito estufa em nível planetário. E não se trata de um falso dilema malthusiano, pois a tecnologia hoje disponível para esse período não dará conta de um desafio desse tamanho sem profundos impactos negativos ambientais e sociais. O que nos obriga a incluir, entre os cenários possíveis, alguns outros bem mais pessimistas. Um deles poderá eclodir através de tensões sociais e políticas na China, que conduzam a distúrbios e rupturas; cenário, aliás, muito possível para um país gigantesco em tamanho e desafios, dirigido hoje por uma junta de engenheiros com a imensa tarefa de implantar um capitalismo de oportunidades e desigualdades goela abaixo do 1,2 bilhão de chineses. Milhões deles pela primeira vez estão encontrando prosperidade, mas outros milhões mergulham numa miséria que não conheciam nem nos duros tempos de Mao.
Outro eventual impasse estrutural é a tendência declinante de salários mundiais a partir da pressão por competitividade global. Ela é igualmente provocada pela China e pela Índia; mas agora também pelo Vietnã e por outros muito pobres da Ásia que pegam carona nesse modelo. O custo médio salarial de uma faixa padrão de trabalhador qualificado na União Européia é de US$ 25 por hora, nos EUA é de US$ 20, no Leste da Europa e no Brasil é de US$ 4; mas na China é de US$ 0,7. Diante dessa assimetria brutal, o México já perdeu para os chineses quase metade dos empregos de suas maquiadoras que, a duras penas, havia conquistado com os EUA; a Europa tem dificuldades em utilizar os “baixos” salários dos países do Leste; e a América Latina fica fora das oportunidades que a fragmentação da produção global gera, porque não consegue competir com os salários de fome da Ásia.
Pelo visto, parece que uma diminuição do nível de emprego no mundo não-asiático e uma convergência geral dos salários globais em direção a um nível inferior, puxado pela Ásia, é uma das alternativas concretas de médio prazo. Isso significaria redução geral de renda, pressão contínua para rebaixamento de proteção social e mais uma forte diluição das classes médias tradicionais; e, como conseqüência, resistências cada vez maiores à imigração nos países mais ricos, ou seja, menos oportunidades para latino-americanos, cidadãos do Leste Europeu, africanos, etc.
De que forma o capitalismo daria conta desses desafios? Como vemos, para além da euforia com o crescimento do mundo puxado pela China e pela Índia, nuvens carregadas também tingem o céu do futuro. O pretensioso mundo global quer viver de certezas. No entanto, Norberto Bobbio, depois de uma longa e sábia vida, disse só ter aprendido que a História é sempre imprevisível.
É bom estarmos preparados para surpresas."

Instituto Humanitas Unisinos - 16/12/06

Depois da Venezuela, Bolívia entra no Mercosul. Agora é a vez do Equador

Mesmo dividido por disputas internas entre os quatro sócios originais (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e com dificuldades para incorporar seu novo integrante, a Venezuela, o Mercosul decidiu levar adiante sua agenda expansionista e aprovou ontem, por consenso, o pedido de inclusão da Bolívia. A reportagem é de Denise Chrispim Marin e publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 16-12-2006.

A solicitação já havia sido apresentada no sábado passado pelo presidente boliviano, Evo Morales, a Luiz Inácio Lula da Silva.
Nos próximos meses, o Mercosul deverá avaliar pedido similar que o presidente eleito do Equador, Rafael Correa, prometeu a Lula formalizar depois de sua posse. Essas decisões foram tomadas ontem durante a 31ª Reunião do Conselho do Mercado Comum (CMC), instância do Mercosul que agrega os chanceleres e ministros de Economia.
A discussão deu-se num momento em que os chanceleres dos quatro sócios originais do Mercosul mostravam-se ainda engasgados com a declaração feita pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, durante a reunião de cúpula da Comunidade Sul-americana de Nações (Casa), em Cochabamba (Bolívia), no sábado.
Na ocasião, Chávez afirmara que o Mercosul “não serve para nada”, defendeu que a integração da região precisava de um “viagra político” e, por fim, conclamou seus colegas: “Enterremos nossos mortos, irmãos!”
Diante dessa posição embaraçosa, Amorim arriscou uma curiosa interpretação do apelo feito por Chávez. Na abertura da reunião do CMC, afirmou que o governo brasileiro o avaliara como “o desejo de fazer avançar o Mercosul”, com respeito às conquistas realizadas e “sem acomodação nem conformismo na busca de mais integração”.
Um dos principais negociadores argentinos concordou com Amorim. Ele avaliou a frase de Chávez como mais um de seus gestos histriônicos, mas com a “boa intenção de impulsionar” o Mercosul.
Durante a entrevista dos chanceleres à imprensa, o ministro de Relações Exteriores da Venezuela, Nicolás Maduro, foi confrontado com a declaração de Chávez. Escorregadio, afirmou que seu país pretende acelerar a integração do bloco, dar-lhe mais peso político e criar um “Mercosul de um novo tempo”.
Maduro não explicou, entretanto, as razões para o cancelamento da reunião marcada para quarta-feira, em Brasília, entre negociadores venezuelanos e do Mercosul para tratar do cronograma de convergência as alíquotas de importação da Tarifa Externa Comum (TEC), aplicada pelo Mercosul. “Esse processo terá um final feliz.”
O chanceler do Uruguai, Reinaldo Gargano, foi o único a não deixar a afronta sem resposta. “Os que defendem que o Mercosul não serve para nada não têm de estar no Mercosul”, bateu Gargano.

BOLÍVIA E EQUADOR
Apesar do consenso dos chanceleres, o possível ingresso pleno da Bolívia e do Equador preocupa os chamados sócios menores do Mercosul.
Paraguai e Uruguai queixaram-se novamente na reunião do Conselho do Mercado Comum das dificuldades de seus produtos terem acesso livre aos mercados brasileiro e argentino e também dos prejuízos acumulados pelo fato de contarem com menor grau de desenvolvimento econômico.
A rigor, duas economias pequenas a mais no Mercosul significaria a divisão por quatro dos esforços minguados dos sócios maiores para diminuir as assimetrias econômicas. “Deveríamos aprofundar o Mercosul em vez de trabalhar pela sua expansão. Temos ainda uma agenda interna muito complicada para lidar”, reclamou um dos principais negociadores paraguaios ao Estado.

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Ciência Hoje - 12/12/06

Mata atlântica some, mas em ritmo menor Cobertura original da floresta cai de 7,1% para 6,8% em cinco anos, mostra estudo

O percentual de remanescentes de mata atlântica no Brasil diminuiu nos primeiros cinco anos desta década. Em 2005, restavam apenas 6,8% da cobertura original da floresta, enquanto em 2000 esse número era de 7,1%. Em compensação, houve queda de 71% no ritmo de devastação no mesmo período, se comparado com o observado entre 1995 e 2000. Os dados constam do novo Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica. O estudo, promovido pela ong SOS Mata Atlântica, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgou hoje os índices de desmatamento em oito estados brasileiros no período de 2000 a 2005. O levantamento, feito por meio de imagens do satélite Landsat, análises de campo e sobrevôos, é capaz de apontar ocorrências de desmatamento superiores a cinco hectares. Durante os anos estudados, foram desmatados cerca de 95 mil hectares de floresta. Desse valor, 77% corresponde a áreas nos estados de Santa Catarina e Paraná. “As florestas de araucárias, que eram bem preservadas, estão desaparecendo em grandes extensões, o que eleva o valor de desmatamento nesses estados”, explica Marcia Hirota, coordenadora do Atlas pela SOS Mata Atlântica. Santa Catarina foi o único estado que teve taxa de desmatamento superior à registrada no último estudo. “Com a pressão do agronegócio, as estatísticas acabam sendo desfavoráveis à Santa Catarina, pois em outros estados já não há mais nada para desmatar”, explica Flávio Ponzoni, coordenador técnico do estudo pelo Inpe. O campeão de devastação percentual foi Goiás, com 7,9%. Em seguida, Mato Grosso do Sul (2,84%), Santa Catarina (2,03%), Paraná (1,34%), Rio Grande do Sul (0,3%), São Paulo (0,19%), Espírito Santo (0,16%) e, por último, Rio de Janeiro (0,08%). Os estados de Minas Gerais e Bahia ainda não tiveram os resultados avaliados, por causa da dificuldade de medições via satélite em regiões com muitas nuvens. “O estudo de Minas Gerais deverá ser concluído no início do próximo ano. Já elaboramos o mapa, que está sendo revisado no momento. Na Bahia, estamos com muitos problemas devido à cobertura de nuvens”, explica Ponzoni.
A conclusão de que houve diminuição do percentual desmatado em sete estados não leva a crer, no entanto, que existiu mobilização social e política: “A queda se deve muito mais à falta de áreas para desmatar do que à adoção de medidas de preservação”, afirma Ponzoni. “Sobraram remanescentes em regiões de difícil acesso por conta do relevo. Creio que não houve uma contribuição sincera dos estados”, ressalta. E completa: “Isso sem contar os desmatamentos em pequena escala, de um ou dois hectares, que o nosso mapeamento não consegue identificar.”
Juliana Tinoco Ciência Hoje On-line 12/12/2006

Viver Sozinho no Séc XXI

PROFESSOR DA USP EXPLICA SOBRE VIVER SOZINHO,
SOBRE ESTAR SOZINHO . .
.

Não é apenas o avanço tecnológico que marcou o início deste milênio. As relações afetivas também estão passando por profundas transformações e revolucionando o conceito de amor.
O que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista individualidade, respeito, alegria e prazer de estar junto, e não mais uma relação de dependência, em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.
A idéia de uma pessoa ser o remédio para nossa felicidade, que nasceu com o romantismo está fadada a desaparecer neste início de século. O amor romântico parte da premissa que somos uma fração e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos.
Muitas vezes ocorre até um processo de despersonalizaçã o que,
historicamente, tem atingido mais a mulher; ela abandona suas
características, para se amalgamar ao projeto masculino.
A teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o outro tem de fazer o que eu não sei. Se sou manso, ele deve ser agressivo, e assim por
diante. Uma idéia prática de sobrevivência, e pouco romântica, por sinal. A palavra de ordem deste século é parceria. Estamos trocando o amor de necessidade, pelo amor de desejo.
Eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso o que é muito diferente. Com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficar sozinhas, e aprendendo a conviver melhor consigo mesmas. Elas estão começando a perceber que se sentem fração, mas são inteiras. O outro, como o qual se estabelece um elo, também se sente uma fração. Não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma.
É apenas um companheiro de viagem. O homem é um animal que vai mudando o mundo, e depois tem de ir se reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou. Estamos entrando na era da individualidade, e o que não tem nada a ver com egoísmo. O egoísta não tem energia própria; ele se alimenta da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.
A nova forma de amor, ou mais amor, tem nova feição e significado. Visa a aproximação de dois inteiros, e não a união de duas metades. E ela só é possível para aqueles que conseguirem trabalhar sua individualidade. Quanto mais o individuo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afetiva.
A solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. Ao contrário, da dignidade a pessoa. As boas relações efetivas são ótimas, são muito parecidas com ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. Relações de dominações e de concessões exageradas são coisas do século passado. Cada cérebro é único.
Nosso modo de pensar e agir não serve de referencia para avaliar ninguém.
Muitas vezes, pensamos que o outro é nossa alma gêmea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto. Todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um dialogo interno e descobrir sua força pessoal. Na solidão, o individuo entende que a harmonia e a paz de espirito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro.
Ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um. O amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Neste tipo de ligação, há o aconchego, o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado. Nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem de aprender a perdoar a si mesmo...

DR. FLÁVIO GIKOVATE
É médico formado pela USP no ano de 1966.
Desde 1967 trabalha como psicoterapeuta, tendo atendido mais de 8000
pacientes. Se dedica principalmente às técnicas breves de psicoterapia.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Folha de São Paulo - 13/12/06

Presidente do Irã afirma que Israel tem seus dias contados
DA REDAÇÃO

Ao discursar ontem aos participantes da conferência que procura negar o Holocausto, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, disse que os dias de Israel estão contados.
"Da mesma forma com que a União Soviética foi varrida e hoje não mais existe, o mesmo ocorrerá com o regime sionista", afirmou. Atribuiu a proximidade dessa suposta desaparição à "vontade dos povos e ao desejo de Deus".
Ahmadinejad, que qualificara de "mito" a eliminação de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, está empenhado numa campanha anti-semita que culminou com a conferência de dois dias, ontem encerrada em Teerã.
O encontro provocou ontem uma nova enxurrada de repercussões indignadas.
O Vaticano publicou declaração em que menciona a "imensa tragédia" que foi o assassinato de milhões de judeus. Em Bruxelas, em nome da União Européia, Franco Frattini disse estar "comovido e indignado" com a realização de um encontro que banaliza o genocídio.
Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel -com a autoridade moral de ser cidadã do país que no passado praticou tais crimes contra a humanidade- disse que "jamais" aceitaria a negação do drama a que os judeus foram submetidos na Europa.
Em Washington, nota da Casa Branca qualificou o encontro de "uma afronta ao mundo civilizado".
Com agências internacionais


QUESTÃO NUCLEAR
Países do golfo iniciam plano atômico civil
DO "MONDE"

Os seis países do Conselho de Cooperação do Golfo Pérsico (CGC) anunciaram nesta semana que pretendem desenvolver tecnologia nuclear. Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Kuait e Omã, a despeito de suas reservas petroleiras, alegaram o crescimento futuro da demanda por eletricidade como justificativa para lançar um estudo de viabilidade quanto a um programa nuclear conjunto. "Os Estados da região têm o direito de adquirir tecnologia nuclear para fins pacíficos, de acordo com as regras internacionais", afirma um comunicado do CGC, ecoando as explicações do Irã para justificar seu plano. "Não se trata de uma ameaça. Não desejamos desenvolver a bomba atômica", enfatizou o chanceler saudita, Saud al Feisal.
As monarquias estão inquietas com o cenário: se o Irã se tornar uma potência nuclear, será criada uma situação perigosa em uma região na qual Israel já dispõe de armas atômicas.

Instituto Humanitas Unisinos - 13/12/06

Classe média. Artigo de Luiz Carlos Bresser-Pereira

"A classe alta trocou o desenvolvimento econômico pelos juros altos pagos pelo Estado que a ortodoxia convencional lhes oferecia por meio da política macroeconômica, ao mesmo tempo em que essa mesma ortodoxia oferecia aos países ricos (a si própria, portanto) câmbio baixo, não competitivo. Os pobres, por sua vez, receberam aquilo que foi tacitamente decidido no grande acordo da transição democrática", escreve Luiz Carlos Bresser-Pereira professor emérito da FGV-SP, ex-ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC), além de ministro da Fazenda (governo Sarney), em artigo publicado hoje, 13-12-2006, no jornal Folha de S. Paulo. Segundo ele, "
A classe esquecida -estrangulada entre os juros dos ricos e os gastos sociais dos pobres- foi a classe média".

Eis o artigo.

"Não devemos subestimar os riscos que esse quadro apresenta. A crise que a classe média enfrenta é a própria crise do Brasil
A classe média já teve melhores dias no Brasil. No período de grande desenvolvimento, ela desempenhou um papel estratégico e cresceu extraordinariamente. Na quase estagnação dos últimos 26 anos, entrou em declínio.
Seus anos de glória foram os da industrialização e do nacional-desenvolvimentismo -período entre 1930 e 1980, quando o Brasil crescia a uma taxa média anual per capita de 4%.
Nos tempos do Império e da República Velha, mal existia, era um estamento de servidores públicos e de profissionais liberais ligados ao Estado e à classe patriarcal proprietária de terras.
O quadro mudou entre 1930 e 1960, quando surgiu uma grande classe média de empresários industriais, comerciais e agrícolas; e mudou novamente nos anos 1970, quando ganhou prestígio e poder uma nova classe média profissional ou tecnoburocrática trabalhando para as grandes empresas e para as organizações públicas.
Desde 1980, porém, o país está quase estagnado. Cresce menos de 1% per capita ao ano, e a grande prejudicada é a classe média: tanto a burguesa ou empresarial quanto a profissional.
Foi essa classe média que, associada aos grandes empresários industriais, no início dos anos 1980, liderou o movimento político pela democracia; foi ela que lutou com denodo contra a injustiça social que o regime militar agravara; mas, em 1985, quando a transição democrática se completou, nem a classe média profissional -que, em todo o mundo, desempenha um papel cada vez mais central- nem os empresários souberam como repensar o desenvolvimento econômico que havia sido paralisado cinco anos antes.
Não souberam pois, preocupados em combater o autoritarismo e a desigualdade, não haviam dado a importância necessária à autonomia nacional, pressupondo que o desenvolvimento econômico estava assegurado.
Em 1980, quando se desencadeou a crise, não foram capazes de enfrentar os novos tempos com novas idéias -não se mostraram capazes de formular uma estratégia nacional de desenvolvimento para competir com os países ricos na era do capitalismo global. Em vez disso, se subordinaram a esses mesmos países.
O velho nacional-desenvolvimentismo fora uma estratégia nacional bem-sucedida, mas se esgotara; a nova submissão à ortodoxia convencional, ou seja, aos diagnósticos, recomendações e pressões que vinham de nossos competidores ricos naturalmente não era agora o caminho para o desenvolvimento econômico. Sem projeto de nação, sem estratégia nacional de desenvolvimento, o país parou. Os processos de redistribuição e reconcentração da renda, porém, não se paralisaram.
A classe alta trocou o desenvolvimento econômico pelos juros altos pagos pelo Estado que a ortodoxia convencional lhes oferecia por meio da política macroeconômica, ao mesmo tempo em que essa mesma ortodoxia oferecia aos países ricos (a si própria, portanto) câmbio baixo, não competitivo.
Os pobres, por sua vez, receberam aquilo que foi tacitamente decidido no grande acordo da transição democrática: entendeu-se então que a desigualdade radical existente na sociedade brasileira seria enfrentada com o aumento do gasto público em educação, saúde e assistência social. Os governos democráticos que se sucederam cumpriram o acordo, dobrando os gastos sociais em termos de percentagem do PIB. Os benefícios não resolveram o problema da injustiça social, mas aliviaram um pouco a miséria ou a pobreza de muitos.
A classe esquecida -estrangulada entre os juros dos ricos e os gastos sociais dos pobres- foi a classe média.
Nas últimas eleições, esse quadro assumiu caráter político: a classe média foi a grande derrotada. Ora, não devemos subestimar os riscos que esse quadro apresenta. Um país será tanto mais próspero e estável politicamente quanto mais ampla e prestigiada for sua classe média. A crise que essa classe enfrenta é a própria crise do Brasil. É a crise de todo um conjunto de idéias que alimentaram a classe média brasileira nos últimos anos. É uma crise que só será resolvida quando ela própria reencontrar a nação e redescobrir o caminho do desenvolvimento econômico."

Instituto Humanitas Unisinos - 12/12/06

Lições que a Cepal deixou ao Brasil. Uma tese de mestrado faz uma retrospectiva crítica

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) foi criada em 1948, dentro de um movimento geral da Organização das Nações Unidas para implantar, em cada continente, núcleos de apoio ao planejamento das economias após a Segunda Guerra. Com sede em Santiago do Chile, por lá passaram Celso Furtado e outros brasileiros que lá estudaram e depois viriam para o Instituto de Economia da Unicamp, como Maria da Conceição Tavares, José Serra, Luiz Gonzaga Belluzzo e João Manuel Cardoso de Mello. A vinda desses professores para Campinas, em pleno regime militar, não ocorreu sem resistência, visto que eles mantinham uma postura crítica com relação ao processo de industrialização. Suas críticas foram construídas a partir do que se convencionou chamar “pensamento cepalino”. A reportagem é do Jornal da Unicamp, 11 a 17 de dezembro de 2006.
Pensamento cepalino influenciou governos e instituições
“A Cepal está perto de completar 60 anos. Estudar e divulgar sua história, a partir da de sua postura em relação ao capital estrangeiro, é uma forma de mostrar aos cidadãos como o capital desregulado cria influencias negativas em nossas vidas, a exemplo dos baixos salários, do desemprego e da violência urbana”, adianta o economista Fernando Henrique Lemos Rodrigues. Sob orientação do professor Mariano Laplane, ele apresentou dissertação de mestrado abordando a evolução (ou involução) do pensamento econômico da Cepal no decorrer das décadas, conforme foram mudando seus quadros intelectuais e as conjunturas históricas e políticas nos países latino-americanos. A ênfase da pesquisa está nas lições deixadas para o Brasil.
A Cepal deslanchou liderada pelo argentino Raúl Prebisch – talvez o maior economista que a América Latina já teve – e teve influência decisiva de Celso Furtado. Ambos defendiam uma agenda de planejamento econômico, com base na industrialização como geradora de empregos e na necessidade de intervenção estatal para assegurar o desenvolvimento do setor. “Furtado deu grandes contribuições para a compreensão de que o subdesenvolvimento não é um atraso – uma infância do capitalismo desenvolvido –, mas fruto de uma série de problemas crônicos que vão se repetindo ao longo da história, tais como vulnerabilidade externa, concentração de renda e desequilíbrios regionais”, explica Fernando Henrique Rodrigues.
Nos anos 1950, segundo o autor da dissertação, Prebisch e Furtado valorizavam o planejamento e a tentativa de colocar as empresas transnacionais a serviço de projetos nacionais de desenvolvimento. “A conclusão óbvia nos trabalhos da Cepal era de que se devia delimitar o papel das transnacionais, definindo setores de atuação, estipulando metas para exportações, condicionando remessas de lucros para as nações centrais e impondo requisitos como a transferência de tecnologia para os países latino-americanos”, lembra Rodrigues.
Na década seguinte, Prebisch e Furtado já estavam fora da Cepal, mas mantiveram-se como referência para a nova geração de intelectuais, como para Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto, que escreveram um trabalho clássico sobre a dependência econômica. O órgão da ONU, no entanto, começava a perder espaço dentro da política do continente, devido ao advento das ditaduras militares, que identificaram naquelas idéias de desenvolvimento, de capital e de indústria nacionais um risco reformista. “Os regimes militares se caracterizaram por facilidades e menos exigências ao capital estrangeiro, acreditando que o crescimento econômico compensaria toda a liberdade que se desse às transnacionais”, diz Rodrigues.
Apesar do momento político contrário, a Cepal não esmoreceu seu discurso, na opinião do economista. Ele atenta que já havia certa dispersão, a falta de uma unidade intelectual, mas que persistiu dentro da entidade focos do movimento pela regulação das ações das empresas transnacionais, mesmo porque, do ponto de vista brasileiro, o contexto no final dos 60 era de grave crise nas contas externas. “Celso Furtado, que ainda influenciava bastante a agenda das instituições, alertava que as transnacionais cumpriam um papel muito claro no desenvolvimento latino-americano e principalmente brasileiro: atender aos anseios das elites em se modernizar e alcançar estilos de vida parecidos com os das nações centrais, ainda que a população pagasse a conta da concentração de renda e da vulnerabilidade externa”.
Rodrigues observa que vem desta época o mito alimentado pelos governos militares de que o crescimento dependente do capital estrangeiro iria resolver os problemas de todas as classes sociais e promover a integração do continente. “Uma senda de prosperidade que não se verificou”, lembra. O autor delimita uma fase distinta da Cepal, entre o final dos 70 e início dos 80, tendo à frente o chileno Fernando Fajnzylber, que inclui na pauta da instituição idéias renovadas sobre a industrialização e a necessidade de políticas industriais. “Basicamente, é isto que eu retrato na dissertação. Cada mudança na liderança intelectual reflete uma postura da Cepal frente às empresas transnacionais, cada vez mais liberal”, esclarece.

Novos rumos
Quando se chega aos anos 80, com uma crise do padrão de crescimento acumulado ao longo daqueles 30 anos na economia brasileira, Rodrigues observa que a Cepal passa a participar de um debate sobre os malefícios do padrão de desenvolvimento anterior. “O debate era mais sobre as razões da crise, e muitos economistas recorriam ao simplismo de confrontar Estado e mercado, em detrimento do primeiro. Mas a Cepal não se volta contra o Estado: ainda tenta mostrar as potencialidades do planejamento econômico, defendendo um pensamento já desgastado politicamente, com intelectuais que pregavam idéias sem o mesmo vigor e a aceitação de antes”, compara.
Esta tendência, como ressalta Rodrigues, vai se acirrar nos anos 90, pois a resposta à crise da década anterior é uma abertura econômica mais radical em todos os países latino-americanos, com o Brasil sofrendo da mesma sina. “A Cepal, então, já não conta sequer com a influência de Raúl Prebisch, que morre em 1986, e de Furtado, que teve problemas de saúde e passou a publicar pouco”, constata. Ele constata também que, embora a Cepal não tenha entrado no discurso de que o capital estrangeiro era uma panacéia para todos os problemas econômicos da América Latina, seus pensadores – “salvo honrosas exceções” – compraram a idéia de que a postura liberal e incentivadora das ações das transnacionais seria benéfica para as economias da região.
Cuidadoso, Fernando Henrique Rodrigues evita a visão de que este modelo fortemente baseado nas empresas transnacionais é imposto de fora para dentro, como se os demais atores sociais se opusessem à sua ação indiscriminada. “Nos anos 90, vendo-se em meio a uma crise, a burguesia nacional vai aceitando e achando até favorável este modelo, trocando boa parte das atividades produtivas pelas atividades especulativas do mercado financeiro, e deixando vários dos grandes setores da economia para as empresas estrangeiras. Uma das lições que a Cepal nos deixa, é que sempre há uma simbiose entre os interesses internos e externos dentro do país. Ou seja, existem alguns interesses comuns que viabilizam esta aliança tática entre o capital estrangeiro e o capital nacional, possibilitando que as transnacionais sempre ganhem força política. Isto é uma constante no nosso processo de desenvolvimento”.

Breve histórico das transnacionais
O economista Fernando Henrique Rodrigues, repassando por alto a história das empresas transnacionais no Brasil, lembra que nos anos 1950 elas viabilizaram alguns setores estratégicos da industrialização. Nos anos 70, essas empresas passaram a oferecer bens duráveis de consumo – objetos de desejo como a geladeira, a televisão e o automóvel. Nos anos 90, as transnacionais chegaram para comprar os ativos do Estado e do capital nacional – estes viram na privatização a mágica que equilibraria nossas contas públicas e também traria fôlego no setor externo – e dominaram o setor de serviços, notadamente o bancário, o elétrico e o de telecomunicações.
Rodrigues observa que era um cenário totalmente avesso ao pregado pela Cepal na sua criação, quando defendia uma agenda coerente com os objetivos de desenvolvimento nacional, visando o emprego, a redução de desigualdades e o acesso ao progresso tecnológico. “Essa estratégia da instituição era desenhada a partir do Estado e nela as empresas transnacionais representavam um apêndice. Elas deveriam atuar em setores específicos, onde é mais difícil obter tecnologia pela simples importação e onde pudessem nos ajudar a exportar bens industriais e encorpar nossa produção de tecnologia”.
Esta agenda, no entanto, deixou de ser de planejamento e, nos anos 90, passou a vingar na Cepal o pensamento de que o problema não estava na regulação, mas na atração de mais empresas transnacionais. Isso implicou na política de incentivos fiscais, vista como receita para a geração de empregos. Na prática, segundo Fernando Henrique Rodrigues, houve pouco impacto no número de empregos, muitas perdas fiscais e o modelo trouxe poucos benefícios à maioria da população. “Em documento recente da Cepal, encontram-se vários elogios à privatização das telecomunicações, destacando um eventual salto tecnológico. No entanto, devemos perguntar quantos têm acesso a esta tecnologia e se o país se capacitou para continuar a produzi-la”, questiona.
Rodrigues acrescenta que as empresas transnacionais, hoje, estão muito presentes nos serviços que antes eram públicos e que não têm o mesmo dinamismo da indústria. Mesmo no setor industrial, essas empresas aplicaram políticas de produtividade muito fortes, enxugando empregos sem que houvesse a criação de alternativas em outros setores. Ainda na opinião do economista, a inserção externa do ponto de vista industrial também foi muito frágil e o ganho de mercados pequeno, ao mesmo tempo em que o crescimento do mercado interno mostrou-se medíocre. “As empresas transnacionais, tornando-se líderes na indústria e nos serviços, ganharam enorme peso nas negociações com o governo, não havendo políticas que toquem em seus interesses. Na própria Cepal, as transnacionais agora são vistas como principal agente dentro do processo de desenvolvimento”.

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Jornal de Brasília - 11/12/06

EUA não vencerão no Iraque

Possível substituto de Donald Rumsfeld acredita na derrota americana na batalha contra o país árabe, mas não descarta uma retirada das tropas de Bush da região
Robert Gates, 63 anos, apontado pela Casa Branca para ser o novo secretário de Defesa dos Estados Unidos, afirmou que está aberto a novas idéias a respeito da condução da Guerra do Iraque e alertou o mundo de que, a não ser que o país seja estabilizado até no máximo 2008, a guerra poderia levar a um conflito regional.
Gates falou ontem ao Senado americano, que se reuniu para confirmar seu nome em substituição ao de Donald Rumsfeld, que renunciou um dia após a derrota do Partido Republicano nas eleições legislativas de novembro.
Na audiência, ele disse acreditar que o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, quer uma melhora no Iraque para que o país árabe possa se governar e tomar a responsabilidade por sua defesa. Sem descartar uma retirada das tropas americanas do país, Gates disse que "todas as opções estão na mesa com relação a esse problema".
Questionado diretamente pelo senador democrata Carl Levin sobre se os Estados Unidos estão vencendo a guerra, Gates respondeu: "Não, senhor". Ontem, o atual secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, despediu-se das tropas norte-americanas em visita surpresa ao Iraque. Rumsfeld disse que os militares devem ficar no país até o inimigo ser derrotado.

43 corpos em 24 horas
Após o presidente do Iraque manifestar, ontem, sua rejeição ao relatório Baker, que propõe uma mudança de ação dos Estados Unidos para conter a violência no Iraque, os cadáveres de 43 pessoas – três deles decapitados – foram encontrados nas últimas 24 horas em diferentes bairros xiitas e sunitas de Bagdá.
Segundo oficiais, os três cadáveres de homens decapitados e um outro com tiros na cabeça apareceram ontem no bairro de Al-Hurriya, no oeste da capital e de maioria xiita.
Outros 15 cadáveres com impactos de bala foram encontrados ontem à noite no mesmo bairro, onde vários cidadãos xiitas atacaram mesquitas e casas de sunitas. Segundo as fontes, os 19 cadáveres achados no bairro Al-Hurriya são vítimas da violência sectária entre sunitas e xiitas.

Mais violência
Mais 24 corpos que apareceram em diferentes bairros de Bagdá foram levados ao necrotério do hospital central de Al-Adli, ainda segundo os oficiais. Em um incidente separado, pelo menos um civil morreu ontem e outros três ficaram feridos durante os confrontos entre milícias xiitas e habitantes sunitas do bairro Al-Amel, de acordo com informações da polícia local.

Instituto Humanitas Unisinos - 11/12/06

Trajetória da política econômica neoliberal no Brasil.
Entrevista especial com Theotonio dos Santos

Uma análise da política econômica do Brasil é o que faz o doutor em economia, pela Universidade Federal de Minas Gerais e pela Universidade Federal Fluminense, Theotônio dos Santos. Na entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o professor narra a trajetória neoliberalista da economia brasileira até atingir seu colapso e as tentativas do atual governo de consertá-la. Atualmente, Theotonio é professor titular da Universidade Federal Fluminense e coordenador de Cátedra da Unesco. Também é autor de livros como “Hegemony and Counter Hegemony - The Globalization - Constrains and Process of Regionalization” (editora Pequim / 2005), “Economía Mundial La Integración Latinoamerica” (editora México / 2004) e “Do Terror à Esperança - Auge e declínio do neoliberalismo” (editora Aparecida / 2004).
Confira a entrevista.

IHU On-Line – O senhor pode fazer uma análise das políticas econômicas adotadas no Brasil até hoje?
Theotônio dos Santos – A situação econômica atual é resultado de políticas anteriores, sobretudo a que se consolidou no Plano Real. A minha análise dessa política é extremamente negativa. Eu não aceito algumas das idéias que são quase consensuais no País que parecem extremamente equivocadas frente aos dados. Em primeiro lugar, a idéia de que o Plano Real trouxe para o País uma situação de responsabilidade fiscal e uma situação de controle de moeda e inflacionário é totalmente absurda para um país que tinha 52 bilhões de reais de dívida, e deixou o governo com um trilhão de reais de dívida, ou seja, um aumento, em oito anos, de cerca de dois mil por cento. Se aumentasse cerca de dez, vinte, cem por cento já seria muito, mas dois mil por cento é um caso de irresponsabilidade fiscal pouco conhecido na história da humanidade. Uma dívida dessa dimensão não pode ser admitida num país que não tinha nenhuma razão para ter dívida, porque a alegação de que essa situação vem de gastos públicos excessivos é totalmente falsa. Nesses anos, tivemos um superávit primário, isto é, nós gastamos menos do que arrecadamos, então não tem nenhuma razão para ter aumentado a dívida. Foi feito fundamentalmente, quase que exclusivamente, para pagar dívidas que não existiam, tanto que o estado brasileiro só tinha uma dívida já consolidada em 52 bilhões.

IHU On-Line – E de onde vieram essas dívidas?
Theotônio dos Santos – Essas dívidas foram criadas artificialmente pelo Estado para atrair capitais do exterior e poder diminuir o déficit comercial que teria vindo da política cambial, mas foi a política cambial que criou o déficit comercial, ao dar à moeda brasileira um valor que ela não tinha condições de manter, que era um valor igual ao dólar e que elevou os preços no Brasil aos mais altos do mundo. Com isso, ficamos sem possibilidade de exportar e, com a moeda tão "dolarizada", aumentamos nossas importações, criando este déficit cambial.

IHU On-Line – E esse déficit comercial não poderia ter sido coberto com nossas reservas?
Theotônio dos Santos – Com certeza. Nós tínhamos reservas no início do governo do Fernando Henrique. Uma reserva consolidada em cerca de 32 bilhões de reais, pois passamos dois anos sem pagar a divida externa. Nosso superávit comercial era bastante grande por isso conseguimos ter essas reservas razoáveis. Mas os teóricos da economia que dirigiam essa política defenderam a tese de que o país tinha que atrair capitais do exterior para cobrir o déficit comercial que eles criaram. Dessa forma o governo começou a emitir títulos da dívida pública sem realmente tê-la, isso é um dos cenários mais impressionantes do mundo.

IHU On-Line – Como isso pode ser feito? E quais foram os resultados disso?
Theotônio dos Santos – Simplesmente você emite um título de dívida sem dever. O que acontece? Você vende os títulos, recebe o dinheiro e põe esse dinheiro nas reservas do país. Com isso, nossas reservas cresceram cerca de 75 bilhões de dólares, mas essas reservas são dívidas que o Estado assumiu com as pessoas que compraram os títulos pagando a elas juros absurdos muito acima da média internacional, sob a afirmação de que essa era a maneira de atrair esses capitais. O país chegou a pagar 50% de juros sobre as dívidas, isso não existe em nenhuma parte do mundo e ainda por cima sem necessitar, só por uma consideração teórica e por uma política econômica adotada. Veja bem, o Estado paga juros de 50% a quem compra o título dele e pega o dinheiro e coloca numa reserva internacional onde vai receber no máximo 5% de juros, isso é um suicídio financeiro, absoluto, colossal.

IHU On-Line – Com juros de 50% e lucro de 5%, como a dívida pode ser paga?
Theotônio dos Santos – Com o lucro de 120 poucos bilhões de reais da venda de empresas públicas, mais as reservas que tínhamos. Essa é a situação absurda da política cambial e fiscal. Era evidente, já naquela época, que política cambial de falsa valorização do real contraria seu momento de ter que se desvalorizar. Essa desvalorização foi estendida amplamente, até 1998, por uma serie de jogadas financeiras que faziam crer que o Brasil tinha uma situação muito boa.

IHU On-Line – E como o governo Lula está enfrentando essa situação?
Theotônio dos Santos – O primeiro problema do governo Lula era político. Quando Fernando Henrique Cardoso deixa o governo, em 2002, há uma situação realmente grave no país, que eles atribuíram ao “perigo Lula”. Não é verdade, essa situação vinha de uma acumulação anterior, pois nós já estávamos com uma divida de cerca de 800 bilhões de dólares. Mas a situação mais grave era no plano cambial, porque nós não tínhamos superávit cambial e tínhamos que pagar 32 bilhões de dólares imediatamente e não tínhamos absolutamente nenhum dinheiro para quitar isso. Era realmente uma situação dramática, quando Fernando Henrique Cardoso oferece essa ajuda do FMI a Lula, que consistia na aceitação do prolongamento da dívida para pagar mais tarde, pareceu a Lula certo salvamento da situação imediata que permitia a ele algum tempo para poder organizar o setor cambial, e esse argumento contou muito.
O problema do governo Lula é que se ele der continuidade a essa política, não conseguirá cumprir suas promessas de campanha e ele e o PT se definharão. Durante as últimas eleições, Lula esteve numa situação muito difícil, pois quando ele estava tentando fazer uma baixa na taxa de juros, pois permitiria uma taxa de crescimento do país de até 6%, o Banco Central não fez a rebaixa na taxa de juros na dimensão e na velocidade com que era necessário. Bom, com um ministro da economia aliado ao PSDB que bota no Ministério mais gente do PSDB, eles não vão apoiar a reeleição do presidente, pois têm um candidato próprio. Ou seja, Lula foi minado por dentro, e quando começaram o ataque político, ajudado por certos comportamentos de certas áreas do PT, eles acham que vão conseguir derrubá-lo antes mesmo de ele terminar a gestão, mas o que conseguiram, e já foi uma pequena vitória para os partidos neoliberais, foi dificultar a reestruturação da política, que teria dado uma vitória colossal no primeiro turno a Lula. Mas, ele ganhou no segundo turno porque ele prometeu fazer isso.
Agora Lula tem que cumprir essa promessa, senão ele não conseguirá se recuperar. Será preciso muito bom senso para seguir as vias alternativas, crescer durante os quatro anos do governo e criar uma outra psicologia nas pessoas. De certa forma ele conseguiu isso com o BNDES, que ficou fora da política neoliberal, e manteve o apoio ao setor exportador, pois o crescimento desse setor mudou muito a situação cambial do país e o governo conseguiu pagar as dívidas rapidamente e está com uma situação atual muito boa, mesmo não tendo feito muita coisa pra melhorar a situação do Real.

IHU On-Line – Como o senhor vê os acordos que o Brasil tem feito com outros países da América Latina?
Theotônio dos Santos – São todos muitos interessantes e tem dados bons resultados. São produtos de uma defasagem histórica, pois há muitos anos, na década de 1960, já estava perfilado esse tipo de investimentos que iriam levar a integração da América Latina, mas foram paralisados pelo terror, golpes militares, violência contra movimentos sociais, criação de confrontações artificiais. Agora estamos retomando esses acordos com mais força e ninguém conseguirá deter, pois são acordos necessários para economia mundial que não sabe viver sem fortalecimento regional, atualmente.

IHU On-Line – Fale sobre o seu artigo no livro “O Brasil de João Goulart – um projeto de nação”.
Theotônio dos Santos – É uma análise da política econômica do governo de Jango e a política econômica estabelecida pela ditadura. Jango criou uma perspectiva de mudança mais profunda, mas tinha graves problemas, pois a política de crescimento que não pode deixar de ser social também e tem que ser uma política que fortaleça o mercado interno. O golpe de 1964 foi todo baseado na idéia liberal e nos colocou como uma posição dependente de uma economia mundial. É isso que trato neste capítulo.

domingo, dezembro 10, 2006

Instituo Humanitas Unisinos - 10/12/06

Renda da classe média cai 46% em 6 anos

O saldo da criação de empregos e da evolução da renda da classe média no primeiro mandato do governo Lula é amplamente negativo. Nessa parcela da população que mais paga imposto e consome, deu-se o contrário do verificado entre os mais pobres, em que a renda e o emprego prosperaram. A reportagem é do jornal Folha de S. Paulo, 10-12-2006.

Entre a maioria dos países da América Latina, com exceção da Argentina, é no Brasil onde a classe média mais encolheu sua participação no total da renda nos últimos anos. O fenômeno ocorre desde os anos FHC.Considerando classe média quem ganha acima de três salários mínimos (mais de R$ 1.050), houve saldo negativo de quase 2 milhões de empregos formais nos últimos seis anos. A renda de quem conseguiu entrar no mercado recebendo mais de R$ 1.050 caiu 46% em termos reais (descontada a inflação) ante o que era pago aos que foram demitidos.
Os trabalhadores com pior remuneração foram na outra direção. Houve um saldo positivo (admitidos menos demitidos) de quase 6 milhões de novas vagas para quem ganha entre um e três mínimos de 2001 a setembro de 2006. O aumento na renda foi de 48%.
Para quem ganha só até um mínimo (R$ 350), o balanço também é positivo: 2,2 milhões de vagas e renda 124% maior.
Os dados são do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho) e foram compilados pela MB Associados.
Há outras maneiras de estabelecer quem é classe média no país, como levar em conta uma renda individual um pouco maior do que três salários mínimos e os bens e serviços a que o cidadão tem acesso.
Mesmo pelo critério de renda maior do que três mínimos e de consumo de determinados bens, segundo levantamento do Datafolha, foi a classe média quem menos ganhou nos últimos quatro anos.
Enquanto cerca de 7 milhões de eleitores migraram no governo Lula das classes D e E (maioria com renda até R$ 700) para a C (de R$ 700 a R$ 1.750), a migração de membros da classe C para a A/B (ou média, com renda acima de R$ 1.750) envolveu apenas cerca de 1 milhão de eleitores.
"Essa é a essência da economia em que vivemos nos últimos seis anos. Se quisermos que a desigualdade diminua, as pessoas mais pobres terão de ver seus salários subirem mais. Os moradores de São Paulo terão de se acostumar com a idéia de que a economia do Piauí vai crescer mais", diz Sergei Soares, especialista em desigualdade social do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Concentração no Sudeste
Segundo o "Atlas da Nova Estratificação Social do Brasil -Classe Média - Desenvolvimento e Crise", concluído neste ano por 11 pesquisadores, 57% das famílias de classe média concentram-se no Sudeste. No Nordeste e no Norte, são 12,5% e 4,7%, respectivamente.
No geral, três em cada quatro famílias de classe média vivem no Sudeste ou no Sul.
O trabalho considera classe média as famílias com renda entre R$ 2.275 e R$ 25.200. Levando em conta que núcleos familiares no Brasil têm, em média, quatro pessoas e que geralmente os menores de idade da classe média não trabalham, a renda individual se situaria entre R$ 1.137 (próxima a três salários mínimos) e R$ 12.600.
Por esses critérios, 32% das famílias são da classe média.
Apesar de ter perdido espaço e renda, foi a classe média quem bancou (com impostos crescentes) boa parte da melhora na distribuição de renda nos últimos anos -principalmente via programas assistenciais e subsidiados, como os da Previdência indexados ao mínimo e o Bolsa Família.
Em termos tributários, é considerado de classe média quem ganha entre R$ 3.000 e R$ 10.000 (na prática, quem recebe até R$ 1.562 não paga IR).
"Mais de 60% da carga de IR da pessoa física recai sobre a classe média. Outros 25%, sobre os mais ricos, e só 15% em quem está abaixo dessa faixa", diz Gilberto do Amaral, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário

Instituto Humanitas Unisinos - 10/12/06

Governo faz ouvidos moucos aos especialistas”, afirma engenheiro pernambucano

Marcelo Cauás Asfora, engenheiro civil e pesquisador do Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep), em artigo publicado no portal G1, 8-12-2006, afirma que o governo não escuta os especialistas no que diz respeito à transposição do Rio São Francisco.

Eis o artigo.
"O projeto de transposição das águas do Rio São Francisco para o Nordeste Setentrional (rebatizado pelo Ministério da Integração como “Projeto de Integração da Bacia do São Francisco às Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional”) tem um histórico recente recheado de sofismas e ações polêmicas que alimentaram um debate acalorado, mas pouco esclarecedor.
A suspensão da licitação da obra, desde outubro de 2005, por força de uma liminar que aguarda julgamento do Supremo Tribunal Federal, pôs o tema em banho-maria. A ascensão, nas últimas eleições, do PT aos governos dos estados da Bahia e Sergipe, estados mais resistentes ao projeto, e o anúncio de um novo edital restrito à elaboração do projeto executivo da transposição, contornando a liminar existente, reascendeu o debate.
O governo federal deseja ardorosamente esta obra e a trata com prioridade e urgência absolutas. Em sua empreitada, o governo faz ouvidos moucos às advertências dos especialistas sobre os resultados duvidosos e riscos socioeconômicos e ambientais desta obra, ignora as diretrizes do Plano de Recursos Hídricos da Bacia do São Francisco, que ajudou a construir com dinheiro público, e confronta as decisões do Comitê da Bacia.
No Conselho Nacional de Recursos Hídricos, onde tem maioria dos assentos, impôs sua vontade votando o projeto em regime de urgência e ignorando o apelo de vários conselheiros por uma melhor discussão do projeto bem como a sua análise pelas Câmaras Técnicas competentes do próprio Conselho. A pressão política sobre os organismos estatais responsáveis pela avaliação da viabilidade técnica e ambiental do projeto pode ter arranhado a credibilidade destes perante a sociedade, cujos interesses deveriam defender.
A transposição das águas do São Francisco em si não é um fato novo e não se constitui na questão mais polêmica: a cidade de Aracaju, em Sergipe, bem como vários municípios da Bahia, todos situados fora da bacia do São Francisco, são abastecidos pela água do rio São Francisco há quase uma década, ou seja, recebem águas trazidas por transposições; o Plano de recursos hídricos da Bacia do São Francisco, aprovado pelo Comitê da Bacia, também prevê os usos externos à bacia das águas do São Francisco para consumo humano e dessedentação animal, desde que haja a comprovada escassez e estejam esgotadas as disponibilidades locais.
Além disto, existe ainda uma “transposição indireta” de uma grande parcela das águas do São Francisco para todos os estados do Nordeste na forma de energia elétrica. Aproximadamente 80% das águas do São Francisco estão comprometidas com a geração da energia que atende a 95% das demandas de todo o Nordeste e que, portanto, estão indisponíveis para a irrigação e demais usos consuntivos na bacia.
Embora o discurso oficial atribua a discórdia em torno do projeto unicamente ao volume de água transposto, que seria irrelevante face às vazões existentes no rio, o tema é dos mais complexos e envolve questões ambientais, técnicas, socioeconômicas e legais.
Em relação ao volume de água a ser retirado, compará-lo com as vazões existentes no rio (seja esta a vazão média ou regularizada na foz) é puro sofisma. A parcela da água que está em disputa corresponde aos 20% que restam do valor reservado para geração de energia, que segundo o Plano de Recursos Hídricos da Bacia corresponde a uma vazão de 360 m³/s. Vazão esta que, já em 2004, época em que se realizaram os estudos do Plano, encontrava-se praticamente toda outorgada (ou seja, com o seu direito de uso legalmente concedido) pelos estados da bacia e pela União. Portanto a outorga para o projeto de transposição, do ponto de vista legal, se superpõe a outras já concedidas.
Tampouco os valores outorgados para a transposição podem ser considerados inexpressivos como afirmam os defensores do projeto. Em termos de volume médio anual, a outorga para a transposição é a segunda maior dada na bacia e superada em apenas 20% pela maior outorga, concedida ao projeto Jaíba. A consideração de que os consumos efetivos estimados na bacia é bastante inferior àqueles outorgados, utilizada para justificar a outorga da transposição, é um argumento forte que impõe a necessidade de reavaliação das outorgas já concedidas.
Esta reavaliação, contudo, deveria anteceder concessão de novas outorgas e não apenas servir de pretexto para justificá-las, pois também é fato que os grandes projetos de irrigação na bacia, em sua maioria públicos, estão paralisados ou se desenvolvem lentamente por falta de recursos, contribuindo de forma determinante para a existência dessa defasagem.
A questão ambiental tem sido tratada pelo governo como uma contrapartida à concretização do projeto de transposição. No entanto, os recursos disponibilizados para as ações de revitalização do rio São Francisco são pouco convincentes, mesmo sendo superiores àqueles aplicados em governos anteriores. A retórica da revitalização integrada ao projeto de transposição passa ao largo da questão fundamental: a existência de uma política de longo prazo consistente e com recursos assegurados compatíveis com a dimensão do problema a ser confrontado. Assim como são compatíveis os recursos destinados à execução das diferentes etapas do projeto de transposição.
O custo, objetivos e viabilidade do projeto também são controversos. O valor de 4,5 bilhões de reais, orçados para o projeto, refere-se apenas à construção dos canais de transposição, os quais não produzem benefícios relevantes, pois apenas transferem a água do rio São Francisco para os grandes reservatórios da região receptora, aumentando a concentração dos recursos hídricos nesta região. Para que os benefícios declarados venham a se concretizar se fará necessária a implantação de um grande conjunto de obras, cujos custos superam em muito os da construção dos canais e para as quais não existem recursos financeiros assegurados nem cronograma estabelecido.
Os investimentos na obra, custos de operação e manutenção e a destinação da água transportada contradizem a asseveração do Governo de uma obra para fins humanitários, destinada primordialmente ao abastecimento de 12 milhões de nordestinos (contingente recentemente questionado pelo Tribunal de Contas).
A maior parcela dos custos de destina à construção e manutenção da infraestrutura necessária para assegurar a oferta de aproximadamente 70% de todo o volume de água transposto para fins de irrigação e carcinocultura na região receptora. Por serem estas atividades altamente consumidoras de água, o preço final do produto está diretamente ligado a este insumo.
O preço a ser pago pela importação de água na região de destino, decorrente do custo da energia, da manutenção e operação de toda a infraestruturas necessária à transposição, tornam essas atividades economicamente inviáveis. Para viabilizar o agronegócio nestas condições, 85% do custo da água terá de ser bancado pelo setor urbano, ou seja, os pretensos 12 milhões de beneficiários.
Na prática, estes subsídios serão arcados pelos estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, sendo que os dois primeiros recebem parcelas significativamente menores dos volumes destinados ao agronegócio. No estado de Pernambuco, segundo estudos realizados pela Fundação Getúlio Vargas, tal estrutura de custeio trará um aumento médio de aproximadamente 10% nas contas de água de todo o estado.
A sustentabilidade do projeto é sem dúvida o seu ponto mais crítico e está fundamentada em um único elemento: um “Termo de Compromisso para a Garantia da Operação Sustentável do Projeto de Integração da Bacia do São Francisco às Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional” firmado entre a União e os estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba onde estes se comprometem a arcar com os investimentos em obras complementares bem como com os custos de operação e manutenção da transposição, repassados através da tarifação da água para os usuários urbanos.
Em que pese a importância do documento, carece de comprovação a capacidade dos estados de arcarem com os pesados investimentos em obras complementares e o alto custo da água da transposição. Também seria prudente para os estados, principalmente para Pernambuco e Paraíba, verificarem se recorrer a infraestrutura da transposição, com seu custo elevado, é a melhor solução para o atendimento de suas necessidades hídricas. No caso de Pernambuco, o Plano Estadual de Recursos Hídricos prevê a construção de adutoras, a partir do São Francisco, para suprir o déficit hídrico da região do agreste.
Finalmente é importante observar que, embora acirrado e muitas vezes conflituoso, o embate em torno do projeto de transposição das águas do rio São Francisco reflete os avanços ocorridos na gestão dos recursos hídricos no país, a partir da aprovação da Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos.

Instituto Humanitas Unisinos - 10/12/06

“Transposição poderá ser alavanca do desenvolvimento regional”, afirma José Galizia Tundisi

José Galizia Tundizi é doutor em Ciencias Biológicas pela Universidade de São Paulo (USP) e presidente honorário do Instituto Internacional de Ecologia (IEE) defende o projeto de transposição do Rio São Francisco em artigo publicado no portal G1, 8-12-2006.

Eis o artigo.
"A transposição de rios sempre provocou discussões e dúvidas devido aos possíveis impactos que causa nos sistemas que receberão volumes de água de outras bacias e à complexidade inerente a esses projetos. Obras de transposição sempre foram polêmicas. No caso da transposição do Rio São Francisco esta polêmica e as manifestações pró e contra a obra ocorrem em vários estados do Nordeste, a montante e a jusante no Rio São Francisco.
Entretanto, uma análise mais severa do problema pode ajudar a esclarecer alguns pontos para melhorar a percepção sobre a obra a sua importância. O primeiro esclarecimento é o de que a obra já começou há muito tempo e os açudes e represas já construídos, em um total de 18, armazenam águas. Em vários governos sucessivos já se construíram açudes e canais. O segundo problema é a quantidade: 3% do volume do Rio São Francisco, no máximo, serão utilizados para a transposição o que não afetaria, do ponto de vista quantitativo o Rio São Francisco. Há ainda as obras de irrigação que só serão realizadas em terreno sedimentar a jusante, portanto, dos quatro grandes reservatórios que receberão as águas da transposição: Castanhão e Armando Cruz, Santa Cruz e Boqueirão. Portanto a irrigação planejada só seria feita em terreno sedimentar.
Existem algumas possibilidades e alguns elos que estão sendo negligenciados neste processo e na discussão: a transposição é parte do conjunto de ações que necessariamente devem ser realizadas na região para levar água a comunidades urbanas e rurais. Neste conjunto de ações há dois pontos de sustentação importantes: primeiro um amplo projeto de saneamento básico e de atenção à qualidade da água dos reservatórios (deverão ser construídos mais 30 reservatórios de pequeno porte para dar continuidade à transposição); o segundo é um conjunto de ações que deve ser desenvolvida para acompanhar e estimular o uso múltiplo da água para as pequenas comunidades urbanas e rurais. Estas duas ações, se desenvolvidas com vigor deverão dar à obra um caráter de desenvolvimento extremamente importante e de grande alcance. O outro projeto de suporte à transposição, é evidentemente a revitalização do Rio São Francisco. Este rio atualmente sofre um conjunto grande de impactos: construção de barragens, agricultura intensiva, degradação das matas nativas, excesso de pesticidas e herbicidas na água e pesca em larga escala. Qualidade da água, estoques de peixes, estão em declínio acentuado. Portanto as ações de transposição devem vir acompanhadas de um investimento denso e diversificado em infra-estrutura de saneamento, revitalização e usos múltiplos adequados da água.
Estes são, a meu ver as bases sócio-econômicas que sustentarão o projeto. Se este projeto for encarado como um grande projeto de desenvolvimento regional incluindo saneamento básico, revitalização do rio, recuperação das matas ciliares e recuperação da fauna íctica, ele poderá ser uma grande alavanca de desenvolvimento regional com amplos reflexos econômicos e sociais. Se apenas os aspectos hidráulicos e mecânicos da obra foram executados ele poderá transformar-se em um grande desastre regional de amplas conseqüências econômicas e sociais e à saúde humana.
O Brasil tem tecnologias e conhecimento suficiente para fazer o melhor desta obra e utilizá-la como alavanca de desenvolvimento. Resta alertar as autoridades nacionais e regionais para atentar a todos os problemas complexos da transposição. O projeto pode, portanto, funcionar se forem mobilizados os conhecimentos biogeofísicos, econômicos e sociais que promoverão a obra a um conjunto extremamente importante para o Brasil e região."

Instituto Humanitas Unisinos - 10/12/06

O corpo como última utopia.
Entrevista especial com Francisco Ortega

IHU On-Line - Nossa aparência virou nossa essência? Quais são os principais problemas desse deslocamento de sentido?
Francisco Ortega - O problema principal é que em culturas nas quais existia uma diferença entre essência e aparência, ou seja, entre o que “eu verdadeiramente sou” e “como me apresento” ao outro e à sociedade – obviamente existiam nas diferentes culturas e sociedades diversos modos de articular essa diferença e de valorizar ou salientar mais um dos dois elementos – o indivíduo podia esconder seus verdadeiros sentimentos do outro. Em contrapartida, na cultura somática contemporânea, perdemos essa capacidade de fingir, de dissimular, de esconder nossas intenções ou de escolher quando e a quem mostramos o que verdadeiramente somos, pois, se essência e aparência se identificam, o que verdadeiramente sou se confunde com a forma da apresentação, o que sou está exposto ao olhar censurador do outro, estou a mercê dele, não posso me esconder. Paradoxalmente com a valorização da aparência e da imagem do corpo, preciso constantemente desse outro ao qual estou exposto, preciso ser percebido por ele para poder existir, de um outro que me diga se meu corpo está o suficientemente malhado ou sarado como nossa cultura exige. Conseqüentemente, os indivíduos tornam-se superficiais (não sentido literal e metafórico do termo), desconfiam constantemente do outro, isto é, são cada vez mais paranóicos e melindrosos. Esses indivíduos têm uma forma de fugir da cultura e da tirania da aparência, mas essa forma é uma armadilha, pois a única maneira de esconder-se numa cultura na qual o que existe está sempre exposto é se igualando ou se identificando com normas de comportamento, de alimentação, de regimes de condicionamento físico etc. Ser idêntico e conformista é a única maneira de proteger-se do olhar censurador do outro.
IHU On-Line - Nossa aparência virou nossa essência? Quais são os principais problemas desse deslocamento de sentido? E o senhor poderia explicar sua afirmação “o interesse pelo corpo gera o desinteresse pelo mundo; a hipertrofia muscular se traduz em atrofia social”?
Francisco Ortega – Essas perguntas estão relacionadas e de alguma maneira seguem a resposta dada à primeira pergunta. Claro, poderíamos responder a um nível muito simples e dizer que quem se ocupa do corpo obsessivamente não tem tempo, energia, interesse ou motivação para se ocupar do outro e da sociedade. Mas é mais do que isso, pois o corpo ocupou o lugar do outro. Ele é o outro, nosso parceiro e confidente privilegiado, por isso, mesmo em reuniões sociais, falamos sempre dele, das dietas que estamos fazendo, da nova academia, de nossas taxas de colesterol etc. É por isso que o interesse pelo corpo gera desinteresse pelo mundo. O interesse pelo corpo nas sociedades clássicas greco-latinas e nas culturas orientais não se esgota no próprio corpo: a ação sobre o corpo (a ascese) se constituía amiúde como objeto de resistência cultural e política; podia visar à constituição de si como sujeito moral da Antiguidade greco-latina, a auto-renúncia e a pureza do cristianismo, a interioridade cristã e burguesa. Em contrapartida, observamos na cultura somática contemporânea que o cuidado excessivo com o corpo se traduz em uma vontade de uniformidade, de adaptação à norma e de constituição de modos de existência conformistas e egoístas, visando à procura da saúde e do corpo perfeito. Falta nela, a preocupação pelo outro e pelo bem comum, a qual é substituída pela preocupação pelo corpo. Daí que o lugar da utopia se desloque para o corpo. A utopia passa a ser uma utopia corporal de descoberta e colonização do continente “corpo”.
IHU On-Line - O senhor poderia explicar a diferença entre modificações corporais mainstream e nonmainstream? O que elas revelam sobre seus atores? E como é possível entender a dor e o risco contidos nessas práticas?
Francisco Ortega - Os estudiosos dessas práticas localizam nas tatuagens e piercings as práticas mainstream, isto é, as mais comuns e difundidas, deixando as nonmainstream para falar de piercings genitais, queimaduras, cicatrizes, implantes de silicone, amputações, entre outros, as quais são restritas a comunidades e subculturas específicas. À medida que as modificações corporais vão se difundindo e atingindo um público maior, aumenta a procura por formas menos difundidas e mais radicais para poder definir um grupo ou subcultura determinada. Quando qualquer adolescente tem uma tatuagem no pescoço, nas costas ou barriga, tatuar-se não representa mais uma prática alternativa de modificação corporal, daí que tenham aparecido recentemente tatuagens sem tinta! Diretamente na carne, com sangue e arrancando a pele. Pensei que a dor e o risco supunham, para além de interpretações mais convencionais, as quais não excluo, mas não privilegio nas minhas análises, uma forma de reclamar a autenticidade dessa prática corporal, de experienciar a corporeidade numa cultura que anestesia a dor e as experiências sensoriais e que nos diz que o corpo é obsoleto, que deve ser superado ou que é uma mera imagem.
IHU On-Line - Por que o senhor discorda de Baudrillard quanto à questão das modificações corporais?
Francisco Ortega - Baudrillard representa uma das abordagens privilegiadas pelos estudiosos das modificações corporais. Segundo essa abordagem, as modificações seriam um “carnaval de signos sem significado anexo”, isto é, um elemento a mais da sociedade do consumo, do espetáculo e do mundo da moda. Não digo que não exista essa leitura nem que não tenha sua validade, simplesmente tento propor uma leitura alternativa mais complexa que focalize na experiência corporal mesma, na fenomenologia da corporeidade. Acredito que alguns elementos ressaltados pelos atores envolvidos nas práticas, tais como o caráter permanente da marca corporal, a planificação e a dor, escapam do ecletismo superficial do mundo da moda.
IHU On-Line - É possível relacionar a busca do corpo perfeito e sua construção com a autonomia do sujeito?
Francisco Ortega - Em nossa cultura somática, esses dois elementos estão unidos, pois privilegiamos os ideais de liberdade e de autonomia entendidas como liberdade e autonomia de cuidar e atingir a perfeição corporal. Não devemos esquecer que a ênfase na autonomia individual está indissoluvelmente ligada à desmontagem do estado de bem-estar assistencial e a privatização das políticas públicas e de saúde. Nesse cenário, a dependência é criticada e tratada com desdém. Reivindicamos uma autonomia que se encontra na base das diferentes tecnologias que nos governam, como diversos autores têm sublinhado. É uma autonomia enganosa, a autonomia e a liberdade de nos vigiar e nos tornarmos expertos de nossa saúde e de nosso corpo, como analiso no meu texto.
IHU On-Line - Como esse culto ao corpo se apresenta no Brasil? Há muitas diferenças nesse comportamento conforme as regiões de nosso país?
Francisco Ortega – O Brasil, como todo o mundo sabe, é campeão em obsessão pelo corpo, academias de ginástica, cirurgias estéticas, entre outros. Sobre as diferenças regionais não saberia dizer, mas imagino que, onde aumente a concentração de renda, a obsessão deve ser maior, nas zonas de praia mais do que no interior.
IHU On-Line - Em seu artigo o senhor afirma que os tabus passaram da cama para a mesa. O homem contemporâneo está obcecado pelo que come? O que há por trás disso? O sexo ficou em segundo plano?
Francisco Ortega - O que está por trás disso é precisamente a cultura somática com sua insistência pela saúde e a busca do corpo perfeito. Sobre os tabus, acredito que a sexualidade tenha sido deslocada como espaço de problematização na nossa cultura. Durante séculos, a verdade de si mesmo e pelo tanto a distinção normal/patológico e os tabus giravam em torno dela. Não quer dizer que hoje a sexualidade não seja mais “problematizada”. Obviamente existem ainda preconceitos, bem como atos de violência contra homossexuais, travestis etc. Parece-me, no entanto, que os indivíduos hoje em dia lidam com mais facilidade com suas escolhas sexuais, as quais provocam menos angústia e ansiedade. Novas patologias que assaltam os consultórios de psicanalistas e psicoterapeutas, tais como anorexias, bulimias, ataques de pânico, entre outros, apontam mais para distúrbios da imagem do corpo que para uma sexualidade recalcada ou reprimida. Ao dizer que os tabus passaram da cama para a mesa, quis fazer uma pequena brincadeira que visa questionar a moralização da comida e da saúde. Ficamos muito preocupados com o doce demais que comemos no jantar de ontem, ou com a picanha que não deveríamos ter aceitado, enfim, é comum nas reuniões sociais as pessoas passarem horas discutindo essas questões. E se vocês deram uma olhada aos sites e blogs de meninas anoréxicas, vemos esse vocabulário recorrente da culpa e da punição em relação à comida.
IHU On-Line - Em que medida a prática de esportes radicais e sexo sem proteção são respostas “à obsessão por comportamentos e estilos de vida sem risco”?
Francisco Ortega - Só quando nos dizem que devemos evitar continuamente os riscos que a incitação de realizar comportamentos de risco aumenta, desde os esportes radicais ao sexo sem camisinha. Da mesma maneira como a proliferação de formas de vida e hábitos arriscados deve ser analisada no contexto de uma cultura que prima pelo desvio aos riscos, a mesma cultura que produz a obsessão pela malhação, a dieta saudável, e qualquer produto novo de fitness, saúde ou beleza, gerou também os casos extremos de sedentarismo, a fast-food, e toda uma gama de drogas sintéticas. Corpos malhados e sarados convivem lado a lado com obesos reticentes e fumantes empedernidos. Como testemunham os consultórios dos psiquiatras, psicanalistas e psicoterapeutas, coexistem em numerosos indivíduos, em difícil equilíbrio, hábitos bioascéticos e descuidados, criando estresse psicológico e tentativas de compromisso individual. O aumento na complexidade de um sistema resulta na diversificação periférica, conservando, no entanto, a coerência global, o que faz com que coexistam e se potencializem mutuamente fenômenos tão paradoxais como o bioascetismo e a displicência somática, ambos manifestações da diversidade periférica.
IHU On-Line - Como o senhor percebe a questão da exclusão/estigmatização daquelas pessoas que estão fora do ideal de beleza atual?
Francisco Ortega - É um absurdo a exclusão e estigmatização de velhos e doentes, afinal, a velhice e a doença faz parte da condição humana. Tem algo de profundamente errado nessa negação de nossa condição