"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, outubro 20, 2012

Os 'refugiados do narcotráfico' no México

Enviado por luisnassif, sab, 20/10/2012 - 15:00

Por Marco Antonio L.

México enfrenta crise de 'refugiados do narcotráfico'

Da BBC

Um dos efeitos colaterais da guerra travada entre cartéis de narcotraficantes rivais e o governo mexicano nos últimos anos tem vindo à tona com cada vez mais clareza: milhares de pessoas tiveram que abandonar suas casas e suas cidades para fugir da violência, sobretudo no norte, criando uma crise de "refugiados do narcotráfico" dentro do próprio país.

Até agora não há estatísticas oficiais sobre o número de refugiados, embora alguns especialistas estimem que a cifra possa ultrapassar um milhão.

Na visão dos analistas, no entanto, mesmo sem números oficiais é possível estimar o impacto e o alto poder destrutivo do fenômeno na sociedade mexicana.

Muitos, principalmente indígenas e agricultores, migraram para os subúrbios das cidades mais próximas, onde sentem-se mais seguros. Outros optaram por locais alheios às guerras entre cartéis, como a capital, e um grande número deixou o país rumo aos Estados Unidos.

Mas a maioria vive um "alto grau de vulnerabilidade", sem emprego e com poucos recursos, em locais precários e sob a ameaça de diferentes grupos de criminosos, indica a analista Magdalena Ávila Lara em entrevista à BBC Mundo.

"Estão sem casa, sem acesso à saúde, sem documentos, sem identidade. Perderam tudo. Em alguns casos seus pertences foram roubados e seus animais saqueados. Perderam sua tranquilidade, sua terra. Em muitos casos vivem escondidos por medo de serem encontrados por grupos do narcotráfico ou as pessoas que os ameaçam", acrescenta.

De acordo com os especialistas, o governo mexicano não reconhece que exista um deslocamento forçado de pessoas devido à guerra contra o tráfico, apesar de o Congresso ter exigido que a administração federal tenha um programa especial para lidar com o problema.

A BBC Mundo solicitou à Secretaria de Governo uma posição sobre as ações oficiais para auxiliar os mexicanos "refugiados" pela guerra do narcotráfico, mas não obteve resposta.

Cidades fantasma

Durango | Foto: BBC

Cenas típicas de bairros abandonados na região de Durango no norte do México

Ainda no final de 2010, praticamente todos os moradores de Cidade Mier, no Estado de Tamaulipas, no noroeste do país, deixaram o local para fugir de uma batalha travada entre o Cartel do Golfo e seu rival, Los Zetas, que pouco a pouco tomou as ruas da região.

A maioria retornou às suas casas quando a Secretaria de Marinha e Exército enviou dezenas de soldados para ajudar a população.

Cidade Mier, chamada de "cidade mágica" em guias turísticos, é o caso mais conhecido de deslocamento forçado pela guerra contra o narcotráfico, mas está longe de ser o único.

ONGs documentaram que locais como Chihuaha, Durango e Sinaloa já podem ser classificados como cidades fantasma pois seus habitantes fugiram temendo as ameaças dos criminosos.

Em alguns casos mais específicos, como em Durango, os chefes do narcotráfico queriam obrigar os agricultores a plantar drogas. Já nas montanhas de Sinaloa, muitos se viram isolados entre as disputas territoriais de grupos como o Pacífico sul, Zetas e a Federação de Sinaloa.

De forma geral, grande parte da população dessa região sofreu extorsões, ameaças, ou tiveram membros de suas famílias assassinados, abrindo mão de suas casas temendo serem mortas.

Problema grave

Em Cidade Juárez, que foi considerada durante muitos anos a cidade mais perigosa do México, autoridades estimam que mais de 100 mil pessoas abandonaram suas moradias nos últimos anos.

No mais recente Censo mexicano, o governo identificou que há cerca de 110 mil casas vazias na cidade. Embora o nível de criminalidade tenha diminuído praticamente à metade, segundo a Secretaria de Segurança Pública, muitas permanecem desocupadas.

Outros sinais que indicam o êxodo nas regiões de maior conflito são a queda do número de matrículas em escolas e universidades e da atividade econômica. Muitos empresários de Chihuahua y Tamaulipas, por exemplo, migraram para a capital ou para o Texas, segundo dados da Câmara de Comércio local.

Fidel López García, do Instituto Luis Mora, diz que o governo ainda não tem uma avaliação mais abrangente.

"No México não temos uma avaliação objetiva, final e determinante sobre as pessoas que se encontram nessas condições".

Ele insiste que se trata de algo muito grave, pois enquanto as autoridades continuarem a ignorar a situação, o problema só tende a piorar. Em agosto, por exemplo, o deputado Arturo Santana, do esquerdista Partido da Revolução Democrática (PRD), apresentou um projeto de lei específico para lidar com os "refugiados do narcotráfico", mas o Congresso decidiu arquivar a proposta.

A dura realidade do trabalho infantil doméstico

Enviado por luisnassif, sab, 20/10/2012 - 18:00

Por Demarchi

Do Repórter Brasil, no jornal Brasil de Fato

Sem perspectivas no sertão da Bahia, aos 15 anos, uma retirante chega a Ilhéus para buscar trabalho em casas de família. Acaba virando cozinheira na casa do árabe Nacib, onde começa propriamente a história de “Gabriela, Cravo e Canela”, romance consagrado de Jorge Amado, encenado várias vezes no cinema e na TV.

A história de Gabriela, muito viva no imaginário popular brasileiro, parte de uma situação tão comum para a sociedade da época que até hoje ainda passa batida para quem se envolve com o livro: o trabalho infantil doméstico.

Num Brasil bem mais moderno e onde o trabalho infantil já era proibido, em 2008, cerca de 320 mil crianças de 10 a 17 anos realizavam trabalhos domésticos, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE. Em 2001, estudo da Organização Internacional do Trabalho apontou que mais da metade (64%)  das 500 mil crianças trabalhando no serviço doméstico então recebiam menos de um salário mínimo por uma jornada superior a 40 horas semanais e 21% tinham algum problema de saúde decorrente do trabalho.

Barreira cultural

Ainda hoje o trabalho infantil doméstico se confunde com solidariedade e relacionamento familiar em lares brasileiros. Em regiões onde convivem famílias pobres e ricas, é comum a divisão do trabalho na cidade ou na fazenda se estender à figura do “afilhado” ou “filho de criação”, geralmente o filho do empregado ou do parente mais pobre que vai à cidade para “ter mais oportunidades” e cuidar da casa e das crianças da família.

“O trabalho infantil doméstico é visto mais como caridade do que como exploração. Isso não mudou”, conta Renata Santos, pedagoga do programa de enfrentamento ao trabalho infantil doméstico (PETID) do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-Emaús), em Belém. Segundo ela, famílias de classe média da capital ainda recebem mão-de-obra do interior do Estado; no interior, a zona urbana emprega as crianças da zona rural.

Renata lembra das primeiras reuniões de conscientização no início do programa, há 13 anos: “Era horrível. Fazíamos palestras em igrejas e anúncios no rádio para tentar sensibilizar as patroas, e elas não entendiam”, conta.

Ativo na região metropolitana de Belém e em quatro outras cidades do Pará, o Petid hoje entrou em sua terceira fase. “Agora fazemos uma campanha mais incisiva. Antes era uma questão de sensibilização, de explicar o problema, e agora nós dizemos claramente que quem emprega mão-de-obra infantil está sujeito a penalidades”, explica Renata.

O trabalho doméstico é tão fortemente enraizado nas práticas sociais brasileiras que chegou a ser contemplado no Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído em 1990 – o ECA determinava regularização da guarda do adolescente empregado na prestação de serviços domésticos. Esse artigo (248) é considerado tacitamente revogado desde 2008, quando o Brasil aprovou a lista de piores formas de trabalho infantil, proibidas para adolescentes com menos de 18 anos.  Entre elas está o trabalho doméstico.

O ministro Lélio Bentes, presidente da mais alta corte trabalhista do Brasil, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), reforça a necessidade das campanhas – incisivas, como diz Renata – de conscientização na área. “Quando se diz que uma criança é levada ao trabalho infantil para ser protegida, para ter oportunidade de estudo – isso é balela, é um discurso construído para justificar a exploração”, afirma. “O que me parece mais eficaz na questão do trabalho infantil doméstico, sem sombra de dúvida, é a conscientização: as pessoas precisam se indignar com a violação dos direitos das crianças e dos adolescentes”.

Características e riscos do trabalho infantil doméstico

Enquanto, em geral, o trabalho infantil atinge mais meninos do que meninas, quando se trata de trabalho doméstico a situação se inverte e fica mais aguda: 94% das crianças e adolescentes trabalhando em casas de família são meninas, segundo a PNAD de 2008.

Com mais de dez anos de experiência no combate ao problema Renata aponta o que considera o maior problema enfrentado pelas meninas que trabalham cuidando da casa ou dos filhos de alguém. “A criança que faz o trabalho infantil doméstico é privada do convívio com sua família e sua comunidade, não é uma situação natural para ela”, explica.

A OIT cita ainda como os riscos mais comuns presentes na vida dessas crianças a submissão a jornadas longas e muito pesadas de traballho, salários baixos ou inexistentes e uma grande vulnerabilidade ao abuso físico, emocional ou sexual.

Renato Mentes, coordenador nacional do Programa para Erradicação do Trabalho Infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT), concorda: “Muitas trabalhadoras domésticas que vêm de uma situação de trabalho infantil têm um perfil mais submisso e introvertido, características desenvolvidas por uma criança ou adolescente que assume um papel de adulto dentro de casa”, afirma. De acordo com ele, uma menina que presta serviço doméstico dificilmente encontra ou tira proveito de oportunidades educativas e de desenvolvimento pessoal.

A defasagem escolar de crianças que fazem serviço doméstico também é muito acentuada, o que também compromete as perspectivas de futuro. Estudo de pesquisadores das Universidades Federais da Paraíba e de Pernambuco publicado na revista Psicologia e Sociedade em 2011 mostrou que 80% das crianças que faziam trabalho doméstico já tinham sido reprovadas; metade dessas crianças atribuíram as dificuldades de desempenho a dificuldades de relacionamento ou adaptação, e 26% delas citaram expressamente o trabalho como fator principal.

Hoje, a principal frente de ação do CEDECA-Emaús no Pará é justamente a escola. “Nossa experiência mostrou que na maioria das vezes a escola sabe da situação da criança, mas não faz a denúncia”, afirma Renata.

Por isso, a estratégia da organização mudou: hoje, oito grupos de jovens, muitos deles ex-trabalhadores domésticos, fazem ações diretas de prevenção em escolas cujos alunos enfrentam o problema. Eles dão palestras sobre o tema dos direitos da criança e do adolescente em escolas, abordam a questão do trabalho doméstico e se aproximam da realidade das crianças exploradas.

Dificuldade de fiscalização

Luiz Henrique Ramos Lopes, coordenador da divisão de trabalho infantil do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), admite que o trabalho infantil doméstico é especialmente difícil de se fiscalizar. “Por causa da inviolabilidade domiciliar, não existe uma ação fiscal contra o trabalho doméstico como há em outras áreas. Não se pode entrar na casa de alguém sem um mandado judicial”, explica.

Muitos fiscais, segundo Lélio Bentes, conseguem fazer a fiscalização em espaços públicos onde a criança trabalhadora doméstica circula, como feiras, parques e mercados. São raras as vezes, no entanto, em que criança é encaminhada para a rede de proteção, já que a regulamentação específica para a fiscalização do trabalho doméstico também é mais branda; instrução normativa do MTE prevê que os eventuais flagrantes devem ser tratados com medidas de conscientização, e não propriamente com autuação dos fiscais. Essa instrução normativa, segundo apurou a Repórter Brasil, está sob revisão e deve cair.

Por fim, a própria atividade do trabalho doméstico adulto é alvo de discriminação por parte da legislação brasileira. O registro de empregados domésticos hoje, por exemplo, não contempla o recolhimento obrigatório do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Também há dificuldades em se aplicar o controle de jornada e fazer valer o direito a pausas e horas extras, por exemplo.  A Convenção 189 da OIT para o Trabalho Doméstico, que exige a equiparação dos direitos desses empregados aos dos demais trabalhadores urbanos, aguarda ratificação do Brasil.

Texto ideologicamente muito bonito, mas sem profundidade nenhuma. Só postei por retratar uma triste realidade nacional, mas os orgãos, assim como o Ministro Lélio Bentes, ao invés de disperdiçarem tempo e recursos com “conscientização” deveriam realmente buscar formas de atuarem na raíz do problema, que de longe tem a ver com conscientização.

Falta de condições dignas de vida e de educação são as razões pelas quais os pais permitem que seus filhos sejam utilizados nesse tipo de atividade. Melhor eles estarem alimentados, vestidos e terem um teto para dormir, do que passarem fome, não terem vestimenta ou correrem o risco de virar morador de rua. Esse é o raciocinio lógico das famílias de onde saem as crianças que realizam o trabalho infantil. Como se pode ter a ideia idiota de que conscientizar os empregadores vai alimentar e vestir as crianças nos “sertões”, e dar a sensação de se estar fazendo o melhor por seus filhos para os pais das crianças carentes?

Sinceramente não entendo essas políticas de tapar o sol com a peneira.

Cansei de Ser Assaltado

viomundo

 

Gregório Thaumaturgo de Azevedo (Parte II)

Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 15 de outubro de 2012.

III

Achava-me no Pará a 19 de fevereiro quando a “Folha do Norte” publicou o seguinte:

Consta que será exonerado do cargo de Chefe da Comissão Técnica de Limites com a Bolívia, o Dr. Gregório Thaumaturgo de Azevedo, em virtude de acusações que lhe são feitas pelos seus companheiros de trabalho na dita Comissão.

Em vista desta notícia dirigi ao Sr. Ministro, na mesma data, este telegrama: “Ministro Relações Exteriores - Rio - Folha do Norte publica um telegrama constando minha exoneração em virtude acusações companheiros. Solicitei, desejo exoneração, mas devo informar oficialmente acusações desleais. Sigo 26 Manaus”.

A mesma Folha no dia seguinte publicou esta declaração:

Procurou-nos o Sr. Dr. Thaumaturgo de Azevedo e a propósito de um telegrama da Folha de ontem comunicou-nos que desde os primeiros dias de janeiro pedira sua exoneração da Comissão de Limites com a Bolívia.

Apesar disso, como consta que tal exoneração lhe era cedida em virtude de representações de alguns colegas de Comissão, Sr. Dr. Thaumaturgo já pediu ao Governo para informar sobre tais representações, a fim de demonstrar o que elas possam ter de inverídicas.

S. S. que vai a Manaus em busca de alguns documentos oficiais para o Governo, partirá para o Sul onde rebaterá, conforme nos disse, as acusações em sua ausência exploradas junto ao Governo.

Não tendo obtido do Sr. Ministro resposta ao meu telegrama, nem recebido comunicação oficial de minha exoneração; compreendi que devia quanto antes passar a direção da Comissão.

Regressando, pois, a Manaus e tendo liquidado com a alfândega as contas de despesas feitas sob a minha responsabilidade e passado ao meu substituto legal tudo quanto existia a meu cargo, segui para esta Capital onde cheguei a 30 de março.

No mesmo dia apresentei-me ao Sr. Ministro entregando ao venerando Sr. Visconde de Cabo Frio, Diretor Geral da Secretaria, o meu relatório, ofícios, contas, mapas, caderno de cálculos, cadernetas e desenhos.

O Sr. Ministro não me recebeu dando como motivo ter acabado tarde a audiência ao corpo diplomático e de ir retirar-se, marcando-me o dia seguinte para falar-me; o que deixou de realizar-se por não ter vindo a sua secretaria.

Dando-lhe tempo para ler a correspondência que entregara, apresentei-me em outro dia e fiz anunciar-me.

S. Exª respondeu que conversasse com o Sr. Visconde de Cabo Frio, e, voltando o contínuo com a minha declaração de já ter-me entendido com o Sr. Visconde, desejando apresentar-me pessoalmente, mandou o Sr. Ministro dizer-me por seu oficial de gabinete - “que me dava por apresentado”.

Deixo de comentar este procedimento do Sr. Ministro, esquivando-se de receber um funcionário que acabava de chegar de importante Comissão, qual a que dirigira, quaisquer que fossem as razões de incompatibilidade pessoal ou administrativa, para que outros o julguem.

Recorri então ao Sr. Presidente da República, comunicando-lhe o que se tinha passado, e solicitei uma audiência para pô-lo ao fato das ocorrências que se deram com a Comissão de Limites. E, como a minha exoneração fora firmada pelo Sr. Dr. Manoel Victorino, então na Presidência, procurei-o, e narrando-lhe o ocorrido, respondeu-me S. Exª que a minha exoneração fora a meu pedido, declarando-lhe o Sr. Ministro do Exterior ser-lhe agradável apresentá-la, por ser a minha opinião incompatível com a da sua Secretaria, acerca dos trabalhos da demarcação. Expondo-lhe rapidamente esta pretendida incompatibilidade, S. Exª mostrou-se convencido da sinceridade da minha exposição e a necessidade de fazê-la pública para que o país conhecesse o modo por que eu havia advogado os interesses nacionais, confiados a minha lealdade e ao meu critério.

Quando não fossem suficientes estes fatos para demonstrar a má vontade do Sr. Ministro do Exterior à minha pessoa, e o empenho que tinha de desacreditar-me, basta a circunstância de permitir com o seu silêncio que o “O País” e o “Jornal do Brasil”,fizessem comentários em meu desabono, falseando a verdade, como se vê nas duas locais que transcrevo.

Em sua edição de 18 de fevereiro disse o “O País”:

Está resolvida, e cremos mesmo que lavrado o respectivo decreto, a exoneração do Coronel Thaumaturgo de Azevedo de Chefe da Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia, tão pouco correto foi o modo por que procedeu no desempenho da importante Comissão.

Qual o meu procedimento, tão pouco correto de que fala o “O País”? Insistir no descobrimento da verdadeira nascente do Rio Javari, contra a opinião do Ministro, como mostra o seu despacho ao Governador do Amazonas? Isso, só pode honrar-me, em vez de merecer censura, e tal é a convicção que levei ao Sr. Ministro com o meu relatório, que ele acaba de providenciar para que a Comissão interrompa os trabalhos da demarcação, que deveriam ser no Rio Juruá, para ir ao Javari descobrir a sua nascente.

Logo, a minha insistência, longe de ser uma incompatibilidade, como alegou o Ministro ao Sr. Vice-Presidente da República, era motivo louvável, que produziu o efeito útil de que acaba de lançar mão mandando descobrir aquela nascente. O “Jornal do Brasil” da mesma data publicou esta notícia inteiramente destituída de fundamento:

PELA DIPLOMACIA

BOLÍVIA — BRASIL

LIMITES

O Sr. Ângelo dos Santos, Comissário Chefe do Material da Comissão de Limites com a Bolívia, apresentou-se ontem, vindo de Manaus, na Secretaria do Exterior, ao Sr. General Dyonizio Cerqueira.

Parece que pouco trabalho fizeram as duas Comissões, tendo demarcado provisoriamente dois afluentes do Amazonas e respectivos limites.

A Comissão boliviana, ultimamente em divergência com a nossa, regressou para Sucre.

Quanto aos nossos delegados, acham-se eles em plena divergência com o Sr. Coronel Thaumaturgo, Chefe da Comissão de Limites. Destas divergências em tempo se ocuparão os jornais de Manaus.

Lamentamos o que sucede com esta momentosa questão, que faz desperdiçar inutilmente avultadas quantias e comprometer a nossa seriedade, indispensável mormente em assunto internacional.

Não é a primeira vez que as Comissões boliviana e brasileira se reúnem, para fazer pouco ou mesmo nada, nem demarcando definitivamente os Rios Purus e Acre.

Estamos certos de que o Sr. General Dyonizio Cerqueira, conhecedor daquelas regiões e das Questões de Limites, tomará a respeito enérgicas providências.

Os trabalhos foram executados definitivamente, de acordo com a Comissão Boliviana e as Instruções comuns que tínhamos.

Esta Comissão não se retirou para Sucre, nem lhe era possível fazê-lo pelo interior da Bolívia, mas para Londres, onde foi estabelecer o seu escritório e aguardar a época da continuação da demarcação.

Sobre a divergência com a mesma Comissão e os meus companheiros de trabalhos,nunca houve, como provei em cartas publicadas na Federação de Manaus, e, acerca das avultadas quantias de que fala, agrada-me sobremodo declarar que não excederam de420:000$ nos dois anos de serviço, as despesas totais de organização, ajudas de custo, aquisição de instrumentos, material flutuante e fornecimento para a força que acompanhava a Comissão.

Propriamente o que se refere às despesas feitas sob a minha responsabilidade, de que dei conta e estão aprovadas pela Alfândega de Manaus e pelo Sr. Ministro, em despachos de 5 e 11 do corrente, foram em 1896 de 54:699$272 importando as de 1895 em 47:379$610, também aprovadas pela mesma Alfândega e o Sr. Dr. Carlos de Carvalho. Nestas despesas estão incluídas compra de canoas, batelão, material, combustível, fornecimento para 60 praças e até gratificações a empregados.

Como se vê, a noticia é evidentemente falsa, e o que admiro é que o Jornal, um ano antes tendo feito referências tão favoráveis à minha pessoa, baseadas nos meus precedentes, fosse tão fácil em aceitar informações de um indivíduo incapaz de dá-las com acerto e sobretudo tendo uma crônica assaz (muito) conhecida.

IV

Antes de transcrever o meu relatório e fazer público o esboço da zona cortada pela linha geodésica, calculada de conformidade com as Instruções e os pontos extremos da fronteira, devo acentuar que, tanto calaram no esclarecido espírito do antecessor do Sr. Ministro as minhas considerações expostas em ofício n° 6, de 22 de julho de 1895, que me foi expedida uma ordem para explorar o Javari, e, se mais tarde, ficou adiada a sua execução nenhuma responsabilidade me cabe; certo de que o ilustre Sr. Dr. Carlos de Carvalho assim procedeu talvez por altas razões de conveniência política, nessa época em que o nosso país via-se assoberbado de complicações diplomáticas de maior relevância, cujas dificuldades soube vencer e aplainar com critério e saber jurídico.

Mas o seu sucessor, que suponho não ter encontrado os mesmos motivos, tanto assim que resolveu mandar explorar aquele Rio, depois do meu relatório, porque expediu o seu despacho de 14 de outubro ao Governador do Amazonas, censurando-me e fazendo crer que nenhuma procedência tinham as minhas considerações, acrescentando ao Sr. Vice-Presidente da República ser-lhe agradável anuir ao meu pedido de exoneração por haver incompatibilidade entre a minha opinião e a do seu Ministério?

O meu relatório mostra em síntese todo o ocorrido e o precedo do citado esboço, que é uma redução a 4ª parte do original remetido com o referido ofício de 22 de julho, e da parte de uma carta do Peru e Bolívia, considerada moderna e sempre consultada pelo Comissário boliviano. Deste modo o leitor acompanhara facilmente a exposição. (Figura 01)

Figura 01 - Esboço Reduzido

Figura 01 — Esboço Reduzido

Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia.

Manaus, 6 de marco de 1897

Sr. Ministro.

Cumpre-me expor-vos, a traços largos, pela estreiteza do tempo de que disponho e atento ao meu estado de saúde, a síntese dos trabalhos que empreendi para desempenho da Comissão que me foi confiada.

Em janeiro de 1895, tive a honra de ser convidado pelo ilustre Sr. Dr. Carlos Augusto de Carvalho, vosso antecessor, para presidir a Comissão, e, como não me sentia com forças nem bastante competência para bem dirigi-la, evitei aceitar a distinção; mas, como se apelava para o meu patriotismo, três meses depois tive de aceder ao convite, assumindo a responsabilidade que se me impunha, não só para demonstrar meu apoio ao Governo do Sr. Presidente da República Dr. Prudente José de Moraes Barros, como principalmente para prestar mais um serviço ao meu país.

Em abril fui nomeado 1° Comissário, tendo aliás, desde janeiro, me encarregado dos preparativos da Comissão, como foram a escolha e reparação dos instrumentos existentes no arquivo do vosso Ministério, aquisição do material necessário para uma longa Expedição e organização de tudo quanto é preciso a Comissões idênticas.

Segundo os protocolos de 19 de fevereiro e 10 de maio desse ano, assinados pelos Ministros representantes dos governos brasileiro e boliviano, foi resolvido:

quanto ao primeiro, o acordo de completar-se a demarcação do Rio Madeira ao Javari e adotar-se para todos os efeitos, como nascente principal do Javari, a determinada pela Comissão Demarcadora dos Limites entre o Brasil e o Peru, cujas coordenadas são: 7°1’17,5”, Latitude Sul e 74°8’27,07” Longitude Oeste de Greenwich; quanto ao segundo, a aprovação das Instruções pelas quais devia guiar-se a Comissão Mista.

Segundo estas, as duas Comissões deviam reunir-se na cidade da Labrea, no Purus, e dali seguir este Rio ate sua confluência com o Aquiri ou Acre, pelo qual subiriam para determinar os pontos em que é cortado pela Linha Geodésica, nos quais se colocariam Marcos. Se fosse possível, a Comissão Mista devia ir ao Rio Abuná, cuja posição também determinaria, se acaso cortasse a Linha Geodésica, depois do que voltaria a Comissão para subir os Rios Iaco ou Iaco e Alto-Purus e prosseguir a demarcação pelo Rio Juruá e seus afluentes até o Javari para assinalar seus afluentes.

Ainda nestas Instruções se me declarava não haver necessidade de verificar a nascente do Javari, visto ficar adotada pelos dois governos a operação pela qual na Demarcação dos Limites entre o Brasil e o “Peru” se determinou aquela posição. Preparada a Comissão, tive de partir para Manaus onde cheguei a 30 de maio.

Tendo estudado os trabalhos das Comissões do Peru e prendendo-se minha atenção à descrição feita pelo chefe da 2ª Comissão, reconheci desde logo que ele próprio confessara não ter atingido a nascente principal do Javari, cujas coordenadas calculadas por estimativa não constituem por certo a expressão da verdade.

Por essa leitura e pelas informações que colhi, em Manaus de diversos moradores do Javari, tomei a deliberação de apresentar ao Governo em ofício n° 6 de 22 de julho considerações para mim de alto valor, com o fim único de chamar sua atenção para assunto de tanta relevância.

Por essa ocasião disse:

(...) Mas, podendo garantir desde já por informações inteiradas que hei colhido, que a nascente principal do Javari se acha muito acima do marco aos 7°1’17,5” Latitude Sul (o marco foi posto na margem direita do Javari aos 6°59’29,5” Latitude Sul e aquela Latitude se refere à estimada correspondente à nascente), ao nosso Governo cabe o direito de discutir o disposto no artigo 4° para a verdadeira interpretação que é no caso vertente, ser colocado o último marco da fronteira com a Bolívia, na origem principal do Javari, salvo a hipótese de estar esta ao Sul do Paralelo de 10°20’.

(...) A aceitar o Marco do Peru como o último da Bolívia, devo informar-vos que o Amazonas irá perder a melhor zona de seu território, a mais rica e a mais produtora; porque, dirigindo-se a Linha Geodésica de 10°20’ a 7°1’17,5” ela será muito inclinada para o Norte, fazendo-nos perder o Alto Rio Acre, quase todo o Iaco e o Alto-Purus, os principais afluentes do Juruá e talvez os do Jutaí e do próprio Javari; Rios que nos dão a maior porção da borracha exportada e extraída por brasileiros. A área dessa zona compreendida no triângulo ABC (Figura 01) a ser exato o esboço que junto a este passo as vossas mãos, é maior de 5.870 léguas quadradas. Toda essa zona perderemos, aliás explorada e povoada por nacionais e onde já existem centenas de barracas, propriedades legitimadas e demarcadas e seringais cujos donos se acham de posse há longos anos, sem reclamação da Bolívia, muitos com títulos provisórios, só esperando a demarcação para receberem os definitivos.

(...) Portanto, a serem executadas as Instruções que me destes, vereis pelo referido esboço, que suponho mais ou menos exato, terá o Amazonas de perder 46% da produção da borracha ou anualmente 2.610:960$, no caso da linha de limites não abranger os afluentes do Rio Juruá; ou se os abranger, a perda da produção será de 68% e a renda desfalcada de 3.859:680$ e maior ainda será o prejuízo e o desfalque na renda, se a mesma linha não salvar os afluentes do Rio Jutaí e os do próprio Javari, como o Itecuai já navegado por vapores em muitos dias de viagem.

(...) Nestas condições, penso que podeis apresentar ao Ministro boliviano o alvitre de ser descoberta a verdadeira origem do Javari, e, uma vez reconhecida,ali se colocar o último marco da fronteira com a Bolívia, sendo então os outros estabelecidos nos pontos de interseção da linha geodésica do Madeira a esse Marco com os diversos Rios que a cortarem, tal como se contém nas minhas Instruções. Neste caso o Peru continuará a confinar com o Brasil, seguindo a linha de limites o curso do Javari até sua nascente principal.

Se porém não quiserdes alterar o estabelecido nas Instruções, preferindo como verdadeira nascente do Javari, que é um erro geográfico, como disse, a Latitude determinada pela Comissão demarcadora do Peru, vejo um outro recurso que poderá ser posta em prática para salvaguardar os interesses de que acima tratei (...)

Em vista deste meu ofício, o vosso antecessor achou acertado por despacho de 19 de setembro, mandar proceder a exploração necessária para verificar a verdadeira posição do Javari; mas, infelizmente, por telegrama posterior recebi comunicação de estar suspensa a execução daquele despacho; razão pela qual não dei em seguida começo à exploração do referido Rio. A descrição dos trabalhos iniciados, em 1895, bem como as causas determinantes da Comissão Mista não ter realizado nesse ano a demarcação do Purus e seus afluentes, foram comunicadas ao vosso antecessor, bem como por essa ocasião enviei cópia de toda a correspondência trocada entre mim e o Coronel Pando, então Chefe da Comissão Boliviana. Retirando-se a Comissão para Manaus, chegou em dezembro e como todo o pessoal técnico e do contingente se achava enfermo, tive de dar licença a uns para tratamento de saúde e dispensar do serviço a outros que pediram, sendo aprovado pelo vosso antecessor.

Em fevereiro de 1896, tendo recebido chamado urgente do Sr. Ministro do Exterior para ouvir-me pessoalmente sobre a continuação da demarcação, fui até essa capital onde, depois de dar as informações exigidas, regressei a Manaus, certo da Comissão ter de começar seus trabalhos pelo Rio Javari. Por essa ocasião expus as razões que tinha e tenho para não considerar como descoberta a cabeceira do Javari e, em confirmação de já não se conhecer materialmente a posição do Marco colocado pelo Sr. Barão de Tefé e também de muitos moradores tomarem como prolongamento do Javari o Rio Galvez em lugar do Jaquirana, apresentei uma carta de Theodoro Monteiro da Cunha, acompanhada de um esboço, que mais tarde serviu para ser condenada minha opinião.

Mas o Sr. Ministro das Relações Exteriores tanto aceitou procedentes as informações dadas por mim, que retirando-me para Manaus, vim certo de começar a demarcação pelo Javari.

Dias depois, porém, recebi um despacho em que se me ordenava continuar a demarcação de acordo com as primitivas Instruções, isto depois de não ter-se conformado o Ministro boliviano com uma Nota que lhe fora expedida. Não querendo mais insistir sobre as considerações anteriormente feitas, resolvi cumprir o que se me determinava e assim em julho parti para o interior do Estado, subindo o Rio Purus para recomeçar a demarcação cujos trabalhos relativos a esta parte foram descritos em meu ofício n° 70 de 1 de janeiro do corrente ano.

Ao regressar a Manaus soube que o Governador havia recebido um despacho vosso em relação a perda de território que vai sofrer o Amazonas e, como se dizia que as considerações feitas nesse despacho me eram infensas (adversas) e quase toda a população de Manaus sabia disto, dirigi ao mesmo Governador um ofício pedindo por cópia o referido despacho, o qual sendo-me dado tive ocasião de apreciar as vossas considerações.

Imaginai, Sr. Ministro, a minha surpresa e desgosto de ver-me gravemente acusado por atos que não pratiquei e pelo fato de promover oficialmente o descobrimento de uma verdade em vantagem do meu país, chamando a atenção do Governo para uma questão que considero importantíssima e que, apesar de todas as considerações em contrário, julgo necessário ser elucidada.

Eu não dei a particulares informações sobre trabalhos da Comissão, e se o Sr. Barão do Ladário em discurso no Senado referiu-se a mim, e porque, conhecedor da questão, pois que é também de opinião que o Javari vai além de 7°1’17,5” e sabendo que eu tinha Instruções para começar a demarcação pelo Purus, quando era de parecer que partisse do Javari, citou o meu nome em seu apoio.

À imprensa absolutamente não dei informações e sempre me neguei a dá-las, não tendo culpa que em minha ausência se fizessem referências muitas vezes inexatas e até contrárias à minha opinião conhecida.

Não são a carta e esboço que apresentei ao Sr. Diretor Geral da Secretaria do vosso Ministério que me autorizam a considerar a nascente do Javari ao Sul de 7°1’17,5”, mas sim outras considerações cada qual mais convincente.

Em primeiro lugar, afirmo que o Sr. Barão de Tefé não foi a cabeceira do Jaquirana; ele mesmo confessa, e, por conseguinte, as coordenadas dessa nascente não foram calculadas por observações no lugar, mas somente estimadas; acrescendo não ter ele cumprido o §10 de suas Instruções que determinava chegar a exploração pelo menos ate 7°30’.

Em segundo lugar informações de moradores do Javari dão como certo que o Jaquirana vai mais além do ponto determinado pelo Sr. Barão de Tefé e também que esse Jaquirana não é o prolongamento do Javari, mas sim um afluente dele; que o verdadeiro Javari é o Galvez hoje pertencente ao Peru, em virtude do acordo estabelecido pela 1° Comissão Demarcadora, e para isto dizem que as águas deste são da mesma cor que as do Javari, ao passo que as do Jaquirana são escuras.

Ora, como nenhuma das Comissões foi à cabeceira destes Rios, ignora-se ainda qual e o que vai mais ao Sul para ser considerado o Ponto Terminal da linha geodésica que limita o Brasil com a Bolívia de acordo com o Tratado vigente.

Em terceiro lugar, a opinião de Paz Soldan, do Sr. Barão de Ladário e do próprio Coronel Pando, ex-chefe da Comissão boliviana, é que o Javari vai além de 7°30’.

Por último, a experiência que tenho da constituição hidrográfica da Bacia do Amazonas cujos Rios e afluentes parecendo acabar-se em um certo ponto, em virtude de uma barreira suposta invencível, atravessam essa barreira e continuam seu curso muitas léguas adiante.

O Rio Memachi, primeiro da linha de limites com Venezuela, é um exemplo.

Afluente do Naquieni já por si estreito, ele não dava passagem senão a ubás, parecendo acabar-se perto; atravessei-o em banhados extensos e depois fui encontrá-lo pequeno córrego e o acompanhei pela margem até sua cabeceira, onde o vi formar-se.

O Rio Antimari, que é um afluente do Acre ou confluente do Purus, também estreito, só dando passagem a canoas sem toldas na enchente, parecendo acabar-se onde existe a última barraca de seringueiro; o fato dos moradores do lugar desconhecerem a continuação do seu curso, e do capitão Piá, 1° Ajudante da Comissão, ter regressado deste último ponto por lhe ser impossível atravessar um grande chavascal no qual se perdia, e outro exemplo; pois deste Rio fomos ter perfeito conhecimento de ir acima da Foz do Rio Iaco, dirigindo-se muito ao Sul, fazendo acreditar que suas cabeceiras vão além de 10° de Latitude.

Figura 02 - Linha de Limites n° 2

Figura 02 — Linha de Limites n° 2

Ora, se com este pequeno confluente do Purus dá-se isto, porque com o Javari, afluente caudaloso do Solimões a natureza fê-lo tão curto quando com aqueles e outros os leva acima de 9°, 10° e até 12° de Latitude Sul?

Acresce que as mais modernas cartas do Peru e Bolívia dão o Javari próximo de 8°, como sejam a “Carta-Comerciale de Bolívia” por F. Bianconi, publicada em Paris, outubro de 1890, terceira edição, e a “Carta do Peru e Bolivia” por J. Arrowsmith, publicada em Londres, cartas que eram consultadas pelo atual chefe da Comissão Boliviana M. Satchell.

Portanto, qualquer que seja a alteração na Latitude, esta influirá em toda a Linha Geodésica, desde seu começo no Madeira, e, uma vez que se descubra que o Javari nasce acima de 7°1’17,5” ou a 8°, a diferença é considerável e o território a conquistar-se bastante grande para salvar a parte considerada mais rica nessa zona, que atualmente ira pertencer a Bolívia, se for considerada definitiva a atual demarcação.

Após os trabalhos realizados no Purus, já está verificado que o esboço remetido ao vosso antecessor é mais ou menos verdadeiro, pois pela demarcação realizada perdemos, pode-se dizer, todo o Rio Acre, o Rio Iaco, e grande parte do Alto-Purus, explorados e povoados por brasileiros e de onde vem a maior produção de borracha.

A linha no Acre passa em Caquetá 60 horas de navegação em canoa acima da sua Foz; no Iaco passa a três horas em canoa de sua Foz e no Alto-Purus a 55 horas em canoa da Foz do Iaco. (Figura n° 6).

O cálculo que fiz de 5.870 léguas quadradas perdidas para o Amazonas foi baseado na hipótese de ir o Javari até o Paralelo 10°20’, que não é arbitrário, mas o indicado pelo Tratado; e para limitar o triângulo que constitui essa área fiz o que indica o bom senso,baixar uma perpendicular da suposta cabeceira do Jaquirana (7°1’17,5”) ao referido Paralelo (10°20’).

Se essa nascente for mais ao Sul, se for a 8° por exemplo, o triângulo será ainda limitado pela perpendicular baixada da Latitude 8° ao Paralelo 10°20’, sendo então a área perdida menor do que a atual.

Eu não disse ter havido erro ou engano na Latitude em que se pôs o Marco, mas sim nas coordenadas que se referem à nascente, por se basearem na hipótese de não ir além de algumas milhas do Marco, essa nascente que o Sr. Barão de Tefé afirma ver nascer de baixo de seus pés, quando ele mesmo declara que o Rio se perde em um banhado, que aliás não foi explorado, nem ele levou suas investigações além do ponto em que foi obrigado a retroceder por causa dos índios.

E como se poderá saber que a verdade esteja com o Sr. Barão de Tefé ou comigo, se ainda não se fez exploração alguma para descobri-la? É que desejo eu senão isso mesmo, verificar se a nascente principal do Javari está ou não na Latitude e Longitude estimadas pelo Sr. Barão de Tefé e se o Jaquirana é ou não o verdadeiro Javari?

Por tudo isto entendo que o Governo está fazendo despesas inúteis com trabalhos que não podem ser considerados definitivos, sem que primeiramente se determine o ponto extremo da Linha Geodésica, porquanto só é conhecido definitivamente e esta aceito o do começo da Linha, no Madeira, a 10°20’ Latitude Sul.

Todo o meu intento é informar ao Governo e nunca levantar questão que possa criar-lhe embaraços. Para isso é que desde o começo da demarcação aventei a ideia de se explorar a cabeceira do Javari para depois iniciar-se a demarcação.

O tratado com a Bolívia é claro, e pouco importa que aos 7°1’17,5” terminem os Limites do Brasil com o Peru para terminarem também com a Bolívia, quando na hipótese de ser o Jaquirana o tronco do Javari, nada mais natural do que o Peru continuar a limitar-se pela margem esquerda desse Rio com o Brasil até sua cabeceira, onde terminam os limites com a Bolívia.

Se, porém, for o Galvez o verdadeiro Javari, um erro geográfico não constitui direito, e ao Brasil cabe o de reivindicar essa zona entre o Galvez e o Jaquirana, até a nascente do Galvez; o que se verificará pela natureza do álveo (canal), volume e cor das águas, e outros indícios que corroborem a verdade que se quer conhecer.

Na opinião de muitos é o Galvez e não o Jaquirana a continuação do Javari; e já em 1781 e 1782 a Comissão Luso-espanhola demarcadora de limites em virtude do Tratado Preliminar de 1777 tinha dúvidas, e não pode resolver qual dos dois braços era o tronco principal do Javari.

A questão, portanto, continua de pé, não podendo exprimir a verdade sem uma exploração rigorosa e verificação do acordo feito pelos demarcadores do Brasil e Peru para considerarem o Jaquirana como o tronco do Javari.

Todo o meu desejo, pois, é que seja o Governo bem informado para que possa decidir esta questão com vantagem para o nosso país; e se peco pela insistência, resta-me a consciência de ter cumprido o meu dever.

Devo agora referir-me aos trabalhos técnicos realizados nos dois anos de demarcação.

Os problemas resolvidos foram: a determinação da Linha Geodésica que liga o Marco do Madeira ao do Javari e o seu azimute em relação ao Meridiano que passa pelo Marco do Madeira; a fixação dos pontos de interseção dessa Linha com os Rios Aquiri ou Acre, Yaco ou Iaco e Alto-Purus; a das Coordenadas de diversos lugares sabre esses Rios e os seus respectivos levantamentos até Manaus.

Em 1895, tivemos, pois, de calcular a Linha Geodésica, Limite da Fronteira dos dois países e início dos trabalhos a executar.

Como sabeis, a Linha Geodésica é a mais curta de um ponto a outro sobre a superfície da terra, tendo por caráter peculiar que o seu plano osculador é normal a superfície sobre a qual é traçada.

Assim: sobre a esfera é um arco de circulo máximo; sobre as superfícies desenvolvíveis torna-se reta no desenvolvimento; sobre um esferóide de revolução e hélice; sobre o esferóide terrestre e uma linha de dupla curvatura gozando da seguinte propriedade:

O seno do ângulo que a Linha Geodésica faz com o Meridiano esta na razão inversa do raio do Paralelo sobre o qual ela o encontra.

Existe sempre um Meridiano que uma Linha Geodésica dada encontra em ângulo reto, e a propriedade acima enunciada dá o raio do Paralelo sobre o qual tem lugar o encontro com este Meridiano.

A determinação da Linha Geodésica entre os Marcos do Madeira e Javari e do seu Azimute em relação ao Meridiano que passa pelo marco do Madeira foi obtida pelas fórmulas: (...)

Foi de conformidade com as primeiras fórmulas que se chegou à organização do quadro das Coordenadas Geográficas da Linha Geodésica calculadas de 10’ em 10’ de Longitudes que vos remeti com o meu ofício n° 70.

Nesse ano fez-se ainda o levantamento do Rio Acre até acima de Caquetá e o de uma parte do Rio Antimari.

Em 1896, os trabalhos consistiram na determinação das Coordenadas Geográficas dos pontos de interseção da Linha Geodésica com os Rios Aquiri ou Acre, Hyuaco ou Iaco e Alto-Purus e nos levantamentos desse Rio Iaco, desde acima da linha até sua Foz com o Purus, do Alto, Médio e Baixo-Purus, até sua Foz no Rio Solimões e deste ligando-o a Manaus.

A Longitude, a Latitude, o Azimute, a Altitude e Declinação da agulha, elementos indispensáveis para o conhecimento da posição de um ponto qualquer da terra, foram estudados com a precisão possível em Comissões desta natureza e diferentes foram os processos empregados de cujos resultados parciais se tomava uma média que servia para adoção definitiva dos trabalhos.

Os cálculos e observações astronômicas e cronométricas estão consignados nos cadernos em original que a este acompanham, e os levantamentos dos Rios nas cadernetas de campo que também vos entrego. A construção desses levantamentos foi suspensa em vista do vosso telegrama dirigido ao Governador do Pará requisitando-me as cadernetas e cadernos que serviram para a Demarcação.

E como prova de que ia o serviço em adiantamento vos entrego também os desenhos sem original da parte construída. Esperava concluí-los para serem reduzidos à escala menor e projetados em carta com a Linha Geodésica traçada entre os dois Marcos terminais. Atento, porém, à urgência do tempo, não me foi possível ultimá-los.

Antes de terminar permiti referir-me aos telegramas publicados nos jornais do Pará e naturalmente de outros Estados que deram a minha exoneração como motivada por acusações de meus companheiros de Comissão.

Ignorando quais possam ser essas acusações que só agora, depois de dois anos, surgem contra mim, e reiterando-vos o meu pedido em telegrama dirigido de Belém, para informar sobre essas acusações que julgo desleais, peço-vos de novo que me declareis os pontos de acusação para minha defesa, posto que, antes de a terdes já me sentenciastes, se efetivamente é real a exoneração publicada por esses jornais, se bem que até esta data nenhuma comunicação oficial tenha recebido.

Sr. Ministro, pensai bem na minha conduta em dois anos de sacrifícios, comparai-a com o meu passado que tanto conheceis, e meditai na desorientação que vai lavrando, fazendo brotar a inveja e a intriga, e dizei em consciência se mereço essas acusações, quaisquer que elas sejam e de quem possam provir, e depois julgai-me sob a luz da justiça, com ânimo desprevenido. Só me julgo criminoso por cumprir deveres além do meu dever.

Investido de qualquer função pública, eu penso que a melhor recompensa que posso ter é a tranquilidade de minha consciência, e daí, uma vez que seja justo e legal o que pratico, todo o meu empenho é executar o que se me recomenda, embora fira a interesses contrariados. Muitos assim não compreendem, e como me é impossível satisfazer a exigências intempestivas, é muito natural que os meus desafetos empreguem todos os meios para a realização do seu fim.

Apresento-vos, Sr. Ministro, as seguranças dos meus protestos de consideração.

Sr. Dr. Dyonizio Evangelista de Castro Cerqueira, Ministro das Relações Exteriores.

Gregório Thaumaturgo de Azevedo.

V

Devia agora publicar a correspondência trocada entre mim e o Coronel Pando, ex-chefe da Comissão Boliviana, acerca dos trabalhos realizados, em 1895, o Quadro das Latitudes Geográficas calculadas para Longitudes de 10’ em 10’ e o das coordenadas de diversos pontos determinados nos Rios Purus, Acre e Iaco. Mas, como é longa, não o faço.

Ver-se-ia por essa correspondência qual o meu procedimento nessa época e os esforços que empreguei para salvaguardar sempre, a cada momento, os interesses do meu país, tendo a suprema ventura de alcançá-los como ordenavam o meu dever e o meu, patriotismo. Entretanto, transcreverei alguns trechos desses documentos.

Em carta oficial de 14 de outubro, respondendo a outra do Coronel Pando, expus:

(...) Diz mais V. Exª, que da parte da Comissão que preside há o propósito de apressar a demarcação, e como prova dessa disposição de ânimo, nascida de um sentimento de probidade conforme com a política que impera em sua pátria.

Este alarde de provas que V. Exª apresenta para dar armas de franqueza e lealdade com que quer encaminhar os trabalhos à boa solução, merece reparos, e por isso V. Exª me desculpará de fazê-los, por ser impelido a atender a outro sentimento mais nobre e sobretudo em homenagem a verdade.

Quem souber que a Comissão Brasileira, com uma viagem penosíssima em canoas, partindo da Cachoeira a 14 de agosto, sem pessoal afeito a essas viagens, conduzindo pesado material, pode chegar a este ponto, contra a expectativa de todos, a 22 de setembro, não dirá por certo que ela tenha tido o propósito de protelar os trabalhos de demarcação, quando é natural supor-se que os impulsione, à vista das dificuldades de todo gênero com que luta para manter um pessoal numeroso e da aproximação das águas, que impedirão infalivelmente o trânsito por terra. (...)

Tal sentimento de probidade não e só inerente a pátria de V. Exª e há de fazer justiça aos outros países, que ele nasce do patriotismo de seus filhos, provindo da educação e da índole e sobretudo dos exemplos tradicionais dos seus antepassados.

Dois fatos vem evidenciar a V. Exª a norma de proceder dos governos do Brasil.

No Império, subjugado o Paraguai pelas nossas armas vitoriosas, fácil seria conquistar-se esse território talado pela guerra mais crua dos tempos modernos; entretanto, o Brasil com sacrifícios enormes soube manter a autonomia e integridade do Paraguai.

Na República, a questão das Missões podendo ser resolvida pelas armas, porquanto o direito era nosso e incontestável, o Governo brasileiro preferiu submetê-la a um arbitramento que veio confirmar o seu direito, continuando as duas nações em perfeita amizade. (...)

Finalmente, termino a presente com uma solicitação a V. Exª. Nada lucramos com discussões semelhantes, ao contrário, podem elas trazer divergência a harmonia, que convém evitar, entre os membros das duas Comissões, paralisando ou dificultando os trabalhos e causando sérios embaraços aos interesses recíprocos dos dois países.

Em carta de 5 de novembro disse:

(...) Há 44 dias que se acham em Caquetá as duas Comissões com o fim de iniciar os trabalhos de demarcação desta parte da fronteira, e como sabe V. Exª, durante este tempo apenas chegaram a acordo sabre o Quadro das Latitudes Médias da Linha Geodésica a deste lugar, faltando a determinação da sua Longitude como ponto inicial para o prosseguimento dos trabalhos.

Desgraçadamente, como diz V. Exª, surgiu a divergência sobre essa Longitude, de modo a impedir a continuação do serviço; e se ela não tivesse aparecido, a esta hora a Comissão Mista teria cumprido seu dever e outros pontos já estariam determinados.

Perdurando, porém, essa divergência e podendo surgir outras nos diversos pontos a demarcar-se, não devo aceitar o alvitre de V. Exª de mandarmos estabelecer Marcos nos lugares indicados pelas Longitudes calculadas pelas duas Comissões, por ficar de permeio uma Zona Litigiosa, nem concordar na colocação de um marco provisório na distância média das duas Longitudes, porque isto seria desconhecer que a verdade é una e indivisível, e contribuir para deixar pendente uma questão melindrosa, que teria de ser submetida aos governos dos nossos países, sem resultado prático para a solução da questão e sobretudo para o bem público.

Uma das duas Longitudes deve prevalecer. (...)

Penaliza-me assim não poder corresponder a esperança a que se refere V. Exª de chegarmos a um resultado pronto e decisivo, como também era do meu desejo, porque a isso sou levado pela convicção em que estou de achar-se a verdade do lado da Comissão Brasileira.

Em carta de 7 de novembro disse ainda:

Há sido meu empenho, como já uma vez tive ensejo de dizer a V. Exª, abster-me de discussões sem resultado prático para a demarcação.

Coagido, porém, a sustentá-las, senão pela responsabilidade do cargo, ao menos por atenção a V. Exª, sou levado ainda hoje a responder a carta de V. Exª de ontem datada, com as considerações que julgo cabíveis em face das com que procurou justificar-se da demora de nossos trabalhos, sem ter antes atendido aos 46 dias de quase completa esterilidade e aos sacrifícios que meu país está fazendo, sustentando um encargo pesadíssimo somente para corresponder as tradições de uma política generosa e leal. (...)

Por conseguinte, mantenho as minhas considerações emitidas em documentos anteriores, e para por termo a esta protelação que parece prolongar-se indefinidamente, tenho a honra de convidar V. Exª para designar-me o lugar em que deva ser realizada hoje, a 1 hora da tarde, nova conferência da Comissão Mista para o fim único de resolver definitivamente o começo dos trabalhos da demarcação.

Contando com os sentimentos do dever que nos obriga a assim proceder, reitero a V. Exª os meus protestos de particular deferência e consideração, e subscrevo-me de V. Exª etc.

Resta agora que a Comissão incumbida de explorar a nascente principal do Javari atinja a sua verdadeira origem e verifique qual dos dois braços — Jaquirana ou Galvez — é o tronco principal desse Rio.

Se descobrir que efetivamente vai acima de 7°1’17,5”, como tenho assegurado, posso dizer que fui eu quem salvou um pedaço do nosso território de ir pertencer a país estrangeiro, e com isto dar-me-ei por bem pago dos sacrifícios que fiz em dois anos de trabalhos, dos desgostos que tenho tido e da ingratidão como recompensa a minha dedicação.

Se do Governo do meu país não tive sequer uma palavra de agradecimento por esses serviços prestados, em compensação, recebi sempre inequívocas demonstrações de apreço de todos quantos pessoalmente observaram os sacrifícios feitos; e como prova transcrevo o protesto publicado no Pará, em minha ausência, na Folha do Norte de 27 de fevereiro, por capitalistas residentes no Purus, que nessa época se achavam em Belém:

A BEM DA VERDADE

Exmo. Sr. Dr. Gregório Thaumaturgo de Azevedo

Nos abaixo assinados, proprietários e comerciantes nos Rios Purus e Acre, atualmente nesta capital, tendo lido no diário FOlha do Norte, de hoje, um telegrama em que se diz ir V. Exª ser exonerado do honroso cargo de chefe da Comissão de Limites entre a Bolívia e o Brasil, por acusações dos vossos companheiros, cônscios do muito que fizestes para levar ao ponto em que se acham os trabalhos dessa Comissão, demonstrando abnegação e patriotismo exemplares; sendo testemunhas oculares dos sacrifícios a que vos expusestes, a ponto de puxar sirga para animar o pessoal que servia na Comissão, serviço que não esta para a estatura de vultos como V. Exª, a menos que não queiram, como V. Exª quis, mostrar que acima do bem estar está o bem da pátria; vem, espontaneamente, significar a V. Exª a sua admiração e respeito pelo muito que fizeste em prol deste grande Brasil.

Pedem releve V. Exª se com esta afirmativa sincera ofendem a vossa modéstia.

Belém, 21 de fevereiro de 1897.

José Antônio da Cunha Barreiros, José Antônio Barreiros, Raimundo Rodrigues da Cunha, José Vicente Ferreira, Manoel Dias Soares de Pinho, João Cotrim Silva Brito, José Martins de Araujo, José Vaz Cruz, Antônio Ignácio de Lima, Francisco José Gomes, José Januário de Souza, Valdevino Barbosa, José Barbosa de Oliveira, Guilherme Gustavo Hoeffner, Pedro Gomes Leite Coelho, Aprigio Soares, Antônio Castro Vianna, Joaquim Alves Maia, Antônio E. Fayal & Cia., Antônio Alves de Mello e José Quintino Junior.

Também por sua vez o Sr. Guilherme Gustavo Hoeffner, alemão, proprietário no Purus e ex-comandante de vapores da Companhia do Amazonas, que muitos serviços prestou gratuitamente à Comissão, abandonando sua família e seus interesses, dirigiu-me esta carta que me foi entregue de volta de Manaus:

Pará, 3 de março de 1897 — Ilmo. e Exmo. Sr. Dr. Gregório Thaumaturgo de Azevedo.

Apresso-me em declarar a V. Exª que só prestei-me a levar o aviso Tefé ao Rio Acre e a Cachoeira, assim como a lancha Pátria, por deferência a V. Exª pela alta influência e simpatia de que goza no Amazonas.

Continua ao dispor de V. Exª o amigo e criado obrigado. — Guilherme Gustavo Hoeffner.

Já agora publico igualmente a carta que me dirigiu a importante firma comercial de Manaus, de Araujo Rosas & Cia., meus procuradores, e de todos os companheiros da Comissão.

Por ela se verá que me prestaram reais serviços em benefício dos trabalhos da demarcação, como em tempo comuniquei ao Ministério do Exterior.

Manaus, 6 de março de 1897 — Ilmo. Sr. Dr. Gregório Thaumaturgo de Azevedo — Presente — Prezado amigo e senhor — Incluimos sua conta corrente fechada em 31 de dezembro do ano passado, mostrando a seu favor o saldo de 12:890$220, que lhe rogamos conferir e avisar-nos.

Das transações havidas de 1° de janeiro até hoje não nos é possível, pela escassez de tempo, fornecer-lhe agora a respectiva conta corrente que, entretanto, lhe enviaremos na primeira mala.

Segundo somos informados, acaba V. Exª de passar o exercício de Chefe da Comissão de Limites entre o Brasil e a Bolívia ao muito digno Sr. Capitão-Tenente Augusto da Cunha Gomes, 2° Comissário daquela Comissão, visto ter a Folha do Norte, jornal que se publica no Pará, e temos em mãos, publicado um telegrama em que se diz ter sido V. Exª dispensado da referida Comissão, cuja dispensa sabíamos já ter sido solicitada por V. Exª.

Aproveitamos o ensejo para dizer-lhe que na qualidade de Chefe dessa Comissão, a qual foi por V. Exª iniciada, julgamos ter V. Exª prestado reais serviços ao país, serviços que, a nosso ver, jamais poderão ser esquecidos: visto como, se não fora a sua dedicação pelo público serviço e o crédito merecido de que goza no comércio, certamente a Comissão não teria, por falta de crédito para as despesas, iniciado os seus trabalhos, continuando-os no ano seguinte, como aconteceu.

Do que acabamos de expor somos testemunha, porque foi a nós que V. Exª recorreu nessas ocasiões e lhe fornecemos por sua conta os dinheiros necessários para as imprescindíveis despesas da Comissão, a fim de que ela principiasse e continuasse os seus trabalhos, cujos dinheiros nos foram pagos pela Alfândega, quando veio crédito para isso.

Tais créditos chegaram aqui quando V. Exª já se achava nos trabalhos da Comissão, no Rio Purus, o que não aconteceria, se não fosse o crédito pessoal de que dispunha, vendo-se necessariamente privado de seguir e só o podendo fazer quando aqueles créditos chegassem aqui.

Não é difícil calcular os prejuízos e transtornos de uma tal forma.

Entendemos, pois, do nosso dever, patentear-lhe estes serviços, que reconhecemos ter prestado, além de muitos outros que não ignoramos.

Apetecemos-lhe boa saúde e próspera viagem, por sermos com estima e consideração. De V. Exª amigos e criados obrigados —Araujo Rosas & C.

Por sua vez os Srs. Comendador Hilário Alvares, Coronel Luiz Gomes e outros muitos cavalheiros tiveram ocasião de prestar-me relevantes serviços em favor da Comissão e todos o fizeram por simpatia pessoal, conforme declarações expressas testemunhadas pelos companheiros.

O Sr, comendador Hilário, além da dispendiosa hospedagem que deu a Comissão durante muitos dias e em duas épocas, perdeu mais de 5:000$ com o aluguel de sua lancha, por nos haver dispensado em favor do país, a pedido meu, visto estar esgotado o crédito a minha disposição e não querer solicitar novo, em 1895; e maior prejuízo teve, em 1896, com o trabalho de levantamento de outra lancha que naufragou de volta do serviço da Comissão.

Fora fastidioso enumerar cada nome dos que mais serviços prestaram; por isso bastam os citados para se ver que além de tudo eu soube poupar também os dinheiros públicose sobretudo impulsionar os trabalhos pela facilidade e boa vontade que sempre encontrei da parte daquela generosa população do Purus e seus afluentes.

Que outro seja mais feliz, principalmente na manifestação de reconhecimento que possa receber do Governo; quanta a mim, fico mais satisfeito com a tranquilidade de minha consciência por ter sabido cumprir o meu dever.

VI

Compulsando o relatório do Sr. Ministro do Exterior, pag. 12, encontro que a minha exoneração foi a “meu pedido, atendendo aos justos motivos que aleguei e não pela razão que S. Exª deu ao Sr. Vice-Presidente da República, e muito menos pelo que disseram o O Pais e Jornal do Brasil”.

Confronte o leitor o trecho do citado relatório com a difamação que a respeito se levantou nesta capital e nos Estados, e veja o procedimento do Sr. Ministro permitindo com o seu silêncio essa propaganda e não me tendo recebido por ocasião de minha apresentação.

Deixo ao público que nos julgue, em face desta emergência.

Por outro lado, o Sr. Ministro no seu despacho ao Governador do Amazonas, julgando improcedentes e de nenhum valor as considerações que apresentei, no intuito de salvaguardar os interesses do país, reconheceu agora no seu relatório como necessária a verificação da nascente do Javari, conforme a minha opinião desde 1895, e melhor avisado já mandou que o meu substituto fizesse a exploração aconselhada; com a diferença de limitar essa exploração ao Jaquirana, quando devia estendê-la também ao Galvez, mediante acordo com o Governo peruano, e além disto, ser efetuado esse trabalho não somente pela Comissão Brasileira, mas conjuntamente com a boliviana.

Do contrário a despesa será inútil e o tempo que se vai perder, precioso, sendo inadiável que as duas Comissões em seguida voltem para a determinação do verdadeiro ponto onde se deva colocar o Marco terminal e depois calcular de novo a Linha Geodésica, qualquer que seja o avanço para o Sul, além de 7°1’17,5”.

Figura 03 - Linha de Limites n° 3

Figura 03 — Linha de Limites n° 3

O Tratado, de 23 de outubro de 1851, diz que o limite com o Peru, de Tabatinga para o Sul, a fronteira correria pelo Javari, desde sua confluência no Solimões até sua nascente principal e o Tratado, de 27 de março de 1867, com a Bolívia, diz que a fronteira entre o Madeira e o Javari seria constituída pelo Paralelo 10°20’ Sul ou se o Javari tivesse as suas nascentes ao Norte desse Paralelo, por uma reta tirada do ponto em que começa o Madeira, até a nascente principal do Javari (Figura 6).

A Comissão Mista de Limites do Brasil com a do Peru tendo chegado nas proximidades da nascente do Jaquirana e não podendo prosseguir em seus trabalhos por impossibilidades materiais na ocasião insuperáveis e principalmente por causa das agressões dos índios, não subiu a examinar a verdadeira nascente e limitou-se a aceitar o Jaquirana como o prolongamento do Javari, estimando as coordenadas de sua nascente a partir do Marco colocado aos 6°59’29,5” Latitude Sul.

Nestas bases foi concluída a questão de limites com o Peru e aprovado o Tratado pelos dois governos.

Mas um erro geográfico não constitui direito e por isto, agora que desapareceram as razões pelas quais o Sr. Barão de Tefé não pode explorar todo o Jaquirana, nem subir até a nascente do Galvez, cabe ao Brasil o direito de reivindicar a área compreendida entre este Rio e o Jaquirana, caso aquele seja o verdadeiro prolongamento do Javari.

Isto, porém, com relação ao Peru e nada tem a haver a Bolívia, quanto ao território que possamos vir a ganhar ou tenhamos perdido, nem quanto ao acordo dos dois governos, sobre o erro geográfico que espontaneamente adotaram para fixação de seus limites territoriais.

Para a Bolívia, em virtude do tratado de 1867, é preciso como preliminar, examinar-se qual é o prolongamento do Javari, se o Galvez ou o Jaquirana, e uma vez encontrada a nascente do Javari, determinar-se-lhe as coordenadas.

Feito esse trabalho, se o Jaquirana for reconhecido como nascente principal do Javari, isto é, se for mais ao Sul, nada há a alterar no que está regulado com o Peru e a fronteira seguirá o mesmo Rio até essa nascente. Se, porém, for reconhecido ser o Galvez o tronco principal e sua nascente for mais ao Sul da do Jaquirana, os limites com o Peru serão por aquele Rio, e seu ponto extremo servirá de limite comum do Brasil com o Peru e Bolívia.

Ainda neste caso, se o Governo, por princípio de tolerância e lealdade, quiser manter o acordo já feito com o Peru, a linha de limites continuará a ser pelo Jaquirana até a sua nascente B e dai por uma reta BC até a nascente do Galvez, ponto este C que será o terminal da linha geodésica que partindo do marco do Madeira determinará o limite entre o Brasil e a Bolívia. (Figura 03)

Por consequência, tenho cumprido o meu dever procurando esclarecer o Governo desde o início da demarcação para que o Brasil não seja prejudicado pela perda de uma grande parte do seu território já explorado e ocupado por nacionais.

Por isso, a par da satisfação de ver realizada a minha opinião, contrista-me, lendo o relatório do Sr. Ministro, a resolução tomada de mandar verificar somente a cabeceira do Jaquirana, em vez de abordar o assunto em toda a sua extensão, fazendo acompa­nhar a Comissão Brasileira da Boliviana e de um representante do Peru para que fique logo de vez resolvido o ponto terminal da Linha Geodésica.

De outra sorte são em pura perda os sacrifícios resultantes desta exploração; salvo se S. Exª está convencido de que o Jaquirana é a verdadeira nascente do Javari e efetivamente não vai além de 7°1’17,5”; opinião aliás contrária ao que enuncia no seu relatório, pois que nele nem nega nem afirma esta proposição. (AZEVEDO, 1953)

Fonte:

AZEVEDO, Gregório Thaumaturgo. Limites Entre o Brasil e a Bolívia – Brasil – Rio de Janeiro – Oficinas Gráficas da D.S.G., 1953.

AZEVEDO, Gregório Thaumaturgo. O Acre: Limites com a Bolívia – Brasil – Rio de Janeiro – Typ. do “Jornal do Commercio” de Rodrigues & Comp., 1901.

- Livro do Autor

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de Porto Alegre.

Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:

http://books.google.com.br/books?id=6UV4DpCy_VYC&printsec=frontcover#v=onepage&q&f=false

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Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

E-mail: hiramrs@terra.com.br

Blog: http://www.desafiandooriomar.blogspot.com

sexta-feira, outubro 19, 2012

Comentário

Vou iniciar esse a partir da resposta dada por Ruy Fausto em uma entrevista logo após o lançamento de seu livro "A Esquerda Difícil", em que foi questionado sobre o mensalão:
 "Lamentavelmente, parte da intelectualidade do PT tomou a defesa do partido, e portanto dos corruptos, e pôs a culpa na imprensa pelo escândalo, como se ela tivesse montado o essencial. "A tendência a transformar tudo em complô da mídia é propriamente lamentável, e mostra a total desorientação de parte da intelectualidade petista."
Muito se tem falado a respeito do uso por parte do Supremo em relação à "teoria do dominio de fato" em detrimento do "ato de oficio" nas acusações de Dirceu e outros do mensalão.
Apenas a titulo de comparação leiga, pois não sou da área do direito. Vejo que vários casos julgados pela Lei da Anistia, em que se paga o "Bolsa Ditadura" para quem nada fez (como é o caso do Dirceu), se utiliza exatamente a "teoria do dominio de fato", ou por acaso existem provas que possam ser utilizadas como "ato de oficio"? Creio que não devem ter registros das torturas, sequestros, ou qualquer outra acusação contra o Estado da época. Sobram com certeza os documentos de vigilância dos Serviços de Inteligência, mas as provas de fato, bom, aí é outra coisa. 
Nesse caso, a maior parte das indenizações é constituída sobre a base legal de que essas pessoas foram perseguidas e DISSERAM ter sido torturadas. As testemunhas são outras pessoas também torturadas que faziam parte do mesmo grupo. Então, não caímos no mesmo do mensalão? Os que criticam o julgamento do núcleo político diante de "meras suposições", pensam de maneira diferente quando se fala nos indenizados? Ou ao contrário julgam as indenizações com outra ótica, que leva a resultados pré-definidos pelo bombardeamento midiático generalizado sobre o assunto?
Se o apoio da intelectualidade do partideco acredita que esse julgamento é de um partido e não jurídica, o que pensar sobre as indenizações da Lei da Anistia? Ou alguns são mais iguais que outros?