"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, setembro 13, 2013

As Fronteiras de Henri Coudreau

Por Hiram Reis e Silva, Bagé, RS, 10 de setembro de 2013

Desembocadouro fluvial e terrestre do vale e dos planaltos do Amazonas, destinado, por causa dos seus prados e das suas terras altas a ser sempre domínio da raça ariana, o Pará, já tão apaixonadamente votado às questões da ciência, das letras e das artes, pode, com todo o direito, sentir a impaciência de ver se desenrolarem os quadros sucessivos dos seus magníficos destinos. Que seja facultado entretanto, a um modesto viajante, que percorreu um pouco as vastas regiões da Amazônia do Norte e do Sul, insistir na necessidade de ser particularmente estudada a Amazônia marítima: o Estado do Pará. (COUDREAU)

Henri‒Anatole Coudreau foi um valoroso pesquisador, do século XIX, que nos brindou com descrições fascinantes das plagas ainda selvagens de uma república embrionária às voltas com um processo de colonização deveras incipiente. Embora a viagem não tivesse o objetivo de definir as divisas interestaduais entre o Estado do Pará e o Mato Grosso ele sugere o Salto Augusto, no Tapajós, como o ponto mais adequado para se estabelecer o limite natural entre os dois Estados.

Examinando mais uma vez a questão das regiões litigiosas subsistentes nas fronteiras do Pará, é interessante abordar ainda certas considerações:

A mais conhecida destas regiões é a que se acha em litígio com a Guiana Francesa, e que os dois nomes de Cunani e Amapá marcam de celebridade, parte trágica, parte grotesca.

Além deste, há mais dois outros territórios, discutidos com o Estado do Amazonas, um ao Norte, entre o Trombetas e Jamundá, outro na zona do Tapajós e Alto Tapajós. Por fim, há o “Contestado” com Mato Grosso, de que já nos ocupamos atrás.

Com respeito ao “Contestado” entre Pará e Amazonas, no Tapajós - posto não tenha sido absoluto encarregado de tratar desta questão - permito-me, acidentalmente, exprimir minha opinião, sem pretender que ela venha a ser esposada pelo Governo do Pará.

Se estou bem informado, o Pará pediu, na região tapajônica, para fronteira com o Amazonas, uma linha reta tirada da serra de Parintins à confluência do São Manoel. E de seu lado, o Amazonas pediu o meridiano de Parintins, até o encontro do Tapajós, e daí por diante, este (Tapajós).

Apoiando-me no fato de que os afluentes da esquerda do grande Rio, por sinal pouco importantes, são povoados exclusivamente por paraenses, pois os amazonenses nunca para aí se mudaram, acho que lógico seria escolher como divisa uma linha que, partindo da Serra de Parintins, fosse a partilha das águas entre o Tapajós e os afluentes superiores do Amazonas. Pará e Amazonas ganhariam em ter para fronteira comum com Mato Grosso uma linha determinada pela posição verdadeiramente mais importante da maior queda do Tapajós: “Salto Augusto”. Aliás, se consultado, eu proporia simplesmente, pela importância de Salto Augusto, o paralelo deste, até o Araguaia e Madeira. Salvo, já se vê, as ligeiras modificações que a este traçado aconselhassem certos acidentes geográficos importantes que, embora fora da linha exata do paralelo, deveriam ser preferidos, tal, por exemplo, a cachoeira das Sete Quedas. (COUDREAU)

O relatório de Coudreau não se ateve apenas aos aspectos técnicos atinentes à sua missão ou à descrição das condições de navegabilidade do Rio. Com a visão holística de um verdadeiro naturalista ele analisa a topografia, a vegetação, as rochas, sugere como deveriam ser ocupadas e exploradas as terras, descreve os costumes e as crenças dos ribeirinhos e, em especial, dos indígenas, comparando seus dialetos, seu folclore e rituais. Coudreau cita relatos interessantes sobre os Mundurucu de João Barbosa Rodrigues ‒ “Exploração e Estudos do Vale do Amazonas: Rio Tapajós”, Antonio Manoel Gonçalves Tocantins ‒ “Estudos Sobre a Tribo Mundurucu”, Manuel Aires Casal ‒ “Corografia Brasílica ou Relação Histórico-Geográfica do Reino do Brasil”, acrescentando-lhes suas próprias observações.

Que me seja permitido, primeiramente, inscrever na cabeça deste capítulo, o nome de dois homens, um dos quais é um dos príncipes da ciência brasileira,Barbosa Rodrigues, e o outro, modesto e digno sábio, meu bom amigoGonçalves Tocantins.

Ambos publicaram bons trabalhos sobre os Mundurucus. Não quero arrogar-me a pretensão de inventar esta tribo. De sorte que apresento o meu estudo como uma espécie de revisão dos trabalhos dos meus predecessores, revisão um pouco aumentada, esclarecida com informações novas ao trabalho comum. (...)

Aires de Casal, na sua Corografia Brasileira, dá, em 1817, o nome de Mundurucania à região compreendida entre o Tapajós, o Madeira, o Amazonas e o Juruena, em razão da preponderância numérica ou guerreira, nessa região, dos Mundurucus. Estes, cujo habitat está hoje entre o Tapajós e o Xingu, viriam portanto de leste, o que fez crer a alguns etnógrafos que se devia colocar o berço desta nação entre as populações andinas. (COUDREAU)

Henri‒Anatole Coudreau (1859 ‒ 1899)

Revista Brasileira de Geografia - abril/junho, 1943

Dos exploradores franceses que, realizando investigações geográficas, percorreram a América do Sul ou trechos mais ou menos delimitados do continente, nenhum foi mais completo ‒ do ponto de vista do acervo deixado para a estudos e apreciações críticas posteriores ‒ que o antigo aluno da Escola Normal especial de Cluny ‒ Henri‒Anatole Coudreau, nascido em Sonnac (Charente‒Inferior), a 6 de Maio de 1859 e falecido na altura da cachoeira Porteira, nas proximidades da embocadura do Mapuera com o Trombetas, no Estado do Pará, às 6 horas da tarde do dia 9 de Novembro de 1899.

Professor de História e de Geografia foi, em 1881, com a idade de 21 anos, enviado à América do Sul, como professor no Liceu de Caiena, tendo antes exercido por pouco tempo o magistério em Reims.

Na Guiana Francesa iniciou, nos períodos de férias, explorações nos arredores de Caiena, dilatando pouco a pouco suas viagens de estudos e observações até regiões mais afastadas, colhendo o material para o trabalho, publicado em 1883, denominado “Richesses de la Guyane Française”, trabalho que obteve medalha na Exposição de Amsterdam.

De imaginação forte, amante da vida em contato com a Natureza, robusto, tenaz como Champlain e Renê Caillé, Henri‒Anatole Coudreau sempre almejou o patrocínio oficial de uma viagem de exploração na América do Sul.

Em 1883 seus desejos foram satisfeitos. A serviço do Ministério da Marinha e das Colônias estudou, numa primeira missão, e nos anos de 1883, 1884 e 1885, os imensos territórios, então contestados, entre a Guiana Francesa e o Brasil. Partindo da Aldeia de Counani, passou depois ao Rio Branco indo até o Rio Negro permanecendo, nessa viagem de estudos, dois anos cheios de aventuras, sozinho entre os naturais da região.

Os resultados dessa primeira missão exploradora valeram-lhe uma segunda, desta vez sob os auspícios do Ministério da Instrução Pública e do Ministério da Marinha e das Colônias, também.

Sua segunda missão durou ainda dois anos (Maio de 1887 a Abril de 1889) e, do ponto vista geográfico, foi particularmente rica, pois, além de percorrer um itinerário de 4.000 quilômetros levantados na escala de 1:100.000, realizou levantamentos considerados completos do Rio Oiapoque, do Maroni e do Moronini, da embocadura à nascente.

Viajando 2.600 quilômetros em Rios e 1.400 em montanhas, Coudreau precisou para cobrir os 1.400 quilômetros no Tumucumaque, marchar efetivamente 210 dias a pé, dos quais 160 pelos caminhos indígenas da floresta e 50 através a própria mata virgem valendo-se da bússola e do sabre para a abertura de picadas e, principalmente, da caça para a alimentação. Acompanhavam-no, então, dois ou três índios, insignificante escolta para uma tão longa e perigosa travessia.

Descobrira 150 cumes que foram medidos e levantados Quase todas as nascentes dos cursos d’água das duas vertentes foram fixadas, bem como, descrito o relevo geral da região dos picos rochosos. Num itinerário quase igual a mil e quinhentos quilômetros, Henri‒Anatole Coudreau fez, por assim dizer, uma revelação quase completa da cadeia, como, aliás, já acentuara em 1889, “Le Monde illustré”, de Paris.

O estudo do clima, a descrição da floresta de cacaueiros nativos e de árvores da borracha na região de Tumucumaque, ao pé das montanhas, tudo foi considerado pelo explorador francês que acreditou, com sinceridade, na possibilidade da sua exploração econômica e consequente colonização.

Do ponto de vista etnográfico descobriu, na região, cerca de 20 tribos indígenas todas sedentárias e agrícolas, pacíficas e inteligentes, das quais estudou os costumes, os hábitos e os dialetos.

Às duas viagens de 1883‒1885 e de 1887‒1889, seguiu-se a de 1889‒1891, no decorrer da qual escreveu:

“Ou ne pense, plus à la terre d’Amérique, on croit lui avoir tous pris parce qu’on a tiré un peu de l’or renfermé dans son sein Erreur! Cette terre éternéllement jeune ne demande qu’a produ ire et toute la flore exotique croit en Guyane”.

Para se avaliar da infatigável atividade do explorador após as 3 primeiras missões, basta que se atente para os trabalhos enumerados por sua diligente e inseparável companheira Madame O. Coudreau, ao escrever a biografia do ilustre espôso, exarada em “Voyage au Rio Trombetas ‒ 07 Août 1889 ‒ 25 Novembre 1889”; “La France Équinoxiale : Voyage a travers les Guyanes et l’Amazonie”; “Voyage au Rio Branco, aux Montagnes de la Lune, au haut Trombetta”; “Les Français en Amazonie”; “Dialectes indiens de la Guyane”; “Les Indiens de la Guyane”; “Les Caraibes”; “Les Tumuc‒Humac”; “Les Lèjendes des Tumuc‒Humac”; “Le Brésil Nouveau”; “L’émigration au Nouveau Monde”; “Dix ans de Guyane”, etc, etc. Quanto aos itinerários e levantamentos foram assinalados por Madame Coudreau, ao todo, 38 folhas de levantamentos!

Em 1895, Henri‒Anatole Coudreau inaugurou um serviço de exploração no Estado do Pará, tendo sucessivamente explorado o Tapajós, o Xingu, o Tocantins, o Araguaia, o Itaboca, o ltacaiunas, bem como a zona compreendida entre o Tocantins e o Xingu, o Jamundá e o Trombetas, em cujas margens faleceu. À cerca da sua atividade e do valor de seus trabalhos escreveu Madame Coudreau:

“Ao cabo de cada viajem publicou um livro relatando-a. Era muito produzir para um diletante como Coudreau”.

Em 1895, foi incumbido pelo Governador do Pará ‒ Lauro Sodré ‒ de uma missão científica no Rio Tapajós. A respeito publicou, em Paris, 1897, Voyage au Tapajoz, volume traduzido para o português por A. de Miranda Bastos, com anotação de Raimundo Pereira Brasil, Companhia Editora Nacional, volume 208 ‒ Série 5, Brasiliana, Biblioteca Pedagógica Brasileira, S. Paulo. No volume em apreço teve ocasião de finalizar o capítulo IX com as seguintes e sugestivas palavras sobre o futuro do Pará:

“O Pará, mais povoado, mais rico, tem o dever de tomar as grandes e audaciosas iniciativas que progressivamente farão desta região a rainha das regiões equatoriais, num meio de produção rico e variado, um centro deslumbrante e atraente de civilização É indiscutível que se o Pará aplicar com decisão e perseverança a divisa ‒ ‘Conhecer e fazer conhecer’, esta terra, para a qual o futuro começa a desenhar-se, conhecerá eras de esplendor e opulência” (RBG)

Viagem ao Tapajós - Henri Coudreau

Coudreau incumbido pelo Governador do Pará, Ir Lauro Nina Sodré e Silva, de estabelecer os limites entre os Estados do Pará e Mato Grosso, atendendo a critérios estritamente científicos, fez, na conclusão de seus trabalhos, em 1896, uma consideração importante e atual tendo em vista que depois de mais de cem anos continua espelhando uma realidade que vem se arrastando graças às inúmeras e pirotécnicas contestações promovidas pelo Estado do Mato Grosso.

Embora falar em territórios contestados, na época atual, cheire mais à pólvora que à diplomacia, permito-me bordar, sobre o “Contestado” entre Pará e Mato Grosso algumas considerações, de ordem exclusivamente científica.

Desconhecendo por completo os documentos históricos da questão, os quais não me compete examinar, coloco-me apenas como julgador do que denominaremos as conveniências geográficas. Existindo uma região litigiosa entre dois Estados duma mesma federação, onde deve ser estabelecida a fronteira? Parece-me que, se nessa região há um ponto em que se encontram dois meios climatológicos diferentes, e que estes, embora povoados por elementos da mesma raça, o são por subgrupos étnicos distintos; se, além disto, a partir deste ponto, todos os interesses econômicos dependem, por exemplo, os do lado Norte, dos mercados Setentrionais, e os do lado Sul, dos mercados Meridionais, por esse lugar é que deve passar o que em linguagem moderna se pode denominar uma boa fronteira. Ora, um ponto assim existe no alto Tapajós: Salto Augusto.

Fronteira climatológica

Salto Augusto, situado a cerca de 450 metros de altitude sobre o nível do mar, fica no extremo limite do altiplano mato-grossense. Depois de percorrer de sul a norte este altiplano, o Tapajós, formado mesmo no centro de Mato Grosso, pela reunião do Juruena e do Arinos, vai precipitar-se, já a mais de oitocentos quilômetros das fontes dos seus formadores, e num salto de dez metros, numa terra nova, numa outra região brasileira: a Amazônia Paraense. Chandless constatou isto antes de mim, de forma que não insistirei em debater o que já está aceito como verdade clássica: Salto Augusto é um ponto do limite entre o planalto mato-grossense e a bacia amazônica. Ao sul, é o clima semitemperado; ao norte, o clima amazônico. A transição estabelece-se, aliás, não só quanto ao clima, como quanto à flora e à fauna.

Fronteira étnica

No seio duma mesma federação, o que pode constituir uma fronteira étnica entre dois Estados? Evidentemente, uma linha situada na zona onde acaba a superioridade numérica dos originários dum Estado e começa a dos oriundos do outro.

Ora, segundo as últimas avaliações oficiais, Mato Grosso, para 1.390.000 quilômetros quadrados, possui 100.000 habitantes, e o Pará, para 1.070.000, 500.000 habitantes, o que mostra que o segundo é, proporcionalmente à sua superfície, oito vezes mais densamente povoado que o primeiro. Nestas condições, difícil seria admitir a priori que seja Mato Grosso o povoador do Território Contestado. E estas indicações, fornecidas pelo bom senso, são confirmadas pela observação dos fatos. O São Manoel civilizado, do confluente à cachoeira das Sete Quedas, conta 36 casas de moradores, dos quais 5 mato-grossenses, 7 maranhenses ou cearenses, e 24 paraenses. É uma estatística que dispensa comentários.

Com respeito ao Tapajós propriamente dito, sobre duzentas casas aproximadamente que se espalham pelas suas margens, não encontrei senão um único mato-grossense, estabelecido há trinta e cinco anos na região, e não tendo negócios senão com o Pará. Todos os 3.000 civilizados que povoam a totalidade da bacia do grande Rio, de Salto Augusto a Itaituba, nos afluentes da esquerda como nos da direita, são paraenses, maranhenses ou cearenses, trabalhando pelo e para o Pará. Seria difícil encontrar aí uma dúzia de mato-grossenses.

A colonização, a penetração do Tapajós por Mato Grosso é portanto um mito. Está nas mãos dos paraenses, e dos seus auxiliares, os maranhenses e cearenses. No alto Tapajós, menos povoado, pois apresenta apenas uma meia dúzia de casas de civilizados, a confluência do São Manoel a Salto Augusto, dois terços dos habitantes são paraenses, e seus aviadores são necessariamente paraenses, porque as comunicações com o Estado central, além de difíceis, por causa da falta de população, são também perigosas, devido aos índios bravos. As mercadorias vêm do Pará, a borracha desce para o Pará. Mesmo os mato-grossenses vêm-se obrigados a passar por Belém, se desejam rever sua Cuiabá distante.

Fronteira econômica

Para cima de Salto Augusto o deserto é completo. Sob o ponto de vista econômico, pois a fronteira desta barragem representa para o Pará uma reivindicação perfeitamente moderada. Pode-se mesmo insistir sobre este ponto: de Salto Augusto ao Mato Grosso povoado são ainda quinze dias de subida pelo Tapajós e pelo Arinos, quinze dias de deserto inóspito e hostil, terra percorrida pelos Tapanhunas e Nhambicuaras. Foi ao sair desta zona para penetrar no Mato Grosso reputado seguro que o infeliz funcionário que retornava da Coletoria do São Manoel foi inesperadamente assassinado pelos índios que impunemente operam no próprio coração do Estado vizinho. O que se constata acima de Salto Augusto, afinal, é o mesmo que na cachoeira das Sete Quedas. A um dia abaixo desta, há civilização. Transposta a grande barreira, é o “sertão bravo”. (COUDREAU)

Fontes:

COUDREAU, Henri Anatole. Viagem ao Tapajós – Brasil – Rio de Janeiro – Companhia Editora Nacional, 1940.

RBG (Revista Brasileira de Geografia). Vultos da Geografia do Brasil ‒ Henri‒Anatole Coudreau ‒ Serviço Gráfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ‒ Abril/Junho de 1943.

- Livro do Autor

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br). Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:

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Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

E-mail: hiramrsilva@gmail.com

Blog: http://desafiandooriomar.blogspot.com.br/

Barão Gregori Ivanovitch Langsdorff

Hiram Reis e Silva, 11 de setembro de 2013.

“Todo homem que aspire a conhecer as emoções líricas deve dirigir-se ao Brasil, onde a natureza poética corresponderá às suas inclinações. Mesmo a pessoa menos sentimental torna-se poeta para descrever as coisas como elas são”.
(Gregori Ivanovitch Langsdorff)


O Brasil despertou o interesse de pesquisadores estrangeiros que realizaram Expedições Científicas, a partir do século XVIII e foram intensificadas no século XIX, pelas regiões mais ermas da “terra brasilis”, devassando heroicamente nossos sertões, enfrentando toda a sorte de vicissitudes, com o objetivo de descrever a fauna, a flora e os costumes dos nativos deste imenso e até então incógnito país, fabulosamente mítico e pleno de encantamento. A maioria dessas Expedições era formada por naturalistas, biólogos, astrônomos, geógrafos, botânicos, zoólogos, médicos, artistas e outros especialistas de reconhecida capacidade profissional que muito contribuíram, com sua ciência, para o conhecimento das coisas e das gentes da nossa terra e para o bem comum da humanidade.

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-  América Russa
    Fonte: Bóris Nikolaevich Komissarov

(...) Por iniciativa de Pedro I, no final do Século XVII, começaram reformas radicais na Rússia. Essas reformas, é importante destacar, possibilitaram mais tarde o êxito da carreira russa de Langsdorff, assim como de sua Expedição Científica pelas Províncias de Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e Pará; iniciativas financiadas pelos imperadores Alexandre I, e posteriormente Nikolai I. (KOMISSAROV)

O Czar Pedro I, considerando que seu país estava social e tecnicamente muito atrasado em relação aos países europeus, iniciou uma série de reformas estruturais internas ao mesmo tempo em que envidava todos os esforços para que a Rússia ampliasse suas relações com o Ocidente. (Hiram Reis)

Essas reformas reestruturaram a política interna e externa, e todos os domínios da cultura; em função dela surgiu um novo exército e foi construída a frota marítima russa.

Saindo vencedora das guerras com a Suécia, a Rússia fixou-se nas margens do mar Báltico. Foi no tempo de Pedro o Grande, que a Rússia proclamou-se Império e construiu a sua nova capital, São Petersburgo. Dessa forma, a Rússia tomava um contato mais estreito com a Europa, sua arquitetura, pintura, música, literatura, ciência, manufaturas, artesanato, construção de navios, com os seus diversos modos de vida, costumes e línguas. Para a Rússia dirigiram-se holandeses, alemães, ingleses, franceses e italianos, com o seu espírito empreendedor.

O processo de assimilação da cultura ocidental também aproximou a Rússia da América, essa “enorme Colônia da Europa”. No século XVIII, tendo a Rússia, conquistado a Sibéria e ocupado o Extremo Oriente, tinha sob seu domínio terras no Alasca e possuía algumas ilhas adjacentes.

Em 1799 foi fundada a Companhia Russo-Americana, que controlava imensos territórios no Noroeste do Continente Americano. Surgia assim a América Russa. O Império Russo tornava-se uma potência euro-asiático-americana. (KOMISSAROV)

William Henry Seward’s folly”: somente em 1867, os USA compraram do Império Russo o território do Alasca. A operação desencadeada pelo então Secretário de Estado americano William Henry Seward foi considerada ridícula, insana, na época, ficando conhecida como “a loucura de Seward”, “a Geleira de Seward” ou ainda “o jardim de ursos-polares de Andrew Johnson” então Presidente dos USA. O governo americano adquiriu, por 7.200.000 dólares, um território de 1.600.000 km², que hoje constitui o Estado do Alasca. (Hiram Reis)

Até o início do século XIX, o Brasil não tinha para a Rússia grande importância econômica e política. Isso não quer dizer que os russos ignorassem por completo este país. Nas edições russas do século XVIII, o tema Brasil esteve presente com certa regularidade. Havia dados sobre o Brasil em manuais e livros para crianças, dedicados à Geografia e História; na imprensa, onde se publicavam matérias da imprensa holandesa, alemã e inglesa; nos livros com descrições de viagens de Charles Marie de La Condamine, Georg Anson, James Cook, e, finalmente, nas obras traduzidas de literatura artística que se poderiam denominar “Robinsoniade”.

Desde 1803 começaram as regulares viagens de circunavegação dos navios russos, que tinham como um dos objetivos, ligar São Petersburgo à América Russa. A baía do Rio de Janeiro tornou-se a escala constante e predileta neste percurso. Os interesses de navegação não tardaram em combinar-se com os comerciais, além dos políticos, que fizeram que a Rússia, finalmente, voltasse seu olhar para o Brasil.

Em 1807, Alexandre I assinou com Napoleão o Pacto de Tilsit e uniu-se ao bloqueio continental da Inglaterra. Interromperam-se então, as tradicionais ligações econômicas russo-inglesas, de grande importância para a Rússia; cessou a exportação para a Inglaterra de cereais e ferro russos, e a importação dos produtos tropicais efetuada pelos ingleses. Nestas condições a Rússia tentou ativar o comércio com os países da Ásia, com os Estados Unidos, com as repúblicas da América do Sul, então em guerra com a Espanha, e, é claro, também com o Brasil, onde estava estabelecida desde 1808 a corte dos Bragança. Um partidário do desenvolvimento do comércio com o Brasil era o conde Nikolai Rumiantsev, que ocupava desde 1809, o posto de Chanceler do Império. Com o começo da guerra de 1812, São Petersburgo e Rio de Janeiro eram participantes do mesmo campo estratégico-militar, o anti-napoleônico. Para a capital brasileira foi enviado como Ministro Plenipotenciário Fedor Pahlen, e estabelecido o Consulado Geral, que Langsdorff assumiu em 1813. (KOMISSAROV)

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-  O Primeiro Russo a Pisar no Brasil
    Fonte: Voz da Rússia (http://portuguese.ruvr.ru)

Na verdade primeiro russo a visitar,extr-oficialmente, o Brasil foi Nikifor Poluboiarinov (1763). Nikifor era oficial do navio inglês “Speaker”. (Hiram Reis)

Os primeiros navios russos chegaram ao Brasil em 1804. Eram as corvetas militares Nadezhda e Neva que realizavam, pela primeira vez na história da marinha russa, uma viagem de circunavegação. Enquanto avançavam ao longo do litoral do enorme país tropical, os dois barcos fizeram escala em vários portos brasileiros. A recepção oferecida em toda parte aos viajantes foi cordial.

No Recife, os habitantes locais convidaram os marinheiros russos a assistir a uma festa na cidade. No auge dos festejos, os marinheiros convidados apresentaram uma dança russa. Os brasileiros gostaram tanto dela que chegaram a aprendê-la, e repetir imediatamente. A estada em Recife não foi longa mas, os marinheiros russos tiveram que permanecer mais de dois meses junto da ilha de Santa Catarina a fim de trocar dois mastros da corveta Neva, danificados por uma procela. Quem ficou mais satisfeito com a delonga foi o cientista Gregori Langsdorff, um dos participantes da Expedição. Ele mudou-se do navio para a costa e instalou-se na casa de um naturalista local. Realizou juntamente com ele viagens de lancha, estudando a natureza. Mas é pouco provável que Grigori Langsdorff pudesse supor que lugar o Brasil iria ocupar no seu próprio destino.

Em 1812, foi publicada a sua obra em dois volumes em que se descrevia a primeira viagem russa de circunavegação. Esta obra do acadêmico Langsdorff compreendia informações geográficas e observações científicas excepcionalmente interessantes, feitas nas terras longínquas e nas vastidões do oceano. A obra foi traduzida para outras línguas e teve ampla repercussão. (VOZ DA RÚSSIA)

Os dois volumes chamados “Bemerkungen auf einer Reise um die Welt in den Jahren 1803 bis 1807” (Notas sobre uma viagem ao redor do mundo nos anos 1803-1807), tratam da fauna, flora e da etnografia da Califórnia, Havaí, Alaska, Nukuhiwa, ilhas do Pacífico, península do Kamtchatka e Japão. (Hiram Reis)

Neste mesmo ano de 1812, Grigori Langsdorff foi nomeado Cônsul-geral da Rússia no Brasil e exerceu este cargo durante oito anos. A atividade do cientista-diplomata visava conseguir a aproximação maior entre os dois países contribuindo para o desenvolvimento do comércio entre eles. Grigori Langsdorff fez muito a fim de difundir neste país distante informações sobre a sociedade russa. Ao mesmo tempo, foi graças a ele que a Rússia soube mais sobre o Brasil.
No início do século XIX, começaram a chegar ao Brasil grupos de imigrantes do Velho Mundo, contratados para trabalhar nos cafezais. Grigori Langsdorff revelou interesse em relação aos problemas do movimento migratório que então começava. Em 1813, ele informa o Colégio dos Negócios Estrangeiros de São Petersburgo:

O governo local faz esforços a fim de desbravar as vastas e férteis terras virgens do Brasil. Pessoas de todas as nacionalidades são convidadas a participar disso. Cada uma recebe uma gleba, cuja área supera uma légua quadrada da França, as autoridades fornecem alimentos e sementes para um ano.

Grigori Langsdorff organizou a vinda para o Brasil de cerca de cem imigrantes da Europa e instalando-os na Fazenda de Mandioca, que ele tinha adquirido. O cônsul russo dirigiu-se às autoridades um pedido de ajudar no alojamento de migrantes. Ele escreveu:

Vou criar na minha fazenda ramos de produção que são totalmente desconhecidos aqui e representam um grande interesse para este país.

De acordo com o intento do autor, a Fazenda de Mandioca devia tornar-se uma povoação exemplar do tipo europeu com técnicas progressistas de cultivo da terra e diversos artesanatos. Aí existiam plantações de café, de mandioca, milho, um jardim botânico, um museu de mineralogia e uma biblioteca em que havia livros científicos de mais diversas áreas. (VOZ DA RÚSSIA)

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-  Expedição Langsdorff
 
O botânico, naturalista e viajante francês Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire, companheiro de viagem de Langsdorff pelas Minas Gerais, assim se referiu ao dinâmico chefe da Expedição:

Na companhia de Langsdorff, o homem mais ativo e mais infatigável que encontrei em minha vida, aprendi a viajar sem perder um só momento, a me condenar a todas as privações, e a sofrer com alegria qualquer espécie de incomodidades. Erguiamo-nos de madrugada; acabava de escrever o Diário ou de fazer a análise das plantas recolhidas na véspera, e meu empregado mudava de papel as que estavam sob compressão. Nesse meio tempo se preparava o nosso almoço, que se compunha de feijão preto cozido com toucinho, arroz e algumas xícaras de chá. No começo da viagem tínhamos biscoitos; mas em breve foi necessário contentar-mo-nos com farinha de milho ou, às vezes, de mandioca. Não estando ainda acostumado a essa alimentação, lançava, por respeito humano, um pouco de farinha sobre o feijão; mas experimentava uma sensação desagradável quando os grãos de farinha, imperfeitamente mastigados, passavam-se pela língua e faringe. Depois de comer às pressas, segurando o prato na mão, e quase sempre ocupando-me simultaneamente de qualquer outra coisa, refazia as malas que tinha desfeito na véspera. A partida era o momento crítico. Meu companheiro de viagem ia, vinha, agitava-se, chamava este, repreendia aquele, comia, escrevia o seu Diário, arrumava as borboletas e tratava de tudo ao mesmo tempo. Todo seu corpo estava em movimento; a cabeça e os braços, que arremessava para e frente, pareciam censurar a lentidão do resto dos membros; suas palavras se precipitavam; a respiração era entrecortada; ficava ofegante como depois de uma longa corrida. (SAINT-HILAIRE)

Esse artigo é dedicado à Expedição Langsdorff, tendo em vista a mesma ter percorrido, de março a julho de 1828, os Rios Preto, Arinos e Juruena tributários do majestoso Tapajós.

A equipe de Langsdorff era formada por Ludwig Riedel (botânico), Nestor Rubsoff (astrônomo), o médico e zoólogo Cristian Hasse, o artista alemão Johan Mauritz Rugendas e os franceses Aimé-Adrien Taunay e Hercule Florence, além de escravos, guias e remadores, num total de 39 pessoas.

A operação foi financiada pelo Czar Alexandre I, contou com o apoio de autoridades brasileiras, entre elas, o estadista José Bonifácio Andrada e Silva, percorreu mais de 17 mil quilômetros em 4 anos, os ermos sem fim dos sertões inóspitos estudando a flora, a fauna, pesquisando a etnografia e os idiomas das tribos brasileiras.

Em 1824, Langsdorff iniciou uma grande viagem à Província de Minas Gerais. Visitou Aldeias de indígenas de várias nações, entre êles grupos Coroado, Coporó e Puris, coletando abundante material. A seguir, preparou uma Expedição a São Paulo, juntamente, entre outros, com os pintores Amadei Adrian Taunay, Hercules Florence, e o médico Christian Hasse. Em 1826, realizou coleta de materiais junto a indígenas Coroados de Castro.

A seguir, Langsdorff percorreu o Mato Grosso, regiões fronteiriças com a Bolívia, realizando pesquisas no Alto Paraguai e no Guaporé. Desceu depois ao Amazonas pelos afluentes do Tapajós e visitou Aldeias do povo Bororo, considerado então como extinto. No Amazonas, entrou em contacto com a tribo Mundurucu, visitando Aldeias desses índios e da tribo Maué, já então em contacto com a população branca. Em 1828, observou a cultura do grupo Caripuna na região do Madeira-Guaporé. Assim, pela primeira vez, realizou uma pequisa abrangente do planalto brasileiro, pois atravessou os altos dos Rios Paraná, Paraguai e Tapajós.

Digno de menção é a atenção que Langsdorff demonstrava por questões práticas. Observando a vida circundante, procurava tirar conclusões e propor medidas para a melhoria das condições de vida dos habitantes locais.

Sobretudo por esse interesse em tirar resultados práticos de suas pesquisas, a obra de Langsdorff necessitaria ser analisada mais pormenorizadamente. Entretanto, o arquivo da Expedição foi perdido nos anos 30 do seculo XIX, logo após a chegada em S. Petersburgo. Os documentos começaram a ser estudados a partir de fins do século XIX. As coleções, porém, não foram ainda alvo de pesquisas aprofundadas.

G. I. Langsdorff deixou manuscritos com resultados coletados e observações. No campo da etnografia, cita-se um rascunho com registros concernentes aos índios Caiapós, de 1826, notas sobre índios do Pará, de 1827/28, e observações concernentes à Fazenda de Camapuã, de 1826.

G. I. Langsdorff procurou também informar-se de trabalhos já realizados, tendo estudado, entre outros, os documentos relativos à Província de Mato Grosso, de 1827, as “Notícias Sobre os Índios”, contendo “Descrição Relativas as Nações Indígenas que Habitam dentro do Distrito Diamantino e seus Sertões”, escrito por Antonio José Ramos e Costa, em Diamantino, a 16 de março der 1827; as “Notícias sobre duas Nações Habitantes dentro do Distrito de Vila Maria”, escrito por João Pereira Leite, em Jacobina, a 20 de fevereiro de 1827, as “Memórias relativas aos Índios Bárbaros que habitam na fronteira do Paraguai; e nos limites do Império, com quem os Brasileiros tem algumas relações comerciais”, mandadas tirar pelo Ilustríssimo e Exm° Sr. José Saturnino da Costa Pereira, Presidente desta Província, escrito pelo Capitão José Craveiro de Sá, em Cuiabá, a 20 de fevereiro de 1827, e a “Relação das diversas Nações de Índios, que habitavam a Província de Mato Grosso”. (BISPO)

A importância da Expedição Langsdorff, reconhecida como uma das mais importantes do século XIX, se avulta, sobretudo, quando a analisamos sob o ponto de vista da antropologia, da iconografia e da historiografia. Graças a ela pudemos tomar conhecimento dos costumes e da língua dos Mundurucus, Apiacás e Guanás.

O pesquisador alemão, naturalizado russo, Langsdorff, no seu Diário, afirma:

Cada observador tem seu próprio ponto de vista pelo qual vê e julga os novos objetos; tem sua própria esfera, na qual se esforça por incluir tudo que está em mais estreito contato com seus conhecimentos e interesses...

Tratei de eleger o que me pareceu representar o interesse geral – usos e costumes de diferentes povos, seu modo de vida, os produtos do país e a história geral de nossa viagem...

O rigoroso amor à verdade representa não uma vantagem, mas o dever de cada cronista da viagem. Com efeito, é escusado discorrer sobre aventuras numa viagem tão longa como a nossa, ou compor contos sobre a mesma: ela fornece uma quantidade tão grande de coisas admiráveis e interessantes que nos basta esforçarmos em tudo observar e nada deixar passar. (LANGSDORFF)

Ainda hoje podemos encontrar nos museus russos o rico material colhido por Langsdorff e afirmar que, durante muito tempo, o museu da antiga capital do Império Russo possuiu o maior acervo relativo ao Brasil graças às remessas deste metódico e malogrado pesquisador.

A crônica de Langsdorff, porém, se perde, por vezes, em contumazes críticas ao governo e às pessoas esquecendo-se de aprofundar-se em temas que um naturalista mais atento jamais relegaria a um segundo plano. Langsdorff deixa patente que não faz questão de aprender com os habitantes locais – não levando a sério suas recomendações. Como o autor não amplia informações vitais dando margem a pairarem dúvidas sobre suas observações incluímos diversas observações e notas ao texto original de maneira a esclarecer aquilo que não foi devidamente elucidado pelo médico alemão, naturalizado russo.

Fontes:

BISPO, Antonio Alexandre. Georg Heinrich Graf Von Langsdorff (1774-1852) – Brasil Academia Brasil – Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (digital) – Fórum Brasil - Europa de Leichlingen, 1984.

KOMISSAROV, Boris Nikolaevich. Expedição Langsdorff: Acervo e Fontes Históricas ‒ Brasil ‒ São paulo ‒ Editora UNESP (Fundação para o Desenvolvimento da UNESP), 1994.

Voz da Rússia - http://portuguese.ruvr.ru.


 


- Livro do Autor
 
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br). Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:

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Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

quarta-feira, setembro 11, 2013

A ÍNDIA NA ESTRATÉGIA DE PODER DOS ESTADOS UNIDOS PARA A ÁSIA

Conjuntura Austral - 2013

Diego Pautasso
Fernando Scholz
 
Introdução
Desde a independência da Índia (1947), este país tem ocupado lugares distintos na estratégia de poder dos Estados Unidos (EUA) para a Ásia. As oscilações no padrãode relacionamento indo-americano devem-se menos à dinâmica doméstica de cada um desses paísese mais ao contexto internacional e regional de poder. Em outras palavras,
há uma complexa rede de interação (e/ou configuração de forças) em vigor nocontinente asiático, particularmente perceptível após a Segunda Grande Guerra.
Observa-se, além disso, que o conflito geopolítico que tomou forma no continente asiático foi, em grande parte, sustentado pelos EUA e pela estratégia que este país adotou a partir da Guerra Fria.
Na perspectiva dos EUA, a Índia se constituiu desde o período da descolonização como
um país de inserção internacional autonomista. O não-alinhamento nehruviano e o posterior padrão de alinhamento na Ásia, próximo à URSS após o Tratado Indo-Soviético de Amizade em 1971, constitui um elemento de distanciamento dos EUA no quadro da Guerra Fria. O colapso da União Soviética(URSS) e o fim da Guerra Fria representou uma profunda reorganização de forças em escala global, sobretudo na Ásia do Leste e Meridional. É nesse contexto que o presente artigo busca compreender a nuclearização indiana e a posterior aproximação com os EUA.
Dessa forma, para dar conta desse objeto de análise, o artigo foi organizado em três seções. A primeira aborda a inserção internacional da Índia na perspectiva dos Estados Unidos. A segunda seção trata da nuclearização indiana e as respostas emitidas pelos norte-americanos. Por fim, a última seção examina o lugar da Índia na estratégia dos Estados Unidos para a Ásia. 
 
O restante do artigo se encontra em:

segunda-feira, setembro 09, 2013

AMA Sofia Veloso

Caroline Kuhn e Eveline Pedott

Prezados vizinhos, para dar início aos nossos contatos,segue o pouquinho que há na rede sobre a Sofia Veloso, que dá nome à nossa rua, e ao que parece, é uma fonte de inspiração, e explica em parte a energia dessa rua!

" Nasceu na cidade de Porto Alegre em 1856. Como ativista abolicionista, integrou o Centro Abolicionista de Porto Alegre; foi benemérita do Hospital Santa Casa de Misericórdia. Faleceu na cidade de Porto Alegre em 1930".

Fonte: Franco, Sérgio da Costa. Porto Alegre: Guia Histórico. 4a. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006, p. 30.

Agora segue o relato da reunião de ontem, 08/07/2013:

Às 15h do dia 08/09/2013 se reuniram na esquina interna da Rua Sofia Veloso, Porto Alegre-RS, vizinhos e amigos da Rua, para debater sobre questões de cidadania, segurança, e tomarmos algumas decisões conjuntamente.

A pauta da reunião foi:

· Relatos das ocorrências de violência (tráfico de drogas e assaltos) que têm acontecido na rua;

· Organização dos moradores para uma reunião com o comandante do 9º. Batalhão da Brigada;

· Ideias simples e de ação imediata, sem necessidade do poder público e de alta eficácia;

· Demais ideias para a rua.

Os relatos sobre criminalidade e violência foram variados. Podemos verificar que os episódios são muitos e acontecem com bastante frequência. Agora precisamos aproximar a Brigada Militar destes fatos, e deixar o trabalho investigativo e corretivo com eles.

Solicitamos a todos contribuições para este e-mail com histórico de violências e tráfico para adicionarmos a uma carta dirigida ao 9º.Batalhão , e solicitarmos a reunião com o comandante, de forma a conseguirmos uma frequência maior de policiamento, e colocação de câmeras de vigilância.

Quanto às sugestões de ação rápida:

· a iluminação direcionada para a rua a partir das casas de propriedade do Asilo Padre Cacique, e dos edifícios, na realidade, de todas as edificações da rua, com sensor de luminosidade, de forma quefiquem acessas a noite toda! Os arquitetos da rua farão estudo e projeto de luminotécnica para as casas do asilo e farão contato para a colocação das mesmas, de forma a viabilizar de forma expedita esta ação;

· Voluntários farão contato com a SMAM para poda de árvores: fiquem atentos, precisaremos de assinaturas de todos para termos força nestas ações que temos que solicitar à prefeitura;

· Estabelecimento de uma rotina de atividade comunitárias, lúdicas, criativas, na nossa rua! Sextas e sábados de noite precisamos ocupar a nossa rua, e vamos começar com um churrasquinho na sexta-feira 13/09/13, para afastar as bruxas! Outras atividades nos finais de semana durante o dia serão estudadas e estimuladas, e temos vários voluntários para organizar blog, facebook, comunicação, e propor atividades de teatro e dança;

· Vamos desenvolver uma comunicação visual própria da rua voltada para educação ambiental:separação de lixo orgânico do lixo reciclável (lixo seco) – cometamos que muito não estão atentos para o fato de que o lixo reciclável deve ser colocado na frente dos edifícios e casas nas segunda e sexta às 8:30; recolhimento das fezes dos cachorros; não jogar lixo no chão; não mijar/defecar na rua, nas grades...enfim, acho que a lista é grande, contribuições são bem vindas, e voluntários para desenvolver a arte gráfica desta comunicação, e colaboradores para a confecção das placas também.

· Precisamos a gente com equipamento e conhecimento técnico pra fazer um levantamento preciso da rua para servir de base para o desenvolvimento dos projetos da rua, e um laudo da vegetação para solicitarmos à SMAM a colocação de árvores de porte mais adequado para uma via pública. Alguém pode colaborar?

Quanto às sugestões de ação de médio e longo prazo:

· Fundar uma associação de moradores e amigos da Sofia Veloso, já temos advogados e outros voluntários para estudar um estatuto e a viabilização;

· Através da Associação, verificar a possibilidade de colocar uma guarita para vigilância da rua;

· Desenvolvimento de um projeto de desenho urbano completo para a rua para que sirva de exemplo para a prefeitura de Porto Alegre de cuidado com o espaço público: estreitamento da via na saída junto à Lima e Silva (medidas de low traffic), iluminação pública, arborização e áreas de ajardinamento, disposição de bancos, lixeiras, dispensers de saquinhos para coleta de fezes de animais, e até quem sabe um ponto do bike poa na esquina junto à Lima e Silva. E já temos uma equipe super legal de arquitetos pra tocar este projeto com muitas mãos e boas idéias!

Ao final da reunião, por volta das 17:15 os voluntários reafirmaram sua colaboração e passaram contatos, para muito em breve fazermos uma nova reunião com o grupo menor, mas já ficou avisado à todos que dentro de cerca de uma mês será organizada nova reunião de vizinhos, para relatarmos os avanços, e verificar outras pendências.

 

Sou morador desde 2002 da rua Sofia Veloso. Como exposto acima os problemas que nos parece tão “naturais” às grandes cidades como tráfico de drogas e violência urbana nos levou por iniciativa de Caroline e Eveline (além da participação ativa do Tiago e Zeca) a essa 1ª reunião dos moradores em uma bela tarde de domingo.

Estávamos em um número aproximado de 100 pessoas. Em primeiro momento, o efetivo pode parecer pequeno, mas, observando o fato de que vários moradores não sabiam da mesma, considero uma grande vitória da comunidade da Sofia Veloso tal volume de presença.

Como já dito por vários pensadores, incluindo aí Zygmunt Baumann. A “felicidade” deriva de dois fatores: segurança e liberdade. Mas, aí também reside o grande nó da questão. Não existe ainda uma fórmula que equilibre os dois fatores. Se queremos mais segurança devemos abrir mão de um pouco de liberdade e vice-versa.

Nesse caso em particular, estávamos numa situação completamente “infeliz”: sem liberdade e sem segurança, e o pior, estávamos entrando em uma cadeia encarcerante markoviana.

O que Caroline, Eveline, Tiago e Zeca nos propuseram, foi exatamente a retomada da felicidade. A ocupação da rua em um primeiro momento está nos trazendo de volta a liberdade, com sua consequente segurança reduzida (para nós que a estamos ocupando, enquanto exposição), mas, o aumento da segurança da rua através da ações propostas devem nos deixar próximos ao que Baumann considera como ideal entre os dois fatores. O que queremos é um jogo de soma zero, que claro, nós moradores, sejamos os ganhadores.

domingo, setembro 08, 2013

Une guerre par an

Le Monde Diplomatique - mercredi 28 août 2013, par Philippe Leymarie

Vers une intervention militaire en Syrie ?

En guise de « buts de guerre » en Syrie, MM. Obama, Cameron, Hollande ont répété ces derniers jours qu’il s’agissait de « punir » ceux qui ont gazé des innocents : du George W. Bush dans le texte. Est-ce faute de pouvoir se prévaloir de la légitimité internationale, en l’absence d’un accord au Conseil de sécurité des Nations unies ? La morale contre le droit, Kouchner et BHL aux anges, et tant pis pour la suite ?

Traduite en langage technique militaire, la « punition » risque d’être à géométrie variable. Washington a beau répéter qu’il ne s’agit pas de renverser le régime de Bachar Al-Assad — histoire sans doute d’amadouer ceux qui s’étaient sentis floués en 2011 par l’interprétation plus qu’extensive du mandat du Conseil de sécurité sur la Libye —, toutes les options « sur la table » y contribueront pourtant :

  • En premier lieu, une campagne de frappes de missiles de croisière, présentée comme rapide et courte (quelques petits jours), qui pourrait être menée par les quatre destroyers et les sous-marins américains actuellement en Méditerranée ; par un sous-marin ou par des bombardiers britanniques ; ou par une frégate et des Rafale français.
  • Une infiltration, à partir des frontières jordanienne et turque, de commandos syriens formés dans ces pays par les Américains.
  • Et comme annoncé par Paris, un renforcement de l’aide militaire aux rebelles, en volume mais aussi avec montée en gamme des armements qui leur sont fournis.
Objectif final...
Le quotidien russe Kommersant du 27 août, s’appuyant sur des avis d’experts, croit savoir que certains alliés européens, la Turquie et les monarchies du Golfe comme le Qatar et l’Arabie saoudite, poussent Washington vers un deuxième scénario, qui impliquerait une guerre aérienne plus longue et des bombardements plus intensifs. Un scénario qui ressemble davantage à la campagne libyenne de 2011, quand l’armée de l’air des pays de l’OTAN avait assuré un appui aérien aux rebelles opposés à Mouammar Kadhafi. Et l’objectif final de cette opération serait alors bien le renversement du régime d’Al-Assad, tout comme l’avait été celui de Kadhafi en Libye.

Lire Alain Gresh, « De l’impasse syrienne à la guerre régionale », Le Monde diplomatique, juillet 2013Il existerait, selon ce journal, un scénario intermédiaire. Durant un certain temps les Etats-Unis, avec leurs alliés européens, bombarderaient la Syrie afin d’affaiblir le potentiel militaire de Damas, avant de se retirer au second plan pour accomplir principalement des fonctions auxiliaires. Les pays de la région qui cherchent à renverser Al-Assad prendraient alors le relais, avec à leur tête la Turquie — la plus puissante armée de la région. L’armée de l’air turque pourrait assurer un appui aérien à l’opposition syrienne dans les zones clés du front grâce aux bases aériennes d’Incirlik, Konya, Malatya et Diyarbakir ; l’armée de terre pourrait également participer à certaines opérations. Dans une moindre mesure le même rôle pourrait être rempli par certaines forces d’élite des pays arabes qui font partie de la coalition anti-Assad, comme le Qatar, l’Arabie saoudite et les Emirats arabes unis.

... pour aller on ne sait où

Le thème de la « punition » rappelle fortement le bombardement du palais de Kadhafi, et de quelques cibles à Tripoli en avril 1986, déjà par l’armée américaine. Ou encore certains raids israéliens sur tel objectif syrien. Mais le périmètre des cibles envisagées pour les frappes paraît cette fois bien plus large : batteries anti-aériennes, aéroports, dépôts, centres de commandement, casernements. Il ne manquera que la présidence, les ministères régaliens, les centrales électriques et les ports, et le ménage total aura été fait. Pour aller on ne sait où. Et au prix, sans doute :

  • d’un embrasement plus ou moins incontrôlable de la région proche-orientale ;
  • d’un surcroît de militarisation de la mer Méditerranée ;
  • de risques accrus pour Israël (où l’on est à nouveau lancé dans la course au masque à gaz) ;
  • de menaces sur les intérêts et les habitants des pays les plus en pointe dans cette offensive punitive (France, Grande-Bretagne, Etats-Unis) ;
  • sans parler de la note économique mondiale, flambée du pétrole à la clé ;
  • et des inconnues sur le caractère du futur régime syrien, et le sort qu’il réservera à ses minorités, etc.
A contre-courant

Ce flou dans les buts de guerre est d’autant plus sensible en Europe que Londres et Paris — qui se veulent en première ligne dans cette campagne de châtiment — sont en fait dépendants militairement de Washington, et en sont réduits à attendre le « top départ » américain, espérant seulement assurer à leur participation une visibilité suffisante. Ce qui arrange le président Obama, adepte du « leadership from behind » (leadership à distance, de derrière), déjà expérimenté avec succès en Libye, qui doit tenir compte d’une opinion et d’une classe politique fatiguées des aventures irakienne et afghane.

Mais ce flou est aussi de nature à limiter les ambitions européennes : en deux jours de frappes aériennes, on peut certes « punir » ; mais il faudrait, militairement, des semaines d’offensive pour « régler le problème » et s’assurer de la chute de Bachar Al-Assad — que semblent souhaiter les dirigeants français et britanniques depuis déjà plusieurs mois.

Au passage, on peut relever le paradoxe qui conduit les Français, hostiles à l’entrée en guerre en Irak en 2003, à vouloir prendre la tête de l’offensive en Syrie en 2013 — alors que l’opération punitive occidentale (car elle va apparaître ainsi) ne bénéficie pas de la traditionnelle bénédiction du Conseil de sécurité des Nations unies, pourtant jusqu’ici présentée à Paris comme un gage de légitimité, une condition nécessaire, et donc un passage obligé. La France, qui se réclame volontiers du droit international, et s’en prétend souvent la gardienne, préconise aujourd’hui de s’en passer, comme l’ami américain, et au nom du précédent du Kosovo.

Retours d’expériences

En mars 1999, dans un contexte de massacres à grande échelle (Rwanda 1994, Srebrenica 1995), les Occidentaux avaient invoqué une situation d’urgence humanitaire pour justifier la campagne de bombardements de l’OTAN sur les forces serbes du Kosovo. La secrétaire d’Etat américaine de l’époque, Mme Madeleine Albright, avait défendu l’idée d’une intervention « illégale mais légitime », dans le cadre d’une « situation unique ». Laquelle se répèterait aujourd’hui : comment, dès lors, donner des leçons de légalité internationale aux régimes russe, chinois, et autres ?

Or tout conflit, tout engagement de forces armées, n’a de sens que s’il débouche sur un projet politique. Les douloureuses expériences de ces dernières années, en Irak, en Afghanistan, en Libye, auraient dû porter conseil : ces pays sont aujourd’hui à feu et à sang, en proie aux attentats, à l’extrémisme, au désordre. Tirer un trait sur ces aventures, dont tous les « retours d’expérience » (« retex », comme disent les militaires) n’ont pas été menés à bien, revient à s’engager à l’aveugle dans une nouvelle offensive armée, dont les finalités et conséquences demeurent pour le moins obscures.

La plus monstrueuse

On remarquera que la France a eu tendance, ces dernières années, à enquiller les guerres les unes après les autres : Tchad, 2008 ; Afghanistan, 2009 ; Côte d’Ivoire, 2010 ; Libye, 2011 ; Mali, 2012-… et maintenant la Syrie. Comme si le système politique hexagonal, mais aussi son armée, son industrie de la défense, et jusqu’à un certain point son opinion, avaient besoin d’une guerre annuelle pour « tourner » correctement… ou pour oublier le reste.

Notons enfin que John Kerry, le secrétaire d’Etat américain, ne manque pas d’air lorsqu’il dénonce« ceux qui ont utilisé l’arme la plus monstrueuse du monde, contre la population la plus vulnérable », oubliant ce que son pays a fait à Hiroshima et Nagasaki, en 1945. Et ce alors que son patron, Barack Obama, prix Nobel de la paix, se prépare à lancer sa guerre au lendemain de la célébration, à Washington, du cinquantenaire du « rêve » de Martin Luther King. Ainsi va le monde...

Vaste offensive de l'armée égyptienne dans le nord-est du Sinaï

RFI - Article publié le : dimanche 08 septembre 2013 à 14:57 - Dernière modification le : dimanche 08 septembre 2013 à 14:57

 

Convoi funéraire de quatre militants islamistes tués dans le Sinaï, le 10 août 2013.

Convoi funéraire de quatre militants islamistes tués dans le Sinaï, le 10 août 2013.

REUTERS/ Stringer

Par RFI

L’armée égyptienne a lancé une vaste offensive dans le nord-est du Sinaï contre des villages proches de la frontière avec Gaza. Des lieux considérés comme des repaires des jihadistes qui attaquent régulièrement les forces de sécurité égyptiennes.

Avec notre correspondant au Caire, Alexandre Buccianti

La deuxième armée égyptienne a déployé des moyens et des hommes jamais vus dans cette région du Sinaï depuis la guerre avec Israël en 1967. Des escadrilles d’hélicoptères Apacheattaquent les repères présumés des jihadistes depuis le ciel tandis que les chars légers et les blindés sont en charge de l’offensive terrestre.

Des opérations qui vont au-delà de la simple destruction des refuges des jihadistes. Les forces terrestres quadrillent la région pour arrêter les jihadistes qui chercheraient à fuir. Par ailleurs, la police et les gardes frontières occupent les zones considérées comme sécurisées pour y rétablir le pouvoir de l’Etat.

Pouvoir islamiste

Un Etat qui avait été remplacé depuis plus d’un an par celui des jihadistes qui y avaient décrété un pouvoir islamiste. C’est eux qui officiaient en tant que policiers et juges se basant sur leur version de la charia islamique.

L’offensive a été lancé après la destruction par l’armée de la plupart des tunnels qui reliaient cette région avec Gaza. En effet, la bande palestinienne dominée par le mouvement islamiste Hamas servait de refuge aux jihadistes par le passé, selon les services de sécurité égyptiens.

A indústria da mentira, parte da máquina de guerra do imperialismo

resistir info – 08 set 2013

por Domenico Losurdo

Na história da indústria da mentira, parte integrante do aparelho industrial militar do imperialismo, 1989 é um ano de viragem. Nicolae Ceausescu ainda está no poder na Roménia. Como derrubá-lo? Os meios de comunicação ocidentais difundem de modo maciço junto à população romena informação e imagens do "genocídio" cometido em Timisoara pela polícia por indicação de Ceausescu.
1. Os cadáveres mutilados
O que acontecera na realidade? Beneficiando da análise de Debord sobre a "sociedade do espectáculo", um ilustre filósofo italiano (Giorgio Agamben) sintetizou de modo magistral a história de que aqui se trata:

"Pela primeira vez na história da humanidade, cadáveres sepultados ou alinhados sobre mesas das morgues foram desenterrados às pressas e torturados para simular frente às câmaras o genocídio que devia legitimar o novo regime. O que o mundo viu em directo como verdade real, no écran da televisão, era a não verdade absoluta. Embora a falsificação fosse óbvia, ela todavia era autenticada como verdadeira pelo sistema mundial dos media, porque estava claro que agora a verdade não era senão um momento do movimento necessário do falso. Assim, a verdade e a mentira tornaram-se indiscerníveis e o espectáculo legitimava-se unicamente mediante o espectáculo.
Timisoara é, neste sentido, a Auschwitz da sociedade do espectáculo:   e como já foi dito que depois de Auschwitz é impossível escrever e pensar como antes, da mesma forma, depois de Timisoara não será mais possível ver um écran de televisão do mesmo modo" (Agamben, 1996, p. 67).

No ano de 1989 a transição da sociedade do espectáculo para o espectáculo como técnica de guerra manifestou-se à escala planetária. Algumas semanas antes do golpe de Estado, ou seja, da "revolução Cinecittà" na Roménia (Fejtö 1994, p 263), a 17 de Novembro de 1989, a "revolução de veludo" triunfava em Praga agitando uma palavra de ordem de Gandhi: "Amor e Verdade". Na realidade, um papel decisivo coube à divulgação da notícia falsa de que um aluno fora "brutalmente assassinados" pela polícia. Vinte anos mais tarde, revela satisfeito um "jornalista e líder da dissidência, Jan Urban", protagonista da manipulação:  a sua "mentira" havia tido o mérito de suscitar a indignação em massa e o colapso de um regime já periclitante (Bilefsky 2009).
Algo semelhante acontece na China: em 08 de Abril de 1989 Hu Yaobang, secretário do PCC até há um par de anos, sofreu um enfarte durante uma reunião da Comissão Política e morreu uma semana depois. Para a multidão na Praça da Paz Celestial a sua morte está ligada ao duro conflito político verificado no decorrer naquela reunião (Domenach, Richer, 1995, p 550.), De qualquer modo ele se torna vítima do sistema que se tenta derrubar. Em todos os três casos, a invenção e a denúncia de um crime são chamados a suscitar a onda de indignação de que o movimento de revolta tem necessidade. Se se consegue o êxito completo na Checoslováquia e na Roménia (onde o regime socialista havia-se seguido ao avanço do Exército Vermelho), esta estratégia falhou na República Popular da China que brotou de uma grande revolução nacional e social. E aqui é que tal fracasso se torna o ponto de partida de uma nova e mais maciça guerra mediática, que é desencadeada por uma superpotência que não tolera rivais ou potenciais rivais e que ainda está em pleno desenvolvimento. Fica definido que o ponto da viragem histórica está em primeiro lugar em Timisoara, "a Auschwitz da sociedade do espectáculo".
2. A "anunciar bebés" e o corvo marinho
Dois anos depois, em 1991, verificou-se a primeira Guerra do Golfo. Um corajoso jornalista estado-unidense explicou como se deu "a vitória do Pentágono sobre o media", ou seja, a "derrota colossal dos media por obra do governo dos Estados Unidos" (Macarthur 1992, pp. 208 e 22).
Em 1991, a situação não era fácil para o Pentágono (nem para a Casa Branca). Tratava-se de convencer da necessidade da guerra um povo sobre o qual ainda pesava a memória do Vietname. E então? Espertezas várias reduziram drasticamente a possibilidade de jornalistas falarem directamente com os soldados ou reportarem directamente a partir da frente. Na medida do possível, tudo deve ser filtrado: o fedor da morte e sobretudo o sangue, o sofrimento e as lágrimas da população civil não devem invadir as casas dos cidadãos dos EUA (e dos habitantes do mundo inteiro) como no tempo de guerra Vietname. Mas o problema central mais difícil de resolver era outro: como demonizar o Iraque de Saddam Hussein, que ainda há alguns anos era considerado digno aos olhos dos EUA, agredindo o Irão que brotara da revolução islâmica e anti-americana de 1979 e inclinado a fazer proselitismo no Oriente Médio. A demonização teria sido muito mais eficaz se ao mesmo tempo a sua vítima fosse angelical. Operação nada fácil, e não apenas pelo facto de no Kuwait ser dura e impiedosa a repressão de todas as formas de oposição. Havia algo pior. Para executar as tarefas mais humildes os imigrantes eram sujeitos a uma "escravatura de facto" e uma escravatura de facto que muitas vezes assumia formas sádicas: não despertou particular emoção casos de "servos arremessado a partir do terraço, queimados ou cegados ou espancados até a morte " (Macarthur 1992, pp. 44-45).
E ainda assim... Generosamente ou fabulosamente recompensada, uma agência de publicidade encontra remédio para tudo. Essa denunciou o facto de que os soldados iraquianos cortavam as "orelhas" dos kuwaitianos que resistiam. Mas o golpe de teatro desta campanha era outro: os invasores haviam irrompido num hospital, "removendo 312 bebés das suas incubadoras e deixando-os morrer no chão frio do hospital de Kuwait City" (Macarthur 1992, p 54). Proclamada repetidamente pelo presidente Bush Sr., confirmado pelo Congresso, endossado pela imprensa de referência, e até mesmo pela Amnistia Internacional, esta notícia tão horripilante, mas mesmo assim circunstanciada para indicar com precisão o número de mortes, não poderia deixar de provocar uma onda avassaladora de indignação: Saddam Hussein era o novo Hitler, a guerra contra ele era não só necessária como também urgente e aqueles que se opusessem a ela ou fossem recalcitrantes deveriam ser considerados como cúmplices mais ou menos conscientes do novo Hitler! A notícia era obviamente uma invenção habilmente produzida e distribuída, mas foi para isso que a agência de publicidade bem merecera o seu dinheiro.
A reconstrução desta história está contida em um capítulo do livro aqui citado com um título adequado: "Publicitar bebés" (Selling Babies). Na verdade, o "anunciado" não foram apenas os bebés. Logo no início das operações militares foi difundida por todo o mundo a imagem de um corvo marinho que se afogava no petróleo a jorrar de poços explodidos pelo Iraque. Verdade ou manipulação? A causa da catástrofe ecológica era Saddam? E há realmente corvos marinhos naquela região do globo e naquela estação do ano? A onda de indignação, autêntica e habilmente manipulada, varreu a última resistência racional.
3. A produção do falso, o terrorismo da indignação e o desencadeamento da guerra
Façamos um novo salto alguns anos em frente e chegamos assim à dissolução, ou melhor, ao desmembramento da Jugoslávia. Contra a Sérvia, que historicamente fora a protagonista do processo de unificação deste país multi-étnico, nos meses que antecederam o bombardeamento total desencadeou-se uma onda de bombardeamentos multimedia. Em Agosto de 1998, um jornalista americano e um alemão

"Referem-se à existência de valas comuns contendo 500 cadáveres de albaneses, incluindo 430 crianças, perto de Orahovac, onde se combateu duramente. A notícia foi retomada por outros jornais ocidentais com grande destaque. Mas era tudo falso, como evidenciado por uma missão de observação da UE " (Morozzo Della Rocca 1999, p. 17).

Nem por isso a fábrica de falsificações entrava em crise. No início de 1999, os meios de comunicação ocidentais começaram a bombardear a opinião pública internacional com fotografias de cadáveres empilhados no fundo de um penhasco e, por vezes, decapitados e mutilados; as legendas e artigos que acompanhavam tais imagens proclamavam que se tratava civis albaneses inermes massacrados pelos sérvios. Só que:

"O massacre de Racak é horrendo, com mutilações e cabeças decepadas. É um cenário ideal para despertar a indignação da opinião pública internacional. Mas alguma coisa parece estranha nesta modalidade de carnificina. Os sérvios matam habitualmente sem fazer mutilações [...] Como ensina a guerra na Bósnia, as denúncias de brutalidade sobre corpos, sinais de tortura, decapitações, são uma arma da propaganda difundida [...] Talvez não fossem os sérvios, mas sim os guerrilheiros albaneses que mutilaram os corpos" (Morozzo Della Rocca 1999, p. 249).

Ou, talvez, os corpos das vítimas de um dos inumeráveis confrontos entre grupos armados tivessem sido submetidos a um tratamento sucessivo, a fim de fazer acreditar numa execução a frio e num desencadeamento de fúria bestial, da qual era imediatamente acusado o país que a NATO se preparava para bombardear (Saillot 2010, pp. 11-18).
A encenação de Racak foi apenas o culminar de uma campanha de desinformação obstinada e cruel. Alguns anos antes, o bombardeamento do mercado de Sarajevo havia permitido à NATO erguer-se como suprema autoridade moral, que não se podia permitir deixar impune a "atrocidade" sérvia. Hoje em dia pode-se ler, mesmo no Corriere della Sera, que "foi uma bomba de paternidade muito duvidosa a fazer o massacre no mercado de Sarajevo provocando a intervenção da NATO" (Venturini 2013). Com este precedente anterior, Racak aparece hoje como uma espécie de reedição de Timisoara, uma reedição prolongada por alguns anos. E no entanto, também neste caso, houve êxito. O ilustre filósofo que em 1990 havia denunciado "o Auschwitz da sociedade do espectáculo" verificado em Timisoara, cinco anos depois alinhava-se ao coro dominante, trovejando de forma maniqueísta contra "o deslizamento repentino da classe dirigente ex-comunista no racismo mais extremo (como na Sérvia, com o programa de limpeza étnica)" (Agamben 1995, pp. 134-35). Depois de haver agudamente analisado a trágica indiscernibilidade da "verdade e falsidade" na sociedade do espectáculo, ele acaba, involuntariamente, por confirmá-la, aceitando de modo precipitado a versão (ou seja, a propaganda de guerra) difundida no "sistema mundial dos media", que anteriormente apontara como a fonte principal da manipulação. Depois de ter denunciado a redução do "verdadeiro" para "momento do movimento necessário do falso", feito pela sociedade do espectáculo, ele limitava-se a conferir uma aparência de profundidade filosófica a esse "verdadeiro" reduzido a "momento do movimento necessário do falso".
Por outro lado, um elemento da guerra contra a Jugoslávia, mais do que em Timisoara, nos leva de volta à primeira Guerra do Golfo. É o papel desempenhado pelas relações públicas:
Milosevic."Milosevic é um homem tímido, não gosta de publicidade, não gosta de se mostrar ou fazer discursos em público. Parece que aos primeiros sinais de desagregação da Jugoslávia, a Ruder&Finn, empresa de relações públicas que trabalhara para o Kuwait, em 1991, apresentou-se a oferecer os seus serviços. Foi recusada. A Ruder&Finn foi ao invés contratada de imediato pela Croácia, pelos muçulmanos da Bósnia e pelos albaneses do Kosovo por 17 milhões de dólares por ano, a fim de proteger e promover a imagem dos três grupos. E ela fez um óptimo trabalho!
James Harf, diretor da
Ruder&Finn Global Public Affairs , afirmou numa entrevista [...]:

"Fomos capazes de fazer coincidir na opinião pública sérvio e nazista [...] Nós somos profissionais. Tínhamos um trabalho a fazer e fizemos. Não somos pagos para fazer moral" (Toschi Marazzani Visconti 1999, p. 31).

Chegamos agora à segunda Guerra do Golfo:   nos primeiros dias de Fevereiro de 2003, o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, mostrava à plateia do Conselho de Segurança da ONU as imagens de laboratórios móveis para a produção de armas químicas e biológicas que o Iraque dispunha. Algum tempo depois o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, redobrava a dose:   não só Saddam tinha essas armas como já havia feito planos para usá-las e era capaz de activá-las "em 45 minutos." E mais uma vez o espectáculo, nada mais que o prelúdio para a guerra, constituía o primeiro acto de guerra, pondo em guarda contra um inimigo de que o género humano se devia absolutamente desembaraçar.
Mas o arsenal das armas da mentira executadas ou prontas para o uso foi muito além disso. A fim de "desacreditar o líder iraquiano aos olhos do seu próprio povo", a CIA propunha-se a "divulgar em Bagdad, um filme revelando que Saddam era gay. O vídeo devia mostrar o ditador iraquiano tendo relações sexuais com um garoto. "Devia parecer feito a partir de uma câmara oculta, como se fosse uma gravação clandestina". A ser estudada estava também "a possibilidade de interromper a transmissão da televisão iraquiana com uma pretensa edição extraordinária do telejornal contendo o anúncio de que Saddam havia renunciado e que todo o poder fora retirado de seu filho Uday, temido e odiado" (Franceschini 2010).
Se o Mal deve ser mostrado e marcado em todo o seu horror, o Bem deve aparecer em todo o seu esplendor. Em Dezembro de 1992, fuzileiros navais dos EUA desembarcaram na praia de Mogadiscio. Para maior exactidão, desembarcaram duas vezes e a repetição da operação não se deveu a dificuldades militares ou logísticas imprevistas. Era preciso mostrar ao mundo que, mesmo antes de ser um corpo militar de elite, os fuzileiros eram uma organização beneficente e caridosa que trazia esperança e um sorriso ao povo somali devastado pela miséria e pela fome. A repetição do desembarque-espectáculo destinava-se a emendá-lo nos seus pormenores errados ou defeituosos. Um jornalista e testemunha explicou:

"Tudo o que está a acontecer na Somália e que se verá nas próximas semanas é um show militar-diplomático [...] Uma nova época na história da política e da guerra começou realmente, na noite bizarra de Mogadíscio [...] A "Operação Esperança" foi a primeira operação militar não apenas filmada em directo pelas câmaras, mas pensada, construída e organizada como um show de televisão" (Zucconi 1992).

Mogadíscio era a contrapartida de Timisoara. Há alguns anos de distância da representação do Mal (o comunismo que finalmente desmoronou) seguiu-se a representação do Bem (o império americano, que emergia do triunfo alcançado na Guerra Fria). São agora claros os elementos constitutivos da guerra-espectáculo e do seu êxito.

Referências bibliográficas
Giorgio Agamben 1995
Homo sacer. Il potere sovrano e la nuda vita, Einaudi, Torino
Giorgio Agamben 1996
Mezzi senza fine. Note sulla politica, Bollati Boringhieri, Torino
Dan Bilefsky 2009
A rumor that set off the Velvet Revolution, in International Herald Tribune del 18 novembre, pp. 1 e 4
Jean-Luc Domenach, Philippe Richer 1995
La Chine, Seuil, Paris
François Fejtö 1994 (em colaboração con Ewa Kulesza-Mietkowski)
La fin des démocraties populaires (1992), tr. it., di Marisa Aboaf, La fine delle democrazie popolari. L'Europa orientale dopo la rivoluzione del 1989, Mondadori, Milano
Enrico Franceschini 2010
La Cia girò un video gay per far cadere Saddam, "la Repubblica", 28 maggio, p. 23
John R. Macarthur 1992
Second Front. Censorship and Propaganda in the Gulf War , Hill and Wang, New York
Roberto Morozzo Della Rocca 1999
La via verso la guerra, in Supplemento al n. 1 (Quaderni Speciali) di "Limes. Rivista Italiana di Geopolitica", pp. 11-26
Fréderic Saillot 2010
Racak. De l'utilité des massacres, tome II, L'Hermattan, Paris
Jean Toschi Marazzani Visconti 1999
Milosevic visto da vicino, Supplemento al n. 1 (Quaderni Speciali) di "Limes. Rivista Italiana di Geopolitica", pp. 27- 34
Franco Venturini 2013
Le vittime e il potere atroce delle immagini, in Corriere della Sera del 22 agosto, pp. 1 e 11
Vittorio Zucconi 1992
Quello sbarco da farsa sotto i riflettori TV, in la Repubblica del 10 dicembre

04/Setembro/2013

O original encontra-se em http://www.domenicolosurdo.blogspot.it/