"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 13\02\08

‘Aristóteles ocupa o lugar do Adversário em meu pensamento’. Entrevista com Alain Badiou

“Todo o mundo é, hoje, aristotélico, ou quase! Há duas razões distintas para isso, embora convergentes. Primeiramente, Aristóteles inventa a filosofia acadêmica. Entendamos por isso uma concepção da filosofia dominada pela idéia do exame coletivo de problemas corretamente postos (...) Por outro lado, a hegemonia contemporânea da democracia parlamentar é reconhecida no pragmatismo de Aristóteles, seu gosto pelas proposições medianas, sua desconfiança para com a exceção e o monstruoso, sua mistura de materialismo empírico, de psicologia positiva e de espiritualidade ordinária”, diz Alain Badiou.

Alain Badiou firmou-se, aos poucos, como referência importante nos debates sobre a renovação do pensamento da esquerda. Ele é professor emérito da Escola Superior Normal. Badiou concedeu a entrevista abaixo ao Le Monde, 01-02-2008. A tradução é do Cepat.

Qual é o lugar de Aristóteles e do pensamento dele no seu próprio itinerário filosófico?

Um lugar muito importante: o do Adversário. A oposição Platão-Aristóteles simboliza duas orientações filosóficas completamente irredutíveis. E isso qualquer que seja a questão. No campo ontológico, o platônico privilegia a potência separadora da Idéia, o que faz das matemáticas o vestíbulo de todo pensamento do ser; o aristotélico parte do dado empírico, e quer permanecer de acordo com a física e a biologia. Na lógica, o platônico escolhe o axioma, que institui, até mesmo funda soberanamente, todo um campo do pensamento racional, e o aristotélico escolhe a definição, onde Aristóteles se sobressai, que delimita e fixa na língua uma certa experiência do dado.

Na ética, o platônico privilegia a conversão subjetiva, o despertar repentino a uma via anteriormente despercebida para a Verdade, enquanto do lado de Aristóteles, prevalece a prudência do justo meio, que se guarda tanto à direita como à esquerda de todo excesso. Na política, o aristotélico deseja o debate organizado entre os interesses dos grupos e dos indivíduos, o consenso elaborado, a democracia gerencial. O platônico é animado pela vontade de ruptura, pela possibilidade de um outro destino da via coletiva, pelo gosto pelo conflito desde que entranhe princípios. Na estética, a visão do platônico faz do Belo uma das formas sensíveis da Verdade, ao passo que Aristóteles avança a função terapêutica e quase corporal dos espetáculos.

Como desde a minha juventude estou, quanto à orientação principal, do lado de Platão, o estudo – muito cuidadoso – da Aristóteles me forneceu numerosos e memoráveis contra-exemplos. Citarei quatro. Eu propus uma ontologia do Múltiplo cujo suporte último é o múltiplo-de-nada, o conjunto vazio. Para expor esta filosofia do vazio, eu me apoiei no belíssimo texto de sua Física onde Aristóteles “demonstra” que o vazio não existe... Para sustentar que as matemáticas são essenciais desde que se queira distinguir as possíveis opções do pensamento filosófico, eu tomei como contravertente o livro Metafísica em que Aristóteles explica que a única virtude das matemáticas é a ordem estética. Eu classifiquei diferentes relações entre as artes e a filosofia de tal maneira que a doutrina de Aristóteles sobre este ponto, em sua Poética, é de alguma maneira “coincidente” entre Platão e o romantismo, e rejeitado pela psicanálise. Eu também utilizei os famosos desenvolvimentos da Política sobre a relação entre a democracia e o crescimento da classe média, para chamar para mim a apologia contemporânea, em nosso Ocidente, de tais classes.

Qual é o texto de Aristóteles que mais lhe marcou, alimentou, e por que?

Sem dúvida nenhuma Metafísica, texto apreciado por todos, e do qual Barbara Cassin e Michel Narcy propuseram há alguns anos uma leitura inteiramente nova. Neste texto, Aristóteles enuncia, primeiramente, que existe uma “ciência do ser como tal”, programa que sou um dos poucos a ter tomado ao pé da letra, já que para as matemáticas, que propõem uma ontologia do múltiplo puro, são a existência demonstrada desta ciência.

Aristóteles indica, na seqüência, que a palavra “ser” pode ser tomada em diferentes sentidos, mas “na direção do uno”. E, com efeito, para mim, o ser é uma noção equívoca, desde que se aplique ao mesmo tempo à existência regrada daquilo que é (as multiplicidades dispostas sob a lei do mundo) e à força de ruptura daquilo que sobrevém (o que chamo de acontecimento). Portanto, “ser” se diz ao menos em dois sentidos. Entretanto, esses dois sentidos são polarizados pela existência de verdades construídas num mundo sob o efeito do acontecimento. Nesse sentido se pode dizer que “ser” se diz “na direção do uno”, o que significa: uma verdade é o ser real das múltiplas conseqüências de um acontecimento.

Enfim, Aristóteles definiu genialmente (em seu contexto, que é o dos sujeitos e dos predicados) o que hoje chamamos de lógica clássica, a partir de duas propriedades fundamentais da negação: o princípio da não-contradição (não se pode ter ao mesmo tempo e sob a mesma relação a verdade de P e a verdade de não-P), e o princípio do terceiro excluído (deve-se ter ou P, ou não-P). Ora, não é de hoje que sabemos que ao utilizar essas duas propriedades podemos definir na realidade três tipos diferentes de lógica: a clássica, mas também a lógica intuicionista, com o princípio de não-contradição, mas sem o terceiro excluído, e a lógica paraconsistente, com o terceiro excluído, mas sem o princípio da não-contradição. O que na realidade quer dizer que existem três noções essencialmente diferentes da negação. Esta variabilidade da categoria lógica de negação tem conseqüências incalculáveis, e é certo que Aristóteles viu o problema em toda a sua amplitude. O platônico, aqui, se inclina diante do gênio de alguma maneira gramatical de Aristóteles.

Onde está a atualidade mais intensa desse autor?

Todo o mundo é, hoje, aristotélico, ou quase! Há duas razões distintas para isso, embora convergentes. Primeiramente, Aristóteles inventa a filosofia acadêmica. Entendamos por isso uma concepção da filosofia dominada pela idéia do exame coletivo de problemas corretamente postos, cujas soluções anteriores conhecemos (Aristóteles inventou a história da filosofia como matéria da filosofia), e para os quais propomos soluções novas que tornam caducas as anteriores. Trabalho em equipe, problemas comuns, regras aceitas, modéstia científica, artigos dos dez últimos anos anulam toda uma herança histórica... Quem não reconhece os tratados da grande escolástica contemporânea, cuja matriz é a filosofia analítica inaugurada pelo Círculo de Viena?

Por outro lado, a hegemonia contemporânea da democracia parlamentar é reconhecida no pragmatismo de Aristóteles, seu gosto pelas proposições medianas, sua desconfiança para com a exceção e o monstruoso, sua mistura de materialismo empírico, de psicologia positiva e de espiritualidade ordinária. O curso do mundo se acomoda perfeitamente a Aristóteles, e com a exceção de um único ditado, é verdadeiramente grandioso: a afirmação de que é preciso se esforçar para viver “na Imortalidade”. Esse ditado por si só justifica que Aristóteles, falando de si, diga voluntariamente “nós, platônicos”, e deixe, na seqüência, assassinar o mestre. Sim, eu creio que nós devemos procurar viver “na Imortalidade”. Mas é muitas vezes contra o aristotelismo em voga, acadêmico ou eleitoral, que devemos reler esta máxima de Aristóteles.

Instituto Humanitas Unisinos - 13\02\08

Argentina registra PIB acima de 8% pelo 5º ano consecutivo


A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, anunciou na segunda-feira à noite que o PIB (Produto Interno Bruto) do país cresceu 8,7% no ano passado. Com o resultado, a Argentina registra crescimento superior a 8% pelo quinto ano seguido. A notícia é da Folha de S. Paulo, 13-02-2008.

O anúncio foi feito durante a assinatura de um acordo que beneficia produtores de vinhos e antecipou a divulgação oficial do dado pelo Indec (o IBGE argentino). Para a presidente, que assumiu em 10 de dezembro de 2007, "são números importantes, mas não são unicamente entrada de divisas, e sim um crescimento que começa a ser sentido por todos os argentinos que voltaram a ter trabalho e a consumir".

Ao contrário do índice de inflação, questionado pelo FMI e que, segundo especialistas, seria duas ou três vezes maior do que os dados oficiais, o índice de crescimento não é questionado, mas pode ser menor do que o anunciado devido à alta dos preços.

Instituto Humanitas Unisinos - 13\02\08

GM anuncia plano de demissão de 74 mil


A montadora americana General Motors registrou a maior perda da história do setor e anuncia plano de demissão voluntária para 74 mil trabalhadores. A notícia é da Folha de S. Paulo, 13-02-2008.

A General Motors disse ontem que teve prejuízo de US$ 38,7 bilhões no ano passado, a maior perda anual de uma companhia do setor automobilístico. A empresa anunciou ainda um plano de demissão voluntária para 74 mil trabalhadores sindicalizados, em uma tentativa de substituí-los por funcionários que receberão salário menor.

A maior parte do prejuízo ficou concentrada no terceiro trimestre de 2007, quando a empresa, que passa por um processo de reestruturação, recebeu uma cobrança de tributos diferidos (adiados) de US$ 38,6 bilhões. Sem ela e outros itens isolados, a GM disse que perdeu US$ 1,6 bilhão de julho a setembro. Nos últimos três meses do ano passado, a companhia teve prejuízo de US$ 722 milhões.

Apesar do resultado negativo, o presidente-executivo da montadora americana, Rick Wagoner, disse que ela teve avanços significativos no ano passado, reduzindo custos estruturais na América do Norte - por meio de acordos trabalhistas - e crescendo fortemente na América Latina e na Ásia.

O executivo afirmou que a desaceleração da economia americana e os altos preços das commodities prejudicaram o processo de reestruturação da empresa. "Estamos satisfeitos com a tendência positiva de melhora em nossos resultados no setor automotivo, ainda mais levando em consideração as condições desafiadoras em importantes mercados como Estados Unidos e Alemanha, mas temos mais trabalho a fazer para alcançarmos uma lucratividade aceitável e um fluxo de caixa positivo", disse em comunicado o ex-presidente da GM brasileira.

De acordo com Fritz Henderson, presidente-financeiro, 2008 será um ano de dificuldades, mas que a empresa vê potencial de ganhos significativos a partir de 2010 ou 2011. A montadora não disse quantos funcionários prevê que vão aceitar fazer parte do plano de demissão voluntária, mas, pelo acordo que fez no ano passado com o sindicato do setor, 16 mil trabalhadores poderão aceitar a proposta. Eles seriam substituídos por funcionários que receberiam metade do salário atual, de US$ 28 por hora. Para Henderson, a proposta da GM é "razoavelmente atrativa".

Instituto Humanitas Unisinos - 13\02\08

Exportação de carne ultrapassa a de soja. Nova tendência do agronegócio brasileiro?


As exportações brasileiras do complexo de carnes - bovinos, aves e suínos - ultrapassaram as vendas de soja e seus derivados no mês passado e se tornaram a principal commodity exportada pelo país. Os números iniciam uma nova tendência do agronegócio brasileiro, na avaliação do governo federal. A reportagem é do jornalista Iuri Dantas no jornal Folha de S. Paulo, 13-02-2008.

Segundo produtores, por outro lado, ainda é cedo para prever o comportamento dos produtos neste ano. A balança comercial do agronegócio fechou o mês de janeiro com exportações de US$ 4,3 bilhões e importações de US$ 1,02 bilhão.

"O Brasil hoje é o único exportador de carne do mundo com a facilidade de obter clientes pela capilaridade e pela competitividade que possui", disse Antenor Nogueira, presidente do Fórum Permanente de Pecuária de Corte da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

Em janeiro, as exportações de carne tiveram um crescimento de 25,5% e chegaram a US$ 898 milhões. O complexo soja - grão, farelo e óleo - vendeu US$ 678 milhões. Em relação a janeiro do ano passado, o aumento foi de 94,6%.

A tendência começou a se desenhar no ano passado, quando o Brasil vendeu US$ 11,381 bilhões do complexo soja, contra US$ 11,295 bilhões, de carnes. Em 2007, o ritmo de expansão das exportações de carnes (30,7%) também foi superior ao de soja (22,3%). Segundo Christian Lohbauer, presidente da Abef (Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango), a carne brasileira deve parte de seu bom preço aos insumos, como milho e soja, que são produzidos em larga escala no país, o que contribui para segurar o preço.

"Milho e soja representam 70% do custo de produção da carne e o Brasil tem os dois. Por isso o frango tem competitividade para repassar o custo para o produto", afirmou. Segundo Lohbauer, o frango brasileiro é vendido para mais de cem países. A carne bovina é exportada para mais de 150 diferentes destinos. O secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Silas Brasileiro, nega relação da expansão da pecuária com o desmatamento. "Estamos estimulando a recuperação de pastagens degradadas com financiamentos", disse.

Ainda há fortes dúvidas sobre o desempenho das carnes neste ano, principalmente devido à suspensão de importações pela União Européia desde o dia 1º. Os altos preços de commodities no mercado internacional impulsionam as vendas brasileiras de ambos os produtos. No caso das carnes, o aumento do consumo também impulsiona o deslocamento de pastagens para regiões próximas à floresta amazônica.

No final do ano passado, o gado avançou sobre o sul do Estado do Pará e o desmatamento na região causou uma crise no governo. Segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), houve aumento de 18% no desmatamento de novembro. Para a ONG Imazon, porém, o aumento foi muito maior, de 74%.
Governo e produtores dizem que o gado que pasta na floresta amazônica não tem a carne exportada. O problema é que não há instrumentos eficazes em vigor para assegurar isso. O principal exemplo é a suspensão de vendas para a União Européia, desde o dia 1º, porque há falhas e problemas na rastreabilidade dos bovinos do país.

Tradicionalmente, o plantio de soja representava o vilão do desmatamento com a derrubada da floresta de Mato Grosso em direção a Rondônia. Números divulgados ontem pela Companhia Nacional de Abastecimento, do Ministério da Agricultura, indicam que a área plantada de soja aumentou 9,6% na região Norte (sendo 8,4% em Rondônia, 10,6% no Pará e 12% no Tocantins) e 2,8% no Centro-Oeste.

Instituto Humanitas Unisinos - 13\02\08

Milho transgênico é liberado no país


O governo brasileiro liberou ontem o plantio comercial do milho transgênico no país. Por sete votos a quatro, o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), composto por onze ministérios, aprovou duas variedades de sementes produzidas pelas multinacionais Monsanto e Bayer CropScience. O Brasil é o 13º país do mundo a aprovar o milho transgênico. A notícia é do jornal Valor, 13-02-2008.

As variedades haviam sido aprovadas no ano passado pelos membros da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), mas apenas agora foram apreciadas pelo conselho de ministros devido a liminares movidas por grupos contrários à biotecnologia. Uma terceira semente transgênica, desenvolvida pela Syngenta, também foi aprovada pela CTNBio, e aguarda uma data para o parecer do conselho.

Com isso, os produtores brasileiros estão aptos a partir de agora a usar as sementes geneticamente modificadas MON810, da Monsanto, e Bayer LL, da Bayer. A expectativa do mercado é de que pequenos lotes dessas sementes já estejam disponíveis para a safra 2008/09, que começará a ser plantada no último trimestre.

"Temos tido muita solicitação de agricultores que querem sementes transgênicas de milho", diz Iwao Miyamoto, presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem). Para Odacir Klein, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), trata-se de uma notícia "ótima para o país", sobretudo no momento em que o produto tem demanda crescente no mundo.

Tomada em clima tenso e sob protestos em frente ao Palácio do Planalto, a decisão foi precedida nos últimos dias por uma guerra de propaganda pró e contra a semente geneticamente modificada. Grupos ambientalistas e setores da sociedade civil alertavam para os perigos da transgenia ao ambiente e à saúde humana. Associações de produtores reforçavam os benefícios econômicos futuros desse tipo de semente. Por fim, o conselho de ministros rejeitou os questionamentos feitos no ano passado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) sobre o impacto dos produtos. Ambos recomendavam ainda a realização de estudos no país.

Votaram por esta tese os ministérios da Saúde, do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente, além da Secretaria da Pesca. "Isso significa mais uma etapa vencida nessa questão importante de avanço da ciência", comemorou o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende.

O conselho de ministros é a autoridade máxima sobre biossegurança no país. Do ponto de vista administrativo, portanto, a questão está encerrada. Mas a ONG Terra de Direitos avisa que formulará nova ação judicial contra a decisão do CNBS. "Vamos questionar os porquês de os ministros liberarem produtos sobre os quais pesam diversos argumentos científicos apresentados por Anvisa e Ibama", disse a advogada Maria Rita Reis.

Gabriela Vuolo, da campanha de Engenharia Genética do Greenpeace Brasil, mostrou frustração. "O milho transgênico foi aprovado sem a apresentação do estudo de impacto ambiental. A liberação é, de fato, contrária à legislação", disse ela. "O que impressiona é que os órgãos que essencialmente avaliam a segurança desses produtos foram levados a reboque por interesses políticos e do agronegócio".

O plantio comercial do milho transgênico foi altamente polêmico e sua avaliação foi adiada algumas vezes pela Justiça, que exigiu mais informações sobre o fluxo gênico e sobre as regras de monitoramento e transporte. Isso porque, ao contrário da soja, existe polinização no milho e, portanto, o risco de contaminação de plantas transgênicas no milho convencional e orgânico. O Brasil é o 13º país do mundo a aprovar o milho transgênico.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

instituto Humanitas Unisinos - 12/02/08

Ford pode demitir até 9.000 nos EUA

A Ford, terceira maior montadora mundial, poderá fechar cerca de 9.000 postos de trabalho em fábricas nos Estados Unidos por meio de planos de demissão voluntária. A notícia é da Folha de S. Paulo, 12-02-2006.

Os cortes viriam se somar aos 33,6 mil funcionários sindicalizados que deixaram a empresa por meio de planos de demissão voluntária e de antecipação de aposentadorias adotados em 2006 e 2007, quando a Ford teve um prejuízo de US$ 15 bilhões. Cortes adicionais poderão ajudar a Ford a voltar à lucratividade por meio da aceleração da contratação de novos funcionários, que deverão receber cerca de metade do salário dos empregados atuais.

A Ford não tem uma estimativa sobre quantos funcionários aceitarão os planos de demissão, que foram propostos para um primeiro grupo de empregados no mês passado. O número de funcionários da Ford na América do Norte caiu de 99,5 mil para 64 mil entre os anos de 2005 e 2007.

instituto Humanitas Unisinos - 11/02/08

Doenças da pobreza matam 226 pessoas por dia no Brasil


As doenças da pobreza e o abandono matam 226 brasileiros por dia. São pelo menos 82,5 mil mortes por ano causadas por males como diarréia, desnutrição, malária, tuberculose, dengue, febre amarela e falta de assistência médica. A reportagem é de Tatiana Farah para o jornal O Globo, 10-02-2008.

- Toda morte que poderia ser evitada causa indignação. Não podemos classificar isso como aceitável. Assim como nos acidentes de trânsito, em que faltam fiscalização e melhores estradas, nas mortes evitáveis falta mais ação do Estado - afirma o coordenador de Planejamento em Saúde do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Nicanor Rodrigues da Silva Pinto.

O jornal O Globo fez um levantamento junto à base de dados do Ministério da Saúde, considerando a Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Foram somadas as mortes dos itens "algumas doenças infecciosas e parasitárias" (à exceção da Aids e da septicemia) e a desnutrição. Esse grupo de males infecciosos e a desnutrição são as chamadas doenças da pobreza, com média anual de 33,5 mil mortes. A este número, somou-se o item "morte sem assistência médica", com cerca de 49 mil óbitos registrados em 2005.

Só de diarréia e infecções intestinais morreram, em 2005, por exemplo, 10.599 pessoas. A desnutrição, sozinha, matou 6,9 mil brasileiros. A tuberculose, embora seja curável e tenha um custo de tratamento de R$ 70 (quando tratada no início e sem internação), causou mais de 4,7 mil mortes. Em 2005, até a poliomielite aguda reapareceu, matando 3 pessoas.

Silva Pinto, no entanto, estima que a pobreza e a fome causem efeitos muito maiores na mortalidade nacional (1.006.827 mortes em 2005, último ano de dados registrados pelo DataSUS, do Ministério da Saúde). Além das doenças da pobreza, há a perversidade da pobreza, como nos casos de pneumonia, em que morreram 35.903 pessoas. Para ele, o estado de fragilidade do organismo das pessoas com fome ou mal-ali$as expõe a maiores riscos, e a falta de acesso aos serviços de saúde limita as possibilidades de cura. A falta de saneamento, informação e escolaridade cria o ambiente perverso da proliferação das doenças.

instituto Humanitas Unisinos - 11/02/08

Nova versão do ‘gato’. Agências de turismo aliciam trabalhador rural


Figura típica do trabalho análogo à escravidão, o ‘gato’ (agenciador de mão-de-obra) ganhou uma nova versão. Agora, são agências de turismo comuns que têm aliciado trabalhadores, vendido para eles ‘pacotes’ e os levado até frentes de trabalho rural em outros Estados, onde, por vezes, se submetem a condições degradantes para pagar a passagem. A reportagem é dos jornalistas João Carlos Magalhães e Thiago Reis para a Folha de S.Paulo, 11-02-2008.

Segundo o Ministério Público do Trabalho, a participação das empresas na cadeia escravagista é uma conseqüência do aumento da fiscalização, que reprimiu o aliciamento, crime punido com até três anos de detenção, e levou o típico "gato" -pessoa que recruta trabalhadores- a entrar em extinção.

A idéia é dificultar a configuração do recrutamento irregular, já que, uma vez travestido de turista, o "passageiro" não precisa apresentar documento de registro profissional, no caso de o ônibus sofrer uma blitz. Empresas de turismo não podem se destinar a outro fim, sob pena de multa e até da suspensão das atividades.

Algumas operadoras já sabem em que épocas e regiões haverá colheita, quando as vagas aumentam. Em algumas culturas, como a da cana, elas chegam a se comunicar com os fazendeiros, para saber quantas pessoas serão necessárias. Para recrutar a mão-de-obra, as empresas focam os anúncios em cidades do interior de Estados nordestinos, como Maranhão e Piauí, onde há oferta.

A prática foi verificada há cerca de duas semanas em uma propriedade de Tapurah (MT), arrendada pelo grupo Bom Futuro, de Eraí Maggi, primo do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PR), onde foi flagrado trabalho degradante.

Boa parte dos 41 libertados saiu da região de Presidente Dutra (MA), em ônibus da empresa Brasil Turismo, que atua tanto na cidade maranhense quanto em Sorriso (MT), onde os trabalhadores foram deixados antes de seguir à fazenda.

Na fazenda arrendada por Eraí, os trabalhadores ouviram, em suas cidades, promessas de vagas em carros com alto-falantes e propagandas nas rádios. Pela viagem, disseram ter gasto valores entre R$ 200 e R$ 350. Não sabiam o que iriam fazer nem em que propriedade. Nenhum contrato foi assinado. Aos que não tinham o dinheiro, a Brasil Turismo permitiu que pagassem após conseguir vaga. José Pedro dos Reis, procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso, diz que a dívida era quitada com a dona de uma pousada de Sorriso, que os acolhia.

Segundo o auditor-fiscal Valdinei Arruda, da Superintendência Regional do Trabalho de Mato Grosso, a atuação de agências para aliciar trabalhadores é "rotineira". "Os veículos são registrados como sendo de turismo, e fica difícil fazer o vínculo [da ilegalidade]." Regisvan Soares de Andrade, chefe da divisão de combate ao crime da Polícia Rodoviária Federal, afirma que a prática é uma "evolução" do "gato". "Quando a gente aperta de um lado, a criminalidade evolui”.
Nordestinos desistem de São Paulo e retornam à terra natal


Na última década, o saldo de retorno foi de 181 mil, ante os 505 mil que vieram para cá nos dez anos anteriores. A reportagem é de Eduardo Nunomura no jornal Folha de S.Paulo, 10-02-2008.

O pernambucano Gildo Ferreira da Silva Filho decidiu empacotar tudo e ir embora para Garanhuns, terra do presidente Lula. Foi de repente. A mulher Marinês e o filho Mateus, de 9 anos, ficaram contrariados, depois tristes e conformados por último. No sábado de carnaval, a família embarcou num ônibus clandestino rumo ao Nordeste. Talvez para nunca mais voltar.

Gildo tentou se firmar em São Paulo. Virou arrumador de carga numa transportadora. Ganhava pouco, mas pôde construir uma casa de três cômodos na periferia de Guarulhos. Sua felicidade foi ter juntado R$ 1 mil para comprar um teclado Yamaha para o filho. Mateus toca forró, brega, arrocha e o “rei da pisadinha”. Como um autêntico nordestino, porém nascido aqui. “Meu sonho era ficar. Ele é gênio da música, teria mais chances”, lamenta o pai, que havia três meses estava sem trabalho fixo. Na terra de Lula, tem um sítio de 3 alqueires. Um irmão, que voltou antes, já comprou mais terra, gado e moto.

São Paulo parou de importar nordestinos e está exportando-os de volta. Os dados indicam que, nos últimos dez anos, o saldo de retorno ficou em 181.694 migrantes. Na década anterior, o fluxo era invertido: 505.684 pessoas vieram para cá - o Estado paulista mais absorvia que devolvia essa população para a terra natal. Nos levantamentos da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), que mede, entre outros, a migração, essa tendência é confirmada. De 2001 até 2004, os nordestinos mais chegaram do que voltaram. Para 2005 e 2006, a somatória já é de 209 mil. Mas no sentido que Luiz Gonzaga, o rei do baião, um dia previu: o sertanejo está voltando, viu?

O demógrafo Kléber Oliveira, professor da Universidade Federal de Sergipe, levantou os números a pedido do Estado. Especialista em migrações dos nordestinos, ele reconheceu que os dados revelam uma nova tendência. “É bastante interessante, uma vez que no Nordeste temos os mesmos problemas estruturais que motivaram os fluxos migratórios históricos. Os fatores de expulsão permanecem inalterados. Veja a seca e a incapacidade dos governantes em adotarem estratégias de melhor convívio com o fenômeno.”

Givanildo Pereira da Silva, de 27, migrou de Jupi (PE) em 1999. Dois irmãos mais velhos já em São Paulo incentivaram o agricultor e pescador a fugir da seca. Do espanto de ver os tantos prédios paulistanos, logo ajudou a construir alguns deles. Mas ele queria mais e acabou entrando numa metalúrgica. Fez cursos. Virou torneiro mecânico, como o presidente conterrâneo. Antes de conhecer a mulher, Betânia Santos da Silva, de 29, com quem teve os filhos Gean, de 3, e Livia, de 11 meses, ergueu dois puxadinhos. Em Heliópolis. Num deles, morou até a semana passada. Vai alugá-lo por R$ 300 e garantir uma renda.

“Cheguei com uma (chinela) Havaiana e ‘tô’ voltando com uma estante, mesa, cama, berço, TV de 20 polegadas, geladeira e um fogão para queimar o feijão”, contenta-se o pernambucano Silva. No fundo, queria ficar, mas a firma em que trabalhava lhe negou um aumento, embora fizesse questão de lhe dar mais responsabilidades. Seu último salário era de R$ 800. No Nordeste, quer comprar um carro, trabalhar por conta própria. “Meu sonho aqui foi concluído. E lá tem menos violência, é um lugar melhor de criar os filhos.”

Transportadores do Brás, com suas empresas de ônibus e caminhões de mudanças, perceberam um boom da migração de retorno nos últimos meses do ano passado. “Trazemos os iludidos e devolvemos os desiludidos”, diz Valdeci Jesus da Silva, outro pernambucano, de Belo Jardim. Ele ganha a vida levando e trazendo nordestinos desde que, cinco anos atrás, comprou seu primeiro caminhão. Hoje possui três, grandões. “São Paulo ficou pior, acabou o emprego para o nordestino. E lá, pelo que vejo e ouço, o padrão de vida melhorou.”

Há uma profusão de razões, como as sugeridas por Valdeci, para explicar por que os nordestinos estão voltando mais. Passa pela saudade da terra, pela adversidade em viver na metrópole e termina no mercado de trabalho. Chegar com uma Havaiana no pé e diploma algum é desemprego na certa. Com ensino médio, tem alguma chance. Caso contrário, resta a rua. O comércio ambulante. E até aí o mundo para o nordestino ficou mais difícil. Só em 2007, a Prefeitura tirou de circulação mais de 7 mil ambulantes, que vendiam produtos ilegais, como os 2,5 milhões de CDs/DVDs piratas ou os 208 mil pacotes de cigarros e bebidas.

“Não é que o Nordeste esteja atraindo, São Paulo é que tem expulsado mais”, arrisca o professor Oliveira, ponderando sobre a influência de ações federais, como o Bolsa-Família, e o aumento de investimentos industriais na região. “Há uma desilusão com ‘as luzes da cidade grande’, falta de emprego, aumento do custo de vida e da violência. E, aqui, não se pode negligenciar a importância dos programas sociais de renda na retenção dessa população potencialmente migrante.”

Dos nordestinos que continuam vindo para o Estado (foram 1.127.410 nos últimos dez anos), muitos acabam migrando para o interior. Gastão Vidigal, Américo de Campos, Bady Bassitt, Jales, Mirassol, Aspásia, Ubarana, entre outros municípios canavieiros, têm acolhido muitos cortadores de cana. E esse tipo de explosão demográfica vem preocupando os prefeitos. Como abrigá-los?

De 1996 a 2006, quando se detecta o aumento do fluxo Sudeste-Nordeste, a Pnad indica que o grupo que mais retornou foi o de homens entre 25 e 34 anos. Ou o de 5 a 14 anos, os filhos dos nordestinos nascidos no Sudeste ou que nasceram no Nordeste e agora retornam com a família. E nos últimos dois anos há um predomínio de baianos e pernambucanos voltando. Em termos de migração absoluta, foram 280 mil.

São Paulo está perdendo baianos, pernambucanos, cearenses, paraibanos e alagoanos, mas continua a receber maranhenses, potiguares e sergipanos. Só que em número menor do que aqueles que voltam. E paranaenses, goianos, gaúchos e paraenses mantêm o Estado receptor de migrantes.

O empresário José Masci de Abreu, dono da Rádio Atual e do Centro de Tradições Nordestinas, lembra de um cliente que, anos atrás, quis vender um loteamento em Juazeiro do Norte (CE), anunciando na emissora. Pouco tempo depois, satisfeito, o anunciante informou que os compradores eram nordestinos vivendo em São Paulo. “Outro indicador é a indústria de embalagens, que passou a se instalar no Nordeste. Com o Bolsa-Família, a economia local ganhou vida”, disse.

O porteiro Elielson Pedro Rocha Macedo, de 35 anos, voltou para a Bahia com um currículo chamativo. Uma experiência de seis anos em prédios de empresas e condomínios residenciais paulistas. Foi chamado poucos dias depois de entregar a ficha para o Eco Parque Arraial d’Ajuda, em Porto Seguro. “Quando saí do meu último emprego, vim visitar minha mãe em Itabuna e tive a proposta de emprego. Resolvi voltar.”

Elielson voltou com a mulher Adiraci Santos Borges Rocha, de 32 anos, e os filhos William Reyzer, de 12, e Elielson Jr., de 10, todos baianos. Vendeu a casinha do Itaim Paulista por R$ 14 mil, fruto de uma invasão. Progrediu de um quatro cômodos para um de cinco, bem mais amplo e legalizado. “Estou me sentindo melhor, mas a verdade é que já sinto saudades de São Paulo. Falta a muvuca, a correria daí”, brincou.

instituto Humanitas Unisinos - 10/02/08

Megaentulho no oceano. A 'sopa de lixo' no Pacífico


Reportagem de Luciana Sgarbi para a revista IstoÉ, nas bancas, relata a imensa plataforma de sujeira encontrada no oceano Pacífico e formada sobretudo por resíduos de plástico.

Eis a reportagem.

Foi durante uma alegre competição de barco a vela que o oceanógrafo americano Charles Moore se deparou com algo trágico: um gigantesco depósito de lixo em pleno mar. “Fiquei impressionado, de repente estava no meio daquilo. Para onde eu olhava, via lixo”, diz ele. A 500 milhas náuticas (cerca de 920 quilômetros) da costa da Ironia do destino, Charles Moore era herdeiro de uma família que fez fortuna com a indústria do petróleo, e o plástico que compõe a tal "sopa" é feito justamente a partir de petróleo - demora aproximadamente 300 anos para se decompor.

Hoje, Moore vendeu o seu negócio e se tornou um ativista ambiental, criando nos EUA a Fundação de Pesquisa Marítima Algalita. O diretor de pesquisa dessa fundação, o ativista ecológico Marcus Eriksen, relata a impressão que teve quando viu pela primeira vez a imensa lixeira: "Parece uma ilha de lixo plástico sobre a qual se pode andar. É uma sopa de plástico, uma coisa sem fim que ocupa uma área que pode corresponder a até duas vezes o tamanho dos EUA."

Pode ser que os milhões de toneladas tenham passado despercebidos pelas autoridades ambientais e sua tecnologia - translúcida, a mancha flutua rente à linha da água e, por isso, pode ser imperceptível aos satélites. Mas, de acordo com o Programa Ambiental da ONU, detritos de plástico constituem 90% de todo o lixo flutuante nos oceanos. Estima-se que 46 mil peças de plástico provoquem anualmente a morte de mais de um milhão de aves e de outros 100 mil mamíferos marinhos. Seringas, isqueiros e escovas já foram encontrados no estômago desses animais depois de mortos.

A gravidade do problema soou como um alarme aos ouvidos de especialistas de todo o mundo. O oceanógrafo David Karl, da Universidade do Havaí, pretende coordenar uma expedição para estudar o problema ainda este ano, pois acredita que esse lixo no Pacífico já formou um novo habitat marinho. Tão cedo, porém, essa situação não será resolvida. A área, conhecida como "giro Pacífico norte", é um local onde o oceano é calmo devido aos poucos ventos e aos sistemas de pressão extremamente altos.

Essas condições naturais estariam "segurando a sujeira". "Da mesma forma que ela está presa naquele redemoinho, a sociedade está presa a maus costumes", diz Moore. E com razão: até pesquisadores da Agência Espacial Americana (Nasa) e de agências russas estão acostumados a despejar toneladas de resíduos de suas espaçonaves no oceano Pacífico.

A nave russa Progress M-59, por exemplo, teve seus fragmentos carbonizados e lançados ao mar - uma tonelada de lixo. Em forma de chuva de metal incandescente, os destroços caíram em uma zona entre a Oceania e as Américas (a mesma região da sopa) e, assim, o caldo de trambolhos e quinquilharias foi ganhando proporções cada vez maiores.

A fiscalização para evitar agressões ao meio ambiente em geral costuma ser fraca, e mais inoperante ainda é a fiscalização que deveria proteger o ambiente marinho - a absurda sopa de lixo no Pacífico comprova esse fato. Convenções internacionais determinam que todas as embarcações devem manter em recipientes adequados os seus resíduos produzidos a bordo, sendo proibido (e passível de multa) o seu descarte no mar - a Marinha brasileira estabelece punições pecuniárias que vão de R$ 7 mil a R$ 50 milhões. Uma vez boiando nos oceanos, no entanto, esses resíduos passam a ser sujeira sem dono - como ponta de cigarro na rua.

Ainda que se saiba a sua procedência, é impossível responsabilizar culpados. Por isso a fiscalização é teórica e ineficaz, por isso formam-se lixões como o do Pacífico, por isso a humanidade, feito suicida, emporcalha aquilo que é a principal condição biológica para a sua sobrevivência - a água.

Califórnia, no oeste dos EUA, esse depósito estava e ainda está lá. A primeira e mais importante questão é saber como essa mancha se formou e cresceu. A primeira e mais importante resposta, impressionante e assustadora, é que a grande sujeira que muitas vezes se tenta esconder debaixo do imenso tapete de mar é fruto da falta de consciência ambiental - um dia ela aparece e bóia, um dia a atitude predatória vem à tona, ainda que seja em meio a uma tranqüila regata. "Toda vez que eu ia ao deque via coisas boiando.

Como nós conseguimos sujar uma área tão enorme?", pergunta Moore. O especialista que passou anos em seu barco estudando essa área (do Havaí até quase o Japão) revela que a mancha tem mais de dez anos. E suas proporções são assustadoras: "Ali existem cerca de 100 milhões de toneladas de detritos." A formação desse megaentulho, apelidado pelos especialistas de "sopa plástica", é atribuída a dois fatores combinados: ação humana e ação da natureza.

Os pesquisadores contabilizam que um quinto dos resíduos foi jogado de navios ou plataformas petrolíferas, e inclui itens como bolas de futebol, caiaques, sacolas plásticas e restos de naufrágios. O restante veio da terra. No mar, esse lixo flutuante acabou se agrupando por influência das correntes marítimas. E então ficou vagando.

instituto Humanitas Unisinos - 10/02/08

Que tal começar contando o que foi comprado por R$ 977,00 na Presentes Mickey?


O governador José Serra pode escolher entre dois caminhos: copia rápido a ferramenta de transparência do portal da Controladoria Geral da União e mostra as minúcias das despesas feitas com o uso de cartões de plástico por seu governo. (São Paulo movimentou R$ 108 milhões, contra R$ 77 milhões de Brasília.) Se preferir, replica o padrão de prepotência adotado pelo comissariado federal em 2004. O preço desse tipo de conduta está na vitrine.

Ao contrário do que sucedia na cúpula federal, o primeiro escalão do governo paulista não têm cartões. Mais um motivo para botar as contas na internet. Parece piada a explicação do secretário da Fazenda de Serra, Mauro Ricardo Costa, lembrando que os curiosos podem requerer informações ao governo. Que tal começar contando o que foi comprado por R$ 977,00 na Presentes Mickey?

O comentário é do jornalista Elio Gaspari em sua coluna na Folha de S.Paulo e n’O Globo, nesse domingo, 10-02-2008.

instituto Humanitas Unisinos - 10/02/08

Lobby ruralista exibe força política no Congresso


Travada pela burocracia oficial há mais de 10 anos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que determina a expropriação de terras onde for constatada exploração de trabalhadores em condições análogas às de escravidão poderá contribuir para a redução desse tipo de crime no país quando for aprovada. Entretanto, a força dos ruralistas impede que a Emenda se transforme em lei. A reportagem é do Jornal do Brasil, 10-02-2008.

Para Marcelo Campos, coordenador do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho, a PEC ainda não foi aprovada pois existe um lobby muito forte da bancada ruralista no Congresso. Campos diz que o governo quer aumentar o número de operações para combater a mão-de-obra escrava. No ano passado, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel bateu o recorde de operações desde 1995, com 114 ações e 5.963 trabalhadores libertados.

- A emenda tem valor simbólico, mas deve haver também funcionamento da Justiça - protesta Xavier Plassat, da CPT. Para o ativista, falta uma política pró-ativa para quebrar de uma vez por todas o ciclo da escravidão no Brasil. Para isso, alerta, é preciso que se dê "outras alternativas e opções para o trabalhador sobreviver".

- A principal ação é libertar os trabalhadores, já que trabalho escravo não se erradica facilmente no país - observa Plassat. - Há uma reincidência tanto na prática do trabalho escravo quanto no desmatamento, pois as condições que levaram a ambas condições continuam as mesmas e o ciclo recomeça.

Enquanto o agronegócio dita as regras do desmatamento e do trabalho escravo, a troca de farpas entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente aumenta. - Cada ministério joga a culpa em outro, quando deveria haver um acordo. - Tem de ser uma questão de política pública com o compromisso ambiental.

instituto Humanitas Unisinos - 09/02/08

Hobsbawm discute democracia e globalização no século 21


A hegemonia dos Estados Unidos no mundo pós-Guerra Fria é analisada pelo historiador Eric Hobsbawm no livro Globalização, Democracia e Terrorismo – editado no Brasil pela Companhia das Letras. O livro é comentado pelo escritor e poeta Régis Bonvicino na Folha de S.Paulo, 09-02-2008.

Eis o comentário.

Globalização, Democracia e Terrorismo é coletânea de dez ensaios curtos (2000 a 2006), nos quais o historiador Eric Hobsbawm aborda as conseqüências da globalização, que, para ele, trouxe "uma dramática acentuação das desigualdades econômicas e sociais no interior das nações e entre elas" e sua repercussão política e cultural, em desproporção - segundo ele - com sua "escala real modesta". Para analisá-la, faz um estudo comparativo, ao longo dos textos, entre o século 20 e o 21 e examina o legado daquele para este, onde uma única superpotência, a partir, sobretudo, de George W. Bush, intenta dominar, militarmente, o mundo.

Hobsbawm não repete clichês, desmonta-os, quando afirma que: "...isso ressalta a fraqueza relativa e absoluta dos movimentos terroristas da fase atual. Eles são sintomas e não agentes históricos significativos", remarcando que, por mais horripilante que tenha sido o 11 de Setembro de 2001, o poder internacional do país e suas estruturas internas não foram afetadas em nada.

Sintomas, então, do quê? Do esgotamento do Estado nacional e da subseqüente erosão de seus sistemas jurídicos e, principalmente, internacionais, estes por terem perdido seu caráter imperativo, a ser seguido por todos os Estados, em razão do fim da Guerra Fria (extinção, em 1989, da União Soviética) e com a ruptura unilateral, promovida pelos Estados Unidos, com a Guerra do Iraque. Os temas do livro são tão abrangentes, que me limitarei a tatear apenas dois, o do nacionalismo e o da hegemonia norte-americana.

Para Hobsbawm, passou-se do mundo nítido da Guerra Fria, onde as duas superpotências (EUA e União Soviética) respeitavam as fronteiras nacionais de aliados e adversários, em virtude do medo de uma guerra nuclear, para uma situação difusa, sem mediação legislativa sólida, onde as empresas transnacionais privatizaram o direito internacional público e, desde então, "as decisões sobre guerra e paz têm sido improvisadas", provocando tensão permanente. Para ele, "o equilíbrio entre a guerra e a paz no século 21 dependerá muito mais da estabilidade interna dos países e da capacidade de evitar os conflitos militares do que da construção de mecanismos mais eficazes para a negociação e solução de controvérsias".

Com isso, reafirma a falência da ONU. Na trilha do esgotamento do Estado nacional, causado pela globalização econômica, toca num ponto decisivo e, até aqui, pouco pensado: ela não se dá no campo da política, que permanece provinciana, louvando-se de "democracias eleitorais aritméticas", que pouco representam o povo. Ou, no dizer do cartunista El Roto, do jornal espanhol El País, em uma vinheta acerca de políticos: "Globalización si... y pero con muros". Esse desencontro entre economia e política (provincial) leva Hobsbawm à descrença na construção de mecanismos internacionais que possam impedir, de modo efetivo, a guerra, imediatamente.

No ensaio "Por Que a Hegemonia dos Estados Unidos Difere da do Império Britânico", o autor acaba por revelar a índole isolacionista que está na origem e no presente daquele país. Afirma: "A paz internacional não é criação dos impérios, e sim o que lhes dá chance de sobreviver".

Hobsbawm explica que os Estados Unidos ergueram seu império a partir do continente, de uma revolução de independência, com o suporte, depois, de Estados solícitos. E que a Grã-Bretanha montou o seu, nos séculos 18 e 19, lastreada em bases marítimas em todo o globo, reconhecendo, no entanto, suas limitações bélicas.

Aponta a diferença central: os Estados Unidos definem ideologicamente os seus inimigos, "aqueles que rejeitam o estilo de vida americano, quem quer que sejam", comunistas, traficantes ou islamistas. Concluindo que lá existe uma "democracia de negócios": "O que é bom para o país, é bom para a General Motors", relembrando o lema dos anos 1950.

Portanto, em novembro deste ano, o povo estadunidense decidirá - nas urnas, com seu sentido plurívoco - se revigora o dístico e a "megalomania inata" ou se opta pela reconstrução de uma nova ordem mundial pacífica, com respeito às diferenças.

instituto Humanitas Unisinos - 09/02/08

Os capitalistas do desastre. Um artigo de Naomi Klein

"Produz-se uma crise, espalha-se o pânico e os ideólogos enchem a brecha reorganizando rapidamente a sociedade no interesse dos grandes entes corporativos. É uma manobra que chamo de 'capitalismo do desastre'", escreve Naomi Klein em artigo publicado no sítio La Haine, 6-02-2008. A tradução é do Cepat.

A agência de qualificação Moody's garante que a chave para resolver os problemas econômicos dos Estados Unidos está na drástica redução dos desembolsos da seguridade social. A National Association of Manufacturers (Associação Nacional de Fabricantes, patronal) afirma que a receita consiste em que o Governo federal aceite a "lista da compra" desta organização em que se prescrevem novos recortes fiscais. Para a publicação Investor's Business Daily a autorização para realizar prospecções petrolíferas na Arctic National Wildlife Refuge (Reserva Natural Ártica do Alaska) constitui "provavelmente o estímulo mais importante de todos".

Mas de todas estas cínicas tentativas de camuflar como "estímulos econômicos" o que é apenas a apropriação massiva de recursos por parte dos capitalistas, quem leva a palma é Lawrence B. Lindsey, ex-assistente do presidente Bush para assuntos econômicos e seu assessor durante a recessão de 2001. O plano de Lindsey consiste em resolver a crise desatada pela prática de empréstimos fraudulentos mediante uma grande ampliação dos créditos de risco. "Uma das soluções mais fáceis seria permitir que os fabricantes e distribuidores - em particular, o Wal-Mart - abrissem suas próprias instituições financeiras, mediante as quais poderiam negociar empréstimos e conceder créditos", afirmou Lindsey recentemente num artigo no Wall Street Journal.

Não importa que um número crescente de norte-americanos não possa fazer frente aos pagamentos de cartões de crédito, e tenham que empenhar suas pensões e perder suas moradias. Se Lindsey se sai com a sua, antes que perder suas vendas, o Wal-Mart poderia simplesmente emprestar dinheiro aos seus clientes para que continuassem comprando, convertendo assim, na prática, este gigante minorista numa cadeia de lojas do antigo uso, ao qual os norte-americanos chegariam a dever até a sua alma.

Se este tipo de oportunismo em tempos de crise lhe é familiar é porque realmente o é. Nestes últimos quatro anos pesquisei um âmbito pouco estudado da história econômica: a maneira como as crises aplairaram o caminho para o avanço da revolução econômica direitista em todo o planeta. Produz-se uma crise, espalha-se o pânico e os ideólogos enchem a brecha reorganizando rapidamente a sociedade no interesse dos grandes entes corporativos. É uma manobra que chamo de "capitalismo do desastre".

Em ocasiões, os desastres nacionais que possibilitaram esta manobra foram fatos tangíveis, como guerras, ataques terroristas, desastres naturais. Mas com mais freqüência tratou-se de crises econômicas: endividamento crescente, hiperinflação, choques monetários, recessões.

Há mais de uma década, o economista Dani Rodrik, então na Universidade da Colúmbia, estudou as circunstâncias em que os governos haviam adotado políticas de câmbio livre. Suas conclusões foram chamativas: "Não houve um só caso significativo de reforma de câmbio livre num país em desenvolvimento na década de 1980 que se tenha produzido fora do contexto de uma crise econômica grave". Na década de 1990 se produziu um extraordinário exemplo desta tese: na Rússia, uma economia em estado de fusão preparou a cena para uma série de privatizações aceleradas. Na seqüência, a crise asiática de 1997-1998 abriu as portas dos "tigres asiáticos" a uma alavancha de compras estrangeiras, um processo que o jornal New York Times qualificou como "a maior operação mundial de liquidação por fechamento".

Não há dúvida de que os países em situação desesperada costumam fazer todo o necessário para conseguir sair da confusão. Uma atmosfera de pânico deixa os políticos com as mãos livres para introduzir mudanças radicais que de outro modo seriam muito impopulares, como por exemplo a privatização de serviços essenciais, a redução da proteção dos trabalhadores e a introdução de acordos comerciais de livre câmbio. Numa situação de crise, o debate e o processo democráticos podem ser descartados com facilidade.

E surge a pergunta: as políticas de livre câmbio são úteis, apresentadas como curas de emergência, para resolver realmente a crise que enfrentam? Para os ideólogos em questão, este assunto não teve a menor importância. O que importa é que, como tática política, o capitalismo do desastre funciona.

O falecido economista Milton Friedman, em seu texto de introdução à edição de 1982 de seu livro Capitalismo e liberdade, articulou sucintamente esta estratégia: "Só uma crise, real ou suposta, produz uma mudança real. Quando esta crise se produz, as ações que serão adotadas dependerão das idéias predominantes. Está aí, creio, nossa função básica: desenvolver alternativas para as políticas existentes, e mantê-las vivas e disponíveis até que o politicamente impossível se converta em politicamente inevitável".

Uma década mais tarde, John Williamson, importante assessor do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial (e criador da expressão "Consenso de Washington") foi ainda mais longe. Numa conferência de formuladores de políticas do mais alto nível perguntou se "seria concebível provocar deliberadamente uma crise como meio de eliminar as travas políticas às reformas".

Uma e outra vez, o governo de Bush lançou mão da crise para eliminar as travas que o impediam de aplicar as partes mais radicais de seu programa econômico. Em primeiro lugar, uma recessão proporcionou o pretexto necessário para realizar uma série de drásticas reduções de impostos. Na seqüência, a "guerra contra o terror" foi o início de uma era de privatizações militares e da segurança nacional sem precedentes. Mais tarde, o furacão Katrina permitiu ao governo dar "férias fiscais", recortar a legislação trabalhista, fechar projetos públicos de habitação e transformar Nova Orleans num laboratório de escolas comunitárias (charter schools), tudo isso em nome da "reconstrução" depois do desastre.

Com estes antecedentes, os grupos de pressão de Washington podem razoavelmente esperar que o atual temor da recessão pode provocar uma nova rodada de presentes às grandes corporações. Entretanto, parece que a opinião pública está cada vez mais avisada em relação a estas táticas do capitalismo do desastre. É evidente que o pacote de estímulo proposto, no valor de 150 bilhões de dólares, é pouco mais que uma redução de impostos apenas camuflada, que inclui uma nova série de "incentivos" empresariais. Mas os democratas propuseram uma tentativa mais ambiciosa do Partido Republicano de financiar a crise suprimindo a redução de impostos mas lançando mão dos fundos da seguridade social. No momento, parece que a crise desencadeada pela negativa de regular os mercados não será "reparada" dando dinheiro público a Wall Street para que jogue com ele.

Não obstante, apesar de sua resistência - a duras penas - os democratas da Câmara dos Representantes parecem ter abandonado a idéia de ampliar os subsídios de desemprego e aumentar o financiamento dos cupões de comida e seguro-saúde como parte do pacote de estímulos. Ademais, não conseguiram em absoluto aproveitar a crise para propor soluções alternativas ao status quo pontuado pelas crises cíclicas, sejam estas ambientais, sociais ou econômicas.

O problema não é a falta de idéias "vivas e disponíveis", para utilizar a expressão de Friedman. Há muitas idéias praticáveis, desde os serviços de saúde de pagador único à legislação de um salário mínimo vital. É possível criar centenas de milhares de empregos com a reconstrução das doentias infraestruturas públicas e com sua transformação em favor do transporte público e das energias renováveis. Há necessidade de fundos de lançamentos de empresas? Pode-se corrigir as fugas fiscais que permitem que os gestores de fundos de investimentos multimilionários paguem só 15% sobre seus lucros de capital, em vez dos 35% aplicáveis como imposto sobre a renda, e adotar um imposto sobre as transações internacionais de divisas proposto já há muito tempo. Lucro adicional? Um mercado menos volátil e exposto às crises.

A forma como se dá a resposta às crises é sempre altamente política: há aqui uma lição que os progressistas parecem ter esquecido. Há uma ironia em tudo isso, porquanto as crises deram lugar a algumas das grandes políticas progressistas dos Estados Unidos. Em particular, depois do dramático crash de 1929 a esquerda estava preparada e dispunha de idéias próprias: pleno emprego, grandes obras públicas, sindicalização massiva. O sistema de seguridade social que Moody's deseja ardentemente desmantelar foi uma resposta direta à Grande Depressão.

Cada crise é uma oportunidade, e um ou outro a explorará. A questão é a seguinte: esta confusão será um pretexto para transferir ainda mais riqueza pública para mãos privadas, e com isso apagar até o último vestígio de Estado de bem-estar social, sempre em nome do crescimento econômico? Ou, ao contrário, será este último fracasso dos mercados não regulamentados o catalisador necessário para reviver o espírito do interesse público, e levar a sério as crises de nosso tempo, desde a crescente desigualdade até o aquecimento global e as defeituosas infraestruturas?

Os capitalistas do desastre estiveram no timão durante três décadas. Chegou o momento, uma vez mais, do populismo do desastre.