viomundo - publicado em 5 de outubro de 2013 às 19:18
N° Edição: 2290 | Atualizado em 05.Out.13 – 18:57
Operação França
Investigações chegam ao topo do esquema e mostram que líderes tucanos
operaram junto com executivos franceses para montar o propinoduto do
PSDB paulista. Os acordos começaram na área de energia e se reproduziram
no setor de transporte trilhos em SP
As investigações sobre o escândalo do Metrô em São Paulo entraram num momento crucial.
Seguindo o rastro do dinheiro, a Polícia Federal e procuradores
envolvidos na apuração do caso concluíram que o esquema do propinoduto
tucano começou a ser montado na área de energia, ainda no governo de
Mário Covas (1995-2001), se reproduziu no transporte público – trens e
metrô – durante as gestões também de Geraldo Alckmin (2001-2006) e de
José Serra (2007-2010) e drenou ao menos R$ 425 milhões dos cofres
públicos.
Para as autoridades, os dois escândalos estão interligados.
Há semelhanças principalmente no modo de operação do pagamento de
propina por executivos da multinacional francesa Alstom a políticos e
pessoas com trânsito no tucanato para obtenção de contratos vantajosos
com estatais paulistas.
Nos dois casos, os recursos circulavam por meio de uma sofisticada
engenharia financeira promovida pelos mesmos lobistas, que usavam
offshores, contas bancárias em paraísos fiscais, consultorias de
fachadas e fundações para não deixar rastros.
A partir dessas constatações, a PF e o MP conseguiram chegar ao topo do esquema.
Ou seja, em nomes da alta cúpula do PSDB paulista que podem ter tido
voz ativa e poder de decisão no escândalo que foi o embrião da máfia dos
transportes sobre trilhos.
São eles os tucanos Andrea Matarazzo, ministro do governo FHC e
secretário estadual nas gestões Serra e Covas, Henrique Fingermann e
Eduardo José Bernini, ex-dirigentes da Empresa Paulista de Transmissão
de Energia Elétrica (EPTE).
Serrista de primeira hora, Matarazzo é acusado de corrupção por ter se beneficiado de “vantagens oferecidas pela Alstom”.
De acordo com relatório do MP, as operações aconteciam por meio dos
executivos Pierre Chazot e Philippe Jaffré, representantes da Alstom no
esquema que teria distribuído mais de US$ 20 milhões em suborno no País.
É a chamada conexão franco-tucana.
Para avançar ainda mais nas investigações e conseguir esquadrinhar
com precisão o papel de cada um no esquema, a procuradoria da República
obteve judicialmente a quebra dos sigilos bancários e fiscais dos três
líderes tucanos e de mais oito pessoas.
Constam da lista lobistas, intermediários e secretários ou
presidentes de estatais durante a gestão de Mário Covas (PSDB) em São
Paulo.
A ordem judicial também solicitou informações sobre o paradeiro dos dois executivos franceses.
As investigações conduzidas até agora já produziram avanços importantes.
Concluíram que parte da propina paga pela Alstom abasteceu os cofres do PSDB paulista.
Documentos e depoimentos obtidos também já foram considerados
suficientes para Milton Fornazari Júnior, delegado da Polícia Federal,
estabelecer que as ordens dos executivos franceses Pierre Chazot e de
Philippe Jaffré eram suficientes para convencer os mais altos escalões
do governo estadual a conceder a Alstom vitórias em contratos
superfaturados para o fornecimento de equipamentos no setor de energia.
Eles usavam aquilo que um executivo da empresa francesa qualificou de “política de poder pela remuneração”.
Uma série de evidências demonstra que a máfia na área de energia serviu como uma espécie de embrião do cartel dos trens.
Ao elencar os motivos do pedido de quebra de sigilo, o procurador da
República Rodrigo de Grandis faz a ligação entre os dois esquemas ao
destacar a existência de “contratos de consultoria fictícios utilizados
para o pagamento, entre abril e outubro de 1998, quando a Alstom T&D
(por meio do consórcio franco-brasileiro Gisel) e a Eletropaulo
negociavam um contrato aditivo à obra de reforma e expansão do Metrô de
São Paulo”.
Os métodos para acobertar os pagamentos de suborno utilizados pela
Alstom se assemelham aos de outras empresas do cartel dos trens, a
exemplo da Siemens.
Como ISTOÉ mostrou em julho, a multinacional alemã, por meio de sua
matriz ou filial brasileira, contratava as offshores uruguaias Leraway
Consulting S/A e Gantown Consulting S/A, controladas pelos lobistas
Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira, falecido.
Os irmãos ficavam encarregados de intermediar ou distribuir o dinheiro da propina.
Porém, o número de empresas em paraísos fiscais usadas pela Alstom
para encobrir o pagamento dos subornos pode ter sido bem maior.
Pelo menos cinco já foram identificadas: a MCA, comandada por Romeu
Pinto Júnior e com sede no Uruguai, a Taltos, a Andros, a Janus e a
Splendore.
Elas eram operadas pelos franceses Pierre Chazot e Philippe Jaffré, então executivos da Alstom, por meio de procurações.
Eles abriam contas nos Estados Unidos e na Suíça e distribuíam os recursos.
Foi através dessa engrenagem que o conselheiro do Tribunal de Contas
do Estado (TCE) e homem forte do governo Mário Covas, Robson Marinho,
recebeu cerca de US$ 1 milhão em uma conta na Suíça.
O montante encontra-se bloqueado pela Justiça do país europeu.
Se alguém preferisse receber no Brasil, os executivos da francesa
Alstom também se encarregavam de fazer o caminho de volta por um
doleiro.
Em depoimento ao Ministério Público, Romeu Pinto Júnior confirmou que
recebia os valores em notas e que o executivo Pierre Chazot “lhe
ordenava entregar os pacotes com dinheiro em espécie a pessoas”.
Porém, inacreditavelmente, declarou “que desconhece a identidade” daqueles que foram os destinatários dos polpudos envelopes.
Parte do dinheiro que chegou às mãos de Romeu veio pelo doleiro Luiz Filipe Malhão e Sousa.
Ele assumiu para as autoridades ter feito duas remessas de contas da MCA do Exterior para o Brasil.
“A primeira no valor de US$ 209.659,57”, destaca documento do MPF.
“A segunda no valor de US$ 298.856,47”, consta em outro trecho.
A origem de ambas as operações era uma conta da MCA no banco Union Bacaire Privée, de Zurique, na Suíça.
Assim como outras empresas do cartel, o conglomerado francês também lavava o dinheiro da propina em território nacional.
O esquema consistia em contratar empresas brasileiras que emitiam notas de serviços que nunca foram prestados.
Em troca de comissão, os valores pagos eram repassados pelos
contratados a políticos e servidores públicos, sempre seguindo as ordens
dos executivos do grupo francês.
Era esse serviço que a Acqua Lux Engenharia e Empreendimentos, com um único funcionário, desempenhava.
“A principal origem de receitas (da Acqua Lux) advém de serviços prestados à Alstom T&D Ltda.”, destaca documento do MPF.
“Os peritos verificaram a possibilidade de a empresa, nos anos 2000 e
2001, não ter prestado efetivamente serviços para a Alstom”, diz o MP
em outro trecho.
O proprietário da companhia, Sabino Indelicato, figura entre os indiciados pela Polícia Federal.
Na Siemens, a encarregada dessa função era a MGE Transportes, dirigida por Ronaldo Moriyama.
De acordo com uma planilha de pagamentos do conglomerado alemão, já
revelada por ISTOÉ, a empresa alemã pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho
de 2006.
Desse total, pelo menos R$ 2,1 milhões foram sacados na boca do caixa
por representantes da MGE para serem distribuídos a políticos e
diretores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
Também chama a atenção da Polícia Federal e do Ministério Público o
fato de os dois escândalos utilizarem lobistas e consultores em comum.
Um deles é Jorge Fagali Neto.
Ex-secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo
(1994) e diretor dos Correios na gestão Fernando Henrique Cardoso,
Fagali Neto é conhecido pelo seu bom trânsito entre os tucanos.
Seu irmão José Jorge Fagali foi presidente do Metrô na gestão de José
Serra e é investigado pelo MP e pelo Tribunal de Contas Estadual por
fraudar licitações e assinar contratos superfaturados à frente do
estatal.
Em 2009, autoridades suíças sequestraram uma conta conjunta com US$
7,5 milhões de Fagali Neto com José Geraldo Villas Boas – também
indiciado pela PF.
A quantia depositada no banco Leumi Private Bank AG teve como origem o caixa da francesa Alstom.
Agenda e e-mails entregues por uma ex-funcionária de Fagali Neto ao
MP mostram que ele prestava serviços também a outras empresas da área de
transporte sobre trilhos relacionadas ao cartel.
Entre elas, a canadense Bombardier e Tejofran.
O seu interesse pelo setor é tamanho que, por e-mail, ele recebeu
irregularmente planilhas de um projeto ainda em desenvolvimento de Pedro
Benvenuto, dirigente da Secretaria de Transportes Metropolitanos de São
Paulo demitido nas esteiras das acusações.
Em outra troca de mensagens com agentes públicos, Fagali Neto também
mostra preocupação com a obtenção de financiamento junto ao Banco
Mundial (Bird), BNDES ou JBIC para as obras das linhas 2 e 4 do Metrô
paulista.
Tamanha interligação entre os esquemas, segundo o Ministério Público e a Polícia Federal, não é mera coincidência.
PS do Viomundo: Este escândalo será a última pá de
cal no PSDB em 2014. A direita, esperta, vai usar o PSB como barriga de
aluguel. Em massa. Com a vantagem de que agora tem uma base sólida em
Pernambuco, no coração do território lulista. O PT corre mais risco do
que imagina.
PS2 do Viomundo: Para saber mais sobre Andrea Matarazzo, ler relatório final da Operação Castelo de Areia. A quem ele pagava?