"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, abril 18, 2008

Jornal O Nortão - 17/04/08

OPINIÃO * 17/4/2008 - 14:46:00
Campo de Concentração Brasileiro - Hiram Reis e Silva

“A mestiçagem unifica os homens separados pelos mitos raciais. A mestiçagem reúne sociedades divididas pelas místicas raciais e grupos inimigos”.

(Gilberto de Mello Freyre)

BRASIL DIVIDIDO

- Repercussão Internacional e a Cegueira Nacional

Em 19 de janeiro de 2004, a revista inglesa ‘The Economist’ publicou um artigo com o título ‘Um novo Israel’ que retrata o clima de segregação entre índios e não-índios em Roraima. Segundo a revista, a reserva dividiu o estado. Essa divisão levou o autor do artigo a traçar um paralelo com a antiga Iugoslávia: “Boa Vista tem um clima etnicamente carregado, mais característico dos Bálcãs do que do Brasil”. A revista antevia conflitos indígenas, falava em “Balkanização” o que a imprensa nacional, cautelosamente, evitava publicar, preferindo utilizar termos mais sutis como ‘questão indígena’.

- Perseguição Racial

“A agricultora indígena, Cacilda Brasil, vive um dilema jamais imaginado ao longo de seus 76 anos de idade. Após ser retirada da propriedade onde morou por mais 50 anos, sob a alegação de que não tinha origem indígena, ela está liberada para voltar para a reserva Raposa/Serra do Sol, desde que não leve os filhos, pelo fato de os mesmos serem filhos de brancos”. (Tiana Brazão - Secom/ALE-RR - 16/04/2008)

- Perseguição Religiosa

A Fundação Nacional de Assistência ao Índio (Funai), proíbe a presença de missionários evangélicos nas tribos indígenas de Pacaraíma-RR, mas não toma a mesma atitude em relação aos padres e freiras estrangeiros enviados pela Igreja Católica.

“A Funai acionou até o Supremo Tribunal Federal (STF) para retirar os missionários brasileiros da denominada Assembléia de Deus, argumentando que os evangélicos devem sair por não serem índios. Mas os padres que vivem nessa área são estrangeiros e estão incentivando os índios a lutar contra os evangélicos que não concordam com o monopólio do catolicismo na área”. (Deputado Márcio Junqueira - RR - 28/02/2008)

RACISMO

- Reservas Kosovares

Os três últimos governos (Collor, FHC e Lula) foram responsáveis e a história os julgará por incentivar a segregação e o racismo criando imensas reservas, privilegiando minorias indígenas e estimulando contravenções e cisões.

O editorial ‘A Redoma Fatal’ publicado no jornal ‘O Globo’, com muita propriedade assim se refere ao tema:

“A preservação de grupos étnicos em redomas que os mantenham distantes e contatos humanos não passa de uma tentativa de fazer parar o tempo, como se isso fosse possível, em zonas cujas dimensões e natureza tornam impossível um policiamento protetor. O artificialismo condena esse equívoco, e o resultado final ameaça ser a contaminação dos grupos primitivos pela ação clandestina do que há de pior na sociedade moderna, enquanto o que há de melhor é mantido à distância pelo respeito à lei.”

- Movimentos Raciais

“Nós, brasileiros, somos um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem jamais foi crime ou pecado. Nela fomos feitos e ainda continuamos nos fazendo. Assim foi até se definir como uma nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros”. (Darcy Ribeiro)

Diversos movimentos, de todos os matizes, continuam tomando corpo, buscando privilégios especiais, esquecendo que a grande maioria do povo brasileiro é mestiça. As identidades étnicas tendem a desaparecer no processo histórico e todas tentativas históricas de ‘congelá-las’ fracassaram. O brasileiro é por definição um ser mestiço e que abrange as diversas manifestações de um mesmo processo. A identidade mestiça brasileira é dinâmica e tem como origem o amálgama de diversos povos que se encontraram no espaço e tempo da nação brasileira.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva, professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

E-mail: hiramrs@terra.com.br

Instituto Humanitas Unisinos - 18/04/08

Economia informal cresce acima do PIB

A chamada economia subterrânea, que engloba todas as atividades que conseguem driblar o controle oficial, cresceu em 2007 acima do PIB (Produto Interno Bruto), que mede a soma das riquezas produzidas pelo país nos meios formais. A reportagem é de Tatiana Resende e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 18-04-2008.

O índice criado pelo Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), da Fundação Getulio Vargas, e pelo Etco (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial) mostrou que a economia subterrânea teve uma expansão de 8,7%, contra 5,4% do PIB.

Para chegar a esse número, Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Ibre e um dos responsáveis pelo indicador, diz que foram considerados o mercado informal de trabalho e o dinheiro em espécie em circulação no país, já que uma das formas de evitar o controle governamental é não fazer transações bancárias.

Segundo ele, a carga tributária foi o fator que mais contribuiu para o aumento, pois, quanto maior, menor será o incentivo para a saída da informalidade. No ano passado, o peso dos tributos bateu recorde, com 36,08% do PIB, segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário).

As exportações também interferem na economia subterrânea, já que a burocracia para enviar produtos para fora do país leva as empresas a se formalizarem. Com relação à taxa de desemprego, a influência é semelhante à constatada no PIB. "Quanto menor, maior o nível de atividade."

Entre março de 2003 - quando o índice começou a ser calculado, por razões técnicas - e dezembro de 2007, a economia subterrânea cresceu 10,9%, impulsionada pelo nível de atividade e pela carga tributária. Considerando o período iniciado em janeiro de 2003, o PIB teve expansão de 3,8%.

André Franco Montoro Filho, presidente do Etco e ex-secretário estadual em SP (1995 a 2002) na gestão do PSDB, menciona a redução no peso dos tributos e a flexibilização da legislação trabalhista como duas das medidas mais urgentes a serem tomadas para frear a aceleração da economia subterrânea. "Antes era "achismo", agora temos um estudo que mostra isso."

Para o professor da Faculdade de Economia da USP Nelson Barrizzelli, essas atividades dão "uma certa estabilidade" à economia, já que muitos dos negócios hoje informais teriam que fechar as portas e dispensar funcionários se tivessem que obedecer a todas as regras. Do ponto de vista de quem as cumpre, no entanto, a concorrência é desleal, pois seus preços tendem a ser menos competitivos.

Na opinião do economista, só a fiscalização não resolve e é preciso ter um sistema mais justo. "Esses modelos fiscal, tributário e trabalhista geram essa esquizofrenia", argumenta.

Barrizzelli cita como exemplo os incentivos tributários concedidos a micro e pequenas empresas. Como sem esses benefícios os custos são muito mais altos, há negócios que já viraram grandes empresas, mas que preferem não declarar a parte que denunciaria esse crescimento. Nesse caso, fazem parte das estatísticas das economias formal e subterrânea.

Instituto Humanitas Unisinos - 18/04/08

Emprego formal bate recorde, mas governo prevê desaceleração, por causa do aumento dos juros

O número de trabalhadores contratados com carteira assinada no primeiro trimestre do ano atingiu um novo recorde: 554.440 vagas. De acordo com o Ministério do Trabalho, o saldo de vagas no período foi 39% superior ao dos três primeiros meses do ano passado, mas a alta dos juros anunciada pelo Banco Central pode comprometer o ritmo de contratações a partir de setembro. A reportagem é de Julianna Sofia e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 18-04-2008.

Ainda assim, na avaliação do ministro Carlos Lupi (Trabalho), 2008 deverá ser o melhor ano do emprego formal, com a geração de 1,8 milhão de postos. Mas o ministro acrescenta que, se houver novas elevações na taxa de juros, o nível do emprego formal no próximo ano deverá ser prejudicado e poderá ficar abaixo do resultado esperado para este ano.

"É um erro esse aumento. Foi precipitado, na minha avaliação, mas essa é a autonomia do Banco Central. No médio prazo, vai ter impacto no emprego. Nos próximos três meses, no entanto, ainda haverá um crescimento forte do emprego formal", disse o ministro, ao divulgar os dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados).

As informações do cadastro são publicadas mensalmente pelo Ministério do Trabalho desde 1992. O Caged abrange todos os trabalhadores com carteira assinada, exceto empregados domésticos. Também não entram nos dados servidores públicos e trabalhadores temporários.

No trimestre, todos os setores da economia registraram um aumento das contratações (veja quadro nesta página). Nos serviços, foram obtidos os melhores resultados, sendo gerados 212.590 postos. A indústria da transformação aparece em segundo lugar, com 146.246 novas vagas. A construção civil (99.654 postos), no entanto, foi o setor que apresentou o melhor resultado em termos relativos, com um aumento de 6,5% no nível de emprego.

Entre as regiões, apenas o Nordeste exibiu números negativos, com a redução de 36.365 postos no período. O resultado foi influenciado principalmente por fatores típicos da época no complexo sucroalcooleiro. Já o Sudeste foi a que mais contratou trabalhadores, atingido 365.244 novos postos.

O ministro explicou que a demanda interna está muito aquecida, permitindo o crescimento "consistente" do emprego de forma generalizada. "Na indústria da transformação, percebemos que ainda há potencial de maior crescimento da produção e do emprego, porque ainda não atingimos o mesmo patamar de crescimento do ano passado. O teto ainda não foi alcançado, por isso, não há risco de inflação", declarou.

Março

Somente no mês passado, o saldo de vagas no mercado formal foi de 206.556 empregos. O número é o maior para meses de março e ficou 41% acima do recorde anterior, que foi em março de 2007. Lupi destacou que todos os setores bateram suas melhores marcas para o mês, exceto a indústria da transformação.

Também na análise mensal dos dados verifica-se que a construção civil, em termos relativos, ficou com o melhor desempenho (2,09%). "É a compra da casa própria, novas edificações, mas também o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]", declarou Lupi.

Instituto Humanitas Unisinos - 18/04/08

País tem apenas 1,2% do comércio global

O comércio exterior brasileiro cresceu mais nos dois primeiros meses de 2008 que o das maiores economias do mundo, graças ao aumento da demanda interna e das altas nos preços das matérias-primas. O crescimento das importações foi particularmente alto, de 56% em relação ao mesmo período do ano passado. A reportagem é de Marcelo Ninio e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 18-04-2008.

As exportações cresceram menos no bimestre, mas o aumento de 24% ainda é maior do que o registrado por gigantes como Estados Unidos (20%), China (17%), Alemanha (23%) e Japão (22%). O baixo número da China tem motivos sazonais, explicaram os economistas da OMC (Organização Mundial do Comércio), pois registra a virada do ano, quando a atividade econômica diminui no país.

Em 2007, segundo estudo da OMC, as exportações do Brasil cresceram 17%, com volume de US$ 161 bilhões. O desempenho fez o país subir uma posição no ranking mundial, para o 23º lugar, mas o colocou na lanterna entre os chamados Brics (principais economias emergentes). As exportações da China cresceram 26% no ano passado, as da Índia, 20%. O Brasil empatou com a Rússia.

O desempenho brasileiro nas exportações também foi um pouco pior que a média dos países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), que chegou a 18%.

A fatia ocupada pelos produtos brasileiros no mercado mundial não passa de 1,2%, inferior à de países bem menores, como Holanda (4%), Bélgica (3,1%) e Coréia do Sul (2,7%).

Para Michael Finger, economista sênior da OMC, o lento crescimento da participação brasileira no comércio mundial tem razões históricas, principalmente a concentração no setor de matéria-prima.

"Para ampliar a sua fatia, o país teria que investir mais em produtos manufaturados, como fez a Coréia", diz Finger.

Aquecimento interno

Os números da OMC confirmam o aquecimento da demanda interna do Brasil nos últimos meses, que alavancou o crescimento e protegeu o país das turbulências mundiais -mas também despertou os temores inflacionários que levaram o Banco Central a elevar os juros em 0,5 ponto anteontem.

Os dois primeiros meses deste ano prosseguem a tendência observada em 2007, quando as importações brasileiras tiveram crescimento de 32% em relação a 2006. Foi o maior aumento entre os países listados no estudo da OMC, com exceção da Rússia, cujas importações aumentaram 35%. No ranking mundial das importações, o Brasil ocupa o 27º lugar, com compras de US$ 127 bilhões (0,9% do total mundial).

Os países desenvolvidos investem justamente no aumento da demanda interna nos países em desenvolvimento, principalmente na China, para compensar os efeitos da desaceleração em suas economias.

Em 2007, a queda no consumo no mundo desenvolvido reduziu o crescimento econômico mundial de 3,7% para 3,4%. No mesmo período, as regiões emergentes registraram crescimento próximo de 7%.

Instituto Humanitas Unisinos - 18/04/08

Alta dos juros aumenta a dívida pública em pelo menos R$ 2,9 bi

O aumento de meio ponto percentual na taxa Selic vai provocar, nos próximos doze meses, impacto de R$ 2,9 bilhões na dívida pública. A informação foi dada pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, em audiência na Comissão Mista de Orçamento do Congresso. Ele ponderou aos parlamentares que o Tesouro não comenta as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, mas admitiu que a elevação da Selic, de 11,25% para 11,75% ao ano, trará, obviamente, consequências sobre a curva de juros e sobre a dívida pública. A notícia é de Arnaldo Galvão e publicada pelo jornal Valor, 18-04-2008.

"Não preparamos uma estatística. Os R$ 2,9 bilhões são o resultado de uma conta simples sobre o percentual da dívida ligado à Selic. O que importa é que a economia vai continuar crescendo em 2008", explicou Augustin aos deputados e senadores.

A alta da Selic não vai significar mudança no Plano Anual de Financiamento (PAF) da dívida pública para 2008. Segundo as justificativas do secretário, isso significa manter a estratégia de melhorar o perfil da dívida aumentando as participações de títulos prefixados e vinculados a índice de preços.

Augustin argumentou que o aumento da taxa de juros tem, atualmente, impacto menor do que teria no passado porque essa parcela da dívida ligada à Selic vem sendo reduzida. De acordo com informações do Tesouro, desconsiderando as operações de swap cambial, a participação dos papéis pós-fixados vinculados à Selic (LFT) era de R$ 430,40 bilhões, em fevereiro de 2007, equivalente a 38,43% da dívida pública mobiliária federal interna (DPMFi). Em fevereiro de 2008, essa fatia reduziu-se para 34,42% (R$ 427,53 bilhões).

O secretário evitou comentar se o mercado vai exigir taxas mais altas para as ofertas de títulos prefixados. Limitou-se a dizer que o mercado sempre reage e são muitas as variáveis. "Os leilões vão mostrar o impacto nas próximas semanas. O importante é que o país continue a crescer", insistiu.

Na análise das condições mais recentes do mercado financeiro, Augustin reconheceu que, nas duas últimas semanas, o cenário "melhorou um pouco". Ele confirmou que continua nos planos do Tesouro a emissão, neste ano, de títulos no exterior denominados em reais ou dólares. "Estamos avaliando as condições do mercado. Quando for reduzida a volatilidade, vamos voltar a captar."

Segundo informa o jornal Folha de S. Paulo, 18-04-2008, o economista Francisco Lopreato, da Unicamp, critica a alta dos juros e cita o impacto fiscal como uma das desvantagens. "Fazer isso [elevar os juros] é jogar fora trabalho importante dos últimos anos."

"Não vai ser nenhum estrago astronômico, mas havia uma tendência de queda [da dívida pública] que, embora muito lenta, estava ocorrendo. A expectativa agora é que essa queda pare de acontecer, podendo até haver uma alta", diz.

Roberto Padovani, estrategista-sênior para América Latina do banco WestLB, diz que o BC não pode se preocupar com questões fiscais enquanto trabalha contra a inflação, que deve ser o único objetivo da política monetária. "Se as pessoas estão preocupadas com a questão fiscal, deveriam pressionar o governo para buscar um superávit primário mais elevado."

Para Padovani, os juros no país poderiam ser mais baixos se a dívida pública fosse menor, meta que poderia ser alcançada com aperto fiscal mais intenso. "Os juros são altos porque a política fiscal é frouxa", diz.

Em fevereiro, dado oficial mais recente, a dívida do setor público como um todo (incluindo Estados, municípios e estatais, além de governo federal) estava em R$ 1,16 trilhão, 42,2% do PIB (Produto Interno Bruto). O superávit primário (economia feita para pagar juros da dívida) acumulado nos 12 meses encerrados em fevereiro somou R$ 109 bilhões.

Instituto Humanitas Unisinos - 18/04/08

5 séculos de conflitos

Em setembro de 2007, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou por ampla maioria a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas. Após duas décadas de arrastados debates, o documento trouxe à luz uma série de garantias, como o direito de participação dos povos indígenas em tomada de decisões sobre temas que lhes digam respeito ou o desenvolvimento de mecanismos por parte do Estado para a proteção contra ações que visem a explorar ou a expropriar suas terras. Mesmo sendo signatário do documento, o Brasil, a exemplo do adágio popular, parece seguir acertando um golpe no cravo e outro na ferradura no que se refere a essa questão. A reportagem é de Márcio Sampaio de Castro e publicada pelo jornal Valor, 18-04-2008.

Por aqui, o recrudescimento de querelas que envolvem os índios vem ganhando notoriedade desde 2004, quando os cintas-largas foram acusados de matar 29 garimpeiros, entre os cerca de 5 mil, que buscavam diamantes no interior da reserva Roosevelt, em Rondônia. A descoberta de ouro e cassiterita no território ianomâmi, na fronteira com a Venezuela, também tem tirado o sono de muita gente. Daqueles que sonham em explorá-los e dos que lutam para a preservação de uma das últimas culturas aborígines relativamente preservadas no país.

Na lista de conflitos, a mais recente contenda vem ocorrendo em Roraima, desde o encerramento do processo de demarcação e homologação da reserva Raposa Serra do Sol há três anos. Ainda que não tenham a propriedade legal das fazendas construídas no interior do território, os rizicultores entraram em rota de colisão com os agentes da Polícia Federal incumbidos de removê-los nos primeiros dias deste mês. Nas palavras do senador pelo Estado, Morazildo Cavalcanti, do PTB, simpático à causa dos fazendeiros, "a demarcação do território seria um absurdo por haver ali mais minério do que índios". No dia 9, uma decisão do Supremo Tribunal Federal sustou o processo de retirada dos não-índios, empurrando a solução das pendências para data indeterminada.

Na opinião do antropólogo e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) Mércio Pereira Borges, toda essa crescente tensão pode ser explicada por três fatores. O salto da população indígena de 100 mil para cerca de 500 mil pessoas nos últimos 40 anos, o avanço da agropecuária para o Centro-Oeste e a região amazônica e o paulatino enfraquecimento da Funai. Para Borges, o interesse pelas riquezas minerais e energéticas presentes em uma área sob controle indígena, que corresponde a mais de 12% do território nacional, faz que a animosidade dos não-índios, principalmente daqueles que vivem em regiões próximas às reservas, cresça significativamente em relação aos índios.

Por outro lado, a fundação criada há 40 anos para propiciar uma aproximação entre os chamados povos da floresta e o restante da sociedade brasileira vem se depauperando. Nas duas últimas décadas o quadro de funcionários encolheu mais de 60%. O vácuo deixado pela Funai vem sendo ocupado por organizações religiosas e ONGs, que nem sempre têm um compromisso com a preservação dos valores culturais daqueles grupos. Por fim, no interior das Forças Armadas pululam vozes que se dizem preocupadas com a cessão de vastas faixas de território, principalmente em áreas de fronteira, para a criação de reservas.

Com tantos interesses em jogo, projetos de lei desde há muito adormecidos no Congresso começam a sair das gavetas, nas quais somente o mofo ia visitá-los. A reforma do Estatuto do Índio, já com 15 anos de idade, e a aprovação de seu congênere três anos mais novo, o Projeto de Lei nº 1.610/96, vêm ganhando atenção crescente dos parlamentares nos últimos meses.

A reforma do estatuto, que prevê, entre outras medidas, o fim da tutela do Estado sobre os indígenas, promete discussões acaloradas, caso realmente vá para o plenário. Para alguns, o fim da tutela respeitaria os preceitos da Constituição, que reconhece a capacidade processual desses indivíduos. De quebra, permitiria a eles decidir, por exemplo, se deixariam ou não mineradoras, grupos religiosos e ONGs atuar livremente em seus territórios. Tudo isso é visto com horror por setores mais tradicionais da antropologia, como o capitaneado por Mércio Pereira Borges. "O marechal Rondon sempre acreditou que a integração do índio à sociedade brasileira deveria ser feita respeitando as características culturais de cada grupo. A política indígena deve ser feita para a integração harmoniosa do indígena e não simplesmente sob um conceito de inclusão social. A tutela não restringe o direito de escolha do índio. Se ele quiser abrir mão, pode fazê-lo a qualquer momento. Agora, eu pergunto, qual índio até hoje abriu mão dela?", pergunta o ex-presidente da Funai.

Aparentemente alheia a essa discussão conceitual, uma comissão de deputados federais vem trabalhando resolutamente para ajustar e aprovar o PL 1.610/96, já referendado pelo Senado. Independentemente do conceito de tutela, o projeto se vale da prerrogativa do Congresso de poder autorizar a lavra de recursos minerais em terras indígenas, mediante o pagamento de royalties às populações dos locais de extração. Na verdade, o que vem atravancando os debates são a definição das porcentagens e a maneira como os recursos devem ser revertidos para os índios. Em meio a todo esse cenário controverso, as sociedades indígenas brasileiras, que estiveram seriamente ameaçadas de extinção há algumas décadas, lutam agora para sobreviver culturalmente às cada vez mais complexas pressões econômicas e políticas de interlocutores que não têm mais o menor interesse em oferecer-lhes miçangas e espelhinhos em troca de simpatia.

Instituto Humanitas Unisinos - 18/04/08

Comandante Militar da Amazônia que critica reserva é um ‘tríplice coroado’

Embora incomodados com as críticas à demarcação em área contínua da Reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, assessores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiram ontem que o governo foi surpreendido com as declarações do general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, e avaliaram que a "estocada" foi dada "com conhecimento de causa". No Planalto, ninguém quis se manifestar "para não passar recibo". A informação é do jornal O Estado de S. Paulo, 18-04-2008.

Na quarta-feira, ao participar do seminário Brasil, Ameaças à sua Soberania, no Clube Militar, no Rio, o general Heleno chamou de "caótica" e "lamentável" a política indígena brasileira, considerou uma ameaça à soberania nacional a reserva contínua de 1,7 milhão de hectares na região de fronteira e ainda disparou sobre as cerca de 600 pessoas da platéia uma frase de efeito: "Não sou da esquerda escocesa, que, atrás de um copo de uísque 12 anos, sentada na Avenida Atlântica, resolve os problemas do Brasil inteiro. Já visitei mais de 15 comunidades indígenas, estou vendo o problema do índio."

A crítica do general Heleno calou fundo no governo por três motivos:

1) porque foi feita por um dos militares mais respeitados do Exército, um "triplíce coroado", isto é, primeiro colocado nos cursos da Academia Militar das Agulhas Negras, da Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais e da Escola de Comando e Estado-Maior, hoje considerado um "líder de tropa" inquestionável;

2) porque o general é considerado "ousado", mas jamais comete as audácias em detrimento da disciplina;

3) e porque Heleno acompanhou de perto o processo político de decisão para demarcar a reserva ianomami, em novembro de 1991, no governo do presidente Collor (1990-1992), e sempre avisou que aquele seria o primeiro passo para outras demarcações contínuas que comprometeriam o controle de fronteira, inclusive na faixa dos 150 qulômetros determinados pela Constituição, que são de controle estrito do Estado.

Foi como assessor da Casa Militar que o general Heleno contribuiu para o parecer dos militares contrários à demarcação da reserva ianomami. À época, o então ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, coronel da reserva do Exército, se definiu a favor da demarcação, mas cunhou no bastidor uma frase que ficou célebre: "Acho que a demarcação não representa perigo para a soberania do País, mas, se eu estiver errado, o meu Exército me corrigirá".

O que mais preocupou o Planalto foi saber que "100% do Alto Comando" concorda com as críticas do general Heleno, feitas a partir do ponto de vista da "missão militar constitucional", relatou ontem um general. Segundo esse militar, não foi uma crítica política.

quinta-feira, abril 17, 2008

Instituto Humanitas Unisinos - 17/04/08


O super-jovem astrônomo alemão, 13 anos de idade, alerta: “Um asteróide passará bem rente de nós em 2029”. E a Nasa confirma: “Você tem razão. Dentro de vinte anos a Terra estará em perigo.” A reportagem é de Andrea Tarquini e publicada pelo jornal Repubblica, 14- 04-2008.

Tem apenas treze anos, mas descobriu um perigoso erro da Nasa: advertiu o mundo que por duas vezes, aos 13 de abril de 2029 e aos 13 de abril de 2036, “Apophis”, um gigantesco asteróide passará rente da terra. E o perigo que se choque com ela não é tão remoto como dizia o organismo espacial americano. O pequeno gênio prussiano se chama Nico Marquardt, vive em Potsdam, precisamente a ex-Versalhes dos reis prussianos que agora é a antecâmara residencial de luxo de Berlim. A Nasa se desculpou com ele por cartas e e-mail pessoais, e ele espera ir trabalhar para eles em Houston ou no Kennedy space center, quando for adulto. Nico não se vangloria com seu sucesso, porque, se ele tem razão, quer dizer que os perigos para a Terra são muito maiores de quanto o organismo espacial norte-americano tivesse entendido.

Advertiu-os ele com os seus cálculos e as suas observações ao telescópio no Instituto astrofísico de Potsdam. Trabalhou sozinho e admoestou, tenaz e preciso como um Galileu Galilei em início de carreira. Fez os seus cálculos e viu que a Nasa se enganara redondamente. As probabilidades de que o asteróide se choque com a Terra não são apenas uma sobre 45 mil, como haviam calculado os americanos, e sim uma sobre 450. Sempre poucas, mas muito menos poucas de quanto dizia a Nasa. O perigo é, por conseguinte, levado a sério enquanto há tempo.

Não é uma vitória da qual o jovem gênio se alegre em demasia, porque sua descoberta anuncia graves perigos. Precisamente uma sexta-feira 13 (data que na Alemanha traz sorte), em torno das 22h45, hora local italiana e da Europa central, um asteróide de aproximadamente 320 metros de diâmetro, pesando uns 200 bilhões de toneladas, passará a “apenas” 32.500 quilômetros do nosso planeta, isto é, passará perto da Terra a um décimo da distância existente entre a Terra e a Lua. Se, pois, uma colisão casual com um dos muitíssimos satélites artificiais lançados pelo homem e que orbitam em torno da Terra para telecomunicações, transmissões de TV, serviços metereológicos ou de espionagem, deslocar sua órbita, então teremos que temer ainda mais. O choque poderia desviar as amplas órbitas do asteróide em torno do sol, pelo que, quando alguns anos mais tarde, aos 13 de abril de 2036, “Apophis” voltar a passar próximo da Terra, as probabilidades de colisão seriam decididamente mais altas.

Apophis é o nome do antigo deus egípcio da destruição e da morte. Se caísse sobre a Terra, provavelmente no Atlântico causaria onda tsunami enormes, matando milhões de pessoas com uma força de impacto semelhante àquela de 65 mil vezes a bomba atômica lançada do B 29 Enola Gay sobre Hiroshima.

Instituto Humanitas Unisinos - 17/04/08

Cobaia na África e humano na Europa

Algumas pesquisas de remédios são realizadas em países pobres com medidas de segurança bem menores. Os países ricos criam registros que evitam que um voluntário seja demasiado exposto. O artigo é de Tereixa Constenla e está publicado no El País, 06-04-2008. A tradução é do Cepat.

Valoriza-se a saúde quando ela se esfuma e os medicamentos quando estes faltam. Mas os remédios nem sempre estiveram aí, ao alcance dos doentes. Antes da penicilina (1928), a pneumonia matava em poucos dias. Até um século atrás havia produtos eficazes apenas para curar ou aliviar patologias. A relação entre infecção e morte foi estreita até que a revolução dos medicamentos fez o milagre. E por trás dos milagres quase sempre há um complexíssimo enredo. Um laboratório teve que investir milhões para pesquisar a eficácia de um determinado medicamento e sua segurança antes de colocá-lo no mercado, algo que na Espanha consome entre 10 e 12 anos. E muitas pessoas, doentes ou não, ofereceram seu próprio organismo para experimentar os efeitos do remédio quando ainda é uma incógnita e um risco. Sem voluntários que se exponham ninguém se beneficiaria da revolução dos remédios.

Por que alguém oferece algo tão singular, como seu corpo, para um experimento? Na maioria dos casos por consciência do doente: 86% das cobaias em 2007 na Espanha eram desse grupo. “As razões são simples. Uma vez que assumiste que tens uma doença sabes que alguém tem que se oferecer por outras pessoas”. Com uma hepatite C diagnosticada há mais de dois anos e meio, J. L. R., de 52 anos, se ofereceu para testar uma vacina que possa evitar no futuro que outros contraiam a doença. O fez partir da base de dados aberta na Internet pela empresa Volterys, criada na Bélgica em 2006 para colocar em contato pesquisadores e voluntários. Na Espanha, apenas começou, mas Laurent Hermoye, seu fundador, garante que contam com 20 mil voluntários na Bélgica, Alemanha e França e que cerca de trinta projetos já recrutaram pessoas na sua web.

A generosidade não é a única razão. “O principal motivo pelo qual os sujeitos saudáveis participam desses ensaios clínicos é a compensação econômica, ainda que existam outros como o interesse científico, a curiosidade, a busca de novas experiências, o altruísmo ou para ajudar a equipe de pesquisadores”, sustenta Francisco Abad, do serviço de Farmacologia Clínica do Hospital Universitário da Princesa, em Madri. Abad defende uma contribuição econômica taxada com sutileza: suficiente para compensar os desconfortos sem induzir o voluntário a participar contra o seu próprio interesse. “Na Espanha, são compensações apropriadas, conheço muitas pessoas que gostariam de participar dos ensaios, mas não o fazem quando é necessário fazer várias extrações de sangue. Se o pagamento fosse muito alto, participariam inclusive aqueles que não gostam de ser picados”.

Quanto é apropriado sem ser excessivo? Desagrada aos pesquisadores se referirem ao dinheiro, como se sujassem de algum modo o meritório afã da ciência. Mas serve como referência o dado trazido por Juan Ramón Castillo, responsável pela unidade de ensaios clínicos do Hospital Virgem do Rocio, em Sevilha: uma pessoa saudável que participa de uma prova que o obriga a se internar dois dias pode receber entre 300 e 400 euros. A partir daí, segundo os incômodos e a duração do projeto, aumenta-se a quantia.

Alguns países europeus tomaram medidas para evitar a profissionalização do voluntário, mas na Espanha é um risco mínimo na opinião da diretora da Agência Espanhola de Medicamentos, Cristina Avendaño: “Nossas unidades surgiram ao amparo de hospitais universitários e faculdades de medicina, o que faz com que os voluntários sejam preferencialmente estudantes ou de seus círculos”.

Na Espanha há 19 unidades para realizar ensaios clínicos na fase I, os únicos de que participam pessoas saudáveis e que são a primeira prova em humanos do remédio. Quase todas estão ligadas a instituições. Uma singularidade. “Faz com que primem outros aspectos sobre o econômico”, precisa Juan Ramón Castillo, que dirige, desde 2005, uma das unidades mais novas da rede espanhola. Recrutam seus voluntários com anúncios nas faculdades com mais perfil científico (Medicina, Biologia, Farmácia) para alimentar um banco de candidatos ao qual recorrer em caso de necessidade.

A Catalunha, que participa em cerca de 70% dos ensaios clínicos autorizados na Espanha (dados de 2006), fez um registro de voluntários saudáveis para evitar que sejam submetidos de forma reiterada a experimentos, algo que pode prejudicar sua própria saúde e também a pesquisa pela interação entre diferentes produtos. Até metade de março, 162 pessoas haviam se registrado. Graças a este inventário foram descobertas três pessoas que não haviam respeitado o trimestre de descanso exigido entre um ensaio e outro.

Fazer experimentos em pessoas saudáveis, como acontece na primeira fase dos ensaios, é imprescindível para demonstrar a segurança do composto e estabelecer a dose máxima que um organismo humano é capaz de tolerar. As provas prévias obtidas em animais são uma referência, mas não são extrapoláveis aos humanos. Na Espanha, a recente legislação de 2004 que se adapta a uma diretiva da União Européia, dá garantias “mais que suficientes para proteger os voluntários tanto do ponto de vista ético como da segurança”, sustenta Cristina Avendaño. “Nossos requisitos para autorizar são dos mais elevados”, acrescenta.

Os ensaios são submetidos a exames éticos e técnicos antes de receber sinal verde. O primeiro crivo é realizado pelo próprio comitê ético do hospital. A Agência Espanhola de Medicamentos dá a autorização definitiva para que a pesquisa comece: “A pedra angular do marco legal sobre ensaios clínicos é que os princípios, a segurança e o bem-estar dos voluntários devem prevalecer sobre os interesses da ciência e da sociedade”, esgrime o porta-voz da Agência Européia de Avaliação de Medicamentos (EMEA). A supervisão ética é agora vital.

Assim é desde 1947, quando surgiu o Código de Nuremberg, o primeiro protocolo que fixou normas éticas para pesquisas em pessoas em resposta às aberrações cometidas durante a 2ª Guerra Mundial por cientistas alemães. Esta malha de garantias foi reforçada com a Declaração de Helsinki (1964), que estabelece a criação de organismos de controle, e com o Relatório Belmont (1978), que fixou três princípios básicos: o respeito às pessoas, a beneficência e a não-maleficência (não prejudicar uns em benefício de outros) e a justiça para que os avanços da pesquisa ajudem todos os grupos sociais.

Se essas diretrizes tivessem sido seguidas, nunca teriam sido cometidos alguns horrores em nome do progresso: nos anos 1940, no Alabama (Estados Unidos) foram recrutados 600 negros com sífilis para estudar a evolução natural da doença. Eles foram acompanhados de forma regular sem que se aplicasse tratamento algum (já se havia descoberto a penicilina) e, ao morrer, foram realizadas as autópsias.

A União Européia parece blindada legalmente, ainda que não isenta de acidentes e falhas. Na Holanda, morreram 24 doentes de pancreatite aguda que participavam de um ensaio. Em Londres, seis voluntários saudáveis estiveram entre a vida e a morte ao provar um remédio biológico no centro de ensaios da companhia Parexel, em 2006. Este último caso avivou as críticas e motivou que a Agência Européia de Avaliação de Medicamentos divulgasse propostas para reforçar a segurança quando forem testados produtos biológicos.

Mas, estão protegidos de igual forma o bem-estar, a segurança e os direitos dos voluntários de países pobres? Se estiverem corretas as acusações do Governo da Nigéria contra a multinacional Pfizer, se dirá que não. As autoridades federais nigerianas reclamam à companhia sete bilhões de dólares para indenizar as vítimas de um ensaio realizado em 1996 durante uma epidemia de meningite. Segundo o Governo, o antibiótico Trovan (trovafloxacino) foi experimentado em 200 crianças enfermas sem contar com o consentimento informado das famílias. Onze menores morreram e muitos outros sofreram malformações, paralisia cerebral, surdez e cegueira. A Pfizer sempre defendeu que havia agido com profissionalismo e ética, mas caberá à Suprema Corte Federal da Nigéria julgar, em junho, este caso.

O Centro de Pesquisas sobre Empresas Multinacionais, criado na Holanda para investigar as conseqüências da internacionalização empresarial em países em desenvolvimento desde 1973, garante que os ensaios não éticos se dão tanto em países desenvolvidos como em países empobrecidos e são protagonizados tanto por empresas locais como por grandes corporações. “Isto surpreende, dado que a maioria das multinacionais tem compromissos públicos com altos níveis éticos nos ensaios clínicos”, diz um relatório.

Publicamente é assim. Tanto a indústria como os organismos que controlam a entrada no mercado de medicamentos e muitos pesquisadores defendem a ética como um princípio solidificado nas pesquisas. “Maliciosamente, às vezes se acusa a indústria de que é mais barato realizar ensaios no Quênia do que na Espanha, assim como é mais barato comprar sapatos no Quênia do que na Espanha ou abrir uma fábrica. E não sei o há de errado se os níveis de bom trato, qualidade e boas práticas são iguais no Quênia e na Espanha”, sustenta Julián Zabala, diretor de Comunicação da Farmaindústria. “Creio que a indústria não está interessada em fazer estudos de pesquisa em países onde não se respeitam as normas da boa prática clínica, porque nesse caso os resultados não serão válidos e não servem para nada”, opina Francisco Abad.

Se uma companhia testa na África um produto que deseja comercializar na Europa, o processo será supervisionado sob a lupa comunitária como se tivesse sido desenvolvido num país da União Européia. Mas, atualmente, não existe um marco internacional que imponha uma ética comum a todo o mundo. Existem legislações nacionais de frouxidão variável e facilidades que barateiam os custos. A indústria espanhola, por exemplo, está convertendo a Hungria e a Polônia em dois de seus laboratórios prediletos. “O bolo mundial de I+D é aquele que é. E os lugares em que se pode pesquisar são muitos. As companhias vão para onde recebem melhor tratamento, encontram qualidade para pesquisar e custos mais baixos”, expõe Zabala.

Pesquisar é caro e lento. Por cada molécula que chega a uma farmácia foram descartadas 10 mil. A seleção durou cerca de 11 anos, cinco deles dedicados a estudar os efeitos em humanos. Colocar um remédio à venda custa em média 570 milhões de euros, “mais caro que o último Mercedes”, compara Zabala. Daí que a indústria busque acertar num alvo que seja ao mesmo tempo terapêutico e comercial. Os laboratórios dominam a pesquisa em medicamentos: promoveram 85% dos ensaios realizados em 2007 na Espanha. A isso dedicaram no ano passado 792 milhões de euros, segundo a Farmaindústria, que aglutina 220 companhias e laboratórios.

Apenas raquíticos 15% dos ensaios foram realizados por sociedades científicas e instituições, ainda que o Instituto de Saúde Carlos III tenha aberto pela primeira vez convocação para financiar pesquisas independentes, vitais para encontrar tratamentos de pouco interesse comercial porque atingem a um grupo reduzido de pessoas, como são as doenças raras.

Sem financiamento externo, os pesquisadores independentes estão com as mãos atadas e recebem muito lixo. Luis Paz-Ares, chefe de Oncologia do Hospital Virgem do Rocio, descarta 70% das pesquisas que lhe propõem: “O ensaio às vezes não analisa novidades terapêuticas, mas analogias com mais interesse comercial”.

- Um exemplo.

- O típico estudo que tem pouco interesse é o da Coca-Cola versus Pepsi-Cola.

Instituto Humanitas Unisinos - 17/04/08

Mortandade de peixes atinge rio Gravataí no RS

A poluição causada pelo esgoto doméstico jogado nos rios sem tratamento é um dos principais problemas enfrentados pelas bacias hidrográficas na região metropolitana de Porto Alegre. O mais novo afetado pelo problema é o rio Gravataí. Na última terça-feira (15), técnicos da Secretaria de Preservação Ambiental (Sempa) de Canoas e da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) encontraram centenas de peixes agonizando no rio, no trecho que passa pela cidade. A reportagem é de Raquel Casiraghi e publicada pela Agência de Notícias Chasque, 17-04-2008.

De acordo com os pesquisadores, o nível de oxigênio está muito baixo devido à alta contaminação provocada pelo esgoto sem tratamento jogado pelos municípios. As fortes chuvas que caíram no final de semana e a época de piracema, em que os peixes se cansam ao subir o rio para reproduzirem, agravaram ainda mais a situação.

No caso de Canoas, apenas 12% do esgoto recolhido é tratado. O sistema tem potencial para tratar 40% do esgoto. O secretário da Sempa, Marcos Aurélio Chedid, reconhece que a prefeitura precisa ampliar o sistema de tratamento, mas também responsabiliza a população. De acordo com ele, muitas pessoas fazem ligações clandestinas que deságuam em arroios ou no esgoto pluvial para gastarem menos.

“Mas também denota-se que a nossa comunidade, principalmente de municípios vizinhos a Canoas, não fazem a sua parte. Este é um bom momento para discutir o papel de cada cidadão porque o esgoto é responsabilidade sua também. Ou seja, você está ligado na rede coletora que separa o esgoto e que passa na frente de casa? A sua residência manda o esgoto produzido para dentro dessa rede ou manda para a pluvial, que manda para o sistema hídrico da cidade?”, questiona.

Com os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Chedid estima que o tratamento de esgoto alcance 60%. Ele também relata que o município está elaborando o plano de saneamento com a ajuda da Corsan para os próximos 20 anos, com revisão de 4 em 4 anos.

No entanto, o problema do rio Gravataí e das demais bacias hidrográficas não se limita ao âmbito municipal. O geólogo Carlos Marchiori, da entidade ambientalista SAALVE, critica severamente o governo estadual, que se omite na criação do Plano de Uso da Água na Bacia do Gravataí e na elaboração do Plano de manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) do Banhado Grande.

“Conforme a Constituição Federal, os recursos hídricos, assim como o rio Gravataí, é de domínio do Estado. Compete a ele fazer o gerenciamento. Da mesma forma a Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande, que é uma área de proteção decretada pelo governo estadual em 1998 e que até hoje não dispõe do seu plano de manejo. Dessa forma, o governo estadual está ilegal”, afirma.

Segundo Marchiori, a APA do Banhado Grande é fundamental na preservação do rio Gravataí, já que garantiria a manutenção e a limpeza das nascentes do manancial. No entanto, desde 2005 a Comissão de Luta pela Efetivação do Banhado Grande reivindica junto à Secretaria Estadual do Meio Ambiente o plano de manejo, que até o momento não foi elaborado. “É uma total inércia do governo que só pensa em economia. O governo está direcionando todas as suas ações para a economia, a Sema a serviço da economia e da silvicultura. As papeleiras, como Aracruz, Stora Enso e Votorantim patrocinam nosso governo e nossa Assembléia Legislativa”, reclama.

Instituto Humanitas Unisinos - 17/04/08

General diz que política indigenista do governo é um caos e alerta para risco à soberania

O general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, voltou a classificar nesta quarta-feira a transformação da faixa da fronteira norte do país em terras indígenas como ameaça à soberania nacional. Em palestra sobre a defesa da Amazônia no Clube Militar, no Rio, o general não se mostrou preocupado em contrariar a posição do governo, que defende a homologação de terras indígenas mesmo em regiões de fronteira, e disse que o Exército "serve ao Estado brasileiro e não ao governo", e chamou a política indigenista do governo de "caótica. "Quero me associar para que a gente possa rever uma política que não deu certo até hoje, é só ir lá para ver que é lamentável, para não dizer caótica". A reportagem é do jornal O Globo, 17-04-2008 e também noticiada pelo Jornal do Brasil, 17-04-2008.

"A política indigenista brasileira está completamente dissociada do processo histórico de colonização do nosso país. Precisa ser revista com urgência. Não estou contra os órgãos que cuidam disso, quero me associar para que a gente posssa rever uma política que não deu certo até hoje, é só ir lá para ver que é lamentável, para não dizer caótica", disse o general, acolhido com aplausos autoridades militares, como o comandante militar do Leste, general Luiz Cesário da Silveira Filho.

Outras vozes militares se levantam contra homologação de reserva

Até então única voz pública das Forças Armadas contra a homologação da reserva Raposa Serra do Sol, Augusto Heleno recebeu nesta quarta o apoio de ex-ministros, como Zenildo Lucena (Exército) e Bernardo Cabral (Justiça), de generais do alto comando e do líder indígena Jonas Marcolino, convidado para o debate no Clube Militar. O general Luiz Cesário da Silveira Filho, na primeira fila do auditório, afirmou que o problema em Roraima é de soberania. Segundo o militar, a discussão passa pelo cumprimento do artigo 142 da Constituição, que trata da atuação das Forças Armadas na defesa da pátria: "Nossa preocupação é constitucional, com a soberania brasileira".

O chefe do Estado Maior do Comando Militar do Leste, general Mário Matheus Madureira, disse que está preocupado com a homologação em faixa contínua da reserva: "O risco da soberania é com áreas que podem ser separadas do território brasileiro. ONGs internacionais e grupos indígenas podem solicitar essa divisão política. Pode ser a mesma situação que ocorreu no Kosovo. É uma preocupação de todos.
Em entrevista, depois da palestra, o general Heleno afirmou que, ao fazer as críticas, pensa apenas "no interesse nacional":

"Eu já visitei como comandante militar da Amazônia algumas comunidades indígenas, inclusive onde não há organização militar. O que constatei até agora é que a a grande maioria, para não dizer a totalidade das comunidades que visitei, são extremamente carentes. Do ponto de vista de saúde, de perspectiva de vida, de alimentação. Tenho contato com comunidades indígenas onde há um alto nível de alcoolismo. Em Tabatinga houve acusação de indígenas envolvidos com o tráfico de drogas", disse.

O general reiterou ainda sua posição contrária à demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, homologada pelo governo, em decreto, em 1,6 milhão de hectares. Na semana passada, uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a operação da Polícia Federal (PF) que desalojaria os fazendeiros de arroz que se recusam a deixar a área. A decisão foi questionada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro . Segundo ele, o tribunal foi induzido ao erro. Ministros do Supremo saíram, por sua vez, em defesa da decisão da corte .

"Sou totalmente a favor do índio", frisou o general.

E completou:

"Não sou da esquerda escocesa, que atrás de um copo de uísque resolve os problemas brasileiros. Eu estou lá na Amazônia vendo o que acontece com o índio brasileiro".

O general garante que suas críticas são construtivas:

"É constatável por qualquer um que vá na Amazônia, sem nada pré-concebido, que há um problema na condução dessa política indígena. Os resultados não são os que queremos que aconteça. Quando critico isso, não tenho nenhum interesse político ou econômico. Eu só penso nos interesses nacionais. E estou disposto a trabalhar com todo o meu pessoal para que o resultado seja diferente. Não é uma crítica destrutiva. É uma crítica construtiva", frisou o general.

"Quando critico isso, não tenho nenhum interesse político ou econômico. Não é uma crítica destrutiva. É uma crítica construtiva "

Durante a palestra, o general lembrou o compromisso brasileiro com declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o direito dos povos indígenas, que destaca a desmilitarização das terras indígenas como contribuição para a paz e o desenvolvimento econômico e social.

"Quer dizer que o problema somos nós?", perguntou o general, sob aplausos entusiasmados da platéia de militares.

Segundo o general, o índio também é brasileiro e não deve ser excluído da convivência com outros brasileiros.

"Quer dizer que na Liberdade vai ter japonês e não japonês", comentou o general utilizando como exemplo o bairro paulista de forte presença japonesa.

"Como um brasileiro não pode entrar numa terra só porque não é indígena", questionou.

Além da questão indígena, o general Heleno apresentou como ameaças à Amazônia os conflitos fundiários, as organizações não-governamentais e os diversos ilícitos.

Em sua opinião, o desenvolvimento da Amazônia vai acontecer independentemente da nossa vontade. "É impossível preservar a Amazônia como lenda, floresta verde. O que depende de nós é fazer com que (o desenvolvimento) aconteça de forma sustentável", defendeu.

Instituto Humanitas Unisinos - 16/04/08

O que a imprensa não diz sobre a inflação da fome

O noticiário dos últimos dias sobre o risco de uma crise inflacionária mundial, que afetaria com especial severidade os países mais pobres, oferece uma excelente oportunidade para se observar a dificuldade que tem a imprensa para dar uma interpretação mais profunda sobre o estado do mundo. Praticamente tudo que se publica é originado em duas ou três agências de notícias, o que induz a acreditar que se trata de uma deficiência planetária. O comentário é de Luciano Martins Costa, do Observatório da Imprensa e pubicado pela página Envolverde, 15-04-2008

Vejamos os pontos principais do fenômeno: os preços dos alimentos básicos, in natura – parte do conjunto de mercadorias chamadas de commodities – vêm aumentando progressivamente ao longo dos últimos 16 meses, com uma aceleração acentuada no último trimestre. Trigo e arroz estão no topo da lista dos grãos mais consumidos, respectivamente a Oeste e a Leste do planeta. O milho completa o cardápio dos mais pobres, que são, segundo o informe Indicadores do Desenvolvimento Mundial para 2008, do Banco Mundial, 880 milhões de pessoas.

Esses indicadores vêm apontando o decréscimo do número de seres humanos extremamente pobres, que dispõem de valores correspondentes a menos de um dólar por dia. Essas são as pessoas que a imprensa chama pobres ou miseráveis, cujas vidas se caracterizam pela necessidade de lutar diariamente por alimento. São não-consumidores, não-cidadãos.

Antes que os sarcásticos elaborem a anedota de mau gosto, deve-se afirmar que o número de pobres não está acabando porque eles morrem. A pobreza vem diminuindo no mundo porque, desde o início deste século, os chamados países em desenvolvimento – sofisma menos indigesto para o que se chamava antigamente de Terceiro Mundo – apresentam uma taxa média de crescimento do PIB per capita de 4,8% ao ano. O PIB per capita resulta do cálculo da riqueza produzida pelo país, dividida pelo número de habitantes, o que revela quase uma ficção, conforme se dá a distribuição de riqueza e bem-estar – com os abismos sociais que se conhece.

Atenção para o fato de que o constante declínio da pobreza mundial desde 1993 aconteceu principalmente na zona rural, visto que a miséria nas cidades permanece mais ou menos constante. A ONU estima que 80% do declínio da pobreza rural se deve à melhoria das condições de vida no campo, e não à migração para as cidades. Isso deve ser levado em conta no noticiário sobre a crise que pode afetar a produção de alimentos.

Fronteiras agrícolas

A "inflação de alimentos" tem parte da origem nesse fenômeno: mais gente cisma de comer todos os dias, aumenta a pressão da demanda sobre a oferta, o preço sobe. Essa a explicação que a imprensa nos empurra nas primeiras linhas das reportagens. É como se o editor nos dissesse: "Procura maior, demanda menor, preço sobe. É o capitalismo, seu estúpido". Até o presidente Lula comemorou: é a "inflação do bem", aquela que aparece porque o miserável está saindo da miséria. No fundo, ele tem razão, mas seu raciocínio não completa o desenho.

Tem mais. Nos parágrafos seguintes, os jornais e revistas nos dizem que o preço dos alimentos subiu também porque parte das terras agriculturáveis está sendo utilizada para a produção de biocombustíveis. E os acionistas das empresas petrolíferas sorriem, abrem a caixa de anúncios, investem na semeadura de suspeitas sobre os projetos de substituição da matriz energética petrolífera. Em algum canto, alguém observa que o problema da competição entre o vegetal para consumo e o vegetal para fazer combustível acontece principalmente nos Estados Unidos, onde a disponibilidade de terras agriculturáveis é muito pequena. Nada a ver com o etanol brasileiro. Mas isso fica no pé da matéria.

O Brasil tem um potencial de quase 70% de suas terras agriculturáveis esperando o plantio de vegetais, sejam eles destinados a alimentar pessoas, gado, aves ou preparados para se transformar em álcool ou óleo combustível. Pela mesma razão, não há forma inteligente de justificar o avanço das lavouras sobre o cerrado e a Amazônia. A crença de que o brasileiro tem que escolher entre alimentar seu povo e abastecer seu carro é fruto de uma avaliação divulgada por Lester Brown, criador do WWI – sigla em inglês de World Watch Institute, que no Brasil se chama Instituto Mundial para a Liberdade, o Progresso e a Paz Global –, especialista em economia agrícola.

Muitos outros especialistas o contradizem e consideram sua campanha "comida versus combustível" pura demagogia. Pelo menos no caso do etanol brasileiro, a expansão da lavoura com finalidade de produção de combustíveis necessita apenas de mais ordenamento e mais responsabilidade dos empresários rurais. O Brasil possui uma área total de 845,94 milhões de hectares de terras agriculturáveis, das quais utiliza apenas 263,58 milhões de hectares para atividades agrícolas, ou seja, menos de 32% do seu potencial. Isso indica a possibilidade de expansão das fronteiras agrícolas do país e da capacidade de ampliação da produção de grãos, sem que seja necessário destruir nossa riqueza natural. Além disso, a agricultura brasileira, mesmo em pequenas propriedades, vem melhorando enormemente sua produtividade, na medida em que práticas primitivas de preparação e plantio vão sendo substituídas com a assistência de técnicos qualificados formados por aqui.

Validade endossada

O problema real, no caso brasileiro, tem origens mais antigas do que a invenção do velho Proalcool: trata-se da gestão territorial do país, que nunca considerou seriamente uma reforma agrária com o pressuposto da sustentabilidade. A lavoura avança sobre a floresta porque é administrada por delinqüentes, sob a proteção de governos de estados que formam a Amazônia Legal e sob o olhar complacente do governo federal. A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, é quase uma extraterrestre nesse ambiente. Muitos desses delinqüentes são agricultores pobres, sem terra, que são tangidos pelo avanço dos latifúndios. Eles queimam a floresta, formam pastagens, soltam o gado, depois fazem o rocio. Atrás deles vem o agronegócio.

Mesmo o álcool de milho, alternativa tecnológica dos Estados Unidos baseada na tradição da agricultura local, não deverá no longo prazo continuar sendo um fator de inibição para a produção agrícola. Com o avanço das pesquisas tecnológicas, estamos perto de poder produzir álcool com a palha e a espiga do milho. Como não consta entre as preferências gastronômicas, nem mesmo dos mais pobres, a degustação de espigas, naturalmente as sementes de milho seguirão sendo destinadas ao consumo humano e animal e as demais partes da planta, inclusive a haste, irão para a usina de álcool.

Claro que os subsídios do governo americano aos seus agricultores representam uma pressão adicional sobre o movimento inflacionário que nasce nos preços dos alimentos. Como é que um agricultor da África ou do Peru pode competir com um produtor do Meio-Oeste americano? Observe-se que os insumos agrícolas são fornecidos por multinacionais, que dominam também o mercado de sementes e equipamentos, e pode-se calcular o que é esse tal de mercado "livre". Esse aspecto adicional da notícia também aparece nas reportagens, meio envergonhadamente, mas não há jornal ou revista que se aventure a colocar em dúvida a validade do sistema econômico que se afirma "liberal".

Sistema de castas

Por último, mas não menos importante, vem outro ângulo da questão, que tem seu endereço muito longe das lavouras de milho, de trigo ou de arroz: o mercado de ações, onde as commodities vêm ocupando um espaço cada vez mais relevante. De olho na inclusão de quase 1 bilhão de indivíduos na lista dos seres humanos que insistem em se alimentar diariamente, e com a perspectiva de consolidação da indústria de combustíveis alternativos – o mercado de commodities também lida com minérios e outros produtos cuja demanda cresce continuamente –, os investidores depositaram fortunas nas bolsas, na expectativa de aumento dos preços. Em algum momento, a expectativa se realiza, os preços começam a subir, mais investimento é derramado na fogueira, e de repente o mundo se assombra com uma inflação de alimentos básicos.

Já não se pode, como teria feito Maria Antonieta, sugerir que, não havendo pão, os pobres comam brioches. Ou, numa versão nacional, não havendo farinha para tapioca, que se coma caviar. Afinal, somos todos politicamente corretos. A imprensa, então, nem se fala. É profundamente ecológica e socialmente responsável. Basta ler os cadernos especiais sobre Amazônia que são publicados de vez em quando.

Você, leitor e leitora, ainda vai ler muito mais sobre essa crise, porque não há recursos no sistema econômico mundial para contê-la antes que provoque muita fome e distúrbios sociais. Não por falta de dinheiro, mas por falta de lideranças, de vontade política, de condições logísticas e de desprendimento.

O dinheiro necessário para salvar alguns milhões de seres humanos ameaçados pela inanição é uma bagatela: 500 milhões de dólares. Isso é uma fração da fortuna pessoal do mais vistoso empresário brasileiro pertencente à cepa dos "sustentáveis". O que você provavelmente nunca vai ler é uma análise honesta da imprensa sobre o sistema econômico que divide os seres humanos em castas e considera que uns podem tudo e outros… bem, esses outros não compram jornais.

Instituto Humanitas Unisinos - 15/04/08

'Transgênicos: As sementes do mal'. Livro denuncia impactos dos OGM


Um agricultor alemão plantou em sua propriedade o milho BT 176, da empresa Syngenta. Depois de tratar os seus animais com o milho transgênico, eles morreram. Essa é uma das diversas denúncias que os escritores Antônio Andrioli e Richard Fuchs trazem no livro Transgênicos: As sementes do mal - A silenciosa contaminação de solos e alimentos. Através de uma coletânea de textos, os autores abordam os impactos sociais, econômicos e ambientais do cultivo de alimentos transgênicos. A notícia é da Agência Chasque, 14-04-2008.

Antônio Andrioli é pós-doutorando no Instituto de Sociologia da Universidade Johannes-Kepler de Linz, na Áustria. Ele relata a aversão que países europeus têm sobre os produtos transgênicos. “A grande polêmica na Alemanha é com o milho transgênico da Monsanto, MON 810, que é o mesmo milho que foi aprovado no Brasil recentemente. Esse milho está sendo proibido em oito países da Europa. Temos uma proibição do cultivo desse milho na França, na Itália, na Áustria, na Suíça, na Polônia, na Grécia e na Romênia. E infelizmente a Alemanha tem liberado experimentos com esse milho, experimentos que acabam contaminando as lavouras vizinhas e, em função disso, há 154 áreas livres de transgênicos que são hoje criadas na Alemanha como tentativa de resistência”, afirma.

Antonio alerta para a falta de conhecimento da população acerca do alimento transgênico e a incapacidade do governo em decidir sobre a soberania alimentar do Brasil. “O tema está muito atual, aqui na Europa, em função dessa recusa dos consumidores em consumir esse milho. Infelizmente, no Brasil, nós não temos praticamente nenhum debate sobre esse tema.

emos uma aprovação por parte de uma comissão assim chamada técnica de biossegurança, que é chamada CTNBio, que não tem competência nessa área, porque a maioria dos profissionais que estão ali como cientistas não são especialistas em biossegurança, e sim, propagandeadores da biotecnologia. Nós não temos representatividade da sociedade civil nessa comissão que se coloca acima, inclusive, da Constituição Federal, que exige estudo de impacto ambiental e nós temos, inclusive, um problema de critérios, não há nenhum critério para a avaliação de riscos”, conta.

Para Antonio, o Brasil fez uma clara opção pelo agronegócio e à política de apoio às exportações, ao cultivar o milho transgênico para a produção de bioetanol. Além disso, a transgenia permite a produção de grandes áreas com poucos trabalhadores, pois não é necessário realizar a sua capina.

“No caso do milho transgênico, esse é um milho resistente ao herbicida, mas também resistente a um inseto, então a idéia de que se possa produzir sem a necessidade de utilizar inseticida mas se deve ressaltar que dentro dessa planta, desse milho transgênico, existe uma toxina que é produzida por uma bactéria que foi introduzida. Então essa planta produz todo o tempo em que ela está aí, inclusive depois, na palha permanece uma toxina. Essa toxina não elimina apenas o inseto, essa toxina é prejudicial também para outros seres vivos, ao ecossistema em geral. Inclusive, nós temos indícios muito claros, hoje, nos países onde esse milho não foi aprovado, foi proibido, que ele tem problemas sérios de causar imunodeficiência e, se pode causar imunodeficiência, nós podemos ver porque as indústrias farmacêuticas estão interessadas na liberação desse milho”.

O livro traz o debate sobre os defensores dos transgênicos, os quais afirmam que as sementes não têm riscos. Ao mesmo tempo, impedem que a população saiba quais os produtos que contêm transgenia, pois as embalagens ainda não apresentam a rotulagem. Segundo Antônio, a liberação é forçada pelas multinacionais, através do lobby sobre o parlamento e o governo brasileiro, igual ao que as empresas fazem em todo o mundo.

No Brasil, três mil exemplares do livro estão sendo distribuídos gratuitamente para universidades, centros de pesquisas e movimentos sociais. Também estão à venda pela Editora Expressão Popular no endereço de Internet www.expressaopopular.com.br

Instituto Humanitas Unisinos - 15/04/08

Uma epidemia de irresponsabilidade pública

A epidemia da dengue revela o descalabro da saúde pública e responsabiliza indistintamente os três níveis de governo – federal, estadual e municipal. Além disso, os dados apresentados, ainda que sejam dramáticos, não refletem a realidade. A análise é de Eric Nepomuceno, jornalista e escritor, e que foi publicada no jornal argentino Página/12, 14-04-2008. A tradução é do Cepat.

Os números da epidemia de dengue no Rio de Janeiro parecem claros: até a tarde de sexta-feira (11-04) havia 84 mortos no Estado, 50 na capital. Em todo o Estado, nos primeiros 102 dias do ano, 78.579 pessoas foram contaminadas pelo vírus transmitido pelo mosquito aedes aegypti. Na capital, 47.463. Na segunda quinzena de março foram registrados dois mil novos casos por dia. Houve dias em que a média foi de dois casos por minuto. Na última semana do mês foram registrados 18.389 casos de dengue. Na primeira semana de abril surgiram os primeiros indícios de que a epidemia começava a baixar, mas o número de contaminados ainda supera o dobro do que as organizações internacionais de saúde consideram como níveis alarmantes.

Acontece que nenhum desses números merece confiança, já que não são nada claros. São muito mais os contaminados, são muito mais os mortos. Primeiro, porque hospitais e postos de saúde demoram para notificar oficialmente as autoridades. No mesmo dia em que foram confirmadas as 84 mortes, ficaram pendentes de determinar as causas de outras 76, das quais 43 eram da cidade do Rio.

Segundo, porque não são raros os casos de erro de diagnóstico. Agora mesmo, Estado e Município foram condenados a pagar uma indenização a familiares de uma adolescente morta por dengue em 2002 que havia sido diagnosticada como uma gripe comum. Há dezenas de casos similares na Justiça, correspondentes a surtos epidêmicos anteriores, e já se apresentaram outros relacionados com a epidemia atual. Um médico do Exército, infectado pelo mosquito, foi obrigado a cumprir plantão, sem nenhuma atenção, e morreu num hospital militar sem sequer ser examinado.

Para reforçar essa desconfiança nos números oficiais, há uma terceira razão: a crônica incompetência dos responsáveis. A confusão entre notificações da saúde municipal e estadual não faz mais que deixar claro que nem sequer sabem determinar quantos são os mortos de sua irresponsabilidade ampla e irrestrita.

Apesar de todas as advertências e indícios levantados por cientistas, pesquisadores e associações médicas, não se fez absolutamente nada para impedir a proliferação do mosquito e suas conseqüências. Não houve campanhas de alerta à população, nem vigilância alguma, e até em terrenos públicos o aedes encontrou amplo e confortável espaço para, sem ser molestado pelos fumigadores, se multiplicar sem cessar aproveitando o calor do verão que passou.

Enquanto as autoridades de todas as instâncias – nacional, estadual e municipal – se esforçam para repelir as responsabilidades, como se se tratasse de definir se o mosquito é federal, regional ou local, o que se confirma é que o descalabro da saúde pública no Brasil não tem limites. Comprova-se, além disso, que as lições do passado não servem para nada e que a irresponsabilidade é democrática – as autoridades de todos os níveis a exercem livremente –, mas a doença não: a imensa maioria dos contaminados com dengue é de bairros pobres, e mais da metade dos mortos tinha menos de 15 anos.

Não é a primeira epidemia de dengue no Brasil, especialmente no Rio. Em 2002, nessa cidade foram 140.408 os casos, com 65 mortos. Isso, em todo o ano. Desta vez, em menos de quatro meses o número de mortos já é bastante maior, e o total dos casos será facilmente superado.

Por esses dias, o Rio de Janeiro recebeu mais de cem médicos do sistema público de saúde de outros Estados e Municípios. Cada um receberá, por turno de 12 horas seguidas, cerca de 350 reais. Cumprindo três turnos semanais, ganharão mais do que ganham em seus trabalhos de origem [cerca de três mil reais mensais], e quatro vezes o salário base de um médico do Estado ou do município do Rio. Nos primeiros dias, esses voluntários não sabiam o que fazer, já que ninguém parecia ter claro quais seriam as suas funções. É como se de repente o governador Sérgio Cabral tivesse se dado conta de que faltam pediatras na rede estadual de saúde.

Já o prefeito César Maia, como de costume, luta contra a realidade: trata de mostrar, com dados nas mãos (todas tiradas ninguém sabe de onde), que não se trata de uma epidemia. Disse que não pode cumprir a determinação judicial de manter 84 postos de saúde abertos 24 horas por falta de segurança, especialmente nos bairros controlados pelo narcotráfico. Foi desmentido pelo governador, que mostrou que os postos estaduais funcionam 24 horas, e por porta-vozes do próprio narcotráfico, que estabeleceram “zonas de trégua” nos morros mais violentos da cidade enquanto durar a epidemia que o prefeito disse que não existe.

A enxurrada de notícias estarrecedoras, entretanto, não termina aí: para 2009 já se prevê uma epidemia ainda mais série, e que não estará concentrada num só foco. Os casos de dengue já começam a se multiplicar em outras latitudes do mapa brasileiro. Três cidades do próspero interior paulista já estão em alerta máximo.

O mosquito segue solto, os hospitais públicos continuam abarrotados de gente pobre que espera até oito horas para ser consultada, e o resto do país começa a se preparar para ver onde esse panorama de irresponsabilidade criminal e crônica se repetirá no ano que vem.

Instituto Humanitas Unisinos - 15/04/08

A fome na demagogia neocon

Álcool vira bode expiatório da fome na demagogia de Banco Mundial e ONU, que escondem danos de subsídios de país rico. A opinião é de Vinicius Torres Freire e publicada no jornal Folha de S. Paulo, 15-04-2008.

Eis o artigo.

Uma das cenas candidatas ao Oscar de demagogia repulsiva deste ano é a imagem de Roberto Zoellick segurando de braços abertos um pão e um pacote de arroz em um encontro do Banco Mundial, organização que preside.

Zoellick deu impulso ao recente carnaval midiático e hipócrita a respeito do aumento da fome devido à inflação de alimentos. O Banco Mundial e penduricalhos da ONU estão em campanha dita contra a fome, mas com ênfase no dano que os biocombustíveis fariam aos pobres.

Tão repulsivo quanto a súbita piedade de Zoellick pelos famélicos da terra é o relatório do Banco Mundial a respeito do assunto. O primeiro parágrafo do texto é sobre a inflação global. O segundo, sobre a culpa dos biocombustíveis. Não há praticamente palavra sobre subsídios agrícolas dos países ricos, que detonaram durante décadas a produção de alimentos em países pobres. Nem sobre subsídios americanos à produção do ineficiente álcool de milho. Mas há uma palavrinha sobre a devastação de florestas para a produção de álcool no Brasil.

Receita do Banco Mundial para a crise? Primeira: esmolas focadas nos mais pobres (a solução para tudo no Banco Mundial enquanto não chegar a era de ouro em que todas as "reformas" estarão completas). Segunda: redução de tarifas de importação de comida em país pobre. Só a terceira é o aumento da produção alimentos, "no médio prazo".

Mas até a caridade do Banco Mundial é um fracasso. A fatia dos empréstimos do banco para projetos agrícolas em 2007 foi pouco mais de um terço do que era em 1980. Nos últimos anos, emprestou em média US$ 450 milhões anuais para esses programas na África. O subsídio direto para agricultores da União Européia foi de US$ 96 bilhões em 2006. Nos EUA, US$ 24 bilhões.

No mais recente relatório do International Food Policy Research Institute (IFPRI) sobre o tema, obviamente se reconhece a necessidade de medidas emergenciais. Mas as prioridades de política são outras.

Primeiro: reduzir subsídios e barreiras comerciais em país rico. Segundo: melhorar a infra-estrutura e o mercado agrícola em países pobres. Terceiro, dar condições tecnológicas para os pobres produzirem mais comida. "Um regime comercial mais aberto na agricultura beneficiaria os países em desenvolvimento em geral (embora não reduza a pobreza em certo casos)", diz o texto.

O IFPRI é resultado da associação de 47 países, fundações privadas e órgãos da ONU, e também do Banco Mundial. Seu relatório deveria ser lido pelo demagogo neoconservador Zoellick, que foi uma espécie de ministro do Comércio de Bush. Disse certa vez que "ou o Brasil aceita a Alca ou venderá suas mercadorias para a Antártida", evidenciando assim a fineza diplomática do bushismo e seu apreço pelo livre comércio negociado em bases razoáveis.

segunda-feira, abril 14, 2008

Le Monde Diplomatique Brasil - Mar 08

A conspiração do silêncio

Há 50 anos, as conseqüências sanitárias das atividades nucleares são ocultadas pela Organização Mundial da Saúde. Nesse período, concentrações nocivas de radionuclídeos acumularam-se na terra, na água e no ar. Mesmo assim, todos os estudos que alertavam sobre o impacto das radiações foram solenemente ignorados. O lucro falou mais alto que o bem-estar.

Alison Katz

Em junho de 2007, Gregory Hartl, porta-voz da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmou que as atas da Conferência Internacional das Nações Unidas sobre a catástrofe de Chernobyl, realizada entre 20 e 23 de novembro de 1995, tinham sido publicadas. Nunca foram. Os resultados da Conferência de Kiev, de 2001, também não vieram a público. Ambos os eventos discutiram o terrível acidente nuclear de 26 de abril de 1986, que contaminou centenas de milhares de pessoas na Ucrânia, na Bielorrússia e na Rússia.

Pressionada por jornalistas, a OMS reiterou a mentira contada por Hartl, limitando-se a fornecer como referência o resumo das intervenções em Kiev e uma seleção muito restrita de artigos e exposições do encontro de Genebra.

Esta é apenas a ponta do iceberg da dissimulação institucional.

A posição da organização é questionada de forma permanente desde 26 de abril de 2007, no 21° aniversário da catástrofe, quando dois piquetes foram montados em frente à sua sede [1]. Diariamente, ao entrar e sair do trabalho, os empregados da instituição deparam com um quadro mostrando um milhão de crianças doentes e sob irradiação na região adjacente a Chernobyl. A Independent WHO (OMS Independente, na tradução literal), responsável pela mobilização, acusa o órgão de negar assistência às populações em perigo e de ser cúmplice em ocultar as conseqüências do desastre. Os manifestantes reivindicam a independência da OMS em relação à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) [2] para que a questão receba um tratamento sério e científico e as pessoas contaminadas sejam atendidas de forma adequada. Eles já lançaram um “apelo internacional dos profissionais da saúde” [ http://www.independentwho.info/spip.php?article107">3] e preparam uma resolução que pretendem aprovar na Assembléia Mundial da Saúde, foro decisório da OMS que fará sua próxima reunião em maio [4].

De acordo com seu estatuto, a AIEA tem como objetivo “acelerar e ampliar a contribuição da energia atômica para a paz, a saúde e a prosperidade em todo o mundo”. Na realidade, não passa de um lobby – militar, aliás – que nada tem a fazer na “família” ONU e não deveria interferir na escolha de políticas sanitárias ou de pesquisas. No entanto, nenhuma investigação ou ação da OMS sobre o binômio radioatividade/saúde pode ser empreendida sem o aval prévio da AIEA. O pacto que liga as duas organizações, de 1959, dispõe que “cada vez que uma das partes se propuser a empreender um programa ou atividade em um domínio que apresente ou possa apresentar interesse importante para a outra parte, a primeira consultará a segunda a fim de resolver a questão em comum acordo”. Sendo assim, a agência impôs seu veto às conferências previstas pela OMS sobre radioatividade e saúde. Já a autoridade sanitária internacional, sem estabelecer qualquer forma de retaliação, apoiou as estatísticas grotescas da AIEA referentes à mortalidade e à morbidez resultantes do acidente de Chernobyl, que apontam para apenas 56 mortos e quatro mil casos de câncer da tireóide [5].

Ora, a negação da doença inevitavelmente implica na negação da cura. Hoje, nove milhões de pessoas vivem em zonas de altíssimo nível de radioatividade. Há 21 anos elas não têm outra opção senão consumir alimentos contaminados, com efeitos devastadores [6]. Para a AIEA, porém, toda pesquisa capaz de mostrar os danos das radiações ionizantes representa um grave risco comercial e precisa ser proibida a qualquer preço. Por isso, as investigações sobre os eventuais prejuízos ao genoma humano, uma das conseqüências mais graves dessa contaminação, não figuraram no estudo internacional exigido pelos Ministérios da Saúde da Ucrânia, da Bielo-Rússia e da Rússia.

Segundo diversas produções científicas de instituições independentes [7], esse conflito de interesses já foi fatal a centenas de milhares de pessoas. E o fardo mais pesado ainda está por vir, decorrente dos longos períodos de latência da concentração de radionuclídeos nos órgãos internos. Centenas de estudos epidemiológicos realizados na Ucrânia, na Bielo-Rússia e na Rússia já detectaram uma alta significativa de todos os tipos de câncer, além do aumento das mortalidades infantil e perinatal, da taxa de abortos espontâneos, de deformidades e anomalias genéticas, perturbações ou retardamento do desenvolvimento mental, doenças neuropsicológicas e casos de cegueira, moléstias dos aparelhos respiratório, cardiovascular, gastrointestinal, urogenital e endócrino [8].

Mas quem dá atenção a esses dados? Quatro meses depois de Chernobyl, o senhor Morris Rosen, diretor da segurança nuclear da AIEA, teve o desplante de declarar que “mesmo se todo ano houvesse um acidente desse tipo, continuaria considerando a energia nuclear interessante” [9]. Se o público fosse informado a respeito de suas conseqüências reais, porém, o debate sobre a opção nuclear certamente seria encerrado da noite para o dia. É por isso que a OMS tem medo das crianças de Chernobyl.

Durante décadas, os lobbies do fumo, da agroquímica e da petroquímica sabotaram todas as medidas de saúde pública e ambientais que prejudicassem seus lucros. Mas o lobby nuclear tem-se mostrado incomparavelmente mais poderoso: abrange os governos que desenvolvem atividades nesse campo, principalmente dos Estados Unidos, Grã Bretanha e França, assim como poderosas organizações que os perpassam. A desinformação gerada sob pressões bélico-industriais dos Estados é gigantesca. E, o que é pior, a corrupção em torno do setor afeta as mais prestigiadas instituições acadêmicas e científicas. Como analisa um editorial do respeitado periódico científico The Lancet, elas “se transformaram em ‘empresas’ de direito pleno, mais interessadas em comercializar suas descobertas do que em preservar o status de pesquisadoras independentes” [10]. Corroborados e citados como prova da segurança das atividades nucleares, os pareceres provêm, com freqüência, do lobismo.

Compradas pelos interesses das corporações, essa ciência nos levou ao aquecimento global – e à beira do abismo – por meio de suas mentiras, negações e dissimulações. E se as emissões responsáveis pela mudança climática são teoricamente controláveis, o mesmo não ocorre com a tecnologia nuclear e seus resíduos: ainda que essas atividades cessassem amanhã, suas conseqüências continuariam afetando a vida na Terra durante milênios. Como confiar, então, na avaliação que esses cientistas, literalmente comprometidos, fazem da energia nuclear? A resposta é simples: o conjunto das instituições governamentais, militares, industriais, científicas, de pesquisa, de regulamentação e intergovernamentais funciona, aliado a alguns órgãos da ONU, como uma “família incestuosa e fechada em si mesma” [11]. Aqueles que foram fonte de informações sobre a energia nuclear são “jurados” e “juízes” em tudo o que diz respeito às conseqüências sanitárias de suas próprias atividades.

As falhas dessa pseudociência e de seu método vão do flagrante e ultrajante ao sutil e insidioso, denunciam o expert Chris Busby, o jornalista Wladimir Tchertkoff e o Tribunal Permanente dos Povos acerca das Dissimulações [12]. A primeira série de delitos concerne à falsificação e à retenção de dados, à ausência de medição da radioatividade e de rastreamento do câncer, aos ataques aos pesquisadores independentes e suas instituições, à censura aos estudos sobre os efeitos nefastos, ao aviltamento de milhares de pesquisas não traduzidas dos três países mais afetados e à exclusão da ordem do dia das conferências de campos científicos que discutem os efeitos da irradiação interna crônica e em baixa dosagem. A segunda série criminosa abrange artifícios como o cálculo somente da média das irradiações para toda a população, desprezando as diferenças consideráveis de um lugar para outro; a suspensão dos estudos após dez anos, evitando assim que se leve em conta a morbidez e a mortalidade em longo prazo; a fixação de cinco anos de sobrevida como cura; a não identificação de nenhuma outra doença a não ser o câncer; a divulgação da redução dos casos de câncer infantil quando, na realidade, as crianças se tornaram adultas e já não figuram na base de dados; a contabilização restrita dos sobreviventes; a análise exclusiva da Rússia, Bielorússia e Ucrânia. E dezenas de outras manipulações.

Entre 1950 e 1995, nos Estados Unidos, o número anual de novos casos de câncer cresceu 55%, segundo o Instituto Nacional do Câncer. Observa-se uma tendência semelhante na Europa, assim como em todos os países industrializados. Os cânceres não ligados ao tabagismo contribuem com aproximadamente 75% desse aumento e não podem ser explicados por uma detecção mais apurada ou pelo envelhecimento das populações [13]. Esse crescimento acompanha a evolução do produto nacional bruto e da industrialização e sua causa mais evidente, a poluição química e radioativa do ambiente, é ignorada. De maneira muito perversa, prefere-se censurar os maus hábitos das vítimas.

Em um futuro próximo, esta e outras enfermidades resultantes da contaminação nuclear estarão bem mais arraigadas no planeta do que as “grandes assassinas” (afecções respiratórias infecciosas agudas, diarréia, malária, tuberculose e AIDS), doenças ligadas à pobreza e que matam cerca de cem mil pessoas por dia, mas não chamam a atenção para as vítimas. A epidemia do câncer já afeta as camadas privilegiadas e instruídas da sociedade, que exigem explicações científicas sérias e uma prevenção real, ou seja, um ataque direto ao problema. Tanto que associações de doentes começaram a conclamar o boicote das poderosas organizações beneficentes, claramente ligadas às indústrias farmacêuticas e de equipamento médico. Outras vítimas tentam levar à Justiça os responsáveis pela dissimulação dos verdadeiros perigos da energia nuclear.

Por isso, o desvio científico e a íntima relação entre a indústria e as instituições acadêmicas deveriam estar no centro das preocupações da OMS. Quando eleita diretora-geral, Margaret Chan garantiu que um dos atributos da organização era sua hegemonia sobre a saúde pública. “Nós dispomos de autoridade absoluta em nossas diretivas”, declarou. Porém, no domínio da radioatividade, seria mais justo se Chan reconhecesse que é a AIEA quem detém essa “autoridade absoluta” e tentasse mudar o quadro.

Mas não se pode contar com os Estados-membros da OMS para tomar providências. Como observou The Lancet em seu já mencionado editorial, “os governos, no âmbito nacional e regional, faltam regularmente ao dever de colocar suas populações antes do lucro”. Neste sentido, o doutor Mae Wan Ho e outros integrantes da Scientists for Global Responsability (Cientistas pela Responsabilidade Global) esboçam uma Convenção do Saber [14], com o objetivo de garantir o desenvolvimento de uma pesquisa independente e séria sobre as conseqüências sanitárias das atividades nucleares civis e militares, assim como a divulgação dos resultados sem obstrução.


[1] Charaf Abdessemed, “Les antinucléaires font le piquet devant l’OMS”, Genebra Home Information, 6 e 7 de junho de 2007.

[2] Organização autônoma colocada sob a égide das Nações Unidas em 1957, a AIEA serve de fórum intergovernamental mundial para a cooperação técnica na utilização pacífica de tecnologias nucleares.

[3] Veja mais:-> http://www.independentwho.info/spip.php?article107

[4] Nesta assembléia, as delegações dos 193 Estados-membros determinam as políticas da organização.

[5] “Chernobyl’s legacy: health, environmental and socio-economic impacts, 2003-2005”, Viena, abril de 2006.

[6] Michel Fernex, “La santé : état des lieux vingt ans après”, in Galia Ackerman, Guillaume Grandazzi e Frédérick Lermarchand, Les Silences de Tchernobyl, Paris, Autrement, 2006.

[7] Pierpaolo Mittica, Rosalie Bertell, Naomi Rosenblum e Wladimir Tchertkoff, Chernobyl : the hidden legacy, Londres, Trolley Ltd, 2007.

[8] Alex Rosen, [“Effects of the Chernobyl catastrophe: literature review”

[9] Le Monde, 28 de agosto de 1986.

[10] “The tightening grip of big pharma”, The Lancet, 14 de abril de 2001

[11] Rosalie Bertell, No immediate danger: prognosis for a radioactive earth, Toronto, Women’s Press, 1985.

[12] Chris Busby, Wolves of water: a study constructed from atomic radiation, morality, epidemiology, science, bias, philosophy and death, Aberystwith, Green Audit, 2006. Wladimir Tchertkoff, Le crime de Tchernobyl: le goulag nucléaire, Arles, Actes Sud, 2006. Permanent People’s Tribunal, International Medical Commission on Chernobyl, Chernobyl environmental, health and human rights, Viena, 12 a 15 de abril de 1996.

[13] Samuel Epstein, Cancer-Gate. How to win the losing cancer war, Nova York, Baywood, 2005.

[14] “Towards a Convention on Knowledge”, Cambridge, Institute of Science and Society.