Pela segurança alimentar do País, num momento de crise mundial de aumento de preços e escassez na oferta de alimentos, e pela garantia de excedentes de grãos para a exportação, o governo decidiu abandonar o discurso ideológico sobre a pequena e grande propriedade, da agricultura familiar ou empresarial. "O discurso ideológico perde completamente o sentido quando o interesse geral de todos é a segurança alimentar. Temos é de produzir alimentos para o consumo interno e aumentar a produção destinada à exportação", diz o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, de esquerda, defensor da agricultura familiar. A reportagem é de João Domingos e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 27-04-2008.
"Não faço distinção entre pequena, média e grande propriedade. O agronegócio é de todos. Na batalha pela segurança alimentar, técnicos nossos e do Desenvolvimento Agrário trabalham em conjunto para melhorar as condições de produção. Isso é o que interessa", complementa o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, de centro, que cuida dos interesses da agricultura empresarial e tem como responsabilidade o controle sanitário e o combate à febre aftosa e a outras doenças, medidas necessárias para a política de exportação do País.
De fato, se o próprio governo tem dois ministérios para cuidar da questão agrícola - o do Desenvolvimento Agrário para os 4,2 milhões de agricultores familiares, e o da Agricultura para todo o restante -, todo mundo está envolvido com o agronegócio. De acordo com dados fornecidos pelo ministro Guilherme Cassel, 40% do movimento do agronegócio brasileiro vem da agricultura familiar, onde a renda bruta não pode ultrapassar os R$ 110 mil anuais e ninguém pode ter mais do que dois empregados fixos. Quem se enquadra nessas condições tem direito a empréstimos subsidiados. Para 2007/2008, o governo destinou R$ 12 bilhões à agricultura familiar. Em 2003, a verba era de R$ 2,3 bilhões.
Para o ministro Reinhold Stephanes, o Brasil goza de uma situação privilegiada no mundo, no que se refere à produção de alimentos. À exceção do trigo, o País não apenas é auto-suficiente no que produz, como bate recorde em cima de recorde em termos de excedentes.
"Crescemos 16% todo o ano na produção de excedentes alimentares para exportação; o segundo lugar não chega a 10%", diz ele. "Temos solo, tecnologia, mão-de-obra e somos, reconhecidamente, o mais produtivo e eficiente país na produção de alimentos", afirma.
Guilherme Cassel diz que hoje a agricultura familiar é responsável por 70% de todo o alimento que o brasileiro consome. Arnoldo Campos, secretário de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário, fornece os dados: feijão, 70%; mandioca, mais de 90%; leite, mais de 50%; aves e suínos, mais de 60%; trigo, mais de 50%; hortigranjeiros, mais de 90%. "A agricultura empresarial é responsável por quase 70% da produção de bovinos, arroz e soja; e 51% do milho, além de predominância quase total na cana-de-açúcar."
Campos, que é técnico e não é filiado a nenhum partido político, afirma que o Brasil deve ser pouco afetado pelo aumento de preços e pela crise mundial de alimentos. "Assim como aconteceu na crise do subprime (a recente crise que teve início nos Estados Unidos, por causa da supervalorização de imóveis), em que o Brasil praticamente não foi atingido porque tinha reservas monetárias muito altas, no caso dos alimentos o País está blindado."
Em parte, diz Campos, por causa da agricultura familiar, que consegue suprir toda a demanda interna por alimentos. "Se tivéssemos nos concentrado na produção para exportação, como fez a Argentina, provavelmente estaríamos passando pelos mesmos problemas do país vizinho. Felizmente, a produção interna criou uma barreira contra a crise alimentar. Temos condição de aumentar em muito a produção, tanto para o consumo crescente no País, quanto para a exportação, porque temos excedentes."
Campos cita o caso do leite como exemplo de como o País tem conseguido passar ao largo das crises. Enquanto no exterior o produto aumentou mais de 210%, no Brasil os preços subiram 18%. Hoje, ao contrário do que ocorria há cinco anos, quando o País importava leite em pó, o Brasil tem grande excedente para exportação, tendo passado dos 10 bilhões para 25 bilhões de litros de leite anuais.
"O desafio da política agrícola do governo, seja na agricultura familiar, seja na empresarial, é garantir o consumo interno e aumentar o excedente. Apesar da crise mundial, as condições são altamente favoráveis ao Brasil, visto que o mundo passa por desarranjos climáticos e enfrenta problemas com os biocombustíveis, como nos Estados Unidos, que passaram a utilizar parte do trigo para produzir etanol. Isso, de fato, tem impactado os preços", diz o secretário.
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