viomundo - publicado em 5 de setembro de 2012 às 10:01
Lento adeus ao Código Florestal
Por Raul Silva Telles do Valle, no site do ISA
Os grandes jornais estamparam, na semana passada, a foto do bilhete da presidente Dilma endereçado à ministra Isabela Teixeira (Meio Ambiente), no qual extravasa um suposto descontentamento com o acordo fechado entre o Palácio do Planalto e a bancada ruralista para aprovar a Medida Provisória (MP) do Código Florestal na comissão mista do Congresso que a analisa. A imagem foi flagrada numa reunião em Brasília.
Os grandes jornais estamparam, na semana passada, a foto do bilhete da presidente Dilma endereçado à ministra Isabela Teixeira (Meio Ambiente), no qual extravasa um suposto descontentamento com o acordo fechado entre o Palácio do Planalto e a bancada ruralista para aprovar a Medida Provisória (MP) do Código Florestal na comissão mista do Congresso que a analisa. A imagem foi flagrada numa reunião em Brasília.
Segundo o pequeno pedaço de papel, Dilma estaria preocupada com a
alteração da “escadinha”, o escalonamento na obrigação de recuperar as
chamadas Áreas de Preservação Permanente (APPs) às margens de rios e
nascentes, de acordo com o tamanho do imóvel – imóveis menores recuperam
menos.
Oxalá esse fosse o principal problema do texto aprovado na semana
passada pela comissão e o governo estivesse realmente preocupado com uma
legislação florestal coerente e eficaz para o país. Mas não é nada
disso.
Enquanto a ministra veio a público dizer que não abre mão da
“escadinha”, a bancada ruralista, com a benção dos emissários do
Planalto, destrói o chão sobre a qual ela está apoiada. O texto aprovado
– por unanimidade – acrescentou um item à MP que permite a recuperação
de nascentes e matas ciliares com “árvores frutíferas”: laranjeiras, pés
de café, mamoeiros e por aí vai.
Não misturados entre a vegetação nativa, o que já era permitido aos
pequenos agricultores e tem lá o seu sentido; mas inclusive na forma de
monocultivos em grandes propriedades.
A escadinha vai sair do nada e chegar a lugar nenhum, pois uma
plantação de laranja – exigente em agrotóxicos para ser produtiva – pode
ter muitas funções, mas não a de proteger uma nascente ou servir como
corredor de fauna ao largo de um rio, como deveria ser uma APP.
Se a regra vier a ser confirmada pelos plenários da Câmara e do
Senado e a presidente não vetá-la – algo bastante plausível – um
determinado médio proprietário, por exemplo, que, em 2007, tenha
desmatado ilegalmente 30 hectares de vegetação à beira de um pequeno
rio, poderá se “regularizar” plantando nove hectares de mamoeiros e
explorando o restante da área com pasto.
Se isso tiver ocorrido numa região de cerrado goiano, por exemplo,
ele terá colocado abaixo, ilegalmente, 30 hectares de vegetação com pelo
menos 50 espécies diferentes de árvores e mais centenas de outros tipos
de plantas, que serve de abrigo e fonte de alimentação para um
incontável número de espécies animais (de grandes mamíferos a pequenos
insetos).
Em seu lugar plantará nove hectares de uma única espécie (talvez
algum capim se espalhe por debaixo, caso não exista “faxina química” com
agrotóxicos, como ocorre usualmente nessas plantações), que servirão de
abrigo e alimentação apenas para algumas espécies muito generalistas de
insetos e pássaros, os quais provavelmente serão atacados de forma
persistente com inseticidas para não danificarem a colheita.
A MP foi editada em maio para suprir as lacunas deixadas pela sanção
parcial de Dilma ao projeto aprovado pela Câmara para alterar o antigo
Código Florestal. Pelas regras já sancionadas e que agora são lei, esse
pequeno rio terá suas margens medidas na época da seca, e não da cheia, o
que fará com que ele “diminua” de tamanho, caindo de algo próximo a 15
metros para menos de 10 metros de largura.
Esse médio proprietário, segundo as regras da MP, teria de recuperar,
então, 15 metros de cada lado do curso de água, ou seja, 30% da área
que em 2007 estava protegida por lei (50 metros em cada margem). Com a
regra acrescentada pelos parlamentares, esses 15 metros poderão ser uma
monocultura de mamão.
Ah, se essa propriedade estiver dividida em mais de uma matrícula
(algo muito comum em todo o país) e esse proprietário cadastrar cada uma
como se fosse um imóvel diferente no Cadastro Ambiental Rural, fraude
possível pela nova lei que já está em vigor, o tamanho da “restauração”
será bem menor, pois cada “sítio” se enquadrará num degrau mais baixo da
“escadinha”, no qual a obrigação de restaurar é menor ainda.
Caminho do absurdo
A criação de laranjais “produtores de água” não foi a única
modificação no texto da MP promovida pelos parlamentares. Eles também
diminuíram o tamanho da área de matas ciliares e nascentes a ser
restauradas pelos grandes proprietários, que agora passará a ser
definido no caso a caso por meio dos programas de regularização
ambiental que serão criados pelos estados.
Essa é uma pauta antiga dos ruralistas: deixar para o nível local a
decisão de restaurar ou não. Além disso, diminuíram a proteção às
veredas e pequenos rios intermitentes – as nascentes desses rios já
estão sem proteção e podem ser legalmente desmatadas pela nova lei em
vigor. Aos poucos, vamos dando o adeus definitivo àquilo que um dia
chamamos de legislação florestal.
O acordo fechado não surpreende, por mais absurdo que possa parecer –
pelo menos aos olhos de quem acredita que proteger nossas florestas faz
algum sentido. Quem acompanha a novela, já sabe seu final. Já não há
mais qualquer racionalidade nas discussões parlamentares sobre a nova
legislação “florestal”.
Permitir “recuperação” de nascentes com cafezais e de matas ciliares
com laranjais é tratado como algo razoável, que sequer suscita qualquer
tipo de questionamento. Retirar a proteção à vegetação responsável pela
infiltração de água que alimenta as nascentes da Caatinga e do Cerrado,
justamente as que secam durante alguns meses do ano em função do
estresse hídrico, é algo comemorado.
Determinar que cada estado defina o quanto os grandes proprietários
terão de “recuperar” – se for com pés de mexerica, a palavra está
equivocada – das áreas de preservação irregularmente desmatadas,
incentivando uma “guerra ambiental”, é perfeitamente normal.
Bilhete em branco
O que fica claro nessa história toda é que nenhuma das partes está
preocupada em ser coerente com o que diz, mas apenas em aprovar o texto o
mais rápido possível e ficar bem na foto.
O bilhetinho de Dilma, embora escrito em letras garrafais para que todas as lentes pudessem flagrá-lo, carece de sinceridade.
O Palácio do Planalto já tinha deixado claro suas intenções quando
optou por assinar embaixo da lista de desejos dos ruralistas e
sancionar, com poucos e irrisórios vetos, o projeto por eles elaborado,
editando na sequência uma medida provisória para repor parte daquilo que
eles rejeitaram.
Até Eremildo, o Idiota, sabia que aquilo era um golpe de marketing.
Não tinha nenhum compromisso em ser politicamente viável. Afinal, quem
poderia acreditar que, já tendo sido derrotado duas vezes pelos
ruralistas nesse mesmo assunto, sancionando uma lei com praticamente
tudo que eles queriam, o governo teria condições de negociar com os
ruralistas e garantir um texto cheio de coisas que eles não queriam?
O resultado, óbvio, está aí: mais e mais concessões, mais e mais prejuízos ao meio ambiente.
Os ruralistas, por sua vez, vão deixando cair as máscaras uma depois da outra.
Já não precisam mais disfarçar nada, pois sabem que estão com tudo e
não estão prosa. Se no começo da campanha pela revogação do Código
Florestal clamavam por regras que tivessem “base científica”, alegando
que a lei revogada era dela desprovida, agora fingem que não escutam as
reiteradas advertências feitas pela Sociedade Brasileira pelo Progresso
da Ciência (SBPC) às regras que aprovaram. Ou alguém acha que a regra
que permite plantar laranja em nascentes é fruto de uma recomendação
técnica embasada no melhor conhecimento científico?
A senadora Kátia Abreu, que até a sanção da lei pela presidente Dilma
afirmava que os maiores interessados na proteção de nascentes e riachos
seriam os próprios produtores rurais, na comissão especial estava na
tropa de choque que aprovou o fim das matas ciliares dos rios da
Caatinga e transformou as Áreas de Preservação Permanente em “Áreas de
Plantações Permanentes”.
Agora ela já duvida publicamente da relação entre proteção de
florestas e produção de água. Com isso, ganhou o título de Doutora
Honoris Causa da Academia Brasileira de Filosofia. E uma forte indicação
para integrar o ministério da presidente Dilma.
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