"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, fevereiro 06, 2014

Na Ucrânia, fascistas, oligarcas e a expansão ocidental estão no centro da crise

darussia.blogspot - DOMINGO, FEVEREIRO 02, 2014

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Texto traduzido e enviado pelo leitor Pippo
Seumas Milne, The Guardian, 29Jan 2014
Já aqui estivemos. Estes últimos dois meses de protestos de rua na Ucrânia têm sido retransmitidos através dos meios de comunicação ocidentais de acordo com um roteiro bem planeado . Os activistas pro -democracia estão a lutar contra um governo autoritário . Os manifestantes estão a exigir o direito de fazer parte da União Europeia. Mas o presidente da Rússia , Vladimir Putin, vetou a sua hipótese de alcançarem a liberdade e a prosperidade.
É uma história que já ouvimos, de uma forma ou de outra, uma e outra vez - pelo menos relativamente à Revolução Laranja da Ucrânia apoiada pelo Ocidente , há uma década. Mas a presente situação tem apenas uma relação muito estreita com a realidade. A adesão à União Europeia nunca  foi uma possibilidade que estivesse - e muito provavelmente nunca estará – sobre a mesa relativamente à Ucrânia. Como no Egipto no ano passado , o presidente cujos manifestantes querem forçar a saída foi eleito numa votação considerada justa por observadores internacionais. E muitos dos que estão nas ruas não estão de todo muito interessados em democracia.
Vocês nunca saberiam por via da maiorra das reportagens que os nacionalistas e fascistas de extrema direita têm estado no centro dos protestos e ataques a prédios do governo. Um dos três principais partidos de oposição que dirigem a campanha é o partido de extrema- direita e anti-semita Svoboda , cujo líder, Oleh Tyahnybok, afirma que uma "máfia judaico-moscovita " controla a Ucrânia. Mas o senador dos EUA John McCain estava feliz em compartilhar um palco com ele em Kiev no mês passado. O partido, agora a governar a cidade de Lviv, liderou, no início deste mês, uma marcha de 15.000 pessoas com tochas em memória do líder fascista ucraniano Stepan Bandera, cujas forças lutaram com os nazis na Segunda Guerra Mundial e participou em massacres de judeus .
Eis então que, na semana em que a libertação de Auschwitz pelo Exército Vermelho está a ser comemorada como o Dia Memorial do Holocausto, os defensores daqueles que ajudaram a levar a cabo o genocídio são saudados pelos políticos ocidentais nas ruas da Ucrânia. Mas o Svoboda foi agora ultrapassado nos protestos por grupos ainda mais extremistas tais como o "Pravy Sektor " , que exigem uma "revolução nacional" e ameaçam iniciar uma "guerra de guerrilha prolongada " .
Não é que lhes reste muito tempo para resistir aos avanços da UE , que tem pressionado a Ucrânia a assinar um acordo de associação e que oferece empréstimos para combater a austeridade, como parte de uma iniciativa liderada pela Alemanha para abrir a Ucrânia às empresas ocidentais. Foi o abandono da opção da UE por parte de Viktor Yanukovych - depois de Putin lhe ter oferecido 15 bilhões de dólares de resgate - que desencadeou os protestos.
Mas os ucranianos estão profundamente divididos quer sobre a integração europeia, quer sobre os protestos – divisão essa feita, em grande parte, ao longo de um eixo que tem a língua russa em grande parte do leste e sul da Ucrânia (onde o Partido Comunista ainda tem um apoio significativo ), e o oeste tradicionalmente nacionalista. A indústria, que se localiza no leste e é dependente de mercados da Rússia, seria esmagado pela concorrência da UE.
É esta fractura histórica no coração da Ucrânia que o Ocidente tem vindo a tentar explorar para reverter a influência russa desde a década de 1990, incluindo uma tentativa concertada para incluir a Ucrânia na NATO . Os líderes da Revolução Laranja foram incentivados a enviar tropas ucranianas para o Iraque e o Afeganistão como “adoçante”.
A expansão da NATO para o leste foi interrompido pela guerra russo-georgiana de 2008 e a posterior eleição de Yanukovych numa plataforma de não-alinhamento . Mas qualquer dúvida de que os esforços da UE para atrair a Ucrânia estão intimamente ligados à estratégia militar ocidental foi dissipada hoje pelo secretário-geral da NATO , Anders Fogh Rasmussen , que declarou que o pacto ora abortado com a Ucrânia teria sido "um grande impulso para a segurança euro-atlântica".
O que ajuda a explicar porque é que políticos como John Kerry e William Hague tenham tão feroz a condenar a violência policial ucraniana - que já deixou vários mortos - enquanto mantém uma judiciosa contenção face ao assassinato de milhares de manifestantes no Egito, desde o golpe militar do ano passado.
Não é que Yanukovych possa ser tido por progressista. Ele foi fortemente apoiado pelos multimilionários oligarcas que tomaram o controle dos recursos e das empresas privatizadas após o colapso da União Soviética - e financiam simultâneamente os políticos da oposição e os manifestantes. De facto, uma interpretação dos problemas do presidente ucraniano é que os oligarcas estabelecidos estão fartos dos favores concedidos a um grupo em ascenção conhecido como "a família".
É raiva face a esta corrupção grotesca e à desigualdade, a estagnação económica da Ucrânia e a pobreza, que tem levado muitos ucranianos comuns a se juntar aos protestos, bem como indignação face à brutalidade policial. Como a Rússia, a Ucrânia foi empobrecida pela terapia de choque neoliberal e pelas privatizações em massa dos anos pós-soviéticos. Em cinco anos o país perdeu mais de metade dos seus rendimentos e ainda tem muito por recuperar.
Mas nem os principais líderes da oposição e de protesto oferecem qualquer tipo de alternativa genuína , como não apresentam qualquer tipo de desafio para a oligarquia que tem a Ucrânia nas suas garras . Yanukovych já fez amplas concessões aos manifestantes : demitir o primeiro-ministro , convidar os líderes da oposição para participar do governo e abolição das leis anti- protesto aprovadas no início deste mês .
Se isso acalma ou alimenta a inquietação é algo que ficará claro em breve. Mas o risco de o conflito se espalhar – as principais figuras políticas têm advertido para a possibilidade de uma guerra civil - é sério. Há outros passos que podem ajudar a resolver a crise : a criação de uma ampla coligação de governo , um referendo sobre as relações da UE , a passagem de um sistema presidencial para um sistema parlamentar e uma maior autonomia regional.
A cisão da Ucrânia não é um assunto puramente ucraniano. Juntamente com o emergente desafio chinês à dominação do Leste da Ásia por parte dos EUA, a linha de fractura ucraniana tem o potencial de atrair poderes externos e levar a um confronto estratégico. Somente os ucranianos poderão superar esta crise. A continuação da interferência externa é tão provocante quanto perigosa.

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