"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, setembro 11, 2014

É a independência de Putin, não alguma “Ucrânia”, que ‘perturba’ os EUA

Data de publicação em Tlaxcala: 07/09/2014


Finian Cunningham 
Traduzido por  Coletivo de tradutores Vila Vudu


Esqueçam a alegada ‘agressão’ da Rússia, com ocupação na Ucrânia. O verdadeiro problema para os EUA é Vladimir Putin. Mais precisamente: o verdadeiro problema é uma Rússia forte e independente sob a presidência de Putin, uma Rússia que defende os próprios direitos nacionais, respeito à lei internacional e que não dá sinais de disposição para ceder aos interesses hegemonistas autistas dos EUA, como, por exemplo, defender o dólar decadente-fracassante norte-americano.
 
Com a aliança OTAN/EUA reunida essa semana em Gales, é óbvio que Washington e seus vassalos europeus darão tratos à bola para encontrar novo objetivo para uma organização criada há 65 anos, durante a Guerra Fria. A reunião de cúpula na cidade galesa de Newport está sendo vendida como “a mais importante reunião da OTAN desde o fim da Guerra Fria” – e por que tudo isso?! – há mais de vinte anos.
View of the room
O presidente Barack Obama dos EUA lá estará, além de 60 líderes mundiais , aí contados os dos 28 estados-membros da OTAN. Escândalo dos escândalos e vergonha para o ‘ocidente’, a coisa ali fervilha com uma retórica super inflada de  “defender a Europa contra agressão russa”. O secretário-geral da OTAN Anders Fogh Rasmussen teve a petulância de ‘declarar’, na abertura da conferência, que “a Rússia está atacando a Ucrânia”.

“Assim sendo, continuamos a conclamar a Rússia para que recolha suas tropas de volta para dentro das fronteiras russas  e ponha fim ao fluxo de armas e soldados para dentro da Ucrânia” – disse deslavadamente Rasmussen, sem nem um fragmento de prova a oferecer.

Um dia antes da abertura da reunião da OTAN, falando ainda da Estônia, o presidente Barack Obama usou a mesma retórica de provocação, acusando a Rússia de agredir a Ucrânia e de violar a lei internacional. O presidente dos EUA não economizou retórica e calúnias, sem qualquer prova, sobre “separatistas na Ucrânia, pagos pela Rússia, armados pela Rússia, treinados pela Rússia, apoiados pela Rússia e com frequência comandados pela Rússia.”

Como disse o enviado da Rússia à OTAN, Alexandr Grushko, dessas acusações que vários líderes ocidentais vêm vociferando, “não são fatos, são invenções”. Grushko disse que a OTAN estava escalando as tensões com a Rússia sem qualquer prova de conduta indevida. “Não houve aumento de tropas nem movimento de armamento militar” – disse ele.

É quase inacreditável que todo o furor militarista insuflado em torno da conferênciada OTAN, e as declarações bombásticas de segurança coletiva com votos e brados de proteger “nossos membros no Leste da Europa” esteja sendo invocado absolutamente sem qualquer tipo de prova confiável, como imagens de satélite, por exemplo, de tropas russas e movimento de tanques, lançamento de mísseis ou incursões aéreas em território da Ucrânia. É fazer política à base de fantasias e preconceitos.

Isso não implica dizer que não haja aí, em jogo, preocupações muito reais. Com certeza, há. Mas as potências ocidentais e seu aparelho de imprensa-empresa estão tomados de total furor de propaganda, decididos a esconder aquelas preocupações, elas, sim, bem reais.

O que Obama e outras altas figuras dos EUA têm repetido enfaticamente ao longo dos últimos seis meses é a necessidade de os países membros da OTAN “comparecerem no que lhes cabe”, em termos de financiar a OTAN.

Durante quase todos os 65 anos da OTAN, os EUA foram os principais mantenedores da OTAN e, de longe, o membro mais importante. Há boas razões para essa prodigalidade histórica dos EUA. A OTAN sempre foi veículo mediante o qual os EUA exerceram presença militar, política e econômica dominante sobre a Europa. Sem a OTAN, Washington veria consideravelmente reduzida a sua influência sobre seus “aliados” europeus. De modo especial, Washington veria aumentar uma tendência histórica óbvia de aproximação política e econômica entre a Europa e a Rússia, se não houvesse as garras da ‘aliança’ cravadas no continente. 

É significativo que ao longo das duas últimas décadas, desde o fim da Guerra Fria – e, claro, desde que a OTAN deixou de ter objetivo e razão de ser – o financiamento europeu para a organização tenha caído, de mais de 30%, para quase 20%. Em outras palavras, isso sugere que os estados europeus estão perdendo o interesse que a OTAN lhes inspirava no pós-Guerra-Fria, quando ainda acreditavam que pudesse ter alguma serventia.

Tudo sugere também, hoje, correspondentemente, que Washington está decidida a fazer reviver a ‘importância’ da OTAN falando sem parar sobre alguma ‘ameaça’ que a Rússia representaria à segurança europeia. OTAN ressuscitada significa presença ressuscitada dos EUA na Europa, o que é essencial para manter a hegemonia dos EUA sobre o planeta.

Só assim se vê algum sentido real na ação, visivelmente comandada pelos EUA, de fazer aumentar sempre as tensões com a Rússia – usando como pretexto, a Ucrânia. A ação dos EUA gerou um cisma sempre crescente entre Moscou e a Europa, onde até bem pouco tempo havia relações diplomáticas cordiais baseadas em substanciais parcerias econômicas e comerciais.

Claro que o trabalho político de Washington encontrou cúmplices europeus para empurrar o mundo em direção à guerra e fazer aumentar as tensões. O governo britânico obrou como lacaio dedicado a serviço da agenda de guerra dos EUA, como a Junta em Kiev liderada por Arseniy Yatsenyuk e, também, os governos pró EUA na Polônia e nos estados bálticos.

É essa agenda oculta, da hegemonia geopolítica dos EUA – não alguma inexistente agressão russa – que se viu bem clara essa semana, na fala de Barack Obama ao lado do presidente  Toomas Hendrik Ilves. Quando os dois foram perguntados sobre o que pensam sobre o que dispõe o Ato de Criação da OTAN, de 1997, assinado entre OTAN e Rússia, disseram que o compromisso assumido naquele momento, de que a ‘aliança’ não avançaria na direção das fronteiras russas, já não se aplica(ria) hoje, porque “a paisagem mudou”.

O presidente da Estônia, que estudou nos EUA, disse: “Aquele era o ambiente de segurança de 1997, quando Boris Ieltsin era presidente da Rússia e não havia violações, nem da Carta da ONU nem Acordo de Helsinki de 1975 ou da Carta de Paris de 1990.”

Deve-se observar que Ilves só faz repetir assertivas sem nenhuma prova ou reconhecimento legal de que a Rússia tivesse algum dia violado a Carta da ONU ou qualquer tratado. O que o homem faz é repor em cena o personagem Boris Ieltsin. Ieltsin ‘interessava’ a norte-americanos e europeus porque era presidente fraco, servil, que deu rédea solta ao capital ocidental para que avançasse como bem entendesse sobre o território da Rússia, imediatamente depois do colapso da URSS. O tempo de Ielstin também foi tempo de corrupção rampante pelos oligarcas russos, todos intimamente associados ao capital ocidental. Essa cultura corrosiva teve fim com a eleição de Vladimir Putin duas vezes como presidente, entre 2000-2008, e novamente em 2012.
 
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Na sua fala, Obama repetiu que “muita coisa mudou” desde o Tratado OTAN-Rússia de Fundação da OTAN de 1997, que o teria tornado inaplicável. Mas – mentiroso que muito fala sempre acaba dizendo o que não lhe interessava dizer – Obama revelou também parte importante de suas preocupações ‘de base’: “Já disse várias vezes que preferiríamos sempre uma Rússia forte, produtiva e cooperativa. Mas o caminho para tudo isso é respeitar normas internacionais, melhorar a economia, focar em como eles podem produzir bens e serviços de que outros carecem, e dar oportunidades ao próprio povo e educar a própria população. Infelizmente, não é a via que eles [os russos] vêm seguindo nos últimos vários anos. Não é, com certeza, se se considera a estratégia deles [dos russos] na Ucrânia”.

Quer dizer... Obama, melhor dizendo, Washington, não está preocupada com a Ucrânia ou alguma suposta ‘agressão russa’, mas com questões de “produção econômica e cooperação” – e quem diz “cooperação” está falando, aí, de cooperação com o capital ocidental. Além de não estar ‘cooperando’, o governo russo já não ‘coopera’ nos “últimos vários anos”! É o mesmo que dizer que o problema é que o governo do presidente Putin não ‘coopera’ com o capital ocidental... Tudo isso começou antes da atual crise na Ucrânia.

Essas são as preocupações reais que subjazem ao que os EUA estão fazendo, e já transpareciam claramente em coluna publicada em março no New York Times assinada por Michael McFaul, ex-embaixador dos EUA em Moscou.

Depois de protestos contra a ‘anexação’ [na verdade, tratou-se de reintegração à Federação Russa, decidida por referendo] da Crimeia, McFaul escreve: “A decisão do presidente Vladimir Putin da Rússia de anexar a Crimeia pôs fim à era do pós-Guerra Fria na Europa. Desde o final dos anos Gorbachev-Reagan, a era definida por ziguezagues de cooperação e disputas entre Rússia e o ocidente, mas sempre preservando a ideia subjacente de que a Rússia ia-se integrando aos poucos à ordem internacional. Agora, isso acabou.”

O ex-embaixador prossegue e lamenta que “o colapso da ordem soviética não tenha levado a uma transição suave para a democracia e aos mercados, dentro da Rússia, nem à integração da Rússia ao ocidente.” Em outras palavras: é uma pena que a Rússia não tenha saído do mundo soviético e cuidado de fazer uma transição suave em alguma direção que satisfizesse os interesses do capital norte-americano...

McFaul atribui a culpa por essa falta de “integração da Rússia ao ocidente” ao presidente Putin, acusado de ser “um autocrata” e de querer voltar aos dias da velha União Soviética. O ataque de McFaul contra Putin é tolice, um amontoado de bobagens. Mas útil, porque deixa ver com clareza que o que atormenta mais agudamente Washington é que os EUA veem que a Rússia de Putin não age como estado-vassalo, como a Rússia dos tempos de Ieltsin, de quando foi assinado o Ato de Fundação entre OTAN e Rússia.

Por isso, exatamente, é que Washington quer agora rasgar o documento assinado em 1997, e empurrar a OTAN para bem junto das fronteiras russas.

McFaul conclui sua coluna no NY Times exigindo que Putin seja ‘isolado’ e que se apliquem sanções punitivas contra a Rússia – política que Obama aplicaria com violenta determinação nos meses seguintes. 

Há aí mais que simples coincidência: o governo dos EUA escalou na agressão contra a Rússia a partir do momento em que o presidente Putin passou a expor ao mundo as muitas alianças de comércio e desenvolvimento regional que está construindo com países eurasianos, o Irã, a China, outros países BRICS e nações da América Latina. O movimento declarado de Putin, de substituir o dólar norte-americano por moedas bilaterais para as transações do comércio de energia, também o marcaram como ameaça viva contra os interesses hegemonistas dos EUA. E a Rússia de Putin também se posicionou ao lado de seu aliado árabe sírio ao longo de até agora três anos de guerra – resultado da agenda criminosa de EUA-OTAN que tentam ‘mudar o regime’ naquele país.

Esse é o contexto dos motivos pelos quais tenta envolver a OTAN na “crise na Ucrânia”. Não é questão de alguma ‘agressão’ russa. É questão de Putin ser líder mundial independente que não se curva ao diktat imperial dos EUA.
 

O mundo nervoso aguarda o próximo passo de Putin

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