Sylvio Macri
Rubem Braga, inventor da moderna crônica brasileira e um dos maiores escritores brasileiros, escreveu cerca de 15 mil crônicas. Uma das mais famosas é “O padeiro”, da qual transcrevo um trecho: “ (....) enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando: Não é ninguém, é o padeiro! Interrogueio uma vez: como tivera a ideia de gritar aquilo? "Então você não é ninguém?" Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é ninguém, não senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém...”
Fernando Braga da Costa, doutor em Psicologia, trabalhou por anos como gari. Tudo começou com um trabalho de Psicologia Social, que cursava na USP, cuja proposta era assumir uma profissão própria das classes pobres. Ele escolheu ser gari da USP. O que descobriu resultou no livro Homens Invisíveis – Relatos de uma Humilhação Social, em que desenvolve o conceito de “invisibilidade pública”: profissionais como faxineiros, ascensoristas, empacotadores e garis não são “vistos” pela sociedade, que enxerga a função, não a pessoa, num processo de reificação (coisificação). Ele sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. Com Antônio, colega gari, passou por dentro do prédio do Instituto de Psicologia, onde fazia o seu mestrado, e não foi
reconhecido por nenhum dos colegas de classe e professores. “Foi surpreendente. Eu era um uniforme que perambulava: estava invisível, assim como Antônio. Saindo do prédio, estava inquieto; era perturbadora a anestesia dos outros, a percepção social neutralizada".
Joshua Bell é um dos maiores violinistas do mundo. Convidado por um jornalista do The Washington Post, postouse no acesso de uma das estações do Metrô de Washington, e por 43 minutos tocou peças de Bach em seu violino Stradivarius de quase US$ 4 milhões. Nesse tempo passaram ali 1.097 pessoas, das quais apenas 7 pararam para ouvilo, e só uma o reconheceu. Pela apresentação, arrecadou US$ 52,17. Dois dias antes tinha lotado um teatro em Boston, com ingressos ao preço médio de US$ 100,00.
Mark Johnson e Enzo Buono percorreram as ruas do mundo gravando sempre uma mesma canção com músicos de rua e outros, com a finalidade de inspirar, conectar e trazer paz ao mundo através da música. Revelaram ao mundo músicos de alta qualidade que de outra forma jamais seriam conhecidos além das ruas em que tocavam, como Grandpa Elliot, de Nova Orleans. Assim nasceu o projeto Playing for Change, que virou fundação e já construiu e mantém sete escolas de música para crianças em países pobres.
Maria, hoje membro de uma pequena igreja, pertenceu a uma grande igreja na mesma região. Resolveu transferirse quando cansou de ser invisível nesta última; só umas poucas pessoas a reconheciam e cumprimentavam. Na nova igreja seus talentos foram descobertos e desenvolvidos, inclusive uma linda voz, e ela agora faz parte da liderança.
Todos temos um certo potencial de invisibilidade (por exemplo, numa festa qualquer não esperamos ser reconhecidos por todos), mas ser visto como uma coisa, um número, uma função, é extremamente perturbador e aniquilador. Segundo Fernando Braga da Costa não são os outros que são invisíveis; nós é que somos cegos por nossos preconceitos, medos, cultura institucional ou conveniência pessoal, e mudar isso compete a cada de um de nós.
Olhe em redor e veja quantas pessoas lhe são invisíveis e como você tem sido cego.
À pergunta do mestre da lei a Jesus – Quem é o meu próximo? – poderíamos responder:
seu próximo é aquele que precisa desesperadamente ser visto por você. Vê-lo é um modo de amá-lo.
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