"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, novembro 10, 2006

Em foco, Brasil e Venezuela

Nas relações internacionais, avaliar um país apenas pelo governo em exercício resulta em equívocos, como julgar a Venezuela por Hugo Chávez, seu atual presidente


Revista Nossa História - nr 37

Entre países, boas relações se estabelecem quando a decisão, de lado a lado, seja de governos ou de agentes econômicos e sociais, leva em conta nos seus cálculos bases culturais, tendências políticas de médio e longo prazos e potencial econômico. Embora historicamente Brasil e Venezuela tenham mantido um relacionamento abaixo do potencial de ambos, e das expectativas dos dirigentes da Venezuela, a frustração venezuelana aumentou bastante a partir dos anos 80, quando o Brasil se inclinou para o Cone Sul, particularmente para a Argentina. Com efeito, como uma miragem aos olhos dos homens de Estado e da sociedade organizada, os esperados resultados da integração moviam essa opção pelo Sul.



Exportação de petróleo na Venezuela, década de 1950, quando o país ambicionava liderar o desenvolvimento na América Latina com os recursos daquele comércio


A política da Venezuela para seus vizinhos, por sua vez, também oscilou muito na segunda metade do século XX. Nos anos 50, exibia ambições de liderança e dispunha de recursos advindos da exportação do petróleo para financiar o desenvolvimento da América Latina e exercer, efetivamente, uma liderança regional. Depois, refugiou-se em uma política de isolamento, da qual se afastou paulatinamente para ostentar, de meados dos anos 80 até nossos dias, uma forte inclinação para a integração com seus vizinhos, em especial com o Brasil.

Aquela opção pelo isolamento resultou de uma frustração política e de uma presunção de superioridade. Ocupando mundialmente a posição de primeiro exportador e segundo maior produtor de petróleo, seu presidente, Marcos Pérez Gimenez (1952-1958), propôs a criação de um fundo para financiar o desenvolvimento da América Latina, durante a reunião de chefes de Estado da Organização dos Estados Americanos (OEA), no Panamá, em 1956; mas o governo dos Estados Unidos logo conseguiu obter o apoio dos líderes regionais e obstruiu a proposta venezuelana. Para os dirigentes norte-americanos, iniciativas relevantes que demonstrassem liderança nas Américas pertenciam somente aos Estados Unidos - não convinha a seus interesses estratégicos que outro país conduzisse as relações interamericanas.

Amado Luiz Cervo é professor titular (emérito) de História

das Relações Internacionais da Universidade de Brasília e do

Instituto Rio Branco, e autor de mais de uma dezena de livros

sobre o tema, como Relações internacionais da América Latina:

velhos e novos paradigmas. Brasília: IPRI, 2001.

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