Se a cotação do dólar continuar dificultando as exportações dos calçados brasileiros, as etiquetas Made in Brazil, que figuram nas solas de sapatos vendidos em lojas de departamentos mundo afora, serão coisa do passado. Para sobreviver ao câmbio e não perder espaço no mercado internacional, indústrias nacionais estão deixando o País para fabricar no exterior. A reportagem é de Adriana Carranca e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 4-06-2007.
A lista das que estão de saída ou já transferiram-se para outro País, pelo menos em parte, é grande: Azaléia, Paquetá, Paramont, São Paulo Alpargatas, West Coast, Vulcabrás, só para citar algumas. A emigração da produção nacional já atinge fornecedores do setor. 'As que não foram para o exterior trabalham com margens de lucro apertadíssimas ou até prejuízo nas exportações, para não perder mercado, na esperança de melhorar a situação', diz o professor de comércio exterior Ênio Klein, consultor da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
A Formas Kunz, maior exportadora brasileira de fôrmas para calçados, fundada em Nova Hamburgo (RS), em 1927, conclui mil metros quadrados de uma nova fábrica em Chennai, sul da Índia, com investimentos de U$ 2,5 milhões. As operações devem ser iniciadas em julho, com 50 funcionários e produção diária de mil pares - um quarto do que a empresa produz no Brasil e quase o dobro das exportações. Até o final do ano, as instalações serão ampliadas para 4 mil metros quadrados.
No Brasil, a Kunz já fechou duas fábricas, dispensando 150 funcionários. 'Sofremos com a valorização do real. Foi o que nos fez procurar o mercado indiano', diz Eduardo Ivan Petry, do departamento comercial da Kunz. A fábrica na Índia produzirá para mercados próximos como China, Paquistão, Afeganistão e norte da África. Também atenderá à crescente demanda no mercado interno.
A Índia já é o segundo maior produtor de calçados do mundo, com 2 bilhões de pares produzidos em 2006, pouco mais de 10% para exportação. Perde apenas para a China, que chegou a 10 bilhões de pares no ano passado, 70% com destino a outros países. O Brasil vem em seguida, mas, em números, está distante dos concorrentes, com 725 milhões de pares, sendo 189 milhões para o exterior - menos de 3% do dragão chinês. 'A China desafia os modelos de negócios tradicionais e os mercados mundiais', diz Klein.
Desde outubro, a Azaléia abastece 25% do seu mercado externo com calçados produzidos por fábricas terceirizadas na China. Foi o primeiro país a atrair empresas calçadistas brasileiras, nos anos 1990, quando desembarcou por lá a Paramont, que hoje produz 25 milhões de pares por ano em mais de 30 fábricas terceirizadas na região de Cantão, sudoeste do país, que concentra 80% da produção de calçados chineses.
É lá que o advogado Juliano Seidl, 31 anos, desembarca em outubro com um grupo de empresários do Vale do Sinos a região produtora de calçados do Rio Grande do Sul. 'Desde que voltei da China, muitas empresas me procuraram interessadas em negócios no país', diz Seidl, que trabalhou por dois anos em Donguan, província da Cantão. Não teve dificuldades de se adaptar na cidade, que tem uma colônia com 2.500 gaúchos e 20 companhias brasileiras.
China e Índia estão nos planos da West Coast, que estuda transferir parte de sua produção de exportação - 30% dos 2,4 milhões de pares fabricados anualmente - para a Ásia ou América Latina. Executivos acabam de voltar de uma visita aos gigantes asiáticos e avaliam a melhor opção para escoar a produção com destino a 65 países. Guatemala e Argentina estão sendo considerados. Além de melhor câmbio, a Argentina tem carga tributária de 21% do PIB contra quase 40% no Brasil e é um importante mercado para a West Coast. Para lá já foram a Vulcabrás, que se associou à Alpargatas Argentina , e a Paquetá, que está investindo U$ 65 milhões na produção dos tênis Adidas e Diadora em Chivilcoy, província de Buenos Aires.
'Nossa rentabilidade caiu muito. Queremos ter um plano B para não morrer', diz o gerente de marketing da West Coast, Sérgio Baccaro. A empresa chegou a exportar 40% da produção. Com a queda do dólar, foi a 12%, hoje recuperados para 30% à custa de operar no vermelho em mercados onde a empresa não quer perder participação. 'Desde que decidimos intensificar as exportações, há seis anos, investimos na rede de distribuição e marca. Meus anúncios figuram na Playboy da Sérvia e da Venezuela, na Caras da Argentina, em revistas do Egito e Arábia Saudita e na MTV da Finlândia. Não podemos jogar esse investimento fora', diz.
Prejuízos foram compensados, em parte, com maior lucro no mercado interno, onde os sapatos custam R$ 79 contra menos de R$ 50 para exportação. A empresa também cortou custos. A fábrica em Ivoti chegou a ter 800 funcionários, hoje tem 350. 'Estamos insistindo em manter negócios no Brasil, mas é cada vez mais difícil.'
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