O octogenário Peter Bernstein é reconhecido como o maior filósofo mundial do risco. Mas suas palavras foram ignoradas pelos financistas de Wall Street que compram seus livros e pagam por suas palestras. Há muitos meses, Bernstein vem dizendo que havia algo de errado com os enormes riscos que os investidores se orgulhavam de correr. Bernstein é autor do livro Desafio aos Deuses - a fascinante história do risco (Campus 1997). Em entrevista a revista Exame, 23-08-2007, ele afirma que as crises acontecem quando ignoramos, ou fingimos ignorar, o perigo.
Eis a entrevista.
Qual sua análise dos recentes movimentos do mercado financeiro mundial?
Estava com medo de que você fosse perguntar isso. É muito fácil, depois do fato, dizer qualquer coisa. Mas vou repetir algo que já havia dito em abril deste ano e que, na minha opinião, explica o que está acontecendo hoje. O sentimento geral na época era que a economia mundial estava tão forte e que havia tantas forças que a faziam crescer e manter a inflação baixa que os riscos do sistema só poderiam ser bem menores do que os que foram enfrentados no passado. Boa parte dessa análise está correta. O problema é que isso se tornou uma licença para correr riscos maiores.
Essa visão se espalhou e se multiplicou. Quando o choque veio, com a tolice dos empréstimos subprime, as pessoas passaram a dizer: "Assumi riscos que provavelmente não deveria ter assumido -- ou deveria ter recebido retornos maiores por esse risco". Muitas vezes ouvi que havia liquidez demais nos mercados e que, por isso, nada de ruim aconteceria. De repente, a liquidez desapareceu. Vai levar um bom tempo para voltarmos a um mercado de capitais com disposição para assumir grandes riscos. Será mais difícil para alguns obter crédito, e isso vai afetar o crescimento econômico. Mas não acho que vamos viver algo parecido com o crash de 1929.
O que o senhor espera para os próximos seis ou 12 meses?
Se o que se viu na estrutura da economia mundial nessas últimas semanas continuar e se o apetite por risco diminuir, isso significa que haverá menos crescimento econômico. Não dá para prever quem vai se machucar e quem vai sobreviver, porque essas coisas sempre surpreendem. Mas acho que passamos do clímax de um longo período de altas taxas de crescimento mundial. Todo mundo será afetado por isso. Pode ser um movimento muito gradual, terapêutico, e continuaríamos a partir daí. Ou não.
Que lições esta crise nos oferece?
A maioria das crises financeiras -- ou talvez todas elas -- desenvolveu-se a partir de uma situação em que 99% das pessoas não tinham informação. É aí que fica perigoso -- quando ninguém desconfia de que algo pode estar errado. Precisamos prestar atenção nos sinais da economia e julgar isso. Na crise atual, correr grandes riscos virou quase motivo de orgulho. Investir em empréstimos subprime não é diversificar riscos. É ter milhares de créditos podres. Mas havia a sensação de que as inovações do sistema financeiro resolveriam todos os problemas. Não vamos ter outra crise dessas por algum tempo, porque a lição será aprendida. Mas pode levar tempo para o sistema se regenerar.
Como o senhor definiria risco?
Vou usar uma definição específica que não é minha. É de Elroy Dimson, professor da London Business School. Ele disse há muito tempo: risco significa que mais coisas podem acontecer do que vão acontecer -- ou seja, a lista de resultados possíveis é maior do que o que realmente vai ocorrer. É uma forma muito sofisticada de dizer: nós não sabemos o que vai acontecer. Isso é risco. É importante porque é uma proposição que tem dois lados. Não significa que tudo o que pode acontecer é ruim. O futuro pode se transformar em algo inesperadamente bom. É por isso que assumimos riscos para conseguir retornos. Risco significa essencialmente incerteza. Por isso, sou aficionado a diversificação, é o único modo de lidar com um cenário desconhecido. Se você não vai diversificar, precisa ter certeza de que tem controle de tudo o que está acontecendo.
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