"Não há dúvidas de que os Estados Unidos estariam menos ansiosos sobre o que acontece na região se Chávez não existisse. Mas a administração Bush está agora consciente de que a única maneira de contrabalançar Chávez é reconstruir a relação com a América Latina. Qualquer confronto direto seria contraproducente. Para que Chávez perca influência os Estados Unidos devem envolver-se mais na região". A análise é de Peter Hakim, presidente do único think tank de Washington que se dedica às Américas, o Interamerican Dialogue, ou Diálogo Interamericano.
Seguem os principais trechos da análise feita para o comitê de relações exteriores do Congresso, na mesma audiência em que falou o subsecretário Tom Shannon, encarregado de Bush para a região, e recolhidos por Santiago O'Donnell para o jornal argentino Página/12, 4-03-2007. A tradução é do Cepat.
Nos últimos anos de seus mandados, os presidentes norte-americanos costumam empreender viagens a lugares exóticos, visitas quase protocolares para difundir a marca "USA" em terras estranhas, postergadas pelo axadresado calendário internacional até os dias em que o chefe de Estado perdeu a iniciativa política para converter-se numa mistura de embaixador de luxo, aguerrido treinador de futebol americano e Papai Noel. Viajam a países que a maioria dos norte-americanos não poderia nomear, como o Uruguai, ou que só conhecem por seus acidentes geográficos e festas populares, como o Brasil, ou por seus produtos regionais, como a Colômbia.
Nestes dias o presidente desaparece da mídia norte-americana, como se estivesse de férias. Salvo que alguma urgência doméstica obrigue os correspondentes a interromper aos gritos a foto-op com o mandatário terceiro-mundista de plantão, a cobertura ficará reduzida ao que trouxer o extravagante New York Times - publicou nesta semana uma análise prévia das eleições no Senegal - que seguramente dedicará algumas linhas em páginas perdidas a esta viagem.
Mas isso não quer dizer que giros como a que George W. Bush inicia pela América Latina nesta semana sejam irrelevantes. De modo geral perseguem objetivos geopolíticos importantes, sobretudo para os países que visitam, mas também para os Estados Unidos. Isso estava muito claro para o presidente, o Departamento de Estado e os membros da academia, a sociedade civil e a burocracia estatal que trabalham em temas vinculados com esses países. Nenhum presidente de plantão do país mais poderoso do mundo passa oito dias num avião se não lhe derem boas razões.
Acontece que a grande maioria dos norte-americanos não sabe nem lhe interessa saber o que acontece nesses lugares. Já estão muito ocupados com o Iraque, o Irã e o Oriente Médio; a Europa, China e Japão; curdos, sunitas e xiitas; drusos e menonitas, Rússia, Índia e Pyongyang. Por isso, para saber o que o bom George W. vem fazer em sua visita ao quintal não basta sintonizar na CNN. É preciso recorrer a especialistas.
"Claramente, o presidente e seus assessores entendem que o sentimento antiamericano cobre grande parte da região e se estende a percepção de que a presença dos Estados Unidos na região está se tornando irrelevante. Esta é a oportunidade para que o Presidente dos Estados Unidos demonstre que os Estados Unidos estão longe de serem irrelevantes. Têm interesses importantes e uma presença importante na região. Isto não é fácil de comunicar e uma viagem o faz, mesmo que não tenha muito impacto se ao retornar a Washington não há um prosseguimento dos temas. Mas o benefício imediato é que durante oito dias todos os países da região terão seu olhar posto no que os Estados Unidos dirão e no que fazem, com ênfase na relação entre os Estados Unidos e a região", explica por telefone o professor Peter Hakim, presidente do único think tank de Washington que se dedica às Américas, o Interamerican Dialogue, ou Diálogo Interamericano.
Além de sua experiência na região, Hakim conhece muito bem o pensamento dos funcionários e legisladores que impulsionaram o giro latino-americano. Na quarta-feira falou sobre as relações com a região para o comitê de relações exteriores do Congresso, na mesma audiência em que falou o subsecretário Tom Shannon, encarregado de Bush para a região. Aproveitando a circunstância, lhe perguntaram o que Bush busca em cada país que visitará.
México: "um país muito importante para os Estados Unidos. Não pode ficar fora de nenhum giro latino-americano. E Bush ainda não se reuniu com o novo presidente em exercício. Conhece Calderón, mas não se viram desde sua posse".
Brasil: "também um país muito importante e um modelo de relação que os Estados Unidos gostariam de ter na região. Lula e Bush têm mais pontos discordantes que coincidências, mas trabalham muito bem nos temas que os unem. É uma relação construtiva e civilizada, muito cômoda apesar das diferenças, e os Estados Unidos estão muito contentes porque o Brasil não se opõe ativamente. Serão assinados acordos de biocombustíveis, ambos os países trabalham no Haiti e os pontos discordantes são expressos de maneira civilizada, sem interromper os aspectos positivos da relação".
Colômbia: "é o principal aliado na região e está passando por momentos difíceis. Necessita garantias de que os Estados Unidos a continuará apoiando através da renovação do Plano Colômbia (de luta contra o narcotráfico)".
Guatemala: "não existem razões importantes, assim como no caso do Uruguai. Sempre é bom incluir um país centro-americano no giro. El Salvador é o único país da região com tropas no Iraque, mas Bush já foi duas vezes lá. Não vai à Nicarágua por causa de Ortega, e na Costa Rica há um clima ruim por conta das manifestações contra o tratado de livre comércio. Restam Guatemala e Honduras. Dos dois, a Guatemala é muito mais importante, o maior país da América Central. Além disso, há milhares de imigrantes guatemaltecos nas cidades norte-americanas e os Estados Unidos se apoiaram na candidatura da Guatemala para frear a chegada da Venezuela ao Conselho de Segurança da ONU".
Uruguai: "um país que buscou aproximar-se dos Estados Unidos, que quer um tratado comercial. Serve para equilibrar. Assim, na América do Sul visita dois governos liberais e dois de centro-esquerda".
Foi perguntado também sobre um país que não visitará, a Argentina: "A última visita que Bush fez ao país não foi boa".
Para a narrativa que sempre se tenta construir a partir deste tipo de viagem, ajuda que algum vilão ameace a segurança dos amigos de Washington na região que visita. Nesse papel, Hugo Chávez acaba de preencher o vazio deixado por Fidel Castro. "Para os Estados Unidos Chávez é uma parte importante da equação. Montou uma campanha para demonizar os Estados Unidos. Constrói alianças que excluem os Estados Unidos, compra armas e condiciona a democracia em seu país. Não há dúvidas de que os Estados Unidos estariam menos ansiosos sobre o que acontece na região se Chávez não existisse. Mas a administração Bush agora está consciente de que a única maneira de contrabalançar Chávez é reconstruir a relação com a América Latina. Qualquer confronto direto seria contraproducente. Para que Chávez perca influência os Estados Unidos devem envolver-se mais na região", sustenta Hakim.
Para o especialista, o êxito do giro dependerá de três temas centrais que Bush deverá encarar na sua volta.
Primeiro, a aprovação dos tratados de livre comércio com Peru, Panamá e Colômbia. Hakim acredita que os dois primeiros têm boas chances, enquanto que o terceiro fracassará pela quantidade de sindicalistas que foram vítimas da violência política na Colômbia, o que aviva a oposição ao pacto entre sindicalistas norte-americanos.
Segundo, a renovação das preferências tarifárias para o Peru e a Bolívia, "dois países frágeis, que poderiam cair sob a influência de Chávez".
Terceiro, a não construção do muro na fronteira com o México. "Muros se constroem para separar adversários: árabes e judeus, alemães comunistas e alemães não comunistas. Seu valor simbólico é imenso." Hakim acredita que Bush deixará que o tempo passe sem que o muro seja construído, e que a América Latina captará a mensagem. Falando de símbolos, Hakim acrescenta que qualquer gesto em relação a Cuba, por mínimo que seja, teria um impacto muito positivo.
"Também ajudaria que os Estados Unidos encontrem alguma maneira de apoiar a agenda social na região, que é a principal fonte de popularidade de Chávez. Seria um avanço se parte do dinheiro destinado à guerra contra as drogas fosse orientado para programas de criação de empregos ou à construção de estradas, por exemplo, já que os programas antidroga na região fracassaram", arguiuHakim.
Mas, claro, não é preciso ter muitas ilusões. Afinal, estamos falando de Bush e de um país em guerra. "Nenhum destes temas faz parte da agenda nem será tema de campanha, salvo a imigração, mas nesse assunto tampouco interessa a perspectiva latino-americana", reconhece Hakim. Nessas condições não será simples restabelecer o Diálogo Interamericano, apesar dos esforços do mesmo.
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