‘Estamos farreando como se fosse 1929’. As lições esquecidas
O economista Paul Krugman, colunista do New York Times e professor na Universidade Princeton (EUA) em artigo reproduzido pelos jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo, 22-03-2008, comenta que a crise financeira em curso revela que esquecemo-nos das lições dos anos 30. Segundo ele, a crise bancária dos anos 30 mostrou que mercados financeiros não regulados, não fiscalizados, podem facilmente sofrer colapsos catastróficos. Com o passar das décadas, porém, essa lição foi esquecida e agora a estamos reaprendendo da forma mais difícil, diz ele. Para Paul Krugman, o problema é que ninguém controla Wall Street e é necessário colocar o sistema financeiro sob controle.
Eis o artigo.
Se Ben Bernanke conseguir salvar o sistema financeiro do colapso, ele será - merecidamente - elogiado por seus esforços heróicos.
Mas o que deveríamos perguntar é: Como chegamos a esse ponto? Por que o sistema financeiro precisa ser salvo? Por que economistas amáveis precisam se tornar super-heróis? A resposta, fundamentalmente, é que estamos pagando o preço de uma amnésia deliberada. Escolhemos esquecer do que aconteceu nos anos 30 - e ao nos recusarmos a aprender com a história, a estamos repetindo.
Ao contrário da crença popular, o crash do mercado acionário de 1929 não foi o momento definidor da Grande Depressão. O que transformou uma recessão comum numa catástrofe que colocou em risco a civilização foi a corrida aos bancos, uma onda que varreu os Estados Unidos em 1930 e 1931.
Essa crise bancária dos anos 30 mostrou que mercados financeiros não regulados, não fiscalizados, podem facilmente sofrer colapsos catastróficos. Com o passar das décadas, porém, essa lição foi esquecida e agora a estamos reaprendendo da forma mais difícil. Para entender o problema, é preciso compreender o que os bancos fazem.
Bancos existem porque ajudam a conciliar os desejos conflitantes de poupadores e tomadores de empréstimos. Os poupadores querem liberdade: acesso a seu dinheiro a qualquer momento. Os tomadores querem compromisso: eles não querem se arriscar a enfrentar cobranças súbitas de sua dívida.
Normalmente, os bancos satisfazem a ambos os desejos: os depositantes têm acesso a seus bens sempre que quiserem, mas a maior parte do dinheiro colocado aos cuidados de um banco é usada para fazer empréstimos de longo prazo. A razão porque isso funciona é que as retiradas são em geral mais ou menos equivalentes aos novos depósitos, de modo que um banco só precisa ter uma reserva de caixa modesta para cumprir suas obrigações.
Às vezes, porém - freqüentemente por causa de nada mais que um rumor -, os bancos enfrentam corridas em que muitas pessoas tentam retirar seu dinheiro ao mesmo tempo. E um banco que enfrenta uma corrida de depositantes e não tem o dinheiro para atender a suas demandas pode quebrar mesmo que o rumor seja falso.
Pior ainda, as corridas a bancos podem ser contagiosas. Se depositantes de um banco perdem seu dinheiro, depositantes de outros bancos ficarão nervosos também, provocando uma reação em cadeia. E pode haver efeitos econômicos mais amplos: como os bancos sobreviventes tentam levantar dinheiro cobrando empréstimos, pode haver um círculo vicioso em que corridas a bancos causam aperto de crédito, que leva a novas quebras, que conduz a mais problemas financeiros nos bancos, e assim por diante.
Foi isso, em suma, o que aconteceu em 1930-1931, fazendo da Grande Depressão o desastre que foi. Por isso o Congresso tentou assegurar que aquilo nunca mais aconteceria, criando um sistema de regulamentos e garantias que ofereceram uma rede de segurança ao sistema financeiro.
E todos vivemos felizes por algum tempo - mas não para todo o sempre.
Wall Street se irritou com regulamentos que limitavam o risco, mas limitavam também os lucros potenciais. E, pouco a pouco, desvencilhou-se. Em parte persuadindo políticos a relaxar as regras, mas, sobretudo, criando um “sistema bancário paralelo”, que se apoiava em acordos financeiros complexos para contornar regulamentos criados para a segurança da atividade bancária.
Por exemplo, no sistema antigo, os poupadores tinham depósitos garantidos pelo governo federal em bancos de poupança estritamente regulados, e os bancos usavam esse dinheiro para fazer empréstimos hipotecários. Com o tempo, porém, isso foi parcialmente substituído por um sistema em que os poupadores colocam seu dinheiro em fundos que compraram commercial papers lastreados em ativos de veículos de investimentos especiais, que compraram obrigações de dívida colateralizada criadas a partir de hipotecas securitizadas - sem nenhum regulador à vista.
Com o passar dos anos, o sistema bancário paralelo assumiu uma parcela crescente do negócio bancário porque os operadores não regulados desse sistema pareciam oferecer negócios melhores que os bancos convencionais. Ao mesmo tempo, os que se preocupavam com o fato de que nesse admirável mundo novo das finanças não havia uma rede de segurança, eram menosprezados como inapelavelmente antiquados.
A verdade é que nós estávamos farreando como se fosse 1929 - e 1930, enfim, chegou.
A crise financeira em curso é basicamente uma versão atualizada da onda que varreu a nação há três gerações. As pessoas não estão tirando dinheiro de bancos para colocar embaixo do colchão, fazem o equivalente moderno disso: tiram o dinheiro do sistema bancário paralelo para aplicar em letras do Tesouro. O resultado, tanto agora como então, é um círculo vicioso de contração financeira.
Bernanke e seus colegas do Fed (o banco central americano) estão fazendo tudo que podem para acabar com esse círculo vicioso. Só podemos torcer para que eles tenham sucesso. Caso contrário, os próximos anos serão muito desagradáveis - não uma outra Grande Depressão, mas, com certeza, a pior recessão que vimos em décadas.
Mesmo que Bernanke consiga, porém, não é essa a maneira de conduzir uma economia. Já é tempo de reaprendermos as lições dos anos 30 e colocarmos o sistema financeiro sob controle novamente.
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