Grécia hoje, Estados Unidos amanhã
O povo vs. Banqueiros
por Michael Hudson, no Counterpunch
Lobistas das finanças aqui nos Estados Unidos estão usando a crise grega como lição objetiva para alertar sobre a necessidade de cortar gastos públicos em Previdência Social e Medicare [programa federal americano de assistência médica]. Isso é o oposto do que os manifestantes gregos estão exigindo: reverter a mudança global que tira impostos da propriedade e das finanças para colocar no trabalho e dar prioridade ao pagamento de aposentadorias, não aos bancos que querem receber de volta 100% das centenas de bilhões de dólares em empréstimos irresponsáveis que fizeram, empréstimos que recentemente foram reduzidos ao status de lixo.
Vamos chamar a “operação de salvamento da Grécia” do que é: um TARP [programa de resgate do mercado financeiro dos Estados Unidos] para bancos alemães e europeus e para especuladores globais. O dinheiro virá de outros governos (principalmente do Tesouro alemão, que cortará gastos domésticos), numa espécie de conta através da qual o governo grego pagará investidores estrangeiros que compraram papéis cujos preços despencaram nas últimas semanas. Os investidores vão lucrar, assim como os compradores de bilhões de dólares em papéis de garantia da dívida grega, os especuladores no euro e outros jogadores do cassino capitalista (quem perdeu com papéis gregos também terá de ser salvo, e assim ad infinitum).
Quem vai pagar a conta são os contribuintes — no frigir dos ovos os gregos (na verdade os trabalhadores, já que os ricos escaparam de impostos), para reembolsar os governos europeus, o Fundo Monetário Internacional e mesmo o Tesouro dos Estados Unidos pelo seu compromisso com as finanças predatórias. O pagamento a quem tem papéis da Grécia será usado como desculpa para cortar serviços públicos, aposentadorias e outros gastos do governo. Será um modelo para outros países: impor medidas similares de austeridade num momento em que os governos aumentam seus déficits diante da queda na arrecadação de impostos sobre o setor financeiro, que enriquece com a transformação da “junk economics” em política internacional. E assim os banqueiros terão poucas dificuldades para pagar os bônus previstos para este ano. E quando todo o sistema entrar em colapso, eles terão se garantido comprando bens em seus nomes.
Os lobistas sabem que o jogo financeiro acabou. Estão jogando no curto prazo. O objetivo do setor financeiro é conseguir o maior valor possível em resgates e sair correndo, com bônus anuais suficientemente grandes para manter os banqueiros acima do resto da sociedade quando a hora final chegar. Menos gastos públicos em programas sociais significa mais dinheiro para cobrir as dívidas ruins que crescem exponecialmente e que, no fim, não poderão ser honradas. É inevitável: dívidas e empréstimos vão nos levar à convulsão da falência.
Os sindicatos gregos não estão pessimistas a ponto de desistir da luta. Reconhecem (o que o sindicalismo americano não faz) que alguém controlará o governo. Se os sindicatos — os manifestantes — perderem o espírito de luta, o poder será dado aos credores estrangeiros para ditar a política pública por WO. E quanto mais os interesses dos banqueiros for servido, mais a economia ficará a serviço da dívida. O ganho dos banqueiros é conquistado às custas de austeridade doméstica. Pagamentos de aposentadorias pelos fundos de pensão gregos e programas sociais do governo devem ficar à mercê do capital de bancos alemães e de outros países.
Essa visão de mundo já foi adotada na periferia mais ao norte da Europa, onde foi causa do masoquismo fiscal que os bancos agora querem ver implantado na Grécia. Tendo caído sobre suas próprias espadas, os governos do Báltico ficariam com ciúmes e mesmo com ressentimento se a Grécia conseguisse resgatar sua economia, quando eles fracassaram na tentativa de repudiar as demandas dos credores arrogantes. “Vista do lado oriental da União Europeia, a busca por medidas de austeridade na Grécia é notícia velha”, escreveu Nina Kolyako. “Por quase dois anos, os países bálticos — Lituânia, Letônia e Estônia — adotaram medidas draconianas, cortando gastos públicos e aumentando impostos para tentar sair do buraco”.
“Aprendemos dolorosamente, pesadamente e eficazmente a lição de que é preciso olhar cuidadosamente para a questão fiscal”, o primeiro-ministro lituano Andrius Kubilius disse à AFP numa entrevista recente. “Nós entendemos de forma clara que a consolidação fiscal era a única forma de sobreviver”.
Capitulando, num caso clássico de Síndrome de Estocolmo (literalmente, já que estamos falando de bancos suecos), o governo da Lituânia apertou os parafusos de tal forma que o PIB do país caiu 17%.
Uma queda similar aconteceu na Letônia. Os países bálticos cortaram empregos no setor público e salários, impondo pobreza em vez dos padrões de prosperidade da Europa ocidental (e taxação progressiva para incentivar a classe média) prometidos depois que os países bálticos conseguiram independência da Rússia em 1991.
Depois que o Parlamento da Letônia impôs medidas de austeridade em dezembro de 2008, protestos populares em janeiro derrubaram o governo (como aconteceu na Islândia). Mas o resultado foi meramente outro “regime de ocupação” neoliberal controlado por interesses de bancos estrangeiros. Então, o que está acontecendo é a Guerra Social em escala global — não a guerra de classes prevista no século 19, mas a guerra das finanças contra economias inteiras, contra a indústria, o mercado imobiliário e governos, além dos sindicatos. Está acontecendo em câmara lenta, da maneira que grandes transições históricas acontecem. Mas, como em um conflito militar, cada batalha parece frenética e causa ziguezague nos mercados mundiais de ações, bonds e moedas.
Tudo isso é boa notícia para os corretores e seus programas de computador. O compromisso médio de investimento nos mercados financeiros é de apenas alguns segundos, já que eles estão sujeitos a vastas ondas de crédito sopradas pelas tempestades do planeta superaquecido das finanças.
Próximo passo: Distopia econômica
A crise grega mostra como mudou a “ideia europeia” desde 1957, quando a Comunidade Econômica Europeia de seis membros foi formada. Com o apoio dos Estados Unidos, o Reino Unido e a Escandinávia criaram o grupo rival de sete membros, a Associação Europeia do Livre Comércio. Ainda assim, a promessa da Eurolândia — pelo menos antes de Maastricht e Lisboa — era dar aos trabalhadores status de classe média , não impor programas de austeridade do FMI do tipo dos que devastaram o Terceiro Mundo. A mensagem para os endividados é clara: “Morra”. E eles estão obedientemente assumindo o compromisso de suicídio econômico (como o Japão fez nos Plaza Accords de 1985) ao adotar o Consenso de Washington — a guerra de classe das finanças contra os sindicatos e a indústria.
Poder político, social, fiscal e econômico está sendo transferido para a burocracia da União Europeia e os controladores financeiros do Banco Central Europeu e do FMI, cujos planos de austeridade e programas anti-trabalho forçam governos a vender bens, terras, minerais e empresas públicas, além de assumir o compromisso de usar impostos futuros para pagar as dívidas junto às nações credoras. Essa política já foi imposta na “Nova Europa” (as economias pós-soviéticas e a Islândia) desde o outono de 2008. Será imposta agora a Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. Não é de espantar que haja quebra-quebras!
Para observadores que não viram o que aconteceu na Islândia e na Letônia no ano passado, a Grécia é o mais novo e maior campo de batalha. Pelo menos a Islândia e os países do Báltico têm a opção de re-denominar seus empréstimos em suas próprias moedas, cortar por conta própria a dívida externa e taxar propriedades para recapturar para o governo parte do que foi prometido a banqueiros estrangeiros. Mas a Grécia está trancada na união europeia, governada por autoridades monetárias que não foram eleitas, que inverteram o significado histórico de democracia. Em vez de o setor mais importante da economia — as finanças — se sujeitarem à política eleitoral, os bancos centrais (os lobistas oficiais de banqueiros comerciais e de investimento) se tornaram independentes dos controles sociais.
Direitistas da Europa e dos Estados Unidos (como o presidente do Banco Central, Ben Bernanke) chamam essa independência de “marca da democracia”. Na verdade é o selo da oligarquia, que tira o poder de alocação do crédito da economia — e, assim, do planejamento futuro — enquanto dá aos financistas o controle dos gastos em programas sociais.
A Islândia, a Letônia e agora a Grécia são os primeiros salvos numa campanha mundial para acabar com os grandes programas de reforma democrática do século 19 e a Era Progressista: taxação da terra e dos ganhos com imóveis, ações e bens financeiros e a subordinação do setor financeiro às necessidades de crescimento econômico sob direção democrática. Essa doutrina ainda era seguida pós-1945, na era da taxação progressiva, que resultou em crescimento econômico e no maior aumento do padrão de vida do século 20. Mas a maior parte dos países reverteu essa tendência fiscal desde 1980. Os coletores de impostos “libertaram” a renda de obrigações públicas para vê-la comprometida com os bancos, que passaram a usar o crédito para sustentar os preços do mercado imobiliário.
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