"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, outubro 05, 2012

Seringueiros Brasileiros

Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 30 de setembro de 2012.

O PRANTO DO SERINGUEIRO
(Mário Maia)


Não me derrube, seu moço, a seringueira...
O seu leite me serve de sustento.
Já estou velho; mas desde o nascimento
Que esta árvore é minha companheira...
Olhe, é irmã daquela castanheira
Cuja copa procura o firmamento...
Ela também me dá alimento
Que mata a fome da família inteira...



Diferente da exploração do caucho, a “hevea brasilienses” permitiu que o seringueiro se fixasse, pouco a pouco, à floresta. O nordestino “acreanizado” deu início à cultura agrícola. Nos roçados brotava o feijão, o milho e a mandioca enquanto nas várzeas e na terra firme era incrementada a plantação do capim “colônia”, do “gordura”, do “jaraguá” e da “canarana”. O gado boliviano migrou para as novas e atraentes pastagens.

O seringueiro depois de fixar-se à terra deu origem à uma nova raça, a civilização acreana, que perambulava da floresta dadivosa, aos campos e roçados promissores. O acreano não usava as estradas para circular, mas os cursos d’águas. Os mais jovens, desde cedo, navegam pelos Igarapés, Furos e Lagos e aprendem, com os nativos, as ardilosas técnicas da caça e pesca. A acreana, de então, herdeira da rendeira nordestina aprendeu a trançar habilmente os seus bilros da fibra do tucumã. A psique nordestina foi paulatinamente impregnada pelas características psicológicas do caboclo, e, a seleção natural, progressivamente alterou-lhe o DNA proporcionando-lhe uma maior resistência às adversidades do meio hostil. O filho do Sertão estéril e do sol inclemente irmanou-se à terra das águas e da floresta.

- Abertura das “Estradas”

Em outubro de 1905, embarcam no vapor “Rio Branco”, que estava ancorado na “Boca do Acre”, confluência do Rio Acre com o Purus, dois ícones da nacionalidade brasileira, Plácido de Castro e Euclides da Cunha. Plácido de Castro tinha comandado o vitorioso Movimento Revolucionário Acreano, que resultou na incorporação das terras bolivianas ao Brasil. Euclides chefiara a “Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus”, cuja missão era mapear o Rio Purus, desde a foz, no Solimões, até suas cabeceiras, definindo as fronteiras do país com a Bolívia e o Peru.

A viagem da Boca do Acre a Manaus durou uma semana e, neste período, aconteceu o encontro histórico. Euclides da Cunha solicitou a Plácido de Castro que redigisse um histórico da campanha, desde 1902 que culminou com a conquista do Acre. Plácido escreveu os apontamentos a lápis, e manteve longas conversas com o escritor, inclusive sobre a dinâmica da extração da borracha, seu ciclo produtivo e a vida nos seringais. (CASTRO, 2003)

Ao chegar ao Rio de Janeiro, Euclides da Cunha publicou na revista Kosmos (em janeiro de 1906), o artigo “Entre os Seringais” sem, contudo, referir-se à conversa que mantivera com Plácido de Castro. Em 27 de março de 1907, Plácido de Castro, prefeito de Rio Branco, se queixou, indignado, ao Ministro da Justiça, do artigo de Euclides da Cunha. Somente em 1930, os “apontamentos” do herói do Acre foram publicados, na íntegra, como parte do livro “O Estado Independente do Acre”, de autoria de Genesco de Castro, irmão de Plácido. O livro enfrentou dificuldades na sua distribuição, tendo em vista que os assassinos de Plácido permaneciam no poder.

(...) o mateiro lança-se sem bússola no dédalo (Labirinto) das galhadas, com a segurança de um instinto topográfico surpreendente e raro. Percorre em todos os sentidos o trecho de selva a explorar; nota-lhe os acidentes; apreende-lhe a fisiografia complexa, que vai dos igapós alagados aos firmes sobranceiros às enchentes; traça-lhe os varadores futuros; avalia-lhe, rigorosamente, as “estradas”; e vai no mesmo lance, sem que lhe seja mister traduzir complicadas cadernetas, escolhendo à beira dos Igarapés todos os pontos em que deverão erigir-se as pequenas barracas dos trabalhadores.

Feito este exame geral, apela para dois auxiliares indispensáveis – o toqueiro e o piqueiro (trabalhador que auxilia na abertura de estradas abrindo a picada); e erguendo num daqueles pontos predeterminados, com as longas palmas da jarina, um papiri (tapiri), onde se abriguem transitoriamente, metem mãos à empreitada. O processo é invariável. Segue o mateiro e assinala o primeiro pé de seringa, que se lhe antolha ao sair do papiri. É a boca da estrada. Aí se lhe reúnem o toqueiro e o piqueiro – prosseguindo depois, isolado, o mateiro, até encontrar a segunda árvore, de ordinário pouco distante, a uns cinquenta metros. Avisa então com um grito particular, ao toqueiro, que parte a alcançá-lo junto da nova madeira, enquanto o piqueiro, acompanhando-o mais de passo, vai tirando a facão a picada, que prefigura a “estrada”. O toqueiro auxilia-o por algum tempo, abrindo por sua vez um pique para o seu lado, enquanto um outro grito do mateiro não o chame a reconhecer a terceira árvore; e assim em seguida até ao ponto mais distante, a volta da estrada. Daí, agindo do mesmo modo, retrogradando por outros desvios, vão de seringueira em seringueira, fechando a curva irregularíssima que termina no ponto de partida. Ultima-se o serviço que dura ordinariamente três dias, ficando a “estrada” em pique. (CUNHA, 1906)

-  Extração da Borracha

Antigamente, para colher a goma, cingia-se a árvore com um cipó que envolvia o tronco obliquamente a um metro e setenta do solo até o chão onde era colocado um pote de argila. Eram, então, feitos diversos cortes na casca acima do cipó que aparava a seiva e a conduzia até o pote. Este processo de sangria exagerada, conhecida como “arrocho”, acabava por matar a árvore e foi abandonado há muito tempo. Com o passar dos anos, o método tornou-se mais racional visando preservar a integridade da “árvore da vida”. João Barbosa Rodrigues fez o seguinte relato na sua obra “As Heveas ou Seringueiras” editada em 1900:

Arrocho

Consiste o processo do arrocho em circular o tronco da seringueira, a um metro do solo, com um grosso cipó, dispondo-o em sentido oblíquo a unir as extremidades em ângulos a formar goteira. Feito este arrocho, golpeavam a casca da arvore, em toda sua circunferência, em diversas alturas. Assim corria abundantemente o leite que, reunido sobre o cipó, escorria pela goteira indo cair diretamente no vaso que o recolhia. Desta forma a árvore dentro em pouco tempo, morria, faltando-lhe a livre circulação da seiva, pelos golpes que separavam os tecidos e esgotavam-na inteiramente.

Quando eram simples golpes e não havia casca tirada, de um para outro ano, cicatrizavam e estabelecia-se a circulação; mas, ainda assim, pelas sangrias que anualmente faziam, dentro de pouco tempo morria. Foi assim que se acabaram os grandes seringais das margens do Amazonas, do Tocantins, do Jari e das ilhas, assim como os do Baixo-Madeira e Solimões.

Incisões

Posteriormente, foi adotado o golpe do machadinho e proibido, expressamente, o sistema de arrocho que, em muitos seringais, alguns empregam, porque até a eles não chega a ação da justiça. O sistema de incisões também é prejudicial quando dele se abusa, obrigando a árvore a dar mais do que possui, fazendo-se numerosas incisões sem dar descanso e tempo para a completa cicatrização. Alguns, sem necessidade, dão dois e mais golpes para uma tigelinha, o que é prejudicial à vida do vegetal. (RODRIGUES)

Hoje, o seringueiro parte, de seu tapiri, a cada dois ou três dias, de madrugada, carregando todos os seus apetrechos pela “estrada”. Este intervalo, antigamente desrespeitado, permite à árvore se recuperar da última sangria. Ele para, em cada uma das seringueiras, e parte para a extração da seringa que é feita através de pequenas incisões de 25 a 30 centímetros descendentes e paralelas na casca da planta, que começam a uma altura de aproximadamente dois metros acima do solo. Une depois, cada uma das extremidades inferiores dos cortes através de um talho vertical de maneira que o leite escorra dentro do traço para o fundo da cuia. A cuia é embutida na casca cortada para este fim e, eventualmente, pode ser usada uma argila para fixá-la no tronco.

Os cortes são feitos, normalmente, até as onze horas, em todas as árvores da “estrada”, exceto nos meses de agosto e setembro, época da floração. Pelo meio-dia, ele começa a recolher as cumbucas, despejando o látex coagulado nas cuias em um balde, ou então em um saco encauchado (impermeabilizado com látex). À tarde, por volta das catorze horas, volta para o rancho, almoça e inicia a defumação do material recolhido que leva umas duas horas para ficar pronto.

O fogo é feito debaixo da terra para que a fumaça saia por um furo ao nível do chão. A melhor fumaça é a de coco de babaçu mas, no Rio Purus, usava-se para esta operação os frutos da palmeira urucuri; no Rio Autaz, os da palmeira iuauaçu e no Rio Jaú e onde estas palmeiras são mais raras, utilizavam-se madeiras como a carapanaúba e a paracuúba. A bola de borracha (pela) é rodada em volta de uma vara de aproximadamente um metro e meio de comprimento, chamada “cavador”. Para iniciar a bola, enrola-se na vara um “tarugo” de goma coagulada no qual o leite gruda facilmente. O homem vai despejando o leite com uma cuia ou uma grande colher de pau, ao mesmo tempo em que gira o “cavador”, a parte líquida se evapora imediatamente, e forma-se uma fina camada de goma elástica, e a bola vai engrossando, cada dia um pouco mais. Uma “pela” pronta, depois de vários dias, pesa em média 50 quilos, é, então, exposta ao sol, quando toma a coloração escura e assim permanece até ser comercializada.

Fontes:

CUNHA, Euclides da. Entre os SeringaisBrasil – São Paulo – Revista Kosmos, 03.01.1906.

RODRIGUES, João Barbosa. As Heveas ou Seringueiras – Brasil – Rio de Janeiro –Imprensa Nacional, 1900.

-  Livro do Autor

O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br) e na Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de Porto Alegre. Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:



Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.

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