"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, dezembro 06, 2012

Penta(thlon)logy. A ciência no Pentatlo Moderno escrita em cinco capítulos - Parte II

Publicado em sab, 01/12/2012 - 23:16

L. C. CameronMetrre

Um at(l)o em 21 etapas...

No segundo capítulo de nossa Penta(thlon)logy convidei outro parceiro de jornada no treinamento da Yane Marques. Pessoa da mais alta respeitabilidade e detalhista ao extremo, como convém a um Me(s)tre Esgrimista. Penso se o escrivão não errou na grafia do seu nome. O Professor Thales Metre autor da frase eternizada na história do pentatlo Olímpico: Chega! (http://www.youtube.com/watch?v=kHuV6mhicDk&feature=plcp). 

Nosso mestre Jedi precisava lidar com as demandas do movimento fino e preciso, quando muitas vezes a atleta entrava na pista após atividades extenuantes. Observei várias vezes como ambos treinavam exaustivamente cada movimento. Várias vezes vi o Metre correndo ao lado da Yane para incentiva-la (e quem sabe perder a barriguinha...), sem contar sua colaboração nos enormes check lists para as viagens.

Na minha opinião, o fato de haver começado a prova de esgrima com boa pontuação teve grande impacto na confiança da Yane para a conquista da medalha. Um bom início costuma levar a um relaxamento relativo interessante para o resto da jornada.

Em setembro, participei de um seminário sobre Propriedade Intelectual na Indústria do Esporte. Ali ouvi que a medalha da Yane Marques foi inesperada. Minha ignorância no assunto me pôs a pensar. Acho que houve um engano. Inesperado para mim significa surpresa ou até mesmo um efeito estocástico. A medalha da Yane foi construída minuto a minuto, nos treinos e nas competições. E dentre estes, os primeiros minutos foram construídos pelo Metre.

21 Vitórias

A esgrima está presente nas Olimpíadas da Era Moderna desde a sua 1ª edição, em 1896. Divide-se em três armas: o florete, a espada e o sabre. Na primeira delas atinge-se o oponente com a ponta da arma em seu tronco. Na  espada, que é utilizada no pentatlo moderno, o toque com a ponta cilíndrica é válido em qualquer parte do corpo do adversário.  Já no sabre, o esgrimista pode desferir golpes com a ponta ou com o lado da lâmina, no tronco, braços e cabeça.

Golpear, atingir, tocar... seria um incentivo à violência? Não. A esgrima é um esporte praticado por crianças, jovens e adultos, sem distinção de gênero.. A utilização de equipamento de segurança é obrigatória e o respeito ao adversário, professores e plateia é cultuado desde o primeiro dia de aula de um iniciante.

Em competições de esgrima, atiradores (sinônimo para esgrimistas) enfrentam-se em combates de três tempos de três minutos, ou até atingirem 15 pontos.  Empatando, disputam mais um minuto. No pentatlo moderno, os atletas enfrentam todos seus oponentes em combates de apenas um minuto. Em caso de empate ocorre uma derrota dupla, sem pontos. Na final oficial de competição mundial, estão presentes 36 pentatletas. A prova tem uma duração de cerca de três horas e cada atleta enfrenta 35 combates em sequência.

Ambientados com as regras básicas de uma prova de esgrima do pentatlo, podemos verificar a demanda de versatilidade do pentatleta:

Como se preparar para tantos adversários diferentes?

Como se concentrar na prova?

O que ouvir ou o que falar?

Gritar ou refletir?

Fechar ou abrir os olhos?

Ao assumir o treinamento de esgrima da Yane, iniciei o trabalho com uma exposição de ideias em diálogo. Recordo-me bem da pentatleta encerrando nossa conversa: “não mudando meu material, meu estilo de jogo e minha técnica, o resto pode mexer em tudo”. O que é possível concluir, caros leitores? Ela queria mudar absolutamente nada. O que foi um obstáculo no momento inicial, tornou-se fator primordial para a melhora de sua performance: a presença de espírito (algo inato a Yane). Esta qualidade foi aperfeiçoada por dois anos e meio para a potencialização de uma supremacia psicológica na  pista de esgrima. Essa importante virtude evidenciou-se durante as desgastantes temporadas de competições. E foi usada para que a Yane pudesse rapidamente se adaptar aos diferentes estilos das adversárias.

Os treinamentos dividiram-se em aulas individuais, combates livres ou dirigidos, circuitos de treinamento físico-técnico, análise de vídeo e teoria da esgrima. Algumas adversárias nos exigiram mais de dez horas de estudo para que estudássemos seu estilo (apenas no ano de 2012). Essas atletas, por terem  tática e técnica refinadas, foram motivo para centenas e centenas de repetições de gestos específicos em aula.

Yane se desenvolveu muito rápido na esgrima do pentatlo por uma facilidade num contra-ataque: “romper alongando o braço” (andar para trás apontando a espada para o adversário). Passou anos escutando que era uma boa atleta contraofensiva. Isso era insuficiente para alguém que iniciava a temporada 2012 dentre as top 10 da modalidade. Conversas, estatísticas, vídeos, tudo foi utilizado para aumentar a confiabilidade sobre um novo panorama tático e, principalmente, para elevar sua própria autoconfiança. Yane foi entendendo e acreditando que sua ofensividade lhe conferiria mais tempo e espaço paratomar suas decisões em pista. Fossem elas presumidas ou repentinas, certamente uma vantagem tática.

A prova de esgrima possui características de “montanha russa”. O alternar de vitórias e derrotas pode fulminar a mente de um atleta pouco preparado física ou psicologicamente. Outro fator desequilibrador para o atleta é o erro da arbitragem. Que acontece em qualquer nível de competição. Não há árbitro que seja infalível. Esse foi mais um aspecto exaustivamente trabalhado com Yane. A pentatleta deveria aprender a suportar e controlar a raiva ao perder um ponto injustamente. Não vale a pena ficar a se martirizar por algo que aconteceu na pista anterior e sem solução. O árbitro julga como vê. A visão dos outros é irrelevante. Em nossos combates em Londres, por ironia ou por prêmio do destino, não houve erro de arbitragem. Podemos dizer que houve vitórias bem vencidas e derrotas bem perdidas.

Desenvolver um mecanismo interno de entendimento foi muito importante durante nossa caminhada. Yane é bastante introspectiva, extremamente dedicada e confiante em seus treinadores. Extrair os seus pensamentos tornou-se uma arte. Já não precisamos da verbalização para nos entendermos, bastando linguagem corporal. Nos treinamentos, o diálogo é sempre incentivado e se desenvolve muito bem. Na competição, a linguagem é de “guerra”.: gritos, palmas, exercícios de ativação motora. Vale tudo para aumentar a “vontade de vencer”. O toque no esgrima do pentatlo é comparável a saída do bloco da natação numa prova de 50 metros. Não há meio termo, é 100% de explosão em cada chance que o adversário oferecer. Na esgrima é inevitável fugir da matemática. A medalha olímpica exigia-nos 60% de aproveitamento na esgrima, ao menos 21 vitórias dos 35 combates. Ao longo do circuito esse índice foi perseguido e atingido algumas vezes. 

12 de agosto de 2012, seis e meia da manhã. Desjejum e chegada ao Copper Box. Aquecimento metódico e rotineiramente realizado, apresentação dos competidores. A certeza de que apenas seria necessário que Yane se soltasse na prova e o resultado viria. Primeiro combate frente à Tamara Vega, jovem promessa do pentatlo mexicano: derrota ingênua. Confiança inabalável. Seu aceno de cabeça me disse: faz parte, ainda temos 34. A partir daí, só alegrias. Consistente do início ao fim, errando pouquíssimo, reconhecendo o mérito das adversárias. Chegamos ao último combate contra a tcheca Natalie Dianova. Estávamos com 20 vitórias, já tínhamos o “quase”. Mas o quase nunca nos serviu. Yane ataca o antebraço da adversária e vence. Objetivo atingido, primeiro passo do sonho concretizado. 21 vitórias!!!

Abaixo, Yane em diferentes momentos de sua preparação e após a conquista olímpica.

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