viomundo - publicado em 11 de julho de 2013 às 9:20
por Heloisa Villela, de Nova York
A variedade de programas de espionagem e a real dimensão dessa
indústria, nos Estados Unidos, escapam ao poder de análise dos melhores
especialistas. PRISM é o programa secreto de
monitoramento de chamadas telefônicas e trânsito na internet denunciado
pelo ex-funcionário terceirizado da Agência Nacional de Segurança (NSA),
Edward Snowden. BLARNEY foi o projeto no qual Mark Kein, ex-funcionário da empresa de telefonia ATT tropeçou e também trouxe a público. Já o ECHELON
preocupa a Europa há mais de uma década. Também administrado pela NSA,
ele se encarrega de interceptar as conversas de indivíduos e
representantes de empresas há anos. Funciona sob segredo absoluto.
Em 1999 o Parlamento Europeu encomendou um estudo e em julho de 2001 publicou todo o levantamento e as conclusões em um documento de 194 páginas.
Primeiro, confirmou que o ECHELON não era uma teoria de conspiração.
Deixou claro, também, o relatório, que o programa não tem apenas
interesses militares ou de segurança: “a prioridade é interceptar
comunicações particulares e comerciais e não militares”.
Gestado durante a guerra fria, para espionar a União Soviética e os países do Leste Europeu, o ECHELON
é uma acordo para coleta e análise de informações fechado, em 1948, por
cinco países: Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá, Austrália e Nova
Zelândia. Por que a inclusão destes aliados na arapongagem? Para cobrir
toda a área do globo terrestre. O ECHELON usa satélites
espiões e estações terrestres de captação para interceptar “qualquer
mensagem enviada por telefone, fax, internet ou e-mail, por qualquer
indivíduo, e inspecionar seu conteúdo”, segundo o relatório do
Parlamento Europeu.
Com o passar dos anos, o propósito inicial ficou para trás. No lugar
de escutar as conversas dos ex-inimigos comunistas, o programa se
dedicou mais e mais à espionagem industrial.
O estudo cita o caso da concorrência para a compra de um sistema de
satélite para monitorar a Amazônia. Em 94, o Brasil se decidiu por uma
empresa francesa, a Thomson-Alcatel.
Na época o então Presidente Bill Clinton reclamou. Disse que a
empresa havia dado propina para conseguir o negócio e conseguiu reverter
a situação.
O contrato acabou nas mãos da americana Raytheon, a mesma que fornece
equipamentos para Sugar Grove, na Virgínia Ocidental, a principal
estação do programa ECHELON nos Estados Unidos. É o
aparato de segurança cada vez mais a serviço dos interesses econômicos
do país, uma simbiose que só se aprofunda.
O Parlamento Europeu ouviu testemunhas, como o ex-funcionário da NSA, Wayne Madsen. Ele confirmou a existência do ECHELON
e disse acreditar que a prioridade do programa passou a ser levantar
informações relevantes para a economia dos Estados Unidos, para
favorecer as empresas do país. Ele também afirmou que a NSA tinha um
arquivo com mais de 1.000 páginas sobre a Princesa Diana, porque ela
fazia campanha contra as minas terrestres, o que contrariava os
interesses dos Estados Unidos.
Fred Stock também deu depoimento. Ele trabalhou para o Serviço
Secreto Canadense de onde disse ter sido expulso, em 1993, porque
criticou a ênfase do trabalho na chamada inteligência econômica e no
fato de muitos alvos da espionagem serem civis. Ele disse que na época
eram interceptadas muitas informações a respeito de trocas comerciais,
inclusive das negociações do Tratado de Livre Comércio da América do
Norte (NAFTA), além das compras chinesas de grãos e a venda de armas da
França.
Mas como um programa só não dá conta de tanta sede de informação, vamos a outros.
Mark Klein foi funcionário da ATT por mais de 20 anos. Depois do onze
de setembro de 2001, reparou uma movimentação estranha na sede da
empresa em São Francisco. Uma sala secreta à qual apenas um funcionário
tinha acesso. Notou a visita surpreendente de um representante da
Agência Nacional de Segurança. Tudo muito estranho…
Ele acabou descobrindo do que se tratava: com a conivência da ATT, a
NSA instalou um “spliter” na fibra ótica da empresa em São Francisco
para reproduzir toda a informação transportada por ela para uma segunda
fibra, que desemboca nos computadores da NSA instalados na tal sala
secreta.
Traduzindo em português claro, o governo duplicou a fibra para copiar
o fluxo de informação e jogar tudo em computadores para armazenar e
analisar. O que a fibra carrega? Toda a movimentação dos usuários da ATT
na internet, na região de São Francisco. Mais adiante, Klein descobriu
que o mesmo já acontecia em sedes da empresa em outras cidades do país.
Klein ficou calado alguns anos. Mas, eventualmente, e com muito esforço, trouxe o programa chamado BLARNEY à tona. Não foi fácil porque políticos e jornalistas queriam distância do assunto.
Nos bastidores, o governo Bush pressionava os diretores dos meios de
comunicação e Klein quase foi parar na cadeia. O processo contra ele
terminou em 2009 e ele não foi preso porque nunca divulgou documentos
secretos. Apenas relatou o que viu pessoalmente. À PBS, rede pública de
televisão, ele explicou porque se recusou a ser mero espectador dos
acontecimentos.
“Eu me lembro da última vez em que isso aconteceu… Eu participei das
passeatas contra a guerra (do Vietnã) quando elas eram ativas nos anos
60, e me lembro das violações e transgressões que o governo cometeu em
nome de uma guerra que depois ficou provado que era errada, e muitos
inocentes morreram. Estou vendo isso tudo acontecer novamente. Quando a
NSA foi flagrada, nos anos 70, fazendo espionagem doméstica, foi um
grande escândalo e por isso o Congresso passou a FISA (Ato de
Monitoramento de Inteligência Internacional), lei que supostamente cuida
disso”.
O FISA foi consequência dos desmandos do governo Richard Nixon, que
usou o serviço de inteligência do país para espionar grupos políticos e
ativistas de direitos civis, como o reverendo Martin Luther King,
violando a emenda 14 da Constituição dos Estados Unidos. O FISA dá ao
Congresso e ao Judiciário o poder de supervisionar as atividades de
espionagem de líderes mundiais e de cidadãos norte-americanos. Por isso,
o aparato de segurança é obrigado a informar os comitês de inteligência
do Congresso, em sessões privadas, a respeito dos programas em
andamento.
O avanço e a sofisticação da tecnologia, a promoção da paranoia
pós-onze de setembro e o crescimento desenfreado do complexo serviço de
espionagem desembocaram nos programas denunciados por Klein e Snowden. A
revista Wired revelou que a NSA está construindo um
grande centro de processamento de dados em Bluffdale, estado de Utah,
para armazenar as informações coletadas pelo programa secreto BLARNEY.
Outro que não conseguiu se calar? William Binney. Ex-agente da NSA,
onde trabalhou durante quatro décadas, ele pediu demissão em 2001 quando
testemunhou, de perto, o que estava acontecendo. A desculpa de que era
preciso usar todo e qualquer meio para combater o terrorismo justificou,
segundo Binney, a construção de um sistema massivo para monitorar e
gravar as comunicações via telefone e internet, dos cidadãos
norte-americanos e de pessoas em todo o mundo. Ele diz que o serviço de
inteligência justifica esse desrespeito às leis argumentando, junto ao
governo e ao Congresso, que esta espionagem ampla é a única maneira
viável de enfrentar e desbaratar grupos terroristas.
Em entrevista ao programa DemocracyNow, em 2012, ele
foi bem claro. “É um argumento falso. Existe uma maneira simples de
fazer isso, protegendo a privacidade das pessoas. Se você sabe de um
terrorista e ele liga para alguém nos Estados Unidos, aí você tem um
alvo e colhe informações e também investiga a pessoa nos Estados Unidos e
as pessoas com quem ela se comunica”. A proposta dele é de uma
investigação com um mínimo de inteligência e não uma coleta generalizada
de dados.
O presidente Barack Obama defendeu o programa PRISM,
denunciado por Edward Snowden, com a justificativa de sempre: é preciso
abrir mão de parte da privacidade em nome da segurança. Garantiu que o
governo não está ouvindo as conversas de ninguém. Pode ser. Mas está
gravando e guardando. Pode ouvir a qualquer momento, por qualquer
motivo.
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