recebido via linkedin - 31 março 2014
Autor(es): Verônica Prates, Andrezza Muniz Barreto Fontoura
publicado por Barral M Jorge
Debates acerca da Defesa nacional no Brasil, como em outros países, dificilmente escapam de argumentos político-ideológicos. No Brasil especificamente, as discussões estão inseridas, por um lado, no contexto histórico de redemocratização recente – pós-regime militar – e, por outro, num período de paz demasiado longo para que as gerações atuais tenham sido diretamente afetadas por conflitos armados em território nacional. Essa conjuntura, somada aos problemas socioeconômicos que o país enfrenta, alimentam questionamentos acerca da viabilidade e até necessidade de investir-se em defesa no Brasil, uma visão que negligencia a relevância econômica da indústria de defesa.
Apesar da aparente falta de apelo político, no entanto, investimentos neste setor têm aumentado gradativamente, aliados a políticas públicas de apoio à base industrial de defesa. É o caso, por exemplo, da aprovação da Lei n° 12.598 em 2012, que estabeleceu um marco regulatório para o setor no país e instituiu o Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa (Retid) – o qual suspende a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados, o PIS-Pasep e o Cofins que recairiam sobre peças, equipamentos, sistemas, matérias-primas e serviços usados em materiais de defesa. Ainda, observou-se que entre 2003 e 2007, o atendimento médio das demandas das Forças Armadas no Congresso era de 35%, valor elevado para 61% no período entre 2008 e 2014*.
Essas e outras evoluções são, em grande parte, reflexo da elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional e da Estratégia Nacional de Defesa (END), documentos que reforçam o compromisso do país em operacionalizar o sistema de defesa. O desenvolvimento da indústria bélica é um dos três eixos basilares da END, por exemplo. E resultados práticos começam a surgir. Projetos como o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), o KC390, o programa nuclear, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) e o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (Sisgaaz) já são realidade. Do mesmo modo, o Centro de Defesa Cibernética foi lançado em 2012, os softwares usados na Rio+20 foram desenvolvidos no Brasil por empresas nacionais e há projetos entre a Força Aérea e a Finep para desenvolver empresas nesse setor.
Mas ainda não é suficiente. O Brasil passou por ciclos de investimento e sucateamento das Forças Armadas anteriormente e, em cada uma dessas oportunidades, conhecimentos gerados foram perdidos pela falta de compreensão das particularidades da indústria de defesa**. Os investimentos em defesa são, em geral, de longo prazo e altamente onerosos. Nesse sentido, e por se tratar de um mercado restrito onde o Estado é, ao mesmo tempo, o regulador e o principal cliente, a própria nação precisa desenvolver políticas de fomento industrial e tecnológico direcionadas especificamente para esta área. Vale ressaltar que outros governos, também na posição de compradores, consideram se produtos são ou não usados pelas Forças Armadas do país que os fabrica em suas avaliações, de modo que compras governamentais nacionais têm impacto até mesmo nas exportações.
O obstáculo, portanto, para o desenvolvimento dessa área tem sido depender de políticas de governo e, assim, ficar ao sabor de mudanças políticas em geral. Ilustrando essa questão, no início de 2014, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão anunciou um corte de R$3,5 bilhões no orçamento aprovado pelo Congresso Nacional para o Ministério da Defesa, o maior entre todas as pastas no bloqueio de recursos no orçamento deste ano. A imprevisibilidade gerada por cortes como este impossibilita o planejamento estratégico do empresariado brasileiro que, por sua vez, não consegue obter apoio financeiro ou escala de produção suficientes para produzir e competir com as estrangeiras. Mas o país dispõe de enorme potencial para este setor e há certamente ganhos políticos e, principalmente, socioeconômicos por fazê-lo.
O Brasil encontra-se numa busca por ocupar uma posição cada vez mais notável no cenário internacional. Tendo em vista a abundância em recursos naturais e a situação geopolítica privilegiada, o debate sobre defesa nacional torna-se extremamente relevante no escopo político brasileiro corrente. Para tanto, é fundamental que o Estado possua uma Indústria Nacional de Defesa bem estruturada, a fim de dar uma pronta resposta às necessidades estratégicas de soberania nacional mesmo em um contexto pacífico. No que tange à soberania nacional, segurança internacional e poder de dissuasão, a pretensão é o fortalecimento dos três setores de importância estratégica - espacial, cibernético e nuclear -, a capacitação da indústria nacional para a obtenção de autonomia em tecnologias indispensáveis à defesa, o aumento da capacidade de atender aos compromissos internacionais de busca e salvamento, entre outros aspectos***. A título de exemplo, o Sisgaaz, programa de vigilância e monitoramento da costa brasileira mencionado anteriormente, objetiva também prover segurança para as áreas de exploração do pré-sal – reconhecidamente uma das principais riquezas do país.
No cenário doméstico, por outro lado, o estímulo à indústria contribui significativamente para o desenvolvimento do país, pois viabiliza a geração de divisas, a criação de empregos, e, nesse sentido, de qualificação da mão de obra, e a geração de tecnologias de ponta cujos processos e conhecimentos levam ao desenvolvimento de outros setores de produção. A baixa intensidade tecnológica nas exportações brasileiras hoje traz preocupações quanto ao desempenho futuro da economia do país. Produtos de defesa têm alto conteúdo tecnológico e alto valor agregado, são oportunidades para inovação tecnológica – e não só militar.
Exemplos clássicos como o forno micro-ondas, criado na II Guerra Mundial durante pesquisas com a tecnologia de radares; os sonares, desenvolvidos para a identificação de navios e submarinos e hoje largamente utilizados na medicina e na odontologia para produzir ecografias, ultrassonografias etc.; e até a câmara digital, resultado de pesquisas da NASA, ilustram como tecnologias criadas para fins militares são transferíveis para as áreas civis. Um exemplo brasileiro mais recente, a fabricação dos jatos comerciais Legacy da Embraer, vendidos para todo o mundo, foi possibilitada pelos projetos para o caça militar AMX.
Ainda no cenário doméstico, é válido lembrar que a atuação da Defesa no Brasil têm ido além da segurança internacional para uma presença crescente em temas de segurança pública. É o caso da participação das Forças Armadas na pacificação de favelas, em obras sociais e civis, e, no caso mais presente, na segurança de grandes eventos. Na Copa, por exemplo, a Defesa está responsável pela proteção do espaço aéreo e da área marítima, claramente dentro de seu escopo de atuação, e pela Força de Contingência, que poderá ser acionada pela presidenta em caso de necessidade. Em outro exemplo relevante da dualidade das ações das Forças, o Sisfron, projeto que envolve o controle e proteção de aproximadamente 17 mil quilômetros de fronteira, visa também reduzir o tráfico de drogas e o tráfico humano em nossas fronteiras. Enfim, independente de seu mérito, atividades como estas exigem Forças preparadas, bem equipadas, aliadas a uma indústria igualmente bem estruturada para atender a suas demandas.
A fim de se manter como potência econômica mundial, o Brasil precisa de uma política de defesa de longo prazo para se adequar aos desafios do século 21. A elaboração do Livro Branco, da END e da PND representa um passo nessa direção, mas contingenciamentos frequentes evidenciam que ainda não houve uma mudança significativa de pensamento na classe política brasileira. Como afirmou o professor Darc Antonio da Luz Costa,estratégia nacional de defesa é inseparável de estratégia nacional de desenvolvimento. É necessário, portanto, transformar a capacidade tecnológica e humana no setor de defesa nacional compatível com as dimensões e ambições do país.
Verônica Baltazar Prates é sócia da Barral M Jorge Consultores Associados e graduada em Relações Internacionais pela London School of Economics (LSE-UK). Andrezza Muniz Barreto Fontoura é estudante de Direito na Universidade de Brasília e colaboradora da Barral M Jorge.
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