REDAÇÃO ÉPOCA - 24/04/2015 08h00
Nesta sexta-feira, o país relembra os cem anos do massacre de armênios cometido pelo Império Otomano (atual Turquia)

Nesta sexta-feira (24), a Armênia se
prepara para relembrar os cem anos do que é considerado o primeiro grande crime
contra a humanidade no século XX: o genocídio armênio. A
cerimônia deverá contar com nomes importantes da política mundial, como o
presidente da França, François Hollande, e da Rússia, Vladimir Putin. Mas chama
a atenção a ausência de países como os Estados Unidos e Reino Unido,
que evitam usar o termo "genocídio" para descrever os
acontecimentos de 1915. O que foi o genocídio armênio, e por que, cem anos
depois, continua causando controvérsia?
O que foi o genocídio
armênio?
No dia 24 de abril de 1915, as autoridades
do Império Otomano (atual Turquia) prenderam e mataram cerca de 200 intelectuais
armênios em Constantinopla (atual Istambul). Segundo a Armênia, o ato foi o
início de um programa sistemático das autoridades otomanas para
exterminar toda a população armênia.
Nos dias que se seguiram, o governo otomano
desapropriou cidadãos armênios em toda a Anatólia e iniciou um programa de
deportação em massa. Os armênios foram forçados a deixar suas terras e seguir em
uma marcha insana no meio do deserto da Síria, onde homens foram mortos por
militares ou por tribos locais, mulheres foram alvo de estupro e crianças foram
raptadas. Os que conseguiam chegar ao destino final simplesmente não tinham como
sobreviver no meio do deserto - muitos morreram de fome ou de doenças.
No início de 1915, mais de 2 milhões de
armênios viviam no território do Império Otomano. Cinco anos depois, eles eram
menos de 400 mil.
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Trecho do jornal The New York
Times de agosto de 1915 relata sobre o genocídio armênio (Foto:
Reprodução/The New York Times)
Por que aconteceu?
O massacre dos armênios ocorreu em meio
à Primeira Guerra Mundial. Na época, o Império Otomano
controlava não só a Turquia, mas também parte da Síria, da Arábia, dos Balcãs e
do território onde hoje é a Armênia. Em 1914, os turcos entraram na guerra ao
lado da Alemanha. O objetivo era recuperar o território que estava ocupado pela
Rússia.
A campanha dos otomanos foi um desastre, e
os russos venceram uma série de batalhas. Alguns grupos de nacionalistas
armênios apoiaram os russos na guerra, vendo a possibilidade de uma derrota
otomana resultar na criação da República da Armênia. O resultado é que os
otomanos passaram a culpar os armênios pelas derrotas, acusando-os de cooperar
com a Rússia e de trair o império.
Mas foi mesmo
genocídio?
O termo "genocídio" só foi cunhado algumas
décadas depois – em 1944, pelo jurista Raphael Lemkin, para descrever o
assassinato em massa de judeus na Alemanha nazista. O termo é geralmente
interpretado como uma forma de designar uma tentativa organizada e sistemática
para destruir um povo, um grupo ou uma etnia por parte de um governo. Reportagens
e documentos diplomáticos da época indicam que houve,
sim, um plano autorizado e organizado pelo governo otomano para acabar com o
povo armênio, o que, portanto, caracteriza o massacre como
genocídio.
A Turquia, no entanto, coloca grande
esforço diplomático para negar isso.Para os turcos, não houve
genocídio, e as mortes foram resultado da situação caótica que o país
vivia durante a Primeira Guerra Mundial. A Turquia, como conhecemos hoje, foi
formada após o colapso do Império Otomano. Vários dos oficiais otomanos que
executaram o genocídio criaram, anos depois, as fundações da Turquia moderna.
Eles são considerados heróis nacionais pela reconstrução do país. O resultado é
que negar o genocídio virou uma política de Estado. Isso atinge tal nível de
repressão que um dos maiores escritores da Turquia, o prêmio Nobel Orhan Pamuk,
foi processado
e condenado pela Justiça a pagar uma multa por dizer que
houve genocídio.
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Por que outros países, além da
Turquia, se recusam a tratar o caso como genocídio?
Em 2007, os Estados Unidos quase aprovaram
um projeto de lei reconhecendo o massacre de armênios como um genocídio. O
projeto foi barrado na última hora pelo então presidente George W. Bush. O
cálculo do governo Bush era simples: a Turquia era um aliado do país na Guerra
do Iraque. Mais de 70% dos suprimentos que os americanos enviavam para suas
tropas no Iraque e no Afeganistão passavam pela base de İncirlik, controlada por
turcos e americanos. Perder o apoio dessa base seria um problema. Barack Obama não
mudou essa política. Ele deverá fazer um discurso nesta
sexta, mas sem mencionar a palavra que começa com "g". Em vez disso,
usará o termo "Meds Yeghern", que significa "grande calamidade"
em armênio.
Na Europa, muitos países evitam o termo
para não atrapalhar as relações diplomáticas com a Turquia,
como é o caso do Reino Unido. No entanto, isso está mudando. No dia 12 de abril,
o papa
Francisco classificou o massacre como "o primeiro
genocídio do século XX". Nesta sexta, espera-se que a Alemanha reconheça não só
o genocídio, como também assuma uma parcela de responsabilidade, já que os
alemães eram aliados dos otomanos em 1915.
Os países que reconhecem o genocídio podem
esperar retaliações diplomáticas ou comerciais. Quando a França fez isso, por
exemplo, os turcos cancelaram um contrato militar. O caso mais recente ocorreu
com a Áustria. O governo turco chamou seu embaixador em Viena de volta para
Ancara e publicou uma nota acusando os austríacos de "dar lições aos demais
sobre história".
Mesmo caso quando durante a Guerra do Kosovo e demais na região, quando o Conselho de Segurança da ONU utilizou o eufemismo "Limpeza Étnica", para fugir à sua obrigação de intervenção.
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