"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, junho 01, 2010

A crise longe do fim

Blog do Luis Nassif - 01/06/2010 - 07:13


Por webster farias

Nassif,

Segue matéria do Paulo Rabello de Castro sobre o novo capitalismo burocrático. Merece uma reflexão.

Bolhas, de A a W: o novo Capitalismo Burocrático

Publicado em 31-Mai-2010
Paulo Rabello de Castro

De Atenas a Wall Street, o mundo capitalista passou a ser regido por um novo paradigma, o do manejo burocrático das bolhas financeiras. Essas bolhas vão pipocando à medida em que novos passivos a descoberto são identificados pelos apostadores do mercado. A maneira como os Estados Unidos manejaram o episódio inicial da crise, ainda na virada de 2007 para 2008, passou a determinar o comportamento de outros países, cujas autoridades monetárias e fiscais estão seguindo pelo mesmo caminho de tentar neutralizar as apostas que se opõem à política de “recessão sem dor” adotada pelos dirigentes políticos dos EUA.

A política de “recessão sem dor” se caracteriza pela conjugação de um pacote de estímulo fiscal sem paralelo na história econômica daquele país, que vem provocando um deficit da ordem de 10% do PIB americano por dois anos consecutivos, complementado por um aumento da massa monetária (via aumento substancial das reservas bancárias) em montante superior a mais um outro US$ 1 trilhão.

Tais estímulos gigantescos de fato evitaram a deflação de preços e mantiveram o desemprego aberto em “apenas” 10% da força de trabalho ativa. Em compensação, a política atualmente praticada de inundação monetária e deficit fiscal cavalar jogará a dívida pública federal americana, em poder do mercado, para perto de 80% do PIB, para um número da ordem de US$15 trilhões até 2020, segundo o próprio Escritório do Orçamento no Congresso – o “Congressional Budget Office”, um órgão neutro dentro da burocracia parlamentar deles – dobrando, assim, o nivel de exposição do governo americano a aumentos no custo de rolagem desse enorme passivo em dívida pública.

Por outro lado, o que tem garantido as emissões monetárias do Federal Reserve são os ativos de qualidade duvidosa que as agências federais (como Fannie Mae e Freddie Mac, as estatais do ramo hipotecário) e próprio mercado não conseguiram carregar durante o auge da crise em sua fase inicial. O Federal Reserve foi obrigado a comprar os “micos” que vinham para suas mãos em cada intervenção para “não deixar quebrar” esta ou aquela instituição do mercado, entre grandes bancos, seguradoras, como a AIG, companhias hipotecárias, montadoras de automóveis, como a GM, financiadoras de crédito etc.

É importante relembrar o modo de intervenção financeira dos dirigentes americanos, ao inaugurar a era dos negócios considerados “grandes demais para quebrar”: tal lembrança serve para entender porque os europeus também montaram uma operação gigante de resgate financeiro do sistema bancário europeu, que se estende, indiretamente, para a ajuda a empresas não-financeiras, ligadas aos bancos pelo cordão umbilical das dívidas corporativas acumuladas como ativos nas carteiras desses bancos. O princípio é o mesmo: não deixar os grandes quebrarem, sob nenhuma hipótese. Muito menos, deixar transparecer o calote de um país, seja ele a Grécia ou qualquer outro, entre os convencionalmente lembrados pela mídia.

Há, de fato, um entrelaçamento de compromissos financeiros. Se a Grécia deve muito, deve todo esse tanto aos bancos da região, que tomaram os papéis gregos, hoje desvalorizados na carteira de instituições bancárias que não aguentam muito desaforo de maus clientes. O capital total dos bancos é muito baixo – na média não passa de 5% do total dos ativos que os bancos mantêm em carteira.

Assim, bastaria uma perda nessa carteira da ordem de 5% do total exposto, para corroer por completo os 100% do capital do sistema bancário europeu, algo impensável para os já traumatizados alemães, que são os fiadores morais e informais do Euro, a moeda da nova federação de países, agora fragilizada por uma onda de desconfiança.

Não há novidade, portanto, no pacote europeu anunciado recentemente. É a reprodução da fórmula americana inaugurada em 2007 de despejar uma tonelada de dinheiro sem lastro nos mercados, pela via das reservas dos bancos, refinanciando grandes posições consideradas vulneráveis, de modo a afastar a própria noção de “crise”, palavra expurgada do dicionário político mundial.

E daí? – perguntaria um leitor ainda intrigado por essa nova abordagem onde políticos aflitos e burocratas da área financeira estão dispostos a cometer qualquer loucura fiscal para fazer rolar as posições vulneráveis do mercado. Terão eles finalmente descoberto o Santo Graal da resolução dos soluços do Capitalismo, quando este ameaça regurgitar o excesso de crédito tomado durante anos a fio? Por um lado, adiam-se os enfrentamentos espinhosos, que implicariam em deixar os mais quebrados quebrarem, os passivos impagáveis ser explicitados e os preços das mercadorias refletirem a real dificuldade do momento. No capitalismo burocrático, quebrados não quebram, mas vagam como meios zumbis. Passivos são rolados a perder de vista. E os preços das commodities, ao invés de cair, sobem e permanecem altos como se a economia mundial estivesse nos píncaros do aquecimento. Por outro lado, os passivos vão se acumulando, enquanto o estado crítico da economia mundial vai passando para um estágio hiper-crítico, de dantesco desequilibrio potencial.

Lições parciais e preliminares desta crise. Primeiro, longe de haver acabado, como tanto se noticiou de meados de 2009 para cá, a crise apenas sai do âmbito americano para alcançar um nivel realmente mundial. Segundo, o Brasil está curtindo o final da fase eufórica da saída de sua módica quota-parte no problema, e o faz através do crédito, de modo até inteligente, já que espaço havia para tal expediente na politica econômica local. Mas este espaço é relativamente curto e só respeitará, provavelmente, o resto de mandato do presidente Lula. Terceiro, por seus aspectos financeiros intrincados e pela indisposição de politicos, mundo afora, de atacar de frente os desequilibrios cambiais e fiscais existentes no planeta, a atual crise demandará muito mais tempo para virar a curva da “pioria” e, de fato, nos carregar para um momento de efetiva melhoria no plano mundial.

Paulo Rabello de Castro é economista, vice-presidente do Instituto Atlântico chairman da SR Rating e sócio – diretor da RC Consultores. Contato: paulo@rcconsultores.com.br

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