Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 22 de junho de 2012.
A Camões
(Manuel Bandeira)
Quando n'alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroismo e de beleza.
Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.
E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,
Não morrerá sem poetas nem soldados
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.
Volta e meia vejo-me “obrigado”
a reproduzir pronunciamentos de alguns companheiros de farda. Afasto-me
de minhas amazônicas pesquisas, de meus treinamentos e planejamento de
minhas expedições para transcrever suas manifestações quando concordo
plenamente com elas. Desta feita repercuto o artigo do Coronel Forrer
Garcia escrito há alguns anos e que conserva-se totalmente atual.
O
Cel Garcia foi contemporâneo no Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA).
Desde cedo, a conduta impecável e a disciplina do caro amigo Garcia
servia de exemplo para os mais jovens e enchia de esperança seus
instrutores e professores que torciam para que ele atingisse, um dia, os
mais altos postos de comando da Força Terrestre (FT). Infelizmente, um
acidente de percurso na Escola de Comando e Estado Maior do Exército
ceifou essas pretensões. Perdeu a FT mas, ganhou a sociedade um
palestrante invulgar e um observador privilegiado.
Na engenharia usamos mais comumente o termo “solapa”.
As barrancas atingidas pelos malévolos banzeiros vão progressivamente
desmoronando. Recebi críticas contundentes de alguns amigos de farda
quando condenei os ataques frontais dirigidos a nossos chefes militares.
Acho que mesmo que não concorde totalmente com a política em vigor a
disciplina deve ser mantida. Nosso amigo não está na trincheira mas,
fora dela. A questão salarial que atinge a todos nós depende muito mais
dos maquiavélicos articuladores do Ministério do Planejamento do que ao
da Defesa e a estes, e tão somente a estes, devemos dirigir nossas
baterias.
- Sobre a Cunha e outras coisas...
Fonte: Coronel Refo Jorge Alberto Forrer Garcia, Tu AMAN, 1977.
Mesmo
na Reserva Remunerada não consigo livrar-me das amarras da educação
militar e continuo tratando a todos com muito respeito. Alguns
superiores dispensam-me das formalidades, mas não quero, prefiro assim.
Acho que é por isso que, quando algum assunto polêmico atinge as Forças
Armadas, particularmente o Exército, aguardo sempre que um militar de
patente superior à minha manifeste-se sobre o assunto. Só depois, exerço
a minha prerrogativa de escrever sobre aquilo, tentando levar a minha
participação aos debates. Minha lista é pequena, porém, algumas pessoas
dela tem raio de ação muito maior. Assim, sei que o que eu escrever
poderá ter boa difusão.
Muito usada desde a antiguidade, creio ser a “cunha” uma das primeiras ferramentas empregadas pelo homem.
A imagem que me vem à mente sobre uma cunha
é a de uma peça de metal resistente usada pelos madeireiros quando
querem derrubar árvores frondosas cujo diâmetro desafie a
operacionalidade do machado.
Grosso modo, a cunha
tem um perfil triangular e, a partir de seu lado mais delgado, vai-se a
empurrando, à força e pacientemente, em direção ao cerne da árvore que
se quer derrubar, de modo que esta se vai inclinando, até atingir um
ponto de ruptura que leva o tronco ao solo.
Conforme
a natureza da madeira de que seja constituído o tronco esse quebra-se
rápido ou vai-se lascando longitudinalmente. Nesse caso, de uma forma
tal que inviabiliza seu melhor aproveitamento futuro.
Mas o tronco cai.
É com essa imagem da cunha
que vejo as seguidas investidas contra a coesão da Instituição Exército
feitas por alguns vetores de comunicação social, pessoas com acesso a
espaços na Imprensa e, até mesmo, por alguns militares, que
involuntariamente colaboram com aqueles, na tarefa de dissociar o
Exército que consideram “de ontem” do Exército que dizem ser o “de hoje”.
Esse tipo de manifestação não é novo e, as mais recentes, eu as li
associadas às questões sobre a busca de ossadas de guerrilheiros na
região do Araguaia e, agora, com as discussões sobre a “revisão” unilateral da Lei de Anistia.
A
Internet, que já foi comparada a uma praça pública para efeito de
divulgação de opiniões, permitiu-me o acesso a coisas como as que
transcrevo:
— de
um suposto oficial do Exército da ativa, portanto, cometendo
transgressão disciplinar, externando sua indignação por algumas pessoas
terem-se manifestado contrárias ao emprego do Exército na mais recente
operação de buscas no Araguaia, da qual ele participava ...
“Concordo
que este ponto da história deva ser sepultado, .... Ninguém está
querendo endeusar ninguém, e todos sabem dos erros que foram cometidos
no passado. Mas não julguem o presente Exército pelo passado Exército,
pelos passados líderes, comandantes, chefes...”
— De um oficial da ativa, do posto de Tenente, ótimo profissional e prestes a fazer um curso de aperfeiçoamento...
“já
passei em dois concursos públicos, mas não fui chamado. Vou continuar
fazendo, pois, numa dessas eu dou sorte e alguém me chama.”
Assim,
o jovem oficial deixa clara a sua mínima vocação e uma preocupação em
ser chamado para um emprego que lhe permita obter melhores vencimentos.
É a cunha, agindo sobre o que o Exército tem de mais valioso: os seus recursos humanos, expelindo da Força grandes talentos, e tornando “barnabés” os que ficam, proletarizando-os. Assim, surge o militar-massa (de manobra, é claro).
Sobre
os casos veiculados pela Imprensa, deixo de citar outros por que sei
que os senhores são muito bem informados. Destaco tão somente um, mais
recente, em que uma jornalista, defendendo o ponto de vista a favor da
revisão da Lei de Anistia, de modo a levar a julgamento algumas pessoas,
não todas, entre elas só os militares, assim se referiu ao Exército:
“...o
Exército de hoje não está disposto a contrariar a sociedade, deixando
de permitir o julgamento de senhores septuagenários que cometeram
aqueles atos quando os atuais militares não eram nem nascidos...”
Viu só? Isso é a cunha a que me referi.
Dentre as formas escolhidas para enfraquecer a nossa Instituição foi cravar nela uma cunha (será que posso escrever “nossa”? Ou a ferramenta já me atingiu?) e, como se diz militarmente, com paciência, ir “alargando a brecha”, até dissociar o Exército “de ontem” do Exército “de hoje”.
Na
hipótese, somente na hipótese, de se tomar como realizável tal intento,
a Instituição deixaria de ser permanente e poderíamos esperar para o
futuro a substituição de nossos patronos, glórias e tradições. Porém,
como se diz popularmente: “me poupem”.
Eu,
se ainda estivesse em escola de formação, certamente preferiria estudar
tiro das armas portáteis e progressão no terreno do que “ter noções de direitos humanos”,
como se, só por ser militar, eu tivesse a mente de alguma forma
pervertida, desmerecendo a educação familiar cristã que recebi na
infância e adolescência.
Porém,
quando dava por finalizado este exercício de verborragia, leio nas
páginas de um jornal de circulação nacional, um senhor advogado opinando
sobre como devem ser formados os militares brasileiros. Ora! Meu
senhor! As Forças Armadas no mais das vezes sempre esteve com seu
sistema de ensino léguas à frente do sistema de ensino nacional. Não me
julgo nas melhores condições para lhe jogar na “cara” o quanto é
avançado o ensino militar brasileiro, pois tenho companheiros
especialistas no assunto. Mas adianto-lhe senhor advogado que quando
estive numa das escolas do Exército havia mais civis realizando cursos
ao longo de um ano do que militares propriamente. O que eles buscavam
lá? A excelência no ensino Sr. advogado.
Por
isso, por preguiça, patriotismo ou formação (na ordem que se queira)
prefiro Caxias, Sampaio e Osório a Prestes, Lamarca e Osvaldão.
Prefiro
relembrar as batalhas dos campos de Tuiuti, na Guerra da Tríplice
Aliança, a pensar no episódio em que nos pusemos de joelhos aos pés do
prolífico “ex-bispo”, presidente do Paraguai.
Prefiro ainda ouvir e cantar o Hino Nacional, corretamente tocado e dentro da lei, mesmo que pela mais “fulêra” das fanfarras, do que ouvir e não poder cantar aquele hino descaracterizado, na voz de belas cantoras “pop”, que, por comodidade, ou “em benefício do evento”, o cantam apenas em sua 1ª parte (quando o conseguem...).
Estava
quase pronto o meu texto quando estourou a polêmica sobre os
homossexuais nas Forças Armadas. Um oficial-general, do mais alto posto
da carreira, sendo sabatinado no Congresso nacional para poder ser
Ministro do Superior Tribunal Militar respondeu precisamente o que se
pensa nas Forças. Tenho para mim que mais do que uma sabatina, foi um
teste, para saber se “esse general” era do Exército “de ontem” ou do Exército “de hoje”.
Esse é o motivo da grita nacional. Novamente os advogados insurgem-se
contra uma instituição que tem princípios sólidos, pois sabe-se que há
homossexuais e homossexuais. Alguém imagina a falecida Vera Verão (com
todo o respeito que ela merecia pelo seu talento) ministrando uma sessão
de ordem unida para soldados?
Sobre
os dois sargentos que viviam uma união homossexual em Brasília/DF pouco
se ouviu a respeito, mas ambos tinham até apartamento funcional a si
regularmente distribuído. Viviam de bem com a Força. Aí então ...
resolveram “dar na pinta”, julgando-se acima dos regulamentos militares. Deu no que deu.
Insisto que tudo isso é como a cunha
a que fiz referência. A desafiá-la, está o material de que é feito o
tronco a ser derrubado. Mas estão batendo nela. E forte... E
repetidamente... E com oportunidade...
Certos
setores da sociedade parecem não se lembrar de que a guerra não é
democrática e – quando necessário - não se conseguirá transformar
cordeiros em leões da noite para o dia. E alguns cordeiros quererão ser
leões?
Por isso, em meio a tão aparente confusão, minhas palavras de ordem no momento são: “o povo se esclarecido e aos militares unido? Jamais serão vencidos!”.
Email: forrer@uol.com.br
- Livro do Autor
O livro “Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões” está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS, na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura. com.br) e na Associação dos Amigos do Casarão da Várzea (AACV) – Colégio Militar de Porto Alegre.
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil - RS (AHIMTB - RS);
Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS);
Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional.
E-mail: hiramrs@terra.com.br
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