"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

domingo, novembro 18, 2012

Aquele Tratado de Maastricht !

resistir info – 18 nov 2012

por Juan Torres López [*]

É curioso que tão pouca gente se recorde agora do Tratado de Maastricht , o qual está a origem dos problemas actuais da União Europeia. Na base de muitas mentiras tenta-se fazer crer às pessoas que aquilo que acontece aos países que sofrem as maiores perturbações é que realizaram demasiada despesa pública social [NR] e que isso aumentou até níveis insuportáveis o peso da dívida pública, de onde deduzem a exigência de executar políticas de austeridade baseadas no corte de direitos e prestações sociais.
A realidade é outra e bem diferente: O que verdadeiramente fez com que crescesse a dívida pública (além do impacto mais recente da crise financeira internacional e da queda subsequente dos rendimentos públicos) não foi o incremento da despesa pública primária (ou seja, a associado a despesas correntes ou de investimento) e sim os recursos dedicados a pagar juros e a dívida que foi sendo necessária para enfrentar a dívida anterior.
Calcula-se que os Estados europeus vêm pagando à banca privada uns 350 mil milhões de euros por ano a título de juros desde que deixaram de ser financiados pelos seus antigos bancos centrais e depois pelo Banco Central Europeu (Jacques Holbecq e Philippe Derudder,
'La dette publique, une affaire rentable: A qui profite le système?' , Ed. Yves Michel, Pari´s, 2009). É esse, portanto, o verdadeiro fardo que agora lastreia as economia europeias e não o peso insuportável, como querem fazer crer, do Estado Previdência. Não podemos cansar de repetir que se os saldos primários que o Estado espanhol foi tendo desde 1989 houvessem sido financiados a uma taxa de juro de 1% por um banco central (como é lógico que deveria ter sido) o peso da dívida pública espanhola seria agora de 14% do PIB e não os 87% actuais (Eduardo Garzón Espinosa. 'Situación de las arcas públicas si el estado español no pagara intereses de deuda pública': http://eduardogarzon.net/?p=328 ). Essa é a demonstração concreta de que são os juros financeiros e não a despesa social a verdadeira origem da dívida, que se quer combater na base de cortes nos direitos e na democracia.
E esquece-se agora que foi o artigo 104 do Tratado de Maastricht que consagrou essa proibição de que os bancos centrais financiassem os governos. Uma condição totalmente absurda do ponto de vista económico e financeiro, que só beneficia a banca privada a qual pôde assim fazer um negócio de dimensões autenticamente astronómicas: é fácil calcular que graças a isso os bancos europeus terão recebido graciosamente cerca de sete mil milhões de euros, desde que foi ratificado o Tratado de Maastricht, a título de juros. Um dinheiro que, além disso, ao invés de ser dedicado a financiar preferencialmente o desenvolvimento produtivo europeu, alimentou a especulação financeira, a formação de borbulhas. Estas, ao explodirem, levaram em frente economias inteiras e as contas multimilionárias que os bancos europeus mantêm nos paraíso fiscais ou que dedicam ao financiamento de todo tipo de crimes e delitos, o tráfico de armas, de pessoas, de droga ou a corrupção política.
Para que isso fosse possível, o Tratado também estabeleceu outra medida igualmente carente de fundamento científico: a independência dos bancos centrais que, na realidade, simplesmente foi o procedimento que permitiu que actuassem com liberdade total ao serviço da banca privada. Prova disso é que a gestão dos bancos centrais desde que se tornaram independente foi aquela com menos êxito de toda a sua história, pois foi nessa época que se verificou o maior número de crises financeiros e os episódios mais graves de instabilidade monetária. Ainda que, deve-se dizer, a maior distribuição de rendimento em favor dos poderosos graças à política de taxas de juro e ao manejo da quantidade de dinheiro em circulação.
Com o objectivo de favorecer a banca privada, o Tratado de Maastricht é o responsável original pelo facto de os Estados europeus estarem manietados na hora de fazer política económica, cujo êxito baseia-se sem dúvida na coordenação constante entre seus diferentes responsáveis e entre suas diferentes manifestações e instrumentos. E daí, desde Maastricht, serem tão impotentes para controlar o que agora nos cai em cima.
Também foi esse Tratado que pela primeira vez estabeleceu regras igualmente absurdas de convergência nominal, que o tempo encarregou-se de demonstrar serem completamente inúteis para conseguir o equilíbrio e a harmonia que uma união monetária precisa para funcionar correctamente e sem gerar mais problemas do que aqueles que resolve. Ou as de estabilidade orçamental, tão infundadas e injustificadas do ponto de vista científico que foram incumpridas numas 140 ocasiões pelos diferentes Estados. E cuja perversão demonstra-se simplesmente perguntando-nos em que situação se encontrariam hoje em dia os países, agora mais avançados do mundo, se houvessem estado submetidos a essas normas de estabilidade orçamental desde há 100 ou 150 anos.
Mas o Tratado de Maastricht não foi decisivo só pela introdução destas ataduras económicas e privilégios que condenaram os povos da Europa e as suas diferentes nações à situação em que agora nos encontramos. Foi decisivo também pela forma anti-democrática como foi ratificado, evitando o debate social sobre este tipo de aspectos essenciais, ou melhor, ocultando aos cidadãos suas conclusões e inclusive fazendo truques na hora de aprová-lo.
Por isso Maastricht foi o primeiro e o mais claro alerta de que os construtores e beneficiários da Europa neoliberal que ali se punha em andamento não necessitavam democracia e sim muito pelo contrário. E que, portanto, com o Tratado começava o seu desmantelamento real.
O lado positivo de Maastricht é que demonstra a origem ilegítima que teve a dívida que injustamente se faz recair sobre os povos europeus. E, portanto, a primeira razão para auditá-la em toda a Europa e repudiá-la o quanto antes.

16/Novembro/2012

[NR] É a tese que muitos comentaristas, como Henrique Medina Carreira, afirmam reiteradamente na TV portuguesa.
[*] Professor de Teoria Económica na Universidade de Sevilha.
O original encontra-se em
http://juantorreslopez.com/impertinencias/aquel-tratado-de-maastricht/

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