"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, novembro 20, 2012

Katrina-Sandy: De um furacão ao outro O fim da América tal como era conhecida

resistir info – 20 nov 2012

por GEAB [*]

Tal como antecipado há vários meses pelo LEAP/E2020, o grande choque para a economia e a estabilidade política global chegou no Outono de 2012 sob a forma de um acontecimento simbólico que será assinalado na história mundial: o furacão Sandy.
Em termos de antecipação política, método sobre o qual o LEAP fundamenta suas análises
[1] , o Sandy corresponde a duas características: o acontecimento "gota de água" que torna insuportável as fracturas acumuladas e rompe um sistema; e o acontecimento simbólico que atinge a imaginação e transforma definitivamente a imagem de uma realidade – pois é preciso sempre distinguir entre a realidade de uma mudança sistémica (em marcha desde pelo menos 2008) e sua aceitação colectiva (no caso presente: a América já não é o que era).
O mês de Outubro de 2012 permanecerá portanto nos livros de história como a data do fim da América tal foi conhecida no século XX. O dia 29 de Outubro, a passagem do furacão Sandy sobre Nova York, 83 anos após a terça-feira negra da crise de 1929, revela ao mundo o estado real da sociedade americana e do seu símbolo, Nova York. A viragem é impressionante à simples leitura dos media de todo o mundo, que na véspera de uma eleição que tinha tudo para fascinar o planeta fazia manchetes sobre uma América "mudada", "dividida", "do terceiro mundo", "no impasse", "apocalíptica", etc... (ver lista de links mais adiante). Este espelho americano foi o Sandy que o quebrou definitivamente.
Confirmando todas as antecipações da equipe do LEAP/2020 desde há seis anos sobre a degradação da saúde dos Estados Unidos e, mais particularmente aquelas a partir do GEAB nº 65
[2] , o furacão Sandy é o acontecimento que data a última etapa do afundamento do sistema americano. Afectando o centro financeiro do país, pondo em evidência a incapacidade da cidade mais poderosa do país mais poderoso para resistir a um "pequeno" furacão previsto com vários dias de antecedência, ele marca o fim da América tal como foi conhecida.
Tal como antecipado em Janeiro de 2006, o "muro dólar"
[3] rachou continuamente ao longo dos últimos seis anos e o Sandy atingiu este muro rachado com plena força, revelando um "rei nu" [4] . A devastação de Nova Orleans em 2005 pelo furacão Katrina pode ser comparada a Chernobil para a URSS de 1986 (surpreendendo o mundo inteiro pela fraca gestão da crise e o estado real da economia) e o muro dólar ao muro de Berlim. Dois anos após a queda do muro de Berlim, a URSS afundava. Destruído pela crise, o muro dólar já não está presente e 2013 será o ano do afundamento da América do século XX.

Figura 1.

Do Katrina ao Sany, passando pelo Lehman Brothers, esta sucessão de choques pôs o poder estado-unidense de rastros: a confiança do resto do mundo esfumou-se. É preciso ler em particular, a este respeito, o incrível artigo da Spiegel, Divided States of America: Notes on the Decline of a Great Nation [5] , um verdadeiro condensado de seis anos de antecipações do LEAP... numa revista "convicções firmes" como a Spiegel, isso não é realmente anódino.
Após o Sandy e a eleição presidencial, os media fizeram claramente uma meia volta, inclusive os media europeus habitualmente admiradores dos Estados Unidos, e agora encaram este país com o olho crítico da realidade
[6] . A constatação é unânime: a grande potência saída da segunda guerra mundial já não o é.
No rastro do Sandy, a reeleição de Obama tem um sabor amargo para metade dos americanos e para o resto do mundo, como se vê nas manchetes da sua imprensa: aquilo que deveria ser uma boa notícia, pois Obama era o candidato natural do resto mundo, anuncia claramente a ausência de mudança, o que é inevitavelmente a pior das coisas à luz do que se sabe sobre a situação político-económica dos Estados Unidos. Todos os problemas não resolvidos nestes últimos quatro anos estão novamente sobre a mesa. O período de campanha eleitoral tendo-os artificialmente aplainado, eles ressaltam agora mais poderosos, mais insolúveis.
Com o ressurgimento dos problemas evadidos durante a campanha eleitoral e uma reeleição de Obama difícil de engolir pelos republicanos, os Estados Unidos não ultrapassarão os desafios que se anunciam no fim de 2012 e princípios de 2013: do lado económico, "precipício fiscal", elevação do tecto da dívida, "bolha de títulos", bolha dos créditos para estudantes; do lado social, a fractura explosiva do país entre os brancos maioritariamente pró Romney e as "minorias" maioritariamente pró Obama e, como antecipado no GEAB nº 68, tumultos que se arriscam a degenerar em secessão e guerra civil considerando a quantidade de armas em circulação no país; do lado político, um bloqueio que perdura e que corre o risco de desembocar num golpe de Estado militar num país em que o exército parece cada vez mais claramente como a única coisa a funcionar correctamente, a única portanto capaz de retomar o controle. Desenvolvemos esta análise do afundamento americano neste número 69 do GEAB.

Figura 2.

Abordamos igualmente os problemas do grande vizinho dos Estados Unidos, o Canadá, com a explosão da sua bolha imobiliária e suas consequências. Se bem que a situação canadiana esteja por enquanto longe de ser tão grave quanto aquela dos Estados Unidos, a América do Norte prepara-se para viver momentos difíceis.
Mas a nossa equipe recorda que a crise é mundial e não poupa sequer os países emergentes, a China à cabeça: revemos neste número os desafios que aguardam a China, nomeadamente os movimentos sociais que vão afectá-la em 2013 (como vimos para a Europa e os Estados Unidos nos dois números anteriores).
Apresentamos também, naturalmente, nossas recomendações mensais (divisas, bolsas, etc) e o GlobalEuromètre.
Se enfatizamos os Estados Unidos neste número, não há que perder de vista a situação explosiva mundial e nomeadamente geopolítica, que também está ligada à perda de influência americana. Vê-se nomeadamente no papel voluntariamente secundário que desempenharam na Líbia, no Mali, na Síria: devido a constrangimentos orçamentais, sua nova estratégia consiste em "delegar" as suas agendas aos seus parceiros, a França e o Reino Unido na Líbia, a CEDEAO no Mali
[7] , Israel na Síria [8] , ... A ausência do líder geopolítico dos últimos 80 anos torna a situação no Médio Oriente particularmente intrincada: todos os interesses, os mais díspares, ali se misturam numa vasta cacofonia.
É do lado europeu ou russo-chinês que de facto se encontram as soluções mas os europeus ainda não estão prestes a dessolidarizar-se do seu antigo aliado americano, auto-neutralizando-se de facto. Quanto aos russos e aos chineses, eles ainda beneficiam da aura ideológica das "boas potência", a saber, aquelas cujos interesses combinam com verdadeiros valores universais. Devido a este facto, nem a Rússia nem a China, que vão seriamente ter de trabalhar nestes valores sem os quais não há verdadeira potência, estão ainda em condições de substituir o líder perdido... ao menos pela força, o que é a pior das soluções para eles... e para todo o mundo com certeza.
Outro sinal de enfraquecimento da potência americana, as sanções sobre o Irão parecem impotentes salvo para difundir entre os iranianos o ódio para com o Ocidente. Este é outro espinho que os europeus cravaram voluntariamente no pé ao invés de comprar o petróleo iraniano em euro. Com efeito, o Irão agora escoa sem problemas seu petróleo para a China e a Turquia. Apesar de membro da NATO, a Turquia paga-o em ouro via Dubai
[9] com toda a legalidade. Este sistema mostra em simultâneo a fragilidade da aliança ocidental e a facilidade dos países para prescindirem do dólar a fim de pagar o petróleo, princípio que é a peça fundamental da hegemonia do dólar e dos Estados Unidos no mundo. Num futuro número do GEAB faremos um ponto da situação sobre os desafios mundiais em torno do petróleo, elemento central da geopolítica actual.
Finalmente, segundo o LEAP/E2020, a influência dos Estados Unidos sobre a Europa faz-se também sentir cada vez menos. Se a situação na Europa é pouco brilhante, com um desemprego elevado, um aumento da pobreza na Grécia e na Espanha, nomeadamente, os media anglo-saxónicos não agitam senão esporadicamente o espectro da explosão do Euro e de maneira cada vez menos virulenta, porque isto é cada vez menos crível e porque os problemas dos Estados Unidos – e os da Inglaterra – são cada vez mais visíveis. As mudanças na Eurolândia iniciadas na dor nestes últimos quatro anos começam a dar os seus frutos
[10] . O desligamento em relação à Wall Street e à City fez-se no decorrer da "crise do Euro" e continua actualmente (11); no caso da City, é o Reino Unido que se afasta (12). Assim, se a Eurolândia será como todo o mundo sacudida pelo afundamento do sistema americano, pelo menos não será aspirada por ele. No entanto, numerosos desafios aguardam os europeus, nomeadamente o facto de a atitude de Angela Merkel não facilitar as discussões com os seus parceiros. Retornaremos ao assunto no GEAB nº 70, sobre o futuro político da Alemanha em 2013 e posteriormente.

Notas:
(1) Ver Manuel d'Anticipation Politique, Marie-Hélène Caillol
,
Editions Anticipolis
(2) Retorno antecipado precisamente para o Outono.
(3) Cf. GEAB n°1 e n°52.
(4) Como no conto de Andersen, As novas roupas do imperador. Fonte:
Wikipedia
(5) Fonte: Der Spiegel, 05/11/2012
(6) Ler por exemplo: L'avenir sombre de l'Amérique, nouvel adversaire d'Obama (
Libération e Süddeutsche Zeitung , 07/11/2012), Les États-Désunis d'Amérique ( La Tribune , 06/11/2012), Rebuilding America (Foreign Policy, 14/11/2012), Waarom Amerika niet langer wereldmacht is ("Pourquoi l'Amérique n'est plus la puissance mondiale", Elsevier.nl, etc.)
(7) Fonte:
Le Monde , 11/11/2012
(8) Fonte:
The New York Times, 12/11/2012
(9) Fontes:
Reuters , 23/10/2012; ZeroHedge , 23/10/2012
(10) Último exemplo até à data: um melhor enquadramento europeu de certos produtos especulativos (CDS "nu" e venda a descoberto sobre a dívida dos Estados) passou relativamente desapercebido mas reforça as defesas dos países europeus contra ofensivas financeiras. Fonte: Le Monde, 01/11/2012.
(11) No domínio bancário por exemplo, ver
Seeking Alpha (18/12/2011). Ou o pedido dos alemães para ter o direito de olhar o seu ouro armazenado nos Estados Unidos (fonte Der Spiegel, 30/10/2012).
(12) Fontes: Financial Times (04/11/2012),
Le Monde (31/10/2012), Der Spiegel (02/11/2012), etc...

15/Novembro/2012

[*] Global Europe Anticipation Bulletin.
O original encontra-se em
www.leap2020.eu/...

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