recebido por e-mail - 17 fev 2013
[em
tradução direta, o livro recente de Noham Chomsky com entrevistas
com David Barsamian (com agradecimentos à editora, Metropolitan
Books). As perguntas são de Barsamian e as respostas, de Chomsky].
1)
Os EUA possuem ainda o mesmo grau de controle sobre as fontes de
energia do Oriente Médio como já tiveram antes?
Os
principais países produtores de energia estão sob firme controle
das ditaduras apoiadas pelo Ocidente. Assim, na realidade, o
progresso feito pela primavera árabe é limitado, mas não é
insignificante. O sistema ditatorial controlado pelo ocidente está
sofrendo uma erosão.
Na
realidade, está passando por esse desgaste já há algum tempo. Por
exemplo, se retrocedermos 50 anos, as fontes de energia -
a principal preocupação dos estrategistas dos EUA - foram em
sua maioria nacionalizadas. Constantemente têm sido feitas
tentativas para reverter isso, mas sem êxito.
Tome
a invasão do Iraque, por exemplo. Para qualquer um, exceto para um
ideólogo obstinado, foi completamente óbvio que invadimos o Iraque
não por nosso amor à democracia mas sim porque o país é a segunda
ou terceira maior fonte de petróleo do mundo, e está bem no meio de
uma região que é grande produtora de energia. Mas, não se pode
dizer isso porque é considerado uma teoria conspiratória.
Os
EUA foram seriamente derrotados no Iraque pelo nacionalismo
iraquiano, em sua maior parte por uma resistência não
violenta. Os EUA poderiam matar os revoltosos, mas não poderiam
lidar com meio milhão de pessoas fazendo demonstrações nas ruas.
Pouco a pouco, o Iraque conseguiu desmantelar
os controles montados pelas forças de ocupação.
Por
volta de novembro de 2007, foi se tornando perfeitamente claro que
seria muito difícil atingir as metas dos EUA. E, naquele instante,
interessantemente, esses objetivos estavam explicitamente expressos.
Assim,
em novembro de 2007, o governo de Bush II surgiu com uma declaração
oficial sobre como como teria que ser qualquer arranjo futuro com o
Iraque. Ela tinha dois requisitos principais: um, que os EUA têm que
ter liberdade para executar operações de combate a partir de suas
bases militares, as quais ainda retêm; e dois, "encorajar o
fluxo de investimentos estrangeiros para o Iraque, especialmente os
investimentos americanos". Em janeiro de 2008, Bush deixou isso
claro em uma de suas declarações assinadas. Um par de meses depois,
face à resistência iraquiana, os EUA tiveram que desistir e seu
controle sobre o Iraque está desaparecendo à frente de seus olhos.
O
Iraque foi uma tentativa de reinstituir pela força algo como o
antigo sistema americano de controle, mas isso fracassou. Acho que
no geral as políticas dos EUA permanecem as mesmas, mas a capacidade
de implementá-las está declinando.
2)
Declinando por causa de fraqueza econômica?
Em
parte porque o mundo está simplesmente se tornando mais
diversificado, possui mais centros de poder diversificados. No final
da Segunda Grande Guerra, os EUA estavam completamente no pico de seu
poderio. Possuíam metade das riquezas do planeta, e cada um de seus
concorrentes estava severamente prejudicado ou destruído.
Desfrutavam de uma posição de inimaginável segurança, e
desenvolveram planos para literalmente dirigir o mundo - não
irrealisticamente, naquele momento.
3)
Isso foi denominado planejamento da "grande área"?
Sim.
Logo após a segunda guerra mundial, George Kennan, chefe da equipe
de planejamento estratégico do Departamento de Estado, e outros
esboçaram os detalhes e, em seguida, eles foram implementados. O que
está acontecendo hoje no Oriente Médio e no norte da África, até
certo ponto, e na América do Sul remonta substancialmente aos fins
dos anos 1940. A primeira grande resistência bem sucedida contra a
hegemonia americana deu-se em 1949, quando se deu um evento que,
interessantemente, foi chamado "a perda da
China". Esta é uma expressão interessante, nunca
contestada. Houve muita discussão sobre quem é o responsável pela
perda da China, isto se tornou um enorme assunto interno (nos EUA).
Mas, ela é uma expressão muito interessante. Você só pode perder
algo se o possuir. Teve-se então como líquido e certo: a China é
nossa - e, se ela se mover para tornar-se independente, perdemos a
China. Posteriormente, surgiram preocupações com a "perda da
América Latina", a "perda do Oriente Médio", a
"perda de" certos países, todas elas baseadas na premissa
de que somos os donos do mundo e qualquer coisa que enfraqueça nosso
controle é uma perda para nós, e ficamos imaginando como
recuperá-lo.
Hoje,
se você ler, digamos, publicações sobre política externa ou, em
uma forma cômica e ridícula, ouvir os debates dos republicanos,
eles estão indagando: "Como evitar mais perdas?"
Por
outro lado, a capacidade de preservar o controle reduziu-se
fortemente. Por volta de 1970, o mundo já era o que se chamava
tripolar economicamente falando, com um centro
industrial na América do Norte baseado nos EUA, um centro europeu
apoiado na Alemanha grosseiramente comparável em tamanho, e um
centro no leste asiático apoiado no Japão, que era à época
a região de crescimento mais dinâmico no mundo. Desde então, a
ordem econômica global tornou-se muito mais diversificada. Assim,
tornou-se mais difícil levar a cabo nossas políticas, mas os
princípios básicos delas não mudaram muito.
Tomemos
a doutrina Clinton. Ela dizia que os EUA tinham direito a recorrer à
medida de força unilateral para assegurar "acesso ilimitado a
mercados, suprimentos de energia e fontes estratégicas essenciais".
Isso
vai além do que qualquer coisa dita por George W. Bush. Mas, foi
expresso de maneira calma e não foi arrogante nem rude, por isso não
provocou muito alvoroço. A crença naquele direito permanece a mesma
até agora, e é também parte da cultura intelectual americana.
Logo
em seguida ao assassinato de Osama Bin Laden, em meio às vibrações
e aplausos, houve alguns poucos comentários críticos questionando a
legalidade do que fora feito. Séculos atrás, costumava existir
algo chamado presunção de inocência. Se você capturar um
suspeito, ele é um suspeito até ficar provado que é culpado. Ele
deveria ser levado a julgamento, isto é o coração da lei
americana.
Você
pode rastrear isso de volta até à Carta Magna. Houve então um par
de vozes dizendo que talvez não devêssemos jogar fora todo o
fundamento da legislação anglo-americana. Isso gerou um bocado de
reações muito irritadas e furiosas, mas as mais interessantes, como
sempre, foram as vindas do extremo esquerdista-liberal do espectro
político. Matthew Yglesias, um comentarista da esquerda liberal
muito conhecido e altamente respeitado, escreveu um artigo em que
ridicularizava esses pontos de vista. Ele disse que eles eram
"surpreendentemente inocentes" e estúpidos, e depois
explicou porque achava isso. E disse: "Uma das principais
funções da ordem institucional internacional é precisamente
legitimar o uso de forças militares letais pelas potências
ocidentais". É óbvio que não se referia à Noruega, ele
focava os EUA. Assim, pois, o princípio em que
se baseia o sistema internacional é que os EUA têm o direito de
usar a força conforme a sua vontade. Falar sobre os EUA
estarem violando as leis internacionais, ou algo parecido, é
surpreendentemente inocente e completamente estúpido. Por falar
nisso, eu era o alvo dos comentários de Matthew e sou feliz por
confessar minha culpa. Eu realmente acho que a Carta Magna e as leis
internacionais são dignas de alguma atenção.
Mencionei
isso simplesmente para ilustrar que, na cultura intelectual, os
princípios nucleares da política americana não mudaram muito,
mesmo no chamado extremo esquerdo-liberal do espectro político. Mas,
a capacidade de implementá-los diminuiu drasticamente. É por isso
que se tem toda essa conversa sobre o declínio americano. Dê uma
olhada na edição de fim de ano da "Foreign Affairs", a
principal publicação do establishment. Sua vistosa primeira página
primeira pergunta, em negrito: "A América
está acabada?" (ou, "A América já era?"). É
uma reclamação típica daqueles que acreditam que devem ser donos
de tudo.
Se
você acredita que deve ser dono de tudo e alguma coisa escapa de
você, é uma tragédia e o mundo é visto como entrando em colapso.
Então,
a América já era? Há muito tempo atrás "perdemos" a
China, perdemos o sudeste da Ásia, perdemos a América do Sul.
Talvez percamos o Oriente Médio e os países do norte da África. A
América já era? Isto é um tipo de paranoia, mas é a paranoia dos
super-ricos e dos super-poderosos. Se você não possuir tudo, é um
desastre.
O
New York Times (NYT) descreve "o dilema de definição da
política da primavera árabe como sendo a busca de como harmonizar
impulsos contraditórios dos EUA, incluindo apoio para mudança
democrática, um desejo por estabilidade e cautela com islamitas que
se tornaram politicamente poderosos". O NYT identifica três
objetivos dos EUA. O que você acha deles?
Dois
deles estão corretos. Os EUA são a favor da estabilidade, mas é
preciso lembrar do que significa estabilidade. Estabilidade
significa concordância com as ordens dos EUA. Assim, por
exemplo, uma das acusações contra o Irã, a grande ameaça na
política externa, é que está desestabilizando o Iraque e o
Afeganistão. Como? Tentando expandir sua influência em direção a
países vizinhos. Por outro lado, nós "estabilizamos"
países quando os invadimos e os destruímos.
E,
ocasionalmente, citei uma das minhas maneiras favoritas de ilustrar
isso, que é da autoria de um famoso e muito bom analista liberal de
política externa, James Chace, um ex-editor da Foreign Affairs.
Escrevendo
sobre a deposição do regime de Salvador Allende e a imposição da
ditadura de Augusto Pinochet em 1973, ele disse que tivemos que
"desestabilizar" o Chile no interesse
da "estabilidade".
Isso
não é entendido como uma contradição - e realmente não é.
Tivemos
que destruir o sistema parlamentar chileno para ganhar estabilidade,
isto significando que fariam o que mandássemos que fizessem. Assim,
pois, somos a favor da estabilidade nesse sentido técnico.
Preocupação
com o Islã político é simplesmente igual à preocupação com
qualquer desenvolvimento independente. Você tem que se preocupar com
qualquer coisa que seja independente, porque ela pode destruir você
aos poucos. Na realidade, isso é um pouco paradoxal porque
tradicionalmente os EUA e o Reino Unido têm, geralmente, prestado
forte apoio ao fundamentalismo islâmico radical, não ao Islã
político, como uma força para bloquear o nacionalismo secular, que
é a preocupação real de ambos. Assim, por exemplo, a Arábia
Saudita é o estado mais extremadamente fundamentalista no mundo, um
estado islâmico radical - tem um zelo missionário, está levando o
islamismo radical ao Paquistão e está financiando o terror, mas, é
o baluarte da política dos EUA e do Reino Unido, que o têm apoiado
de forma consistente do Egito de Gamal Abdel Nasser ao Iraque de Abd
al-Karim Qasim, entre muitos outros. Mas, ambos não gostam do Islã
político porque ele pode tornar-se independente. [A mais recente
novidade nessa relação espúria é a descoberta de uma base secreta
de Vants (Veículos aéreos não tripulados, os drones) dos EUA na
Arábia Saudita.]
O
primeiro dos três pontos, nosso anseio por democracia, está mais ou
menos no mesmo nível de Joseph Stalin falando sobre o compromisso
russo com autodeterminação, democracia e liberdade para o mundo. É
o tipo de declaração da qual você ri quando a ouve da boca de
comissários (no sentido soviético ou russo da palavra) ou clérigos
iranianos, mas para a qual você acena polidamente com a cabeça, e
talvez até com admiração, quando a ouve das contrapartes
ocidentais.
Se
você observar os registros históricos, o anseio por democracia é
uma piada de mau gosto. Isto é reconhecido até por acadêmicos de
ponta, embora não o façam dessa maneira. Uma das maiores
autoridades acadêmicas na denominada promoção de democracia é
Thomas Carothers, que é bastante conservador e tido em alta conta -
um neo-reaganista, não um liberal inflamado. Ele trabalhou no
Departamento de Estado de Reagan e escreveu vários livros analisando
o curso da promoção de democracia, que ele leva muito a sério. Ele
diz ok, isso é um ideal americano profundamente arraigado, mas tem
uma história engraçada. A história é que todo governo dos EUA é
"esquizofrênico". Eles apoiam a
democracia apenas quando ela está de acordo com certos interesses
estratégicos e econômicos. Ele descreve isso como uma
patologia estranha, como se os EUA necessitassem de tratamento
psiquiátrico ou algo parecido. Obviamente, há outra interpretação,
mas é uma que não pode ser lembrada se você for um intelectual
bem-educado e bem comportado.
Vários
meses após a derrubada do presidente Hosni Mubarak no Egito, ele
estava sendo julgado e enfrentando acusações de crimes e prisão. É
inconcebível pensar-se que líderes dos EUA sejam alguma vez detidos
para responder por seus crimes no Iraque ou alhures. Isso mudará em
algum futuro próximo?
Esse
é basicamente o princípio Yglesias: a base fundamental da ordem
internacional é que os EUA tenham o direito de usar a violência à
sua vontade. Se é assim, como é que se pode acusar alguém?
4)
E ninguém mais tem esse direito (do uso indiscutível da força)?
Claro
que não. Bem, talvez nossos clientes o tenham. Se Israel invadir o
Líbano, matar 1.000 pessoas e destruir metade do país, OK, está
tudo bem. É interessante. Barack Obama foi um senador antes de ser
presidente. Não fez muito como senador, mas fez um par de coisas,
incluindo uma da qual se sente particularmente orgulhoso. De fato, se
você olhasse em seu website antes das primárias veria que Obama
destacava o fato de, durante a invasão do Líbano por Israel em
2006, ter co-patrocinado uma resolução do Senado demandando que os
EUA não fizessem nada para impedir as ações militares de Israel
até que elas tivessem atingido seus objetivos, e censurando o Irã e
a Síria porque estavam apoiando a resistência contra a destruição
do sul do Líbano por Israel. Por sinal, pela quinta vez em 25 anos.
Assim, eles herdaram o direito (do uso da força à sua vontade).
Outros clientes também.
Mas,
na realidade, esse direito tem sede em Washington. Isso é o que
significa ser dono do mundo. É como o ar que
você respira, você não pode questioná-lo. O principal
fundador da teoria contemporânea das RI (Relações Internacionais),
Hans Morghentau, era na realidade uma pessoa bastante decente, um dos
raros cientistas políticos e especialistas em assuntos externos a
criticar a guerra do Vietnam sob o ponto de vista moral, não tático.
Algo muito raro. Ele escreveu um livro chamado "O Objetivo da
Política Americana" (The Purpose of American Politics).
Você
já sabe o que ele traz. Outros países não têm objetivos. O
objetivo da América, por outro lado, é "transcedental" -
levar liberdade e justiça para o resto do mundo. Mas, ele
(Morghentau) é um bom acadêmico, como Carothers. Então, vasculhou
os arquivos. Ele disse que, quando você examina esses arquivos, é
como se os EUA não vivessem à altura de seus objetivos
transcendentais. Mas, diz ele então, criticar nossos objetivos
transcendentais é "cair no erro do ateísmo, que nega a
validade da religião com base nas mesmas razões" - que é uma
boa comparação. É uma crença religiosa profundamente arraigada -
tão profundamente, que será difícil desmaranhá-la. E se alguém
questionar isso, gera-se uma quase-histeria e, frequentemente,
acusações de antiamericanismo ou de "ódio à América" -
conceitos interessantes que não existem em sociedades democráticas,
mas em regimes totalitários e aqui (nos EUA), onde são simplesmente
considerados como indiscutíveis.
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