viomundo - publicado em 13 de maio de 2013 às 11:37
O tempo do esgotamento
por Vladimir Safatle, em CartaCapital
Desde o advento da Nova República, o Brasil conheceu dois ciclos
estruturados de governo. O primeiro começou com os oito anos da
Presidência de Fernando Henrique Cardoso, o segundo começou com Lula e
termina agora.
Antes de Fernando Henrique, o Brasil tentara, sem sucesso, implantar
um desastrado choque liberal com Fernando Collor, depois de um curto
prazo de políticas heterodoxas feitas no governo José Sarney ao ritmo de
oportunismos eleitorais do momento.
Fernando Henrique e os seus tiveram, durante certo tempo, o desejo de
se constituírem como polo avançado de um pensamento social-democrata no
Brasil, mas acabaram por subir à cena política no exato momento em que a
social-democracia saía de cena no mundo.
Capitaneado por Tony Blair e seus arautos da Terceira Via, o
trabalhismo inglês dos anos 90 do século XX mostrou como era possível
articular thatcherismo, ternos bem cortados e promessas de modernização
social.
Esse modelo serviu de paradigma mundial. Gerhard Schroeder tentou
fazer a lição de casa na Alemanha. Já no Brasil, como em outros países
latino-americanos, entre eles a Argentina e o Chile, o choque liberal
capitaneado por antigos centro-esquerdistas foi feito no ritmo dos
desmontes brutais da capacidade gerencial do Estado e de sonhos de
integração subalterna à economia globalizada, tudo com direito a
citações de Marx e Gramsci.
Quando o ciclo fernandista terminou por inanição própria, outro ciclo
estava em gestação. Durante toda a década de 90, o PT crescera
organicamente e de maneira contínua, consolidando-se como uma
alternativa de poder.
Da mesma forma, como Fernando Henrique soubera fornecer a pauta do
debate nacional de ideias, abrindo seu partido para uma seção dos
intelectuais universitários, o PT crescera por meio de uma articulação
em que intelectuais e o setor progressista da Igreja forneciam uma pauta
alternativa de debates, legitimada, entre outras coisas, por um forte
lastro nos sindicatos e em outros movimentos sociais.
No poder, o PT inaugurou um novo ciclo, muito bem caracterizado por
André Singer como “lulismo”. No momento em que o Brasil implementava seu
novo ciclo político, o mundo descobria o fracasso do choque liberal dos
anos 90. Durante certo tempo, esse modelo brasileiro, baseado na
reconstrução de um capitalismo de Estado e na criação de políticas
capazes de minorar a desigualdade, pareceu a única coisa a ficar de pé
depois da crise de 2008.
Não foram poucos aqueles que, na Europa, insistiam na necessidade de
voltar os olhos para as experiências políticas latino-americanas, em
especial a brasileira.
Hoje fica claro, porém, que o ciclo do “lulismo” acabou por não ter
tido condição de aprofundar suas políticas. A história conhece, no
entanto, vários ciclos que acabam, mas que, apesar disso, permanecem por
não ter nada que a eles se contraponha. Muitas vezes abre-se um tempo
no qual nada ocorre e o que está arruinado perpetua-se em uma degradação
nostálgica. Há um risco, digamos, de isso ocorrer nos próximos anos.
De fato, pela primeira vez desde a redemocratização, assistimos ao
fim de um ciclo político sem, no entanto, existir um novo ciclo em
gestação, com novos atores e novas forças de organização do debate de
ideias. Os dois grandes eixos da política nacional oriundos do combate à
ditadura, o PT e a ala mais ideologicamente organizada do MDB que foi
dar no PSDB, foram testados e deram o que eram capazes de dar.
Os dois incorreram em erros semelhantes, como acreditar que o jogo
político brasileiro só pode dar-se pelas vias da cooptação e gestão de
setores do atraso. Os dois acabaram reféns dos mesmos personagens, haja
vista, por exemplo, o fato de Renan Calheiros ter sido nos tempos de FHC
e ser atualmente peça fundamental no consórcio de poder.
Nesse quadro de vazio, duas possibilidades se apresentam. A primeira,
talvez o melhor cenário, é o deslocamento do embate político para os
extremos. É possível que tenhamos em curto espaço de tempo uma
radicalização política no cenário brasileiro. Ao menos seria melhor do
que o clima de bola parada que parece querer se impor.
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