recebido por e-mail, 08 mai 2013
MARK HUST
DA CREATIVE GOOD
DA CREATIVE GOOD
O Google Glass pode mudar
sua vida, mas não da maneira que você pensa. Há algo mais que esses óculos
tornam possível e que ninguém discutiu até agora.
Tomando por base os relatos elogiosos de
jornalistas de tecnologia que encomendaram modelos de amostra do Glass, seria
possível imaginar que o aparelho é uma mistura de mochila a jato e varinha de
condão: tão bacana, tão criativo, tão irresistível que é inevitável que venha a
substituir aquele antiquado e decadente aparelho conhecido como smartphone.
Excetuado o design físico cafona, a experiência de
uso do aparelho conquistou grandes elogios dos resenhistas. Ver correntes de
bits flutuando no ar diante de seus olhos é uma experiência deslumbrante, ao que
parece. Clima! Mapas e orientação! Convites de redes sociais! Sobrecarga de
e-mails! Tudo isso flutuando diante de seus olhos!
E, se tudo isso não bastasse, o computador
vestível do Google vem com ainda outro recurso, ainda mais importante, chamado
"lifebits", que permite gravar vídeos das pessoas, lugares e acontecimentos em
torno do usuário, o tempo todo. A empresa está oferecendo a oportunidade de que
cada usuário grave sua vida, a armazene e compartilhe, e tudo isso acionado por
comandos de voz simples.
E é nesse ponto que nossa história dá uma virada
inesperada, em direção a uma ramificação que apequena todas as demais questões
mencionadas até aqui sobre o Google Glass.
A verdadeira questão que o Glass desperta, que
causará o fracasso do projeto ou terá resultados que nenhum de nós desejaria, se
relaciona aos lifebits. E uma vez mais, é uma questão de experiência --não a do
usuário, mas a de todas as demais pessoas.
Imagine uma conversa face a face com alguém que
esteja usando o Glass: ela será sempre irritante, porque você suspeitará que a
atenção do interlocutor não está concentrada em você. E não é confortável pedir
a uma pessoa que tire o dispositivo (especialmente nos casos em que ele for
integrado a lentes corretivas, o que se tornará inevitável).
É nesse ponto que começa o problema: você nunca
saberá se o interlocutor está gravando a conversa em vídeo.
Agora imagine que você não conheça ninguém que use
o Google Glass e um dia decida sair para uma caminhada. Em qualquer lugar
público a que vá --qualquer loja, calçada, metrô, ônibus--, há o risco de que
sua presença seja gravada, em áudio e vídeo.
"Sou gravado por câmeras de segurança o dia todo e
isso não me incomoda. Qual é a diferença, então?".
O que torna esses óculos inteligentes tão únicos é
que se trata de um projeto do Google. E a companhia tem a capacidade de combinar
seu mais novo produto às demais tecnologias que controla.
Por exemplo, pense nos vídeos gravados pelos
aparelhos de todos os usuários do Glass, espalhados pelo mundo.
Não importa que os vídeos sejam gravados apenas
temporariamente, como era o caso na versão de demonstração do aparelho, ou
permanentemente, como certamente será o caso em modelos futuros. O que importa é
que todos os vídeos serão transmitidos à nuvem de servidores do Google.
Se acrescentarmos a isso recursos de
reconhecimento facial e o banco de dados de identidades que o Google vem
construindo em sua rede social (com ênfase nos nomes reais e corretos dos
usuários), os servidores da empresa poderiam processar os arquivos de vídeo a
seu bel prazer, para tentar identificar todas as pessoas que aparecem em todos
os vídeos.
E se o Google+ não parece grande ameaça, basta
recordar que Mark Zuckerberg já anunciou que o Facebook desenvolverá aplicativos
para o Glass.
Por fim, considere o software de conversão de voz
em texto que o Google já emprega em seus servidores e nos óculos inteligentes.
Qualquer som em um vídeo poderia, em termos técnicos, ser convertido em texto,
associado ao indivíduo envolvido na conversa e indexado para busca no banco de
dados do Google.
O aspecto realmente interessante é que toda essa
indexação, identificação e armazenagem poderia acontecer mesmo que o usuário do
Glass não o ordenasse.
Qualquer vídeo gravado com o aparelho, em qualquer
lugar e momento, provavelmente será armazenado nos servidores do Google, onde o
pós-processamento (reconhecimento facial, conversão de voz em texto) seria
realizável mais tarde a pedido do Google ou de qualquer outra entidade
empresarial ou governamental, para uso em qualquer momento do futuro.
De hoje em diante, começando já, sempre que você
estiver ao alcance de um aparelho Google Glass, tudo que fizer poderá ser
gravado e armazenado na nuvem pelo resto de sua vida. Você não saberá se está ou
não sendo gravado, e mesmo que saiba não poderá fazer coisa alguma para impedir.
Essa é a discussão que devemos realizar sobre o
Google Glass. A comunidade da tecnologia tem todo o direito de liderar essa
discussão. Mas o pessoal do ramo hoje em dia prefere discutir se usar os óculos
vai deixá-los mais atraentes.
MARK HURST é fundador da
Creative Good e autor de "Bit Literacy" (2007)
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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