resistir info - 30 jul 2013
por Thierry Meyssan [*]
Ao classificar o ramo militar do Hezbolá como organização terrorista, a União Europeia manifesta a sua incompreensão da Resistência libanesa. O Hezbolá não é e não quer tornar-se um partido político, ainda que participe no jogo político libanês. Bruxelas exprime a sua vassalagem ao bloco anglo-saxão (incluindo Israel) em detrimento de seus próprios princípios.
Foi com três dias de atraso, que o Conselho europeu publicou a sua decisão relativa à inscrição do ramo militar do Hezbolá na sua lista de organizações terroristas. Contrariamente ao costume, a notícia já deu a volta ao globo e o Hezbolá já respondeu.
O documento oficial foi acompanhado de uma declaração comum do Conselho e da Comissão sublinhando que isto "não impede a continuação do diálogo com o conjunto dos partidos políticos do Líbano e não afecta o fornecimento de assistência a este país". Este comentário visa explicitar a distinção entre os ramos civil e militar do Hezbolá que permite à União Europeia discutir com o primeiro ao mesmo tempo que condena o segundo.
Dentro desta onda, a embaixadora da União Europeia, Angelina Eichhorst, foi a Beirute visitar o responsável das relações internacionais do Hezbolá, Ammar Moussaoui, para lhe dizer que esta decisão não mudava nada nas relações bilaterais. O problema, é que esta decisão não tem nenhum sentido.
Mascarar a aspiração mística do Hezbolá
Por definição, o Hezbolá não é um partido político, mas sim uma rede de resistência à invasão israelense, constituída por famílias xiitas baseada no modelo dos basidjis iranianos, do qual adoptou a bandeira (amarela). Progressivamente, a Resistência incorporou não-xiitas no seio de uma estrutura ad-hoc, e substituiu o falhanço do Estado libanês tanto para vir em socorro às famílias dos seus feridos e mártires como para reconstruir o Sul do país, inteiramente arrasado pela aviação israelense. Esta evolução levou-o a apresentar candidatos às eleições e a participar no governo.
O seu secretário-geral, Sayyed Hassan Nasrallah, não cessou de exprimir as suas reticências face à política, que para ele não é nada mais que uma actividade corruptora. Pelo contrário, ele aproveitou todas as ocasiões para reafirmar o seu ideal de morrer com mártir no campo de batalha, como o seu filho mais velho Muhammad Hadi, seguindo assim a via traçada pelo imã Hussein na batalha de Kerbala.
Na essência, o Hezbolá é o fruto de uma atitude mística e não poderia ser comparado a um partido político europeu. Os seus soldados nada têm a ganhar ao baterem-se, mas apenas a perder incluindo a sua vida. Eles vão à guerra porque a sua causa é justa e é uma ocasião para o sacrifício, o quer dizer de desenvolvimento humano. Era o sentido da revolução do aiatolá Rouhollah Khomeini e é o seu.
Apesar da ambiguidade que decorre da tradução do seu nome, Hezbollah, como o "Partido de Deus", esta rede não é uma formação política e não pensa tornar-se em tal. O seu nome, extraído do Corão, figura sobre a sua bandeira: "Quem tomar por aliados Deus, Seu mensageiro e os crentes, [triunfará], pois é o partido de Deus é que sairá vitorioso". É preciso compreender aqui o significado da expressão "partido de Deus" no sentido escatológico: será em definitivo Deus quem triunfará do Mal no fim dos tempos.
Muito estranhamente, os europeus — que maioritariamente consideram como um dado democrático a separação entre poderes temporal e religioso — reprovam ao Hezbolá a sua essência espiritual, e querem "normalizá-lo" em partido político. No seu espírito, os resistentes libaneses não são afectados pela colonização da Palestina e da Síria. Eles deveriam antes ocupar-se da sua carreira política do que a arriscar a sua vida em combate.
A decisão do Conselho europeu terá pouco alcance prático. Ela consiste, sobretudo, em proibir aos membros do "ramo militar" viajarem na União Europeia e em congelar os seus depósitos bancários: mas não se vê porque clandestinos, lutando contra as potências coloniais, iriam abrir contas bancárias nesses estados.
Porquê portanto esta barulheira? A inclusão do Hezbolá na lista europeia das organizações terroristas é uma velha reivindicação de Telavive, apoiada pelo império anglo-saxónico. É um esforço de propaganda visando afirmar que os "Bons" são os israelenses e os "Maus" os que recusam aceitar o roubo das suas terras. A proibição foi apresentada pelo presidente israelense Shimon Peres aos dirigentes da UE, depois ao Parlamento Europeu, em 12 de Março último. Foi levada ao Conselho Europeu pelos ministros britânico e francês dos Negócios Estrangeiros, William Hague e Laurent Fabius. Eles foram secundados pelos seus colegas holandês e austríaco, Frans Timmermans e Michael Spindelegger, após uma intensa mobilização dos sionistas estado-unidenses, dentre os quais o antigo governador da Califórnia, Arnold Schwarzeneger.
Mascarar o fracasso israelense na Argentina
Havia urgência em agir para os comunicadores israelenses. Com efeito, desde 1994, eles acusam o Hezbolá e o Irão de terem feito explodir o imóvel da mutualista judia de Buenos Aires, causando 85 mortos. Esta versão dos factos é apresentada como uma certeza, em numerosas enciclopédias e manuais escolares. Contudo, desde há muitos anos que a justiça argentina a desmentiu. Em Janeiro de 2013, a Argentina e o Irão criaram uma comissão de juristas independentes para esclarecimento total sobre o assunto. Desde logo, ficou claro que o atentado foi uma maquinação urdida pelo antigo ministro do Interior, o israelo-argentino Vladimir Corach.
Como este caso não vinga, Telavive acusou o Hezbolá e o Irão de terem feito explodir um autocarro israelense na Bulgária, causando sete mortos (incluindo um kamikaze), a 18 de Julho de 2012. Logo de início, o governo de centro-direita búlgaro apoiou a acusação, antes de ser contraditado pelo seu sucessor de centro-esquerda. Pouco importa, para o Conselho Europeu o Hezbolá é politicamente o autor de um atentado no território da UE, embora não o seja do ponto de vista judicial.
De modo geral, Israel acusa o Hezbolá de ter fomentado, e por vezes executado, uma vintena de atentados contra civis um pouco por todo o lado, no mundo inteiro, em trinta anos, o que a Resistência nega.
Ainda aqui, muito estranhamente, os europeus — que consideram a presunção de inocência como um dado adquirido em democracia — condenam o suspeito antes mesmo que ele tenha sido julgado, ou sequer submetido a provas.
Mascarar o fracasso europeu na Síria
No fundo, não escapou a ninguém que a verdadeira novidade neste dossiê não figura ali: é a intervenção do Hezbolá na guerra da Síria. Uma vez que traímos nosso compromisso de derrubar o presidente Bachar el-Assad, levemos ao menos o nosso apoio aos "rebeldes" condenando o Hezbolá, pensa-se em Bruxelas. Foi este argumento que, parece, levou à decisão do Conselho Europeu. Isto mostra, pelo contrário, a incapacidade dos britânicos e franceses em influenciarem o que quer que seja, num conflito que eles deliberadamente desencadearam a fim de se apoderarem da Síria, brandindo a bandeira da colonização, que se tornou a mesma do chamado exército sírio livre. Acima de tudo esta condenação tem o mérito de clarificar os campos: de um lado a resistência à opressão colonial, do outro as potências colonialistas.
Se a atitude britânica não é espantosa, com o Reino Unido reivindicando o seu estatuto colonial, ela ainda é mais no que se refere à França, que alternou na sua história períodos revolucionários e os imperiais.
Assim, a Declaração dos Direitos do homem e do cidadão, adoptada em 1789, enuncia no seu artigo 2 quatro direitos fundamentais, dos quais um é a "resistência à opressão". Foi com esta base que em 1940, Charles De Gaulle se opôs ao armistício entre a França e o Reich nazi, pondo-se à frente da Resistência.
Em contrapartida, no decurso dos anos 1880, Jules Ferry encarnou a expansão francesa desejada por uma fracção do patronato que com isso pretendia maior rentabilidade para os seus investimentos pois em França era o contribuinte e não o patronato que pagava o exército colonial. Para arregimentar o país, Ferry tornou a escola pública gratuita e obrigatória. Os professores, chamados "hussardos negros da República" deviam convencer os jovens a alistarem-se nas tropas coloniais. E foi sob os auspícios de Jules Ferry que o actual presidente francês, François Hollande, consagrou o seu quinquénio.
Se a França moderna é Charles De Gaulle, ela teria podido ser Philippe Pétain; um marechal razoável, que considerava a submissão ao Reich vitorioso tanto mais desejável quanto ele aí via um meio de acabar com a herança de 1789. É certamente demasiado cedo para que as elites francesas o reabilitem, mas condenar a Resistência libanesa é condenar Charles De Gaulle à morte uma segunda vez, por terrorismo.
Definitivamente, os ideais que fizeram a glória da França são actualmente mais bem defendidos em Beirute do que em Paris.[*] Editor de Reseau Voltaire
O original encontra-se em www.voltairenet.org/article179620.html . Tradução de Alva (com pequenas alterações).
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